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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dificuldade de Concentração.


Xiiii, professor, "deu um branco" I

Que professor já não ouviu de um ou alguns de seus alunos a expressão que dá título a esta crônica? E o que fazer para efetivamente promover uma ajuda? É certo que muitas vezes essa afirmação nada mais é que uma desculpa esfarrapada de quem não estudou, mas existem casos, e não poucos, de alunos estudiosos e sinceros que, em seu desespero, esquecem do que haviam aprendido. É possível, realmente, ajudar um estudante (um filho) quando reclama que "dá um branco" na hora da avaliação?
Felizmente, a resposta é positiva, ainda que a individualidade de cada cérebro nem sempre nos autorize a garantir que o que é bom para alguns é bom para todos. Entre os inúmeros atributos da mente humana, a memória é, sem dúvida, a que se estuda melhor e, se ainda não conhecemos todos os procedimentos necessários para impedir que ela se deteriore nem como estancar a terrível doença de Alzheimer, já sabemos muito e, disso tudo, há certos procedimentos inteiramente válidos para serem aplicados em sala de aula ou acudir a criança que, desesperada, busca ajuda.
A presente crônica procura elucidar alguns pontos incontestes sobre o conhecimento da memória humana e sugerir procedimentos que, se aplicados sistematicamente, reduzem de forma considerável a tão angustiante ameaça do "branco". Vamos a esses pontos:
O ser humano não possui uma, mas muitas memórias, e a falha desta ou daquela exige um cuidado específico, para as quais medidas generalistas nem sempre ajudam muito. Além de memórias olfativas (ah, o cheiro inefável do bolo de fubá de mamãe!), temos memórias gustativas, visuais (essa cena jamais se apaga de minha saudade...), cinestésicas (quem aprende, jamais esquece os movimentos do corpo em um bom samba) e, ainda, as memórias propriamente ditas, que mais à frente comentaremos. Quando é possível ao professor associar um tema, uma teoria ou equação a uma dessas memórias, é bem mais fácil para o aluno acessá-la e, assim, se um exercício de raiz quadrada se associar ao cheiro do café, não há motivo para não se associar a queda da bastilha aos passos de tango.
Entre as memórias propriamente ditas, temos a clássica divisão em memória de curta duração (que permanece apenas alguns segundos e serve, por exemplo, para lembrarmos como começou a frase que agora estamos concluindo) e a de longo prazo — ou de longa duração —, que constitui o arquivo imprescindível de nossa individualidade. Integra essa família a memória da identidade e a memória autobiográfica. Se sabemos quem somos e nos lembramos do que e de quem gostamos, temos uma identidade e, portanto, somos quem somos. Mas lembrar-se da própria identidade não se confunde com outras lembranças e emoções pessoais. Se guardamos o nome de amigos queridos e lembramos com saudade ou desespero de momentos de imensa emoção, é a memória autobiográfica que estamos evocando. Faz parte desse grupo a chamada memória de procedimentos, que guarda instruções para a realização de tarefas comuns como andar, dirigir e sentar. Dificuldades com essas memórias, como as amnésias, requerem cuidados médicos e psicológicos específicos. Esquematizando esse primeiro grupo, caberia reiterar que existem memórias de curta e de longa duração. Entre estas últimas figuram três memórias que constituem a garantia de nossa individualidade: as memórias da identidade, a autobiográfica e a de procedimentos.
Integrando o grupo das memórias de longo prazo e, agora, já interessando de forma mais específica o cotidiano escolar, existe a chamada memória do conhecimento, que guarda os saberes escolares e os do trabalho que se realiza. Quando o aluno reclama que "deu branco", na verdade, apela para a falha da memória do conhecimento ou de suas divisões. Vamos, brevemente, comentar essas divisões e sugerir procedimentos para mais firmemente estimulá-las:
Há três grupos de memória de conhecimento: conhecimento de saberes escolares ou profissionais, memória de identificação e memória de planejamento. Da primeira aqui já se falou. A memória de identificação retém nomes e fisionomias e serve para não esquecermos dos amigos e lembrarmos de personagens, músicos, cientistas e todos os que edificaram o saber humano. Importante para a história e a literatura, essa memória é essencial para a arte e a ciência de forma geral. A memória de planejamento contém dados sobre as atividades futuras da pessoa, suas metas, sonhos, anseios e projetos. Atuando como uma espécie de agenda, representa o ponto que se busca e é essencial entre tudo que se procura aprender na escola.
Ampliando a esquematização, temos:
O grupo das memórias olfativas, táteis, gustativas, visuais e cinestésicas.
O grupo das memórias propriamente ditas, divididas em memórias de curta e de longa duração e, entre estas, as memórias da identidade, autobiográfica e de procedimentos. Problemas nas memórias desses dois primeiros grupos constituem uma situação patológica específica e, portanto, a solução se encontra distante da escola, a não ser que tenha sido ocasionada por um forte trauma emocional produzido na família ou na própria instituição de ensino.
Pertencente ao grupo das memórias de longo prazo, figura a memória do conhecimento, subdividida em memória dos conhecimentos escolares, de identificação e de planejamento. Ainda que estas não sejam de uso específico escolar, é possível trabalhá-las em sala de aula e, assim, torná-las mais vivas.
A certeza dessa afirmação nasce da descoberta de que os episódios de esquecimento estão sempre ligados a três grupos de fatores: os de natureza fisiológica, como distúrbios do sono, abuso de álcool, uso de drogas, crises de stress ou ansiedade; o excesso de estímulos ou a falta de maior concentração. Aprofundaremos esse tema na próxima crônica.


Xiiii, professora, deu um "branco" II

Caso o problema de memória que o aluno apresenta se manifeste de forma ocasional e, portanto, atinja-o em uma ou outra circunstância sem constituir algo rotineiro em seus caminhos pela aprendizagem, entre as causas prováveis estão distúrbios do sono, crise de ansiedade e uso de drogas, fatores que fogem do controle das estratégias de ensino e, por serem de natureza física ou psicológica, requerem cuidados específicos. Se, ao contrário, o estudante parece estar distante dessas condições e seus problemas de memória se apresentem persistentes, é necessário tomar duas linhas de ação:
A primeira é verificar se não está existindo um excesso de estímulos, isto é, se a carga de temas que o aluno necessita saber não se apresenta maior que a possível. A memória, tal como o estômago, possui limites, que variam de uma para outra pessoa e, assim sendo, não pode abrigar uma carga de informações que se coloca no padrão de exigência adulta. Para esses casos, o recurso é priorizar temas a serem aprendidos, selecionar conteúdos efetivamente imprescindíveis e, dessa forma, exigir da memória apenas o que ela pode oferecer. Essa situação, entretanto, suscita uma interrogação: Como saber se estamos exigindo uma carga excessiva do estudante? A memória, como eu disse, varia de pessoa para pessoa, mas o grau dessa diversificação não exibe limites muito amplos. Se o que se exige do aluno os colegas conseguem alcançar com relativa serenidade, isso significa que o limite desejado não se mostra abusivo. Limites abusivos existem quando toda a classe ou parte expressiva dela parece não dar conta do conteúdo e quando o estudante, mesmo demonstrando sincero esforço e planejamento de suas horas de estudo, revela estar distante das expectativas impostas.
A segunda causa de problemas de memória — que pode aparecer isoladamente ou agregar-se à primeira — decorre de dificuldades de concentração. Para essa situação, uma série de ações pedagógicas pode ajudar, e muito, os alunos. A dificuldade de concentração caminha junto com o desinteresse e, nessas circunstâncias, cabe bem mais responsabilidade por parte do professor que do estudante. Nesse sentido, seria desejável que, em todas as aulas, fossem observados sempre oito procedimentos básicos, que são os seguintes:
SIGNIFICAÇÃO NO QUE SE BUSCA APRENDER
A memória humana teima em não guardar informações sem significado. Decorar que "Fabiana vai à praia com seu chapéu amarelo" é naturalmente mais simples que tentar memorizar que "De Béchar até Ghardaia percorre-se o contraforte do Atlas". Isso ocorre não porque existe impropriedade na segunda afirmação, mas, sim, por ser bem mais fácil imaginar uma pessoa chamada Fabiana usando um chapéu para se proteger do sol enquanto vai à praia que a segunda situação apresentada.
O que aqui importa não é imaginar que algumas sentenças podem proporcionar mais significações que outras, mas, sobretudo, que cabe ao professor construir para os alunos as significações nos conteúdos que transmite, associando ou ajudando os estudantes a associarem os temas escolares a fatos ou ocorrências do cotidiano. É a velha história do "novo no velho", ou seja, a idéia de que fixamos na memória um novo saber quando este se associa a outro já existente em nossa estrutura cerebral. Isso explicaria, por exemplo, o fato de que um garoto interessado em automobilismo aprende muito melhor sobre Química se em uma aula é seduzido a pensar como um carro de fórmula 1 transforma combustível em velocidade.
QUALIDADE REFERENCIAL DAS ANOTAÇÕES FEITAS EM AULA
Existe um aforismo que afirma que "a caneta é a melhor memória que existe", e nessa sabedoria popular não há erro. Realmente, uma forma inteligente de descansar a memória é anotar. No entanto, quando se trata de saberes escolares, importa bem menos a qualidade que a quantidade de anotações e, nesse contexto, mais uma vez a ação do professor mostra-se imprescindível. Preparar um caderno, longe de significar atributo aleatório em que cada aluno o faz a sua maneira, representa uma importante estratégia de aprendizagem que cabe ao professor, com persistência, ensinar. Para boas anotações, nada melhor que criar mapas conceituais ou uma linha de seqüência de conteúdos que, por exemplo, associe-se a uma árvore ou a uma rodovia. Se o aluno associar certos conteúdos de um todo a raízes, alguns a um tronco e outros a galhos, ramos e, quem sabe, folhas, flores e frutos, memorizará melhor, pois, ao evocar o tema, verá suas partes na estrutura de um corpo — nesse caso, a árvore — que bem conhece.
EMPREGO DE ESTRATÉGIAS QUE ASSOCIEM A MEMÓRIA À EMOÇÃO
Busque suas memórias mais vivas e mais fortes e estará, por certo, encontrando as emoções mais intensas que viveu. Quando um tema se associa a uma ou mais emoções, agrega-se a nossa estrutura mental de tal forma que, em certos casos, torna-se difícil esquecê-lo, ainda que seja isso que se busque fazer. Nesse caso, a participação do professor é importante, ajudando seus alunos a fazerem uma reflexão na qual associarão os saberes que apreenderam a essa ou aquela emoção que viveram. Ainda que as emoções, é evidente, variem de um estudante para outro, não há um deles que não tenha momentos emocionantes para associar aos temas a que sua memória parece mais fortemente resistir. Cabe destacar que esse procedimento vale mais para questões mais complexas — até para não sobrecarregar a memória de lembranças emocionais —, mas todo aluno que é levado a pensar em um ou outro tema "vendo-o" na árvore que brincou, no rio que atravessou ou na partida de futebol que perdeu por certo terá a ajuda dessa emoção quando precisar do apelo a uma evocação.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA ESTUDADO
Quando buscamos em um dicionário o sentido de "contexto", encontramos "encadeamento de idéias" e, se buscarmos "contextura", descobriremos que se refere a "entrelaçar" ou "ligar as partes de um todo". Se considerarmos esses dois sentidos na referência a um trabalho com as memórias em sala de aula, seria lícito afirmar que "contextualizar" equivale a encadear idéias, ligando parte de um todo ou, de forma ainda mais significativa, trazer o que se ensina ao contexto do estudante, fazendo-o associar o aprendido às coisas que faz em seu cotidiano e que conhece. É muito desinteressante para uma criança ou um adolescente "mergulhar" seu interesse em uma época que não viveu ou fingir-se um químico, físico ou matemático para ingressar na lógica dos números, assim como é indiscutivelmente desmotivador pensar em detalhes da morfologia litorânea ou da estrutura das regras gramaticais.
Os saberes escolares são mais facilmente arquivados na memória dele quando os fatos que ouve se associam ao futebol que joga, à novela a que assiste ou aos desafios que, no pátio da escola, todo dia enfrenta. Buscar meios de encadear esses saberes e os conhecimentos escolares constitui a essência da ação docente. O professor não ensina apenas porque sabe, mas, sobretudo, porque pode fazer seu saber chegar à memória de seu aluno e, por certo, por meio da contextualização mais facilmente conseguirá fazer isso.
EMPREGO DE HABILIDADES OPERATÓRIAS DIVERSAS
Quando se solicita a um estudante que descreva uma teoria, está cobrando-se de seu cérebro uma ação bem diferente da que se pede quando se solicita que, em vez de fazer uma descrição, ele compare. E quem é levado a descrever e, depois, a comparar retém com mais facilidade que aquela pessoa que apenas descreve ou compara. Dessa forma, trabalhar em sala de aula as habilidades operatórias significa fazer uso freqüente e contínuo de verbos de ação que induzem o cérebro a procedimentos diferentes. É por essa razão que todo aluno que repassa um saber observando, conferindo, seriando, localizando, relatando, combinando, demonstrando, classificando, analisando, aplicando, deduzindo, criticando, conceituando, especificando, ajuizando, revisando e discriminando guarda o conhecimento de forma bem mais significativa que outro que se utiliza apenas de uma ou duas dessas habilidades operatórias. É evidente que elas são tantas e tão diversas que parece extrema ousadia recomendar, para amparo de melhor uso da memória, o emprego integral dessa lista, mas, se a tarefa é conscientemente dividida entre os professores e é proposta como desafios progressivos, começando pelas atividades mais simples, não será difícil perceber o quanto o uso delas interessa a uma aprendizagem significativa.
ALTERNÂNCIAS QUANTO AO TIPO DE LINGUAGEM UTILIZADA (VISUAL, AUDITIVA E CINESTÉSICA)
Quando lemos uma mensagem, estamos ativando nossa memória de conhecimento, identificação ou planejamento, mas se, além da leitura, procedemos a uma operação de escrita, nosso cérebro reage de forma mais positiva, pois uma ação a outra se somou. Se, ao lado da leitura e da redação, buscarmos desenhar ou construir um gráfico associando-o à mensagem lida ou, quem sabe, fazer desta um verso, uma paródia ou uma colagem, é quase certo que ela será mais fortemente memorizada. É, pois, por essa razão que é inteiramente válido o professor passar os conteúdos para linguagens diferentes, estimulando o estudante, quando possível, a ler, cantar, desenhar, colar, fazer mímicas, construir paródias, buscar metáforas ou "fabular" sobre o tema (narrando-o em forma de uma fábula e, portanto, de maneira breve e alegórica). É certo que proceder dessa forma em relação a todos os conteúdos escolares é um absurdo. Entretanto, essa estratégia pode perfeitamente ser utilizada para alguns assuntos mais abrangentes, temas que se apresentam essenciais para a devida compreensão significativa de outros que a ele se encadeiam.
USO (EVENTUAL) DE RECURSOS MNEMÔNICOS
O maior inconveniente da utilização de uso de recursos mnemônicos é que todas as outras alternativas propostas estão associadas à significação, enquanto esta é puramente mecânica. É por esse motivo que o uso deles deve ser restrito e circunstancial, mas nem por isso deixa de ser válido em uma ou outra oportunidade. Quando decoramos "Prometa telefonar, Ana" para gravarmos na memória etapas da mitose biológica (prófase, telófase e anáfase) ou quando professores de Geografia pedem para lembrar que "Houve Desordem e bateram com o Cinto no Negro Alpercatas" para assim o aluno melhor decorar quatro serras nordestinas, estamos, na verdade, valendo-nos de recursos mnemônicos válidos para esse ou aquele conteúdo que, por sua natureza, necessite apenas de um exercício mecânico para ser armazenado na memória.
VERBALIZAÇÃO CÊNICA DOS CONTEÚDOS A APRENDER
Uma forma extremamente interessante de fixar fatos na memória, ainda que mais significativa para alguns alunos que para outros, pois seu estilo de aprendizagem mostra-se mais cinestésico que visual, é, sempre que possível, ministrar uma aula diante do espelho sobre o tema que se deseja aprender. Quando um estudante, em casa, assim age, não está apenas impondo uma repetição à memória, mas, principalmente, associando a ela seus gestos, sua voz e sua ação, que, fotografados pelo cérebro, podem mostrar-se expressivos quando for necessário lembrar o conteúdo. Mais uma vez, reitero o que antes disse. Uma estratégia como essa nem sempre é possível e, se para todos os temas o aluno necessitasse se valer desse recurso, seu tempo, por certo, seria insuficiente. Mas é justamente essa limitação que faz aflorar a importância de que o estudante saiba como melhor administrar o tempo de estudo e, dessa forma, priorizar uma ou outra estratégia, valendo-se deste ou de outro procedimento.
Cabe, concluindo, repetir o que antes já foi destacado.
Não mais deve existir espaço em nossas escolas para professores que apenas dominem saberes, ainda que tenham limitações para transmiti-los. Essa capacidade de transferência não constitui talento genético que se pode buscar em um ou outro, mas, antes, um esforço sincero de mais intensamente aprender a conhecer o cérebro humano e de se valer de suas ações para mais significativamente estimulá-lo.
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Celso Antunes é professor e psicopedagogo.



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