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sexta-feira, 2 de agosto de 2013


O QUE É REDUCIONISMO?

Popularmente, reducionismo, ou reducionista em sua forma adjetivada, é uma acusação frequente nos discursos e críticas no meio acadêmico. É usado muitas vezes sem critério, sem conhecimento de causa, e geralmente de forma pejorativa para atacar teorias adversárias. É o que ocorre frequentemente nos cursos de psicologia quando fazem afirmações MUITO rasas, dizendo, por exemplo:
“― A psicanálise reduz tudo a sexo!”                    
ou…
“― Os behavioristas querem reduzir toda complexidade das atividades humanas a simples respostas a estímulos.”
Mas talvez nenhuma seja tão criticada como a neurociência que
“…reduz tudo a ligações físico-químicas.”
Uma resposta contra essas declarações mal fundamentadas, que apontam um ou outro como reducionista, depende de um conhecimento mais profundo sobre essas abordagens, o que não é a finalidade deste artigo. Mas voltaremos a tratar da neurociência como exemplo ao fim de nossa análise.
Mas, além desse seu uso popular, o que é reducionismo mesmo?
Reducionismo: o todo se explica pelas partes?
Reducionismo: o todo se explica pelas partes?
Num exame mais detalhado, identificamos diferentes tipos de reducionismo dependendo do que se refere: reducionismo ontológico, reducionismo teórico, reducionismo semântico etc. Grosso modo, por reducionismo entendemos diferentes teorias que afirmam que objetos, fenômenos, teorias ou significados complexos podem ser sempre reduzidos, ou seja, expresso em unidades diferentes a fim de explicá-los, a suas partes constituintes mais simples. Mas, por ora, serve pra gente focar a diferença entre dois modos de se falar sobre reducionismo, de uma maneira mais científica, além da forma usual já citada acima. Podemos falar do reducionismo como: i) concepção filosófica e ii) programa de investigação científica.
Princípios matemáticos da filosofia natural, 1687, de Isaac Newton
Princípios matemáticos da filosofia natural, 1687, de Isaac Newton
O reducionismo como concepção filosófica se refere à tese fisicalista¹ que sustenta que toda realidade, em última análise, é determinada por fatos físicos, ou melhor, leis da física. Ou seja, a linguagem da Física² deverá ser a linguagem de toda a ciência, pois os fatos dos quais a ciência trata são de um mesmo tipo ou, pelo menos, podem ser decompostos em fatos de um mesmo tipo. Essa abordagem já era adotada a princípio, de forma rudimentar, pelos filósofos jônicos quando reduziam os fenômenos naturais a elementos básicos. Mas o fisicalismo propriamente dito só foi consolidado a partir de Galileu, Descartes e Newton. Nessa época, a física era a ciência que unificava todas as outras. Os fisicalistas sustentavam que o problema da explicação de um sistema estava resolvido assim que o sistema fosse reduzido aos seus menores componentes. Tão logo se completasse o inventário de tais componentes e se determinasse a função de cada um, afirmavam que seria uma tarefa fácil explicar também tudo o que fosse observado em níveis superiores de organização.
Essa concepção sustenta um programa de investigação científica. Reduzir a realidade estudada apenas a alguns poucos de seus aspectos revela que esta metodologia reducionista foi capaz historicamente de suscitar um avanço do conhecimento e que, portanto, ela tem grande valor epistemológico. Na realidade, grande parte de nossas descrições e investigações se dão de forma a isolar diferentes aspectos do objeto estudado ou descrito. Separar, isolar, classificar etc. é um recurso para o conhecimento humano.
O fisicalismo e a tarefa de empreender a análise em níveis cada vez mais inferiores foram relevantes durante bastante tempo. O anatomista não estudava o corpo como um todo, mas tentava entender seu funcionamento dissecando-o em seus componentes, órgãos, nervos músculos e ossos. O objetivo da microscopia era estudar componentes cada vez menores de tecidos e células. Grande parte da história da ciência é um relato dos triunfos dessa abordagem analítica.
niveis de organização
Níveis de organização biológica. Às vezes é preciso entender os níveis mais básicos para entender os mais complexos. E vice-versa.
A crença reconfortante numa ciência unificada em torno das leis da física se tornou cada vez mais difícil de sustentar com o advento da biologia e o desenvolvimento das ciências humanas a partir do final século XIX. A ciência não é um todo unificado a partir da possibilidade de reduzir todos processos a um nível fundamental. Diferentes teorias e explicações muitas vezes não podem ser reduzidas uma à outra, no sentido de que não podem ser entendidas como redutíveis a um nível de explicação básico. Pelo contrário, as perspectivas reducionistas devem ser vistas como recursos complementares, como parte da explicação para se entender um processo complexo.
Conclusão. O reducionismo, como concepção filosófica fisicalista, que enseja a possibilidade de oferecer explicações para todos fenômenos complexos em termos de leis e elementos de níveis mais baixos descritos a partir de leis da Física, caiu por terra. Embora um ou outro ainda defenda propostas reducionistas radicais, o modelo fisicalista já não mais se sustenta. Por outro lado, o reducionismo como programa de investigação científica não tem como ser rejeitado. O reducionismo é elemento importante no desenvolvimento de estratégias valiosas para a geração de modelos inovadores e com capacidade explicativa.
Então, voltando a um dos exemplos no começo do texto, a neurociência tem ou não uma metodologia reducionista? Não e sim. Não, pois a neurociência não se apoia na tese fisicalista, pois os modelos biológicos não podem ser entendidos reduzindo-se o sistema em elementos cada vez menores que são explicados a partir de leis da Física. Pelo contrário, cada vez mais é abordada uma perspectiva mais ampla, tendo como objeto de estudo o sistema como um todo, ou um conjunto de redes neuronais, sempre em relação a outras partes do organismo. Além disso, para descrever seus fenômenos e estruturas, ao contrário de séculos atrás, procura-se atualmente entender o sistema nervoso numa perspectiva histórica, ou seja, evolutiva. Por outro lado, sim, o reducionismo é parte de sua metodologia, assim como é parte do programa de investigação de inúmeras disciplinas: são estratégias que nos permitem identificar componentes mais simples de sistemas complexos, os quais, posteriormente, precisam levar em consideração juntos de outros componentes se quisermos entender a complexidade de níveis superiores.
O erro está em confundir as duas formas de se entender o reducionismo, como tese fisicalista e como programa de investigação científica.
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¹Atualmente, o termo fisicalismo é amplamente utilizado na filosofia da mente, referindo-se a tese segundo a qual os processos ditos mentais são unicamente resultados de processos físicos. ²Não confundir Física enquanto ciência, com física enquanto realidade oposta à metafísica. Neste caso referimos à Ciência Física.
Bibliografia:
MARTÍNEZ, S. Reducionismo em biologia: uma tomografia da relação biologia-sociedade, in ABRANTES, P. (org.) Filosofia da Biologia. Porto Alegre: Artmed, 2011.
MAYR, E. Biologia: Ciência Única. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


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