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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O livro didático de Ciências no Brasil. RESENHA.

RESENHA

Pedro Wagner Gonçalves
Instituto de Geociências - Unicamp
FRACALANZA, Hilário; MEGID NETO, Jorge (Org.). O livro didático de Ciências no Brasil. Campinas: Editora Komedi, 2006. 224p.

Resumo

Descreve modelos de análise de livros de texto de Ciências destinados ao ensino básico. Os autores mencionam quais modelos seriam mais adequados para os desafios de inovar o ensino de Ciências no País.
Expõe descritores e indicadores capazes de descrever e analisar livros de Ciências, bem como indica os fundamentos metodológicos para formular esse exame das características do ensino da obra didática de ciências.
Constitui, dessa maneira, um marco de referenciais que podem ser usados por professores e especialistas para avaliar livros didáticos dessa área de conhecimento. Indica algumas perspectivas tanto para o material didático, quanto para melhoria do ensino de Ciências Naturais.

Introdução

A literatura de ensino de Ciências preconiza a necessidade de conduzir o processo educativo para alfabetização científica. Embora o alcance conceitual do termo não esteja isento de controvérsias, parcela da literatura vincula à capacidade de dominar a natureza das Ciências – um passo que prepara crianças e jovens para cidadania.
Isso implica um tratamento educacional para problemas que necessitam de vários campos de conhecimento. O desenvolvimento de certa região (urbana ou rural) e limites comuns tais como suprimento de água, impactos ambientais, contaminação de solos, erosão acelerada podem ser tratados no âmbito das ciências; estudos desse tipo são enfatizados pela abordagem de Ciência, Tecnologia e Sociedade no âmbito do ensino de Ciências. Isso conduz à alfabetização científica como sugerem, por exemplo, Hurd (1998), Bezzi (1999), Gonçalves & Carneiro (2002).
Compreender as múltiplas dimensões desses problemas que estão postos para a humanidade desde o século XX implica formar capacidades e conhecimento sobre processos e explicações em distintas escalas de tempo e espaço. Esse envolvimento cognitivo e emotivo com os desafios que se acham diante da cidadania faz parte da natureza das Ciências Naturais.
Amaral (1995) valoriza o enfoque ambiental que as ciências podem fornecer ao nível básico de ensino. Isso poderia se constituir em um programa de estudo sistemático do ambiente em suas diversas escalas espaço-temporais. Rojero (2000) chama atenção que há pelo menos duas possíveis abordagens para estudar a Terra, uma privilegia acontecimentos e fatos, outra procura um tratamento integrado de processos e fenômenos complexos. Esta última trata fenômenos complexos como sistemas e fornece uma idéia integrada e global do evento (algo necessário para formar uma idéia de ambiente). Cuello Gijón (1988) já havia enfatizado a potencialidade e importância de abordagens interdisciplinares no ensino de crianças e adolescentes. Nota, ainda, que as bases metodológicas e epistemológicas vinculadas ao conhecimento da história da natureza são especialmente favoráveis ao tratamento sistêmico de temas ambientais com possibilidades para o trabalho educativo.
Van Driel & Verloop (2002) revelam que professores de Biologia, Física e Química possuem limitado conhecimento sobre modelos e modelagem científica e isso é um dos obstáculos para a reforma do ensino de Ciências da Holanda. Assinalam, ainda, as contribuições de modelos para educação: aprender ciência, aprender sobre a ciência, aprender para fazer ciência.
Izquierdo (2005) vincula o conteúdo a ser ensinado aos modos e abordagens de como ensinar. Conteúdos de ciências devem articular a dimensão social, humanista, política, econômica, bem como os desafios de nossa época. O ensino dessa multiplicidade de aspectos precisa considerar certos consensos sobre aspectos afetivos, cognitivos e psicológicos dos alunos.
Zeidler et al. (2005) valorizam aspectos sociais e psicológicos da aprendizagem das ciências e aproxima sua abordagem das dimensões da Ciência, Tecnologia e Sociedade. O envolvimento emocional é parte do entendimento que cada vez mais precisa considerar raciocínios comuns para tratar os desafios das ciências e da Sociedade.
Poderíamos continuar indicando a extensa literatura de ensino das Ciências que converge para valorizar a natureza das Ciências, ou seja, suas dimensões metodológicas tratadas junto com teorias e explicações de processos que compreendem o conhecimento científico. Apesar desse esforço, autores e editoras de livros de texto de Ciências passam ao largo desse debate. Mais surpreendente ainda é concluir que especialistas contratados para avaliar esses materiais
didáticos fazem exatamente o mesmo. Essa conclusão encontra-se nas páginas da coletânea organizada por Fracalanza & Megid Neto (2006): a avaliação dos livros didáticos brasileiros de Ciências pouca atenção dá para a mensagem de Ciências transmitida a alunos e professores.

A dimensão livro de texto

Encontramos no mercado voltado para educação uma enorme variedade de materiais didáticos: programas de computador, Atlas, conjuntos para atividades experimentais etc. Ao buscarmos na internet reuniremos o que há disponível para venda, bem como, consulta e uso: desenhos, fotos, enciclopédias etc. Apesar disso tudo, o livro de texto continua sendo o material cujo uso continua sendo crucial para o ensino. Megid Neto & Fracalanza (2006), no capítulo O livro didático de Ciências: problemas e soluções, revelam a multiplicidade de usos que contribui para compreender a persistência do livro mesmo quando confrontado com os avanços tecnológicos.
O capítulo de Fracalanza intitulado O ensino de Ciências no Brasil revela os mecanismos que, ao mesmo tempo, implicaram o crescimento da importância do livro didático de Ciências no Brasil e a perda de valor atribuído à Educação. Mecanismos educacionais e econômicos combinaram-se a mudanças demográficas e políticas que conduziram editores de livros didáticos a ampliarem sua influência no panorama educacional.
A importância do livro de texto no ensino básico conduz à necessidade de acompanhar sua concepção, planejamento, desenvolvimento e comercialização, sobretudo nas condições nacionais cuja marca é a compra pelo estado de coleções fornecidas a estudantes de todo o País. Como mostra Höfling (2006) no capítulo A trajetória do Programa Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação no Brasil, desde a Constituição de 1988, cabe ao estado fornecer material didático, transporte, merenda escolar e assistência à saúde aos alunos dos níveis iniciais de ensino. O volume significativo de recursos empregado para comprar livros didáticos supera em muito outros gastos essenciais para educação como, por exemplo, formação de professores.
Gérard & Roegiers (1998) fazem um levantamento exaustivo dos componentes que fariam parte da avaliação de livros de texto. Particular importância é atribuída às dimensões e categorias que descrevem e explicitam a concepção de aprendizagem, conteúdo e comunicação dos livros de texto.
Leão & Megid Neto (2006) no capítulo Avaliações oficiais sobre livro didático de Ciências revelam que esses elementos conceituais e educacionais estiveram presentes em avaliação oficial do Ministério da Educação sobre os livros didáticos de Ciências, mas nas avaliações mais recentes, desde 1996, isso foi quase totalmente abandonado. Amaral et al. (2006) no capítulo Avaliando livros didáticos de Ciências: Análise de coleções didáticas de Ciências de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental indicam descritores e indicadores construídos a partir de uma concepção de ciência e de ambiente na quais as relações de matéria e energia são tratadas em termos de tempo e espaço, na qual os nexos de ciência, tecnologia e sociedade são privilegiados. O resultado deste exame das coleções didáticas é que nenhuma delas pôde ser considerada adequada para os desafios do ensino de Ciências.
A obra organizada por Fracalanza & Megid Neto (2006) revela a omissão dos avaliadores de livros de Ciências de ir além de diretrizes do Plano Nacional do Livro Didático. Circunscrevendo-se aos referenciais que valem para livros de quaisquer componentes curriculares pouco contribuem para orientar as editoras e os autores de livros de Ciências.

Os livros didáticos de Ciências

A análise de livros de texto pode ser feita sob os mais variados critérios e pontos de vista. O exame contido em Fracalanza & Megid Neto (2006) traz um ponto estratégico: a especificidade do objeto de estudo, suas formas de raciocínio e articulação de informações, bem como seu papel na formação de crianças e jovens, em outros termos, foi assinalada a contribuição das Ciências na educação básica como critério para examinar as obras didáticas voltadas para esse nível de escolaridade.
Guimarães (2004) assinala que o ensino de Ciências Naturais, Geografia, Biologia, Química e Física precisam tratar as interações da matéria e energia que ocorrem em escalas de tempo no planeta. Isso implica que a Geologia deve ocupar um papel estratégico na educação básica. Essa sugestão constitui uma referência de conteúdo para currículos e programas destinados a alunos do ensino básico, bem como de formação de professores. Podemos inferir que serviriam para orientar autores e editores de livros didáticos de Ciências.
Em termos amplos isso se aproxima da noção de ambiente exposta no capítulo de Amaral (2006) intitulado Os fundamentos do ensino de Ciências e o livro didático. Defende que editoras e autores de livros de Ciências tratassem do ambiente terrestre para compreender a dinâmica natural e suas inter-relações sociais. Advoga que isso deve ser atingido por meio de estudos integrados em torno das Geociências – no que em tudo concorda com a construção feita por Guimarães. Amaral pergunta: se os avaliadores oficiais não pedem isso para autores e editores, por que eles fariam tal opção? Em outros termos, quem educa editores e autores?
Um ponto crucial enfatizado por vários capítulos de Fracalanza & Megid Neto (2006) é a necessidade dos avaliadores de livros de Ciências examinarem a concepção de Ciência veiculada pelos materiais didáticos. Defende-se que é necessário mostrar o caráter humano da Ciência, seus vínculos históricos e sociais, bem como os nexos com tecnologia e sociedade. Tais elementos deveriam compor a natureza da Ciência que foi examinada no início desta resenha.

Comentário

O texto inclui bibliografia exaustiva das pesquisas acadêmicas que examinaram os livros didáticos de Ciências sob os mais variados pontos de vista.
Trata-se de um texto instigante que revela o amadurecimento diante da política do livro didático de Ciências no Brasil. É a expressão das pesquisas conduzidas pelo Grupo Formar Ciências e as sugestões que conduziriam ao aperfeiçoamento desses materiais pedagógicos.
A reflexão avança, ainda, para sugerir propostas que contribuiriam para a melhoria do ensino de Ciências no Brasil.

Referências

Amaral, I.A. do. Em busca da planetização: do ensino de Ciências para a Educação Ambiental. Campinas, 1995. Tese de Doutorado. F. Educação. UNICAMP. 2 v.

Bezzi, A. What is this thing called Geoscience? Epistemological dimensions elicited with the repertory grid and their implications for scientific literacy. Science Education, v. 83, n. 6, p. 675-700, Nov. 1999.

Cuello Gijón, A. La Geología como area interdisciplinar. Henares, v. 2, p. 367-387, 1988.
Gérard, F-M; Roegiers, X. Conceber e avaliar manuais escolares. Porto: Porto Editora, 1998. 344p.

Gonçalves, P.W.; Carneiro, C.D.R. Global science literacy: from geology teaching to Earth system science teaching. In: Mayer, V.J. Implementing global science literacy. Ohio: The Ohio State University, 2002. p.203-219.

Guimarães, E. M. A contribuição da Geologia na construção de um padrão de referência do mundo físico na educação básica. Revista Brasileira de Geociências, v.34, n.1, p. 87-94, 2004.
Hurd, P. DeH. Scientific literacy: new minds for a changing world. Science Education, v. 82, n. 3, p. 407-416, Jun. 1998.

Izquierdo Aymerich, M. Hacia una teoría de los contenidos escolares. Enseñanza de las Ciencias, v.23, n.1, p.111-122, 2005.
Rojero, F. F. ¿Uma asignatura sistémica o sistemática? Enseñanza de las Ciencias de la Tierra, v. 8, n. 3, p.189-196, 2000.

Van Driel, J.H.; Verloop, N. Experienced teachers’ knowledge of teaching and learning of models and modeling in science. Int. J. Sci. Educ., v.24, n.12, p.1255-1272, 2002.

Zeidler, D.L. et al. Beyond STS: a research-based framework for socioscientific issues education. Science Education, v.89, p.357-377, 2005.

Fonte: http://www.fe.unicamp.br/formar/revista/N000/pdf/Resenha-LD-deCiencias-no-BR-Pedro-W-Goncalves.pdf

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