sexta-feira, 26 de maio de 2023

Um Estudo Comparativo em Transmigração da Alma – ISKCON Bahia

Allan Kardec e Srila Prabhupada

Allan Kardec e Srila Prabhupada

Lembro-me como se fosse hoje. Em minhas mãos, aquele livro que comprei sob a propaganda de que desdobraria os temas da palestra que eu havia acabado de ouvir com grande interesse. Na capa da obra, ao fundo, o topo de vários templos no que parecia ser o amanhecer ou o entardecer. Quando cheguei em casa, deitei em minha cama ainda com a roupa do corpo e li novamente na capa o título do livro, o qual me dizia muito, pois era o que eu vivia. Seu título: Em Busca da Verdade. Seu autor: A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, fundador da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna.

Devorei cada página como se estivesse com muita fome. Tanto aprendi que mentalmente agradecia a Deus por aquele livro. Fui introduzido a temas como a impossibilidade de ser obediente a Deus sem uma descrição clara de Seus desejos e ordens, a necessidade fundamental de conhecermos em detalhes a personalidade de Deus para podermos amá-lO, a compreensão derradeira da ordenação do universo com base nos três modos da natureza material, a inutilidade de tentar ser honesto sem ter o conhecimento de que Deus é o proprietário de tudo e vários outros temas que, tamanha sua profundidade, sequer sabia de sua existência, menos ainda que haveria alguém capaz de apresentá-los de maneira tão acessível como o autor que agora eu lia.

Nem tudo me foi alegria ao término da leitura, no entanto. Em meu coração, além do contínuo agradecimento a Deus, estava o desejo de divulgar esse livro tanto quanto eu pudesse, a tantos amigos quanto eu tivesse. Porém, uma única página desta obra me desmotivava. Pensei então em comprar vários desse livro e presenteá-lo a amigos sem essa página que me incomodava, porém veriam que uma folha havia sido arrancada. Uma segunda ideia: Fotocopiá-lo tirando essa página e apagando os números das páginas, de modo que ninguém saberia do excerto. Por fim, não tomei nenhuma de minhas medidas cogitadas, pois minha ocupação em distribuir esse conhecimento teria de aguardar um pouco mais meu amadurecimento.

A referida passagem, enfim, era esta: “Como espíritos puros, todas as almas são iguais, inclusive nos animais”[1]. (p. 34) Ai de mim, como dizem os poetas. Por que a vida não pode ser mais fácil? Por que um autor que julguei conhecer tudo perfeitamente tinha essa “mácula” de tamanho contrassenso de afirmar que a alma que anima os animais e os homens é a mesma, com o agravante que descobri mais tarde de que é a mesma alma também que pode passar inclusive por corpos inferiores, como os vegetais?

Minha dificuldade se dava por minha formação espírita, a qual, embora me tenha conduzido a buscar a reunião que assisti sobre a consciência de Krishna, em virtude de utilizar termos da mesma, como karma e chakra[2], tinha diferentes concepções acerca desses conceitos e outros, e, como foi o espiritismo a religião que me convenceu da existência de Deus, livre-arbítrio, transmigração da alma e outros tópicos, era-me difícil lidar com os conflitos entre ela e meu novo achado da consciência de Krishna.

Hoje, passados oito anos desde este meu primeiro contato com a consciência de Krishna, graduei-me em bhakti-sastri[3] após residência no Seminário de Filosofia e Teologia Hare Krishna de Campina Grande e traduzi para a ISKCON mais de vinte livros, centenas de artigos e outros materiais, além de ter-me dado a leituras diversas sobre o assunto da consciência de Krishna. Esse acúmulo de conhecimento de minha parte tanto da doutrina espírita quanto da consciência de Krishna faz-me sentir obrigado a produzir este material de estudo comparado, para fomentar o diálogo inter-religioso na zona de conflito da reencarnação em oposição à metempsicose.

Transmigração da Alma: Reencarnação e Metempsicose

Ambas as religiões em análise têm como princípio básico que a alma espiritual indestrutível tem a faculdade de transmigrar para um corpo novo ante a destruição do corpo em que se encontrava anteriormente. Em O Livro dos Espíritos[4], encontramos: “Chamamos alma ao ser imaterial e individual que em nós reside e sobrevive ao corpo” (Introdução, p. 15), “A alma passa então por muitas existências corporais? ‘Sim, todos contamos muitas existências’” (2.4.166b), e, em seguida, afirma-se que “vivemo-las em diferentes mundos” (2.4.172).

Todos esses três pontos são comuns à consciência de Krishna, como evidenciamos por estes versos introdutórios do Bhagavad-gita[5]. No atinente à continuidade da alma após a morte do corpo: “Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre”. (2.20) No atinente às múltiplas existências: “Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis” (2.22), e também “Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice; do mesmo modo, chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica confusa com tal mudança”. (2.13) No atinente à existência em diferentes planetas: “Aqueles situados no modo da bondade gradualmente elevam-se aos planetas superiores; aqueles no modo da paixão vivem nos planetas terrestres; e aqueles no abominável modo da ignorância descem para os mundos infernais”. (14.18)

Os pontos de conflito entre o espiritismo e a consciência de Krishna, como analisaremos aqui, estão no fato de que o espiritismo advoga, ou parece advogar, que a alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos animais ou então que, uma vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a partir de sua criação por Deus “simples e ignorantes” (Livro dos Espíritos 2.1.115), jamais poderia retornar a um corpo animal dado que isso contradiz a lei do progresso, lei esta que dá título ao capítulo sexto da obra O Livro dos Espíritos. Tal ensinamento é chamado “reencarnação”, em oposição a “metempsicose”, cuja transmigração de uma mesma categoria de alma – categoria única, distinta apenas de Deus e da matéria inerte – se dá por todos os corpos.

Nesta passagem de O Livro dos Espíritos, nega-se a transmigração de uma mesma espécie de alma por corpos humanos e animais, atribuindo a eles “almas diferentes”:

Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?

“Há e que sobrevive ao corpo”.

Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?

“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a essa palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus”. (2.11.597 e 597a)

A alma animal, ainda segundo a mesma obra (2.11.601), evolui por diferentes corpos animais, tal como a alma humana:

Os animais estão sujeitos, como o homem, a uma lei progressiva?

“Sim; e daí vem que nos mundos superiores, onde os homens são mais adiantados, os animais também o são, dispondo de meios mais amplos de comunicação. São sempre, porém, inferiores ao homem e se lhe acham submetidos, tendo neles o homem servidores inteligentes”.

A consciência de Krishna, baseada nos Vedas, declara, no entanto, que existe uma só alma que habita por diferentes corpos, passando por todas as formas inferiores até atingir a forma humana. No Brahma Vaivarta Purana, por exemplo, figuram os seguintes versos: “Atinge-se a forma humana de vida após a transmigração por milhões de espécies ao longo do processo gradual de evolução, e essa vida humana é arruinada pelos tolos orgulhosos que não se refugiam nos pés de lótus de Govinda [Deus]”[6]. O Padma Purana descreve esse número de formas antecedentes à forma humana pelas quais passa a alma: “Em todo o universo, existem 900.000 espécies aquáticas; 2.000.000 de entidades vivas imóveis, como árvores e plantas; 1.100.000 espécies de insetos e répteis, e 1.000.000 de espécies voadoras. No que diz respeito aos animais terrestres, existem em número de 3.000.000, e as espécies humanas existem em número de 400.000”[7].

No Srimad-Bhagavatam[8] (3.29.28-32), encontramos uma descrição ainda mais detalhada, a qual nos informa que o tato é o primeiro sentido que se experimenta, o qual se desenvolve ao se ter um corpo de árvore. Em seguida, experimenta-se paladar ao se obter um corpo de peixe. Após o corpo de peixe, pode-se obter um corpo como de abelha e desenvolver olfato. A audição então se faz presente rudimentarmente em um corpo de cobra, e, mais adiante, pode-se ter um corpo que tem todos os sentidos e ainda é capaz de distinguir formas, como os corpos de algumas aves e, por fim, de quadrupedes. Finalmente, tem-se o corpo humano. Os seres humanos ainda são divididos entre diferentes níveis de estruturação social e rendição a Deus, partindo dos seres humanos incivilizados e indo até “o devoto puro de Deus, que Lhe presta serviço devocional sem nenhuma expectativa”.

O leitor mais arguto deve ter atentado que, na ocasião em que eu disse que o espiritismo advoga que a alma que ocupa os corpos humanos jamais habitou corpos animais ou então que, uma vez que tenha deixado os corpos animais em sua evolução a partir de sua criação, jamais poderia retornar a um corpo animal, eu intercalei o segmento “ou parece advogar”. A explicação para isso é que a revelação dos espíritos não é um sistema fechado e concluído como o da consciência de Krishna, isso porque seus reveladores são investigadores no modelo de investigação científico-filosófico, isto é, baseado respectivamente na percepção dos sentidos e da mente, motivo pelo qual certamente terão conflitos entre si como têm os cientistas e filósofos encarnados. Assim é que um mesmo espírito pode ter diferentes opiniões em diferentes momentos ou variados espíritos terem diferentes opiniões contemporâneas, e encontramos no Livro dos Espíritos (p. 303) que isso de fato se dá com a dicotomia reencarnação e metempsicose e acerca da relação entre os homens e os animais:

O ponto inicial do espírito é uma dessas questões que se prendem à origem das coisas e de que Deus guarda o segredo. Dado não é ao homem conhecê-las de modo absoluto, nada mais lhe sendo possível a tal respeito do que fazer suposições, criar sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios espíritos longe estão de tudo saberem e, acerca do que não sabem, também podem ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas. É assim, por exemplo, que nem todos pensam da mesma forma quanto às relações existentes entre o homem e os animaisSegundo uns, o espírito não chega ao período humano senão depois de se haver elaborado e individualizado nos diversos graus dos seres inferiores da Criação[9]Segundo outros, o espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. O primeiro desses sistemas apresenta a vantagem de assinar um alvo ao futuro dos animais, que formariam então os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo é mais conforme à dignidade do homem. (grifo nosso)

Assim, não há uma base sólida acerca do posicionamento dos espíritos em relação a se a alma anima primeiramente corpos animais ou começa já em corpos humanos, logo não há um posicionamento absoluto acerca de se a alma animal progride unicamente por corpos animais ou se é a mesma sorte de alma que anima agora corpos humanos. Contudo, como a obra O Livro dos Espíritos mostra predileção pela teoria de que existem dois tipos de almas, humanas e animais, ou mais precisamente, três, uma também apenas a animar vegetais[10], tomaremos isso como o fundamento espírita e o iremos expor aos ensinos conscientes de Krishna.

A primeira dificuldade para sustentar a teoria espírita de que os animais sempre serão animais e sempre foram animais é que ela é contraditória com o senso de justiça vinculado a que alguém sofre por mau uso de seu livre-arbítrio e que alguém tem conforto por bom uso de seu livre-arbítrio, o que é aceito por ambas as religiões em estudo. No entanto, como os animais não têm livre-arbítrio (Livro dos Espíritos 2.11.599), o que ambas as religiões concordam, Deus Se torna injusto na teoria espírita, pois todo o sofrimento excruciante pelo qual passam, por exemplo, as vacas, porcos, galinhas e outros animais em fazendas-fábricas e abatedouros[11] é um sofrimento desmerecido, não decorrente de nenhuma escolha ruim, tampouco há justiça ou justificativa em uma vaca viver livremente e outra não. Deste modo, Deus torna-Se alguém horrendo que criou almas animais apenas para animarem corpos animais inferiores e irem progredindo por corpos animais superiores sempre sofrendo as dores do nascimento, da morte, da velhice e da doença mesmo não tendo feito nenhuma má escolha ou ato contrário à vontade de Deus. Tais almas animais são submetidas a um processo automático (idem. 2.11.602) de evolução por diferentes corpos – reitero, dolorosíssimo – e evoluem sem nenhum mérito para chegarem ao estágio máximo delas, estágio máximo este no qual não conhecem Deus (idem. 2.11.603)[12].

A única maneira de se conciliar existir sofrimento no mundo e Deus ser onipotente e bom é a exigência do amor ser precedido por livre-arbítrio, haja vista que um amor forçado não é amor, dado que amar exige a espontaneidade de ter o direito de não amar. Agora, se os animais jamais conhecerão Deus para amá-lO e não têm livre-arbítrio, por que os criar e os submeter a uma evolução dolorosa e sem sentido até o estágio de perfeição em que não conhecem seu criador? Certamente é absurdo atribuir a Deus tamanho capricho, em virtude do que o Livro dos Espíritos só pode dizer sobre isso as palavras com que encerra o capítulo nono da parte segunda: “Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, isso, repetimos, está nos segredos de Deus”.

O conhecimento da consciência de Krishna, no entanto, mantém Deus como justo ao colocar que os animais sofrem porque as almas que habitam tais animais que estão sofrendo com nascimento, morte, doenças e velhice fizeram mau uso de seu livre arbítrio, isto é, não procederam de acordo com a vontade de Deus, quando possuíam corpos humanos ou no ato de se desconectarem de Deus. Assim é que um açougueiro ou aqueles que comem carne terão de nascer, pelas reações de seus pecados, em corpos de animais que serão brutalmente criados e abatidos. Os corpos animais para as almas também têm um propósito muito amável, que é que uma alma em condição pecaminosa pode dar vazão a suas tendências pecaminosas sem criar novo mau karma. Deste modo, alguém afeito a dormir excessivamente pode ter um corpo de urso; alguém afeito a comer carne, um corpo de tigre; alguém afeito à promiscuidade, um corpo de macaco e assim por diante. Caso se fizesse tais atos no corpo humano, incorreria em grandes reações pecaminosas. Porém, com a oportunidade de fazer tais coisas em corpos animais, o indivíduo dá vazão a seus pecados e pode, quando Deus considerar apropriado, habitar novamente um corpo humano já esgotado desse hábito. Assim é que o Garuda Purana (2.46.9-10) afirma sobre as almas pecaminosas que estão deixando os planetas infernais: “Quando as torturas expiatórias e restringentes cessam, as entidades vivas nascem novamente na forma humana ou em uma forma animal com os traços característicos de seus pecados”. Por traços característicos dos pecados, entende-se uma pessoa incestuosa nascer cão ou alguém que não discrimina o que comer e o que não comer nascer como porco.

Com a metempsicose, a justiça de Deus é preservada, pois o sofrimento da alma no corpo animal tem um porquê imediato, isto é, suas ações passadas, e tem um propósito futuro: uma vez que atinja a perfeição em um dos 400.000 tipos de corpos humanos que propiciam o livre-arbítrio de poder render-se a Deus, conhecerá Deus e se relacionará com Ele em serviço devocional e bem-aventurança eterna.

Embora o espiritismo diga, como citado anteriormente, que talvez as almas que hoje habitam os corpos humanos tenham sim habitado corpos animais, o espiritismo em momento algum assume que a alma possa involuir, o que eles acreditam acontecer na metempsicose. Isto é um erro, no entanto; ao menos na metempsicose mais antiga que se conhece – a metempsicose consciente de Krishna. No Bhagavad-gita (2.40), Krishna diz: “Neste caminho [o caminho da gradual rendição a Deus] não há perda nem diminuição, e um pequeno esforço neste caminho pode proteger a pessoa do mais perigoso tipo de medo”. Em outras palavras, como explica A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada em seu comentário, qualquer avanço que uma alma tenha feito em se render a Deus está eternamente no crédito dela, e ela sempre continuará daquele ponto, e Krishna diz que, desde que ela continue fazendo o mínimo progresso (pequeno esforço) ela estará livre do mais perigoso tipo de medo (cair em uma forma sub-humana). Aqui pode parecer haver uma contradição: Não há perda nem diminuição, ou involução, mas, se ela parar de progredir, cairá em corpos animais. Isso não é uma contradição assim como os espíritas aceitam que alguém que foi doutor em Letras pode, caso aja pecaminosamente, nascer como alguém cego, surdo, mudo, paralítico e com deficiências mentais. Tal aparente involução, isto é, alguém antes pesquisador acadêmico sequer ter sentidos e consciência o bastante para interagir ou se movimentar, é um estado temporário de “inferioridade” à vida passada, o qual, quando superado e terminado, terá sido um grande aprendizado para o doutor, que poderá então continuar seu progresso novamente em um corpo com inteligência, mas temeroso de pecar e reconsiderando se o mero conhecimento acadêmico realmente constitui progresso.

Assim é que, quando alguém cai em um corpo animal após ter tido um corpo humano, ao deixar o corpo animal – ou os vários corpos animais, a depender de seus atos –, retoma sua vida com livre-arbítrio do ponto de rendição a Deus em que estava, e sua experiência em determinado corpo animal serve-lhe de lição ou de esgotamento de alguma tendência animalesca que tinha mesmo no corpo humano.

A história do rei Bharata, por exemplo, relatada no Quinto Canto do Srimad-Bhagavatam – para o qual já fornecemos um weblink – relata a história de um rei que renunciou seu reino quando mais velho e se recolheu para a floresta para se dedicar a práticas espirituais. Contudo, porque negligenciou sua vida espiritual tendo-se atraído por um veadinho na floresta, adquiriu um corpo de veado na vida seguinte. No corpo de veado, intuitivamente rumou para a casa de grandes devotos de Deus e lá ficou até morrer. Uma vez de volta ao corpo humano, na vida seguinte, ele retomou sua vida espiritual com muito mais seriedade e cuidado. Assim, é evidente que, embora tenha adquirido um corpo sub-humano após ter tido um corpo humano, não houve involução da consciência, mas uma experiência chocante tal qual alguém que alguma vez enxergou porém teve um nascimento cego. Assim, negar a metempsicose porque a mesma pressupõe a involução da consciência é ignorância de todos os sistemas de metempsicose[13], visto que a metempsicose dos Vedas, escrituras estas que formam a base do movimento Hare Krishna, conciliam perfeitamente a transmigração por diferentes corpos sem aceitar a involução da consciência. Tal aparente “involução” pode ser comparada a alguém que estava caminhando para frente e, ao se deparar com um buraco à sua frente, recua um pouco para saltá-lo. Tal recuo não é um retrocesso em seu caminhar para frente, mas parte de seu progresso.

Então, porque o espiritismo não possui uma resposta clara sobre se a alma que atualmente ocupa corpos humanos já ocupou corpos animais, e porque seu argumento de que a metempsicose não pode ser real porque implica a involução da consciência é produto de ignorância da metempsicose consciente de Krishna, temos aqui, acredito, bastante espaço para reflexão.

Algo muito interessante é que Krishna deixou-nos já uma fórmula no Bhagavad-gita, cinco mil anos atrás, que nos informa que a opinião de quem reside onde residem aqueles que conversaram com Allan Kardec é, em geral, de que existem diferentes tipos de almas. Tal fórmula é dada no Bhagavad-gita (18.20-22):

Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas. O conhecimento com o qual se vê que em cada corpo diferente há um tipo diferente de entidade viva, você deve entender que está no modo da paixão. E o conhecimento pelo qual alguém se apega a um tipo específico de trabalho como se fosse tudo o que existe, sem conhecimento da verdade, e que é muito escasso, diz-se que está no modo da ignorância.

O universo, segundo os Vedas, é regido por três cordas, ou modos da natureza material, os quais se chamam bondade, paixão e ignorância. Assim, classifica-se tudo nos três modos, como alimentação, caridade etc. Pode-se ler sobre os mesmos nos capítulos 14, 17 e 18 do Bhagavad-gita. Aqui Krishna está dizendo que, quando alguém está no modo da ignorância, esse alguém quer apenas trabalhar, sendo indiferente a discussões se a alma existe ou não existe, se ela é a mesma tramitando por diferentes corpos ou se cada tipo de corpo comporta um tipo de alma. Em seguida, superiores são as pessoas controladas pelo modo da paixão, as quais já aceitam a existência da alma, embora, por seus sentidos imperfeitos e por seu desejo de explorar os outros, digam que a alma da mulher, do índio, do negro ou dos animais é inferior. Por fim, existem aqueles no modo da bondade, o melhor de todos, os quais percebem que é a mesma alma que aparece em diferentes corpos, assim como a mesma luz branca às vezes parece azul, vermelha ou amarela a depender da cor do invólucro que recebe.

Assim, as escrituras conscientes de Krishna dizem que onde residem aqueles que conversaram com Allan Kardec é uma morada no modo da paixão (Srimad-Bhagavatam 4.29.28, significado), a qual se chama, em sânscrito, Antariksha, daí a opinião deles.

Ainda nos argumentos na dicotomia reencarnação e metempsicose, além dos argumentos da questão do sofrimento a quem nunca teve livre-arbítrio para fazer algo que merecesse sofrimento e de que Krishna previu esse argumento para aqueles que habitam Antariksa, há o argumento moral, possivelmente o mais forte, de que perceber outras entidades vivas como ontologicamente inferiores é a inconsciência fundamental para se explorar o outro. Só me é possível explorar o negro, a mulher, o judeu ou o índio, por exemplo, depois que eu me convencer de que são menos importantes para Deus ou inferiores a mim, pois, se são iguais a mim, dou o direito de que façam comigo o mesmo que faço com eles, e se são tão importantes para Deus quanto eu sou, Deus me punirá de alguma forma. Assim, vê-se rotineiramente que, conquanto os espíritas se apiedem de seres humanos em sofrimento, são promotores do sofrimento dos animais em seus hábitos alimentares, de vestes etc., hábitos estes tendo em vista o gozo dos sentidos. No Movimento Hare Krishna, todo membro faz o voto vitalício de não comer carne, peixe ou ovos, e as verduras e outros alimentos também são ingeridos apenas após serem consagrados a Deus. Assim, é visível a superioridade moral e caridosa naqueles possuidores da visão de que a alma que anima os animais e plantas não é por natureza inferior ou sem o propósito de um dia alcançar Deus, mas uma alma tal como nós que agora estamos em corpos humanos[14].

Deste modo, apresentado o sistema de metempsicose do Movimento Hare Krishna, que remonta mais de 50 séculos na história registrada, sistema este que não nega a evolução permanente da consciência e que a evolução da alma pelos animais é progressiva, a metempsicose passa a ser verdadeira segundo estes dizeres da página 303 do Livro dos Espíritos: “Seria verdadeira a metempsicose se indicasse a progressão da alma, passando de um estado a outro superior, onde adquirisse desenvolvimentos que lhe transformassem a natureza”.

Fonte: https://voltaaosupremo.com/artigos/artigos/espiritismo-e-consciencia-de-krishna-um-estudo-comparativo-em-transmigracao-da-alma/

[1] PRABHUPADA, A.C. Bhaktivedanta Svami. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas. São Paulo: BBT, 2012, p. 34. Perguntas Perfeitas Respostas Perfeitas é o novo título que em português que se deu ao então Em Busca da Verdade, esta edição agora com tradução literal do título original da obra, Perfect Questions Perfect Answers.

[2] Karma e chakra não são, a rigor, conceitos doutrinários do espiritismo. Seu uso entre os espíritas é considerado fruto de hibridismo com religiões orientais. Tais termos não se encontram na obra kardeciana, sendo encontrados apenas em obras subsidiárias.

[3] Título obtido pelo sucesso em uma prova internacional a que se submetem os membros do Movimento Hare Krishna e outros interessados após estudo básico de sânscrito e estudo profundo das obras O Bhagavad-gita Como Ele É, Isopanisad, Néctar da Devoção (Bhakti-rasamrta-sindhu) e Néctar da Instrução (Upadesamrta).

[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1995

[5] Todas as citações do Bhagavad-gita aqui contidas são as traduções de O Bhagavad-gita Como Ele É, disponível gratuitamente e em português em vedabase.com/pt-br/bg.

[6] VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From the Puranas / Brahma Vaivarta Purana. info.vedabase.com. O verso original diz: asitim caturas caiva laksams tan jiva-jatisu/ bhramadbhih purusaih prapyam manusyam janma-paryayat/ tad apy abhalatam jatah tesam atmabhimaninam/ varakanam anasritya govinda-carana-dvayam.

[7] VedaBase: 25. Song, Prayer and Verse Books / Srila Prabhupada Slokas / Selected Verses From the Puranas / Padma Purana. O verso original diz: jalaja nava-laksani sthavara laksa-vimsati/ krmayo rudra-sankhyakah paksinam dasa-laksanam/ trimsal-laksani pasavah catur-laksani manusah.

[8] As citações do Srimad-Bhagavatam são traduções minhas da tradução inglesa de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, disponível em vedabase.com/en/sb.

[9] Emmanuel, por exemplo, em várias psicografias de Chico Xavier, defende esta primeira teoria contra a opinião daqueles que compuseram O Livro dos Espíritos: “O animal caminha para a condição do homem tanto quanto o homem evolui no encalço do anjo”. (Alvorada do Reino, Na Senda da Ascensão) Em sua obra Emmanuel: Dissertações Mediúnicas sobre Importantes Questões que Preocupam a Humanidade, encontramos:

“Como o objetivo desta palestra é o estudo dos animais, nossos irmãos inferiores, sinto-me à vontade para declarar que todos nós já nos debatemos no seu acanhado círculo evolutivo. São eles os nossos parentes próximos, apesar da teimosia de quantos persistem em o não reconhecer. Considera-se, às vezes, como afronta ao gênero humano a aceitação dessas verdades. E pergunta-se como poderíamos admitir um princípio espiritual nas arremetidas furiosas das feras indomesticadas, ou como poderíamos crer na existência de um rio de luz divina na serpente venenosa ou na astúcia traiçoeira dos carnívoros. Semelhantes inquirições, contudo, são filhas de entendimento pouco atilado”. (XAVIER, Chico. FEB. p. 119)

Interessante notar que o espiritismo diz que sua validade está em não haver contradição entre os espíritos: “Uma só garantia séria existe para o ensino dos espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 31)

[10] “Nos mundos superiores, as plantas são de natureza mais perfeita, como os outros seres? ‘Tudo é mais perfeito. As plantas, porém, são sempre plantas, como os animais sempre animais e os homens sempre homens’”. (Livro dos Espíritos 2.11.591)

[11] Aqueles que não estão inteirados deste “avanço” da civilização podem se inteirar do mesmo assistindo ao documentário Terráqueos [Earthlings] ou similares. O referido documentário está disponível neste weblink: terraqueos.org. Outros documentários similares se encontram na mesma página.

[12] Desenvolvi, a princípio, estar argumentação sob o norteamento de Santo Anselmo, que diz que o conceito perfeito de Deus é, entre outras coisas, de um ser absolutamente justo e infinitamente bom, e que o conceito em que se tenha uma justiça e uma bondade insuperáveis é o conceito verdadeiro. Semelhante argumentação que apresento, no entanto, parece também estar inteiramente na obra espírita A Gênese (3.12), onde se diz: “Se os animais são dotados apenas de instinto, não tem solução o destino deles e nenhuma compensação os seus sofrimentos, o que não estaria de acordo nem com a justiça, nem com a bondade de Deus”.

[13] Parece que o espírito que se posiciona contra a metempsicose se informou insuficientemente, apenas em fontes semelhantes àquelas consultadas por Jung, que também possuía conhecimento incompleto da metempsicose: “O conceito de renascimento é multifacetado. Em primeiro lugar destaco a metempsicose, a transmigração da alma. Trata-se da ideia de uma vida que se estende no tempo, passando por vários corpos, ou da sequência de uma vida interrompida por diversas reencarnações. O budismo especialmente centrado nessa doutrina – o próprio Buda vivenciou uma longa série de renascimentos – não tem certeza se a continuidade da personalidade é assegurada ou não; em outras palavras, pode tratar-se apenas de uma continuidade do karma. Os discípulos perguntaram ao mestre, quando ele ainda era vivo, acerca desta questão, mas Buda nunca deu uma resposta definitiva sobre a existência ou não da continuidade da personalidade”. (JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 119). Quando tal afirmação de Jung, que não conseguiu estender-se para a metempsicose mais antiga que se conhece, a metempsicose védica ou pré-budista, foi apresentada a Srila Prabhupada, este comentou:

“Srila Prabhupada: Uma personalidade está sempre presente, e mudanças corpóreas não mudam isso. A pessoa, entretanto, identifica-se de acordo com o seu corpo. Quando, por exemplo, a alma está dentro do corpo de um cachorro, ela pensa de acordo com aquela construção corpórea particular. Ela pensa: ‘Sou um cachorro, e tenho minhas atividades particulares’. Na sociedade humana, a mesma concepção está presente. Por exemplo, quando alguém nasce na América, ele pensa: ‘Sou americano, e tenho meu dever’. De acordo com o corpo, a personalidade se manifesta, mas, em todos os casos, a personalidade está presente. Discípulo: Mas essa personalidade é contínua? Srila Prabhupada: Certamente a personalidade é contínua. À morte, a alma passa para outro corpo grosseiro juntamente com suas identificações mentais e intelectuais. O sujeito obtém diferentes tipos de corpos, mas a pessoa é a mesma”. (Beyond Illusion and Doubt. Cap. 15. vedabase.com/en/bid/15)

[14] Esta questão de que o fundamento para não explorarmos os animais ou humanos de diferentes categorias se encontra na necessidade de os vermos como indivíduos na mesma categoria que nós, uma categoria única abaixo de Deus, fica evidente caso contrastemos, por exemplo, espíritos que acreditam que os animais possuem almas constitucionalmente inferiores e aqueles que pensam diferente. Vemos, por exemplo, que os reveladores do Livro dos Espíritos, partidários da ideia de que a alma em um corpo animal é distinta, e eternamente distinta, da alma em um corpo humano, não promovem o vegetarianismo e o consequente bem-estar dos animais: “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização” (O Livro dos Espíritos 3.5.723). O já mencionado espírito Emmanuel, partidário da ideia de que as almas que ocupam corpos animais e humanos são as mesmas, defende o vegetarianismo: “A ingestão das vísceras dos animais é um erro de enormes consequências, do qual derivaram numerosos vícios da nutrição humana. É de lastimar semelhante situação, mesmo porque, se o estado de materialidade da criatura exige a cooperação de determinadas vitaminas, esses valores nutritivos podem ser encontrados nos produtos de origem vegetal, sem nenhuma necessidade dos matadouros e frigoríficos… Consolemo-nos com a visão do porvir, sendo justo trabalharmos, dedicadamente, pelo advento dos tempos novos em que os homens terrestres poderão dispensar da alimentação os despojos sangrentos de seus irmãos inferiores”. (O Consolador, questão 129) Assim fica aparente que, por trás do empenho em categorizar o outro como ontologicamente inferior, está o desejo e o ato degradado de explorá-lo.


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terça-feira, 23 de maio de 2023

ISRAEL SIMÕES | Dallagnol, o garoto exemplar.




Israel Simões
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180

Se tem uma fase da minha vida da qual me envergonho foi aquela por volta dos 23 anos, já formado, trabalhando, pegando uma garota, com os músculos começando a aparecer, alguns livros na prateleira, um currículo que já não era folha branca e muito interesse em política, naquele afã de transformar o mundo. Por este quadro um tanto distante da maturidade, mas já desgarrado da adolescência, me sentia no pleno direito de sair dando palpite em tudo quanto é assunto, inclusive de bancar o indignado, o nervosinho, diante do caótico quadro geral da sociedade brasileira.

Usava o cabelo partido de lado, óculos sem armação, calças na altura da cintura e aquele sapato social preto de bico quadrado, crente de que ostentava uma masculinidade adulta e respeitável. Reforçava assim a posição superior de quem dá pitos nos amigos por qualquer desviozinho de moralidade, como um palavrão ou copo a mais de cerveja.

Era um típico almofadinha, com uma inteligência curiosa, alguma perspicácia, mas uma ingenuidade que beirava o ridículo. Não sabia sequer atrair uma mulher na rua, quanto mais compreender os jogos de poder que permeiam o universo tipicamente masculino da política.

Há uma cena magistral no filme Garota Exemplar em que Amy, uma esposa traída em busca de vingança, forja um sequestro do seu ex-namorado dos tempos de faculdade. Desi é um engravatado no estilo Deltan Dellagnol, certinho, engomado. Em um breve momento de despedida, Amy alarga a gravata de Desi com força e desajeita seu cabelo como quem diz: “vira homem, filho”. Em outro momento, durante um beijo, ela morde a sua boca, arrancando-lhe sangue, prendendo assim, progressivamente, o homem em sua teia, como uma espécie de mentora de sua puberdade tardia.

De tudo que a minha esposa já fez por mim nessa vida, nada foi mais importante do que isso: botar uma dose de caos na ordem. Porque a minha educação foi alemã por demais, a chegada de uma italiana na minha história reajustou os rumos, das ambições idealistas para um realismo mais humano. Troquei o piano clássico pelo rock and roll, o suco de uva pela Heineken, os livros de autoajuda pelo mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (…). Sem esta forja meio nietzschiana eu não seria o marido, pai e intelectual que me tornei.

Quando olho para Deltan Dallagnol, não consigo evitar a recordação daquela versão inofensiva de homem da qual, um dia, me orgulhei. Sim, ele é um bom cristão, pai de família, aparentemente honesto, portanto admirável sob a ótica horizontal da cidadania. Longe de mim defenestrar o sujeito, mas para o jogo político, não dá. É insuficiente.

Depois da absurda cassação de seu mandato como deputado federal pelo TSE, na última semana, fiz um esforço por encontrar palavras para defende-lo. Justo, pois o ex-procurador recebeu 344 mil votos, a maior votação do Paraná em 2022. A perseguição pelo poder judiciário a qualquer político que tenha se oposto, de forma contundente, ao atual governo é o início de uma ditadura silenciosa que ameaça a liberdade de todos os brasileiros em nome das tais instituições democráticas, o clímax da vitória da burocracia sobre o povo, uma briga que define a nossa república desde a sua fundação.

Mas quando vi a foto da coletiva de imprensa de Deltan com Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis e outros tantos expoentes do conservadorismo político lhe entregando o palco e o microfone, percebi que a minha obrigação era, novamente, abrir os olhos desta direita perdida.

Até quando irão se misturar com essa gentalha? Quantos dellagnols, dórias, aécios, joices, mandetas, felipes mouras e santos cruzes serão necessários para que aprendamos a nos aliar com os liberais sem lhes dar a faca e o queijo?

Percebam nesta pequena lista a evidência do que foram os primeiros meses de governo Bolsonaro: um desgaste desnecessário, uma perda de tempo e esforços para limpar, do seu entorno, os alpinistas sociais de suposta convicção liberal (porque a única convicção liberal que conheço, de fato, é o interesse pessoal).

Leia as palavras proferidas pelo próprio ex-coordenador da Lava-Jato em entrevista à Revista Veja, publicada em julho de 2020:

“Hoje o que nós vemos é uma radicalização do discurso. Muitas pessoas têm pregado o fechamento das instituições e o cometimento de crimes contra ministros. Isso é absolutamente descabido, antidemocrático e deve ser alvo de toda a força da lei, desde que dentro do devido processo legal. […] A democracia não corre risco, mas vemos com preocupação uma escalada das manifestações autoritárias tanto por meio de atos que pregam a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do Supremo como por meio de arroubos verbais do presidente em que ele ou pessoas próximas afirmam que estaria chegando o momento de ruptura”.

Deltan Dallagnol, Revista VEJA

No auge da pandemia, em uma escalada de agressões às liberdades individuais por autoridades do poder executivo e judiciário, com Oswaldo Eustáquio na cadeia e Allan dos Santos sendo alvo de busca e apreensão em sua casa, nosso amigo Deltan estava mais preocupado com a verborragia de Bolsonaro, como bom paladino que é na defesa dos direitos abstratos no lugar da liberdade concreta.

Ele mesmo disse, na mesma entrevista: “Não estou defendendo nem acusando o governo Bolsonaro. Eu defendo causas…”.

Prudente, sofisticado e biografado.

Revisitando seu Twitter, aliás, percebi que há mais repostagens de Sergio e Rosângela Moro do que palavras do próprio. Mas em nada me admira que Dallagnol ainda seja um propagador do projeto Lava-Jato de país, mesmo depois da fracassada tentativa de Moro em chegar à presidência. O império da técnica e da formalidade, da auditoria no lugar do trabalho, ainda é um sonho de uma pequena parte da população brasileira, especialmente uma elite controlista, diplomada, que insiste em empreender uma contracultura modernista ao estilo de vida despojado da nossa tropicalidade brasileira.

Bolsonaro nunca se encaixou nesse estereótipo, ciente de que o formalismo é tão arma para a esquerda quanto a debandada, a arruaça. Por isso mesmo, foi rejeitado por este progenitor de Kim Kataguiri, o Sr. Dallagnol, que reserva sua espontaneidade apenas para o seu rentável empreendedorismo de palco, as palestras no Beach Park.

Claro que a obrigação dos conservadores, em mais um episódio preocupante de autoritarismo do Ovo togado, era ser solidária, fazer suas postagens indignadas, notas de repúdio, mas também deixar o cartucho de Dallagnol queimar enquanto ganha tempo na verdadeira briga pelo poder: a guerra cultural (esta é uma estratégia muito bem arquitetada pela esquerda: largar aliados para trás, satisfazendo a fome de sangue do inimigo, enquanto os soldados de frente avançam. Não foi o caso do impeachment de Dilma?).

Não precisava posar para a foto.

Porque o mesmo juridiquês pomposo que fez Dallagnol, Moro, Kataguiri e tantos engravatados destruírem a reputação de Bolsonaro perante as elites corporativistas, cientificistas e religiosas durante a última disputa presidencial, um golpe fatal contra a sua reeleição, é a linguagem utilizada pelos ministros do STF para justificar os inquéritos infinitos, o combate ao radicalismo, à polarização política.

Enquanto a direita brasileira continuar dando as caras e os cus para esse tipo de gente, será presa fácil nos jogos de poder da esquerda, que usa e descarta os engomadinhos de gravata como uma garota exemplar com sede de revanche.

E de gente vingativa este governo está cheio.  

Direitos de imagem: Bruno Spada/Câmara dos Deputados.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023
Fonte https://revistaesmeril.com.br/israel-simoes-dallagnol-o-garoto-exemplar/

sábado, 20 de maio de 2023

A operação aconteceu no dia 17/03/23 na ONG "PROJETO MULTIPLICAÇÃO SOCIAL" que pertence a José Cláudio Fontoura Piuma, ex funcionário da ONG "AfroReggae"... Mais de 10 traficantes foram presos e mais de 15 fuzis foram apreendidos:

Thread by @Steh_Papaiano on Thread Reader App – Thread Reader App

*Fact Checking da Sdefany*
Ou se preferirem - O VAR

Esta circulando por aí esse vídeo de uma operação que aconteceu numa ONG da zona norte do RJ e como o policial fala "ONG do Luciano Huck", meio mundo esta replicando sem checar - essa informação não procede.

Segue o fio
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A operação aconteceu no dia 17/03/23 na ONG "PROJETO MULTIPLICAÇÃO SOCIAL" que pertence a José Cláudio Fontoura Piuma, ex funcionário da ONG "AfroReggae"... Mais de 10 traficantes foram presos e mais de 15 fuzis foram apreendidos:

oglobo.globo.com/rio/noticia/20…
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Calma que essa história é mais interessante do.que vcs imaginam


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Claudio Piuma, conhecido como "Gaucho" era gerente de projetos da ONG "AfroReggae" e é tb o ex-chefe do tráfico de drogas do complexo do alemão, aos 15 anos de idade ele já era um dos assaltantes mais procurados do RS... já foi preso uma infinidade de vezes e foi classificado… twitter.com/i/web/status/1…
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"Tá Sdefany, mas vc ainda não disse da onde que o policial tirou o Luciano Huck da história"

É provável que ele tenha dito no vídeo "ong do Luciano Huck" por causa disso daqui, a ONG do "Gaucho", segundo ele mesmo, foi contemplada com doações do global, que fez uma rota de… twitter.com/i/web/status/1…
Eu preciso falar que ele "Fez o L"? Q?

Então eu até poderia deixar passar se não encaixasse em todo estereotipo que estamos acusando faz tanto tempo... ONG, tráfico, militância pelo desarmamento, militância pelo desencarceramento, militância para que pessoas sejam presas por… twitter.com/i/web/status/1…
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Continuando... neste vídeo, Cláudio (Gaucho) estava indo ao IML reconhecer o corpo de um jovem que havia sido morto pela polícia e afirma que o jovem não conseguiu sair do crime pq o "estado não deu suporte" e ainda afirma que "para as elites tem anistia, para os pobres não"… twitter.com/i/web/status/1…
Claudio... ou Gaucho, não é só um egresso, mas é reincidente e teve uma serie de "anistias" e ajudas do estado não só para sair do crime, mas tb para mudar de vida... foi muito beneficiado pelas políticas de desencarceramento e sua prisão, dia 17, o torna uma auto refutação… twitter.com/i/web/status/1…
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O símbolo de sua ONG é a bandeira do Brasil com um fuzil sendo quebrado ao meio em clara alusão ao desarmamento... é irônico que justo esta ONG tenha sido "estourada" e em parede eletrônica com fundo falso tenham sido encontrados mais de 10 traficantes e mais de 15 fuzis... SIM,… twitter.com/i/web/status/1…
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Mas agora vem a melhor parte... O TAMANHO DO ABISMO QUE O BRASIL SE ENCONTRA É ESSE DAQUI, um traficante classificado como sendo de alta periculosidade, reincidente, que pratica crimes como assaltos a carros fortes, tráfico de drogas e demais correlatos, DANDO LIÇÃO DE MORAL EM… twitter.com/i/web/status/1…
E FAZUELI BRASIL...

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Brasil... meu Brasil brasileiro... o traficante filósofo que tem "consciência social"... apreciem essa filosofia... (vem seguida da hipocrisia)
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Agora sim Claudio, já podemos te chamar de COMUNISTA... se aproveita de uma causa nobre envolvendo pessoas vulneráveis, faz proselitismo com falsas virtudes, milita em prol de coisas que nao pratica, quer impor uma agenda social ao próximo e VIVE COM LUXO E RIQUEZA... É TETRA 👍
No fim das contas a gente sabe de quem é a "culpa" de tudo isso, não da pra esperar muito de um país que ignora o histórico DOCUMENTADO de um candidato descondenado e nomeia a presidência da republica um egresso etílico...

Espero ter ajudado

Fim
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Raghupati _ jai Uttal cd spirit room "retrospctive" 2000 (feito com Spr...

sexta-feira, 19 de maio de 2023

É Isso Que o BANHO GELADO Faz No Seu Corpo Em 14 dias


Banho de água fria: 10 benefícios para a saúde

Banho de água fria: 10 benefícios para a saúde do corpo e da mente

  • setembro 5, 2022
Tempo de leitura 5 minutos
Arte ilustrativa mostra um chuveiro remetendo ao banho de água fria
Início » Saúde da Pele » Banho de água fria: 10 benefícios para a saúde do corpo e da mente

Tomar banho de água fria, muitas vezes, pode parecer um desafio, em especial quando os dias não estão tão ensolarados e quentes, mas você sabia dos benefícios que a água gelada pode trazer?

Eles são muitos e podem contribuir, inclusive, para a saúde da pele e dos cabelos. A seguir, confira uma lista com 10 razões pelas quais você deveria considerar banhos mais frios de agora em diante.

1. O banho gelado melhora a circulação do sangue

Com a temperatura da água mais baixa do que a do corpo, o organismo precisa trabalhar mais para manter a temperatura natural, o que auxilia na circulação sanguínea, fazendo com que o sangue chegue mais rápido a todas as áreas do corpo.

2. Ele ajuda a estimular o sistema imunológico

Estudos apontam que tomar banhos gelados ajuda na produção de glóbulos brancos, que atuam na defesa do organismo, reduzindo os riscos de adquirir doenças como gripes e resfriados.

3. Acelera o metabolismo

Tomar banhos frios cerca de duas a três vezes por semana ajuda a acelerar o metabolismo, pois o organismo precisa gastar mais energia para manter sua temperatura e aumenta a queima de calorias.

4. Auxilia no alívio de dores musculares

Banhos frios e gelados fazem com que os vasos sanguíneos se contraiam, reduzindo dores, inchados e aliviando sintomas de inflamação, bem como quando se coloca uma compressa de gelo após pequenos machucados.

5. É excelente para a saúde da pele

Sem ressecar e sem remover a camada de proteção natural da pele, os banhos frios são excelentes para manter a pele saudável, além de ajudar a fechar os poros, controlando a oleosidade.

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6. Deixa os cabelos mais saudáveis e brilhantes

Selando as cutículas e os poros dos cabelos, lavá-los com água fria, ou morna, traz mais maciez e brilho aos fios, além de manter o couro cabeludo saudável e menos oleoso.

7. Pode ajudar na economia de água

Como o banho frio não costuma ser tão confortável quanto um banho mais quente, a tendência é que ele dure menos tempo e, logo, ajude a economizar água, promovendo um estilo de vida mais sustentável.

8. Eleva o bom humor

Durante o banho, a água fria faz com que impulsos elétricos sejam enviados ao cérebro, estimulando a endorfina, os hormônios da felicidade, elevando os sentimentos de bem-estar e otimismo.

9. É um bom estimulante pela manhã

Melhorando a circulação sanguínea, tomar banhos gelados ajuda a despertar e diminuir o cansaço, sendo uma ótima pedida para as manhãs de segunda-feira.

10. E contribui para relaxar à noite

Já durante à noite, tomar um banho frio ajuda a relaxar, pois com a temperatura do corpo naturalmente mais baixa no fim do dia, isso contribui para desacelerar um pouco e se preparar melhor para uma boa noite de sono.

Banho gelado pode fazer mal?

Pessoa no chuveiro tomando banho de água fria

Lembrando que esses são benefícios gerais do banho frio, é importante ressaltar que, para quem sofre de baixa imunidade ou problemas de pele, por exemplo, é sempre importante ter acompanhamento de profissionais antes de iniciar uma nova rotina repentinamente.

Além disso, pessoas hipertensas, com histórico cardíaco ou de hipotermia devem evitar o banho de água fria. Ainda assim, se você não quiser tomar banhos tão frios, também não tem problema, mas é importante lembrar que banhos muito quentes podem prejudicar a barreira cutânea da pele.

Isso porque a água quente contribui para retirada excessiva do sebo natural da derme, deixando-a ressecada, sensível e mais suscetível a irritações e inflamações. Assim, como resposta, o nosso organismo produz mais sebo para suprir a falta, o que deixa a pele e os cabelos mais oleosos.

Banho de contraste: uma alternativa possível

Se depois de ver todos esses benefícios você continua sem coragem, então comece aos poucos com um banho de contraste. O método é muito simples e bastante eficiente, frequentemente usado para recuperação de atletas de alto rendimento.

E também é uma alternativa para pessoas com problemas cardíacos ou que não podem se expor a choques térmicos num banho gelado. Confira a seguir como fazer o banho de contraste da maneira correta.

  1. Comece o banho com a água quente;
  2. Aos poucos, vá esfriando a água lentamente;
  3. Para molhar o corpo, o segredo é começar pelas áreas externas, já que elas ficam mais longe do coração. Molhe primeiro a parte de fora do tornozelo da perna direita e vá subindo aos poucos. Faça o mesmo na outra perna;
  4. Para a parte de cima do corpo, comece molhando o dorso da mão direita e vá subindo até o ombro. Passe para a parte de dentro, molhando a axila, e desça até chegar à palma da mão. Repita o processo no braço esquerdo;
  5. Agora é o momento de tomar coragem e entrar com o corpo todo. Para intensificar os benefícios, repita o processo com água quente e, depois, novamente com água gelada.

Os benefícios do banho de contraste são praticamente os mesmos do banho de água fria, só que agem de uma forma muito mais intensa.

Há ainda quem mergulhe em uma banheira cheia de água com gelo, você já deve ter visto isso em algum lugar. A técnica do banho de gelo é bastante usada por atletas e artistas. E foi, inclusive, uma das solicitações de Justin Bieber para o Rock In Rio neste ano.

O método pode ser tão eficiente quanto o banho de água fria e o contraste, mas requer alguns cuidados para não ficar hipotérmico. Por isso, a ajuda de um profissional pode ser muito bem-vinda. A recomendação é que você não fique mais do que 2 minutos debaixo da água com gelo e evite a contração total da musculatura.

Vai encarar um banho de água fria agora?

O que achou desses benefícios do banho frio? Que tal aproveitar a entrada da primavera para testar o chuveiro em uma temperatura mais fria?

Mas se você já tem o banho frio como parte do seu dia a dia, não deixe de nos contar nos comentários quando isso começou e quais benefícios você sente na pele.

beyoung.com.br/blog/beneficios-banho-de-agua-fria/#:~:text=O%20banho%20gelado%20melhora%20a,todas%20as%20áreas%20do%20corpo.

As Forças Demoníacas: Os Quatro Maras



Dr. Alexander Berzin

Mara na Mitologia Hindu

Na mitologia Hindu, Mara (bdud) é equivalente a Kama (‘dod-pa’i lha), o deus do desejo. Essa equivalência também é aceita no budismo. A figura búdica do Kalachakra, por exemplo, tem Kama embaixo de seu pé direito, representando todos os quatro maras. Kama era um dos filhos de Krishna e Rukmini, e casado com Rati. Os deuses enviaram Kama para tirar Shiva do estado meditativo, a fim de que ele se interessasse por Parvati e juntos tivessem um filho, Karttikeya, que, segundo profecias, quando tivesse sete anos de idade conseguiria matar o demônio Taraka. Para tirar Shiva do estado meditativo, Kama lançou cinco flechas:

  • Para deixar estático (dga’-byed)
  • Para deixar desejoso (sred-byed)
  • Para deixar estupefato (rmongs-byed), ou seja, desatento ou senil.
  • Para deixar magro, emaciado e seco (skem-byed), que nesse contexto pode significar que ele ficaria fatigado, com fome e com sede, de forma que abandonaria a meditação. Em outro contexto, no entanto, talvez seja pelo trabalho de Mara que nos tornemos secos, amargos, sem o sumo da compaixão.
  • Para deixar morto, ou seja, deixar Shiva preocupado em morrer durante a meditação, fazendo-o abandonar o estado meditativo por medo.

Essas cinco flechas são os cinco obstáculos considerados os trabalhos de Mara. Shiva irritou-se com Kama e carbonizou-o com o fogo de seu terceiro olho, porém, mais tarde, atendendo a um pedido de Rati, permitiu que ele renascesse como Pradyaumna. Quando Pradyumna completou seis anos de idade ele foi roubado pelo demônio Shambara, que o jogou no mar por causa da profecia que dizia que Pradyumna o mataria. No mar, o menino foi engolido por um peixe, que foi pescado por um pescador, que tirou o menino do estômago do peixe e o deu para a amante de Shambhara, Mayavati, que o criou. Mayavati, por sua vez, acabou desenvolvendo desejo por Pradyumna, tamanha era sua beleza, mas Pradyumna a rejeitou porque pensava que ela era sua mãe. Então Mayavati lhe revelou que ele era filho de Krishna e Rukmini, e que Shambara o havia atirado ao mar. Pradyaumna ficou com raiva de Shambara e o matou usando seu poder de emanação. Então Mayavati o levou à casa de Krishna e Pradyumna e Mayavati se casaram.

Portanto, Mara pode ser personificado na forma de um ser divino. Na cosmologia budista ele vive no mais elevado dos reinos divinos do plano dos desejos sensoriais (Reino dos Desejos), no topo do Monte Meru. Esse lugar é chamado de Paraíso Daqueles Que Tem o Poder de Emanar (gZhan-‘phrul dbang-byed, sânscr Paranirmita-vashavartin). Os budistas normalmente dizem que esse paraíso é o lugar onde os deuses têm o poder de apreciar a emanação dos outros, mas os termos tibetano e sânscrito fazem mais sentido quando entendidos no contexto da mitologia hindu.

Mara na Mitologia Budista

No Budismo, Mara personifica as visões não-budistas incorretas, que foi a última coisa que o Buda precisou superar com o terceiro olho da sabedoria; em um episódio análogo ao da mitologia hindu, em que Kama tenta perturbar Shiva e ele o destrói com o fogo de seu terceiro olho. Vários relatos em vários sutras descrevem o Buda derrotando Mara. No Sutra do Esforço (Padhana Sutta) no cânone Pali, por exemplo, Mara aproximou-se de Shakyamuni enquanto ele fazia práticas ascéticas dizendo “Você está tão magro e pálido. Não busque a liberação — o que significaria afastar-se o mundo — mas fique no mundo e faça o bem”. Em outras palavras, Mara intima Shakyamuni a viver uma vida mundana, apesar de dedicada a ajudar os outros, e manda um exército para derrotá-lo. Shakyamuni especificou os exércitos de Mara da seguinte forma: desejo sensual, descontentamento, fome, sede, anseio, preguiça, medo, indecisão, inquietação, desejo pelas coisas transitórias da vida (ganhos, elogios, honra e fama) e elogiar a si próprio enquanto critica os outros. O Buda percebeu que, para superar tudo isso, ele teria que parar de identificar-se como os pensamentos sobre essas coisas.

Mais tarde, Mara apareceu como um fazendeiro pobre e como um velho brâmane bufão — simbolizando o mundo. Shakyamuni reconheceu Mara em todos os agregados que apareceram, e disse que Mara não tinha como se esconder. Shakyamuni o viu como a criatura patética que era, simbolizada pelas formas patéticas do fazendeiro e do brâmane. Mara então apareceu como desastres naturais e feras perigosas, mas Shakyamuni não tinha medo da morte. Mara mandou suas três filhas para que tentassem seduzi-lo, mas elas não tiveram sucesso. Então Mara tentou enganar Shakyamuni concordando que não havia nada a temer na morte e que portanto poderia ignorá-la. Mas, seguindo essa linha de raciocínio, ele também tentou convencer Shakyamuni de que a vida é longa e portanto ele deveria simplesmente aproveitá-la. Shakyamuni disse não, a vida é curta e devemos viver como se nosso cabelo estivesse pegando fogo. A qualquer momento a vida pode terminar, abruptamente, portanto, devemos aproveitar imediatamente a preciosidade de nossa vida humana. Assim, Mara desistiu e retirou-se.

Os Quatro Maras

O termo mara deriva da raíz sânscrita mr, que significa assassinar. Portanto, mara é aquilo que assassina ou causa interferência em nossa vida, como seres limitados, e em nossas ações construtivas que nos levam aos três objetivos espirituais: renascimentos melhores, liberação e iluminação. Também explica-se mara como “aquilo que dá fim” (mthar-byed, Skt. antaka) – aquilo que dá um fim à prática espiritual.

Existem quatro tipos de mara:

  • O mara da morte (O Senhor da Morte)
  • O mara das emoções e atitudes perturbadoras
  • O mara dos fatores agregados da experiência (os cinco agregados, skandhas)
  • O Mara que é filho dos deuses.

O Mara da Morte

A morte, logicamente, é o que mais interfere em nossa prática espiritual. Não há como ter certeza de que nossa próxima vida será uma vida humana preciosa, com todas as folgas e oportunidades que nos permitem praticar sem obstáculos. Mesmo que tenhamos tal renascimento, precisamos começar novamente o caminho espiritual como criança. Além disso, a morte é um evento incontrolavelmente recorrente ao final de cada vida.

Portanto, Mara também é considerado Yama (gShin-rje), o Senhor da Morte (‘Chi-bdag); e no sistema do anuttarayoga tantra, o Buda é Yamataka (gShin-rje gshed), Aquele Que Dá Fim à Yama. Entretanto, no tantra, Yama não é simplesmente a morte em si, mas existem três níveis de Yama, que detalham os três níveis daquilo que está envolvido na morte.

  • Yama exterior - é a morte em si.
  • Yama interior - são as emoções e atitudes perturbadoras, que ativam o rescaldo kármico e nos propulsionam em direção a renascimentos subsequentes, perpetuando o ciclo de renascimento e morte.
  • Yama oculto ou secreto - são as três mentes conceituais mais sutis que criam as aparências de uma existência verdadeira: limiar (nyer-thob, quase-atingimento, aparência preta), difusão (mched, aumento, aparência vermelha), e aparecimento (snang, aparência, aparência branca). Cada renascimento começa com essas três mentes conceituais sutis criando aparências que parecem existir verdadeiramente. Tendo por base a falta de consciência, acreditamos que essas aparências correspondem à realidade, e assim nos agarramos à existência verdadeira e temos todas as emoções e atitudes perturbadoras que derivam da falta de consciência e do agarramento.

Se ignorarmos a morte, seis obstáculos podem surgir e interferir em nosso estudo e prática espiritual; são eles:

  • Não nos lembrarmos das medidas do dharma
  • Mesmo que nos lembremos delas, não as colocarmos em prática.
  • Mesmo que as coloquemos em prática, não o fazer com pureza.
  • Não ter a determinação para praticar fervorosamente o tempo todo.
  • Devido às nossas ações destrutivas, não estarmos aptos a obter a liberação.
  • Morrer com arrependimentos.

Não praticamos o dharma com pureza porque, por ignoramos a morte, somos pegos nas oito situações transitórias da vida (‘jig-rten-pa’i chos-brgyad, os oito dharmas mundanos):

  • Elogio ou crítica
  • Boas notícias ou más notícias — inclusive ter ou não ter notícias das pessoas que amamos; ou ouvir sons agradáveis ou desagradáveis
  • Ganhos e perdas — tais como dinheiro e posses
  • Coisas darem certo ou darem errado — tal como estarmos saudáveis e felizes ou doentes e depressivos.

Ficamos contentes e encantados com as primeiras situações dos pares acima e ficamos deprimidos, desencantados e desapontados como as segundas situações.

Mas podemos manter equanimidade diante das oito situações transitórias da vida, adotando as dez atitudes internas que são como joias, da tradição Kadam (bka’-gdams phugs-nor bcu). Esse conjunto de dez atitudes é composto pelas quatro aceitações confiantes (gtad-pa bzhi), três convicções adamantinas (rdo-rje gsum), e as atitudes maduras em relação a ser expulso, a encontrar e a conquistar (bud-rnyed-thob gsum).

As quatro aceitações confiantes são:

  • Estarmos dispostos a aceitar com total confiança as medidas do dharma, sendo esse nosso posicionamento mais profundo em relação à vida.
  • Estarmos dispostos a aceitar até mesmo virar um mendigo, sendo esse nosso posicionamento mais íntimo em relação ao dharma.
  • Estarmos dispostos a aceitar até mesmo a morte, sendo esse nosso posicionamento mais íntimo em relação a virar um mendigo.
  • Estarmos dispostos a aceitar até mesmo morrer sozinho e sem amigos em uma caverna vazia, sendo esse nosso posicionamento mais íntimo perante a morte.

As três convicções adamantinas são:

  • Seguir com nossa prática do dharma sem nos importar com o que os outros pensam à nosso respeito
  • Manter sempre nossos compromissos e a consciência profunda
  • Seguir continuamente com nossa prática sem nos deixar levar por preocupações inúteis.

As atitudes maduras em relação a ser expulso, a encontrar e a conquistar são:

  • Estar disposto a ser expulso do grupo das assim-chamadas pessoas “normais”.
  • Estar disposto a encontrar-se na mesma posição hierárquica de um cachorro.
  • Estar totalmente envolvido na conquista da posição divina de um Buda.

É lógico que, em um nível mais profundo, só conseguiremos vencer o mara da morte quando tivermos uma compreensão da vacuidade, atingido a liberação e não estivermos mais sujeitos à morte e ao renascimento samsárico.

O Mara das Emoções e Atitudes Perturbadoras

Emoções e atitudes perturbadoras, (nyon-mongs, sânscr. klesha), interferem enormemente em nosso estudo e prática espiritual. As principais são desejo e apego, hostilidade e raiva, ingenuidade, orgulho, indecisão e atitudes perturbadoras relacionadas à nossa visão da realidade, como uma visão enganosa sobre coisas transitórias, por exemplo.

Quando sentimos que alguma dessas emoções e atitudes perturbadoras é muito forte, podemos praticar tonglen (gtong-len, dando e recebendo) pensamos em todos os outros seres que tem a mesma emoção ou atitude perturbadora e que isso não é um problema só nosso, mas de todo mundo. É razoável pensarmos dessa forma porque esse é um problema que afeta a todos os seres samsáricos e nós fazemos parte desses seres, portanto, precisamos lidar com isso por todos os seres. É como se fossemos uma mulher que estivesse enfrentando preconceito no ambiente de trabalho. O preconceito contra mulheres não seria um problema só nosso, pois é um problema de todas as mulheres. Portanto, para nos livrarmos do preconceito que sofremos por ser mulher, precisamos enfrentar o preconceito contra todas as mulheres.

No Treinamento da Mente em Sete Etapas (Blo-sbyong don-bdun-ma) por Geshe Chaykawa (dGe-bshes ‘Chad-kha-ba), uma das quatro ações (sbyor-ba bzhi) da etapa de transformar as condições adversas no caminho para a iluminação é fazer oferendas aos espíritos maléficos (maras) e pedir a eles que nos deem circunstâncias mais difíceis. Essa prática de “alimentar o demônio” é parecida com o tonglen. Mas aqui, nós primeiro praticamos o “dar” e depois pedimos ao demônio que nos ajude a receber mais sofrimento dos outros. Na prática de Vajrayogini, e também em outros rituais tântricos de oferendas, alimentar os demônios é parte da prática de fazer oferendas aos vários convidados: especialmente aos convidados que são nossos inimigos.

O Mara dos Agregados

O mara dos agregados refere-se aos agregados maculados (zag-bcas-kyi phung-po, agregados contaminados). Assim como Shakyamuni identificou que o sofrimento permeia todo o samsara (khyab-byed-kyi sdug-bsngal), ele identificou Mara em todos os agregados.

No Tesouro de Tópicos Especiais de Conhecimento (Chos mngon-pa’i mdzod, sânscr. Abhidharmakosha), Vasubandhu define “fenômenos maculados” como fenômenos não-estáticos (impermanentes) que derivam de uma atitude ou emoção perturbadora. Quando esses fenômenos são objetos de cognição de nossa mente limitada o resultado é mais emoções e atitudes perturbadoras no nosso continuum mental. Também são maculados os cinco fatores agregados que acompanham as emoções e atitudes perturbadoras. Portanto, Vasubandhu especifica os fenômenos maculados como sendo todos os fenômenos não-estáticos, excetuando-se aqueles que constituem a quarta nobre verdade.

Na Antologia de Tópicos Especiais de Conhecimento (Chos mngon-pa kun-las btus-pa, sânscr. Abhidharmasamuccaya), Asanga desenvolve mais esse tópico e considera a definição de Vasubandhu como apenas uma das categorias de fenômenos maculados. Asanga inclui entre esses fenômenos os fatores agregados que surgem do anseio e que geram outras situações samsáricas. Portanto, essa é a situação em que os fatores agregados de nossa experiência derivam do anseio e da inconsciência (que ativam os ventos kármicos), eles contém inconsciência e perpetuam a inconsciência.

Portanto, o “hardware” dos nossos agregados — nossa mente e corpo limitados — é o mara dos agregados, porque nos limita com mais e mais sofrimento e mata nossas chances de liberação

O Mara Que É Filho dos Deuses

Originalmente, parece que o Mara que é filho dos deuses refere-se a Kama, filho do deus Krishna, e a sua tentativa de interferir na meditação de Shiva. Os budistas consideram esse mara como sendo as visões enganosas dos não-budistas ou, conforme a escola Prasangika, até mesmo as perspectivas dos sistemas inferiores de filosofia budista que, apesar de úteis, devem ser superadas.

Esse mara também pode referir-se às 62 visões errôneas (lta-ba ngan-pa, visões más) propostas pelos 18 não-budistas extremistas (mu-stegs, sânscr. tirthika). E ainda, em A Filigrana de Realizações (mNgon-rtogs rgyan, sânscr. Abhisamayalamkara), Maitreya enumera 46 falhas que interferem no desenvolvimento das sabedorias aplicáveis aos bodhisattvas (sbyor-ba’i skyon). Essas falhas também são consideradas o trabalho de Mara que é o filho dos deuses.

Os Quatro Maras de Acordo com o Kalachakra

Em Notas sobre a Suprema Mandala do Glorioso Kalachakra, Fonte de Todas as Boas Qualidades (dPal dus-kyi ‘khor-lo’i dkyil-chog yon-tan kun-’byung-gi zin-bris), Buton (Bu-ston Rin-chen grub) explica que no Kalachakra os quatro maras tem o seguinte significado:

  • O mara dos agregados refere-se aos obscurecimentos do corpo, que são imputados na gota de energia criativa sutil do despertar.
  • O mara das atitudes perturbadoras refere-se aos obscurecimentos da fala, que são imputados na gota de energia criativa sutil do sonho.
  • O mara do Senhor da Morte refere-se aos obscurecimentos da mente, que são imputados na gota de energia criativa sutil do sono profundo sem sonho.
  • O mara que é filho dos deuses refere-se a entrar externamente na inconsciência (phyi-rol-gyi ma-rig-pa la ‘jug-pa), que talvez refira-se ao obscurecimento associado com a quarta gota, a gota de energia criativa sutil da bem-aventurança. Talvez isso refira-se aos obscurecimentos da inconsciência, que fazem com que emitamos nossas energias sutis quando da bem-aventurança do orgasmo. Quando atingimos a bem-aventurada consciência imutável da vacuidade, podemos dizer que temos o comportamento totalmente puro da realidade (de-kho-na nyid-gyi tshangs-spyod), onde estamos sempre na imutável bem-aventurança (mi-‘gyur-ba’i bde-ba) e nunca sentimos a bem-aventurança da emissão orgástica (dzag-bde). Isso porque nossa mente permanece absorvida na clara luz da realização da vacuidade e não se afasta dela quando da geração das três mentes conceituais de criação de aparências, que são análogas à emissão orgástica. Referimos a essa conquista como ter um bastão vajra (rdo-rje dbyug-pa) para derrotar os maras. Ter um bastão vajra é uma das dez qualidade de um mestre vajra, de acordo com o Kalachakra.

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Numerologia Védica Indiana Segundo O Tantra , o Ayurveda e a Astrologia. Mapa de Alexandre de Moraes.

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