Essa pergunta volta e meia surge em bate-papos e
reacende uma velha discussão, que dá muito pano pra manga - e também dá
margem a muitos preconceitos e discriminações. Há até tópicos em fóruns
da internet com esse tema, e é curioso perceber que, neles, boa parte
das pessoas tem uma posição chauvinista em relação ao assunto: o sotaque
mais bonito é o da minha região, da minha cidade, do meu estado. E o
sotaque mais feio é, em geral, o das pessoas mais pobres, das classes
mais baixas, das regiões menos desenvolvidas.
Ora, não existem
pronúncias feias ou bonitas - pelo menos, objetivamente falando. Beleza é
questão de gosto. Afinal, quais seriam os critérios objetivos para
determinar quem fala bonito ou feio?
Outra decorrência do
chauvinismo linguístico é o sentimento que a maioria das pessoas tem de
que elas não têm sotaque, são os outros que têm. Como se fosse possível
falar uma língua desprovida de pronúncia! (Só se for a linguagem de
sinais dos surdos-mudos.) Afinal, qualquer pessoa que fale um idioma
utiliza uma pronúncia característica, que revela a sua região de origem,
mas também a sua classe social, o seu nível de escolaridade e, em
alguns casos, até a nacionalidade dos seus antepassados.
Na
verdade, se quisermos pôr um pouco de objetividade nessa discussão, o
que existe é uma pronúncia padrão do idioma, isto é, um modo de falar,
típico dos atores e dos locutores de rádio, que se baseia na fala de uma
determinada região do país (em geral, a mais influente econômica,
política ou culturalmente), mas que é em grande medida artificial, já
que resulta de treino profissional, e dificilmente se encontra nas ruas,
mesmo na região da qual se origina.
Essa pronúncia padrão nasceu
com a necessidade de veicular nos meios eletrônicos de massa (rádio e
TV, principalmente) uma pronúncia que fosse bem aceita em todos os
lugares. Por isso, a fala padrão costuma ser uma "média" das falas das
pessoas cultas da maioria das regiões do país. Seu objetivo é ser o mais
"neutra" possível (se é que isso é possível).
Quando se ensina
um idioma estrangeiro, é a pronúncia padrão dessa língua que vai ser
usada em sala de aula e no material didático audiovisual. É por isso
que, quando se estuda francês, o que se ensina é a pronúncia de Paris e
não a do Quebec ou do Senegal. Mesmo assim, boa parte dos parisienses
não fala segundo esse padrão.
Aliás, algumas pessoas são mais
"afetadas" do que outras, ou seja, têm uma pronúncia mais "carregada",
em que os traços característicos da sua localidade são mais acentuados.
E, estranhamente, isso não tem a ver necessariamente com a cidade ou o
bairro de origem do cidadão. Por exemplo, costuma-se pensar que aqueles
paulistanos que falam cantado, com forte sotaque italiano ("cê tá mi
inteindeindo?"), são naturais da Mooca ou do Bexiga. No entanto, há
pessoas com esse sotaque em todas as regiões da cidade de São Paulo (e
até no interior do estado), assim como nem todos os nascidos nesses
bairros falam de maneira carregada.
Portanto, excluindo-se o
chauvinismo puro, que só enaltece o que é da própria terra e execra o
que é de fora, aquilo que as pessoas entendem como um falar bonito é um
falar bem próximo do padrão. Do mesmo modo, quanto mais distante desse
padrão, mais feia e esquisita é considerada a fala das pessoas. Em todas
as regiões tem gente que fala segundo o padrão e gente que não. O mais é
puro preconceito.
fonte
http://revistalingua.uol.com.br/textos/blog-abizzocchi/qual-o-sotaque-mais-bonito-e-o-mais-feio-258354-1.asp
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