sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quando a cozinha vira sala de aula

Quando a cozinha vira sala de aula
Confira o que as crianças podem aprender cozinhando. Além de matemática e ciências, elas aperfeiçoam a leitura e têm acesso à cultura do país e à história de suas famílias
LAURA LOPES
pat feldman
Arthur, de cinco anos, despertou em Patrícia (foto) a vontade de trabalhar com alimentação infantil. Hoje ela dá aula em escolas
- Mamãe, compra couve-flor?
- Não, Arthur. Hoje eu vou comprar brócolis.
- Mas você não precisa de brócolis hoje. Eu quero couve-flor.
- Eu quero fazer brócolis hoje no almoço.
- Então vamos levar os dois.

Arthur parece aquele garoto que só existe em propagandas comerciais. Mas ele é real. Na feira, enche o carrinho de verduras e legumes, mas passa incólume nas gôndolas de chocolates e doces dos supermercados. Desde bebê, Arthur acompanhava a mãe nas compras, em feiras e supermercados. Foi ele que fez com que ela experimentasse, pela primeira vez, quiabo. Ao passar pelos alimentos, a mãe falava seus nomes, para que o menino, à época com menos de dois anos, fosse se familiarizando com ingredientes in natura. Quando ela disse "quiabo", ele começou a rir, e pediu que comprasse. "E eu, que nunca tinha comido quibao, porque minha mãe era traumatizada, aprendi a fazer", diz Patrícia Feldman, a mãe do garoto, hoje com cinco anos.

Formada engenheira têxtil, Patrícia começou a se interessar por alimentação infantil depois que ficou grávida. Ainda criança, sempre gostou de cozinhar. Sua mãe ensinava receitas ao mesmo tempo em que contava de onde elas vinham, resgatando a cultura do alimento manipulado. "Meu pai fazia a gente medir os ingredientes milimetricamente. Minha mãe contava que o prato era de tal país e mostrava no mapa. A gente não dava bola e, sem perceber, já estava estudando", conta Patrícia.

É o que ela tenta fazer profissionalmente. A ex-engenheira tem um site (pat.feldman.com.br) que alimenta com dicas e receitas saudáveis. Ela também dá aulas de culinária para crianças, ensinando a fazer pão de queijo, brigadeiro, hambúrguer, catchup e até mostarda para os pequenos. No lugar de produtos industrializados, usa ingredientes naturais, como cacau em pó no brigadeiro e sementes de mostarda para o condimento. "Uso suco de limão e soro de iogurte como o ingrediente ácido da mostarda, para transformá-la num probiótico", afirma.
pat feldman
Em suas aulas, Patrícia ensina que é possível fazer alimentos gostosos apenas com ingredientes naturais
Na cozinha, as crianças aprendem diversas disciplinas que, em sala de aula, costumam ser chatas e difíceis de serem colocadas em prática. Ao ler uma receita, a criança aperfeiçoa a leitura e a interpretação de texto. Ao separar os ingredientes, lida com fração, adição e subtração. Durante o preparo, assiste à transformação física dos alimentos, o que também muda sua aparência e sabor. Para prepará-los, melhora sua coordenação motora. Afinal, é preciso vigor para mexer uma panela, uma massa de pão ou bolo (você já viu um adulto que nunca cozinhou mexendo um molho branco para não empelotar? É constrangedor!).
De modo geral, as crianças aprendem a ser organizadas e a trabalhar em equipe, uma vez que sempre estão acompanhadas de pais e/ou outras crianças na cozinha. Além de aguçarem sua criatividade, porque reinventam receitas que foram feitas mais de uma vez, passam mais tempo com os familiares – o que tem se perdido na sociedade moderna. Se cozinhar ajuda nas matérias da escola, no desenvolvimento pessoal e na interação familiar, também contribui para a saúde do pimpolho. Afinal, se ele sabe que molho de tomate feito em casa é mais gostoso, por que comeria um molho enlatado, cheio de conservantes? Isso, só para ficar no exemplo mais simples.
Divulgação
Elizabete dá aulas para crianças há 10 anos e algumas não sabem nem o que é um pimentão
"A criança de hoje não sabe o que é um pimentão. Nem o que é uma pera. Ela só sabe o que é maçã, banana e uva. Laranja, ela só conhece em forma de suco. É um problema cultural", afirma Elisabete Presa, chef e nutricionista que dá aulas de culinária para crianças (está com um curso agendado para julho no Atelier Gourmand**, em São Paulo). Segundo ela, crianças acostumadas a comer alface todos os dias dão esse nome a qualquer verdura que seja colocada em sua frente: escalora, rúcula ou chicória, basta ser verde. Ao cozinhar, elas têm contato com inúmeros alimentos e ficam curiosas se o gosto vai ficar igual ao produtos comprado no supermercado. "Eu respondo que não fica idêntico, mas mais gostoso. E o legal de fazer em casa é que a gente pode consertar, colocando mais sal ou tempero, por exemplo", diz Patrícia.

Conhecer os alimentos é importante. E tão importante quanto isso é experimentá-los. Por mais que as crianças não gostem de uma comida, elas experimentam se tiverem preparado ou ajudado no preparo. Normalmente, só veem os adultos fazendo e ficam com receio de comer algo que não acham bonito. Quando estão juntas, elas influenciam as outras e, colocando a mão na massa, experimentam de tudo. "Como eu tenho o hábito de não apresentar o alimento de uma forma tradicional, as crianças sempre comem, mesmo que não gostem do ingrediente principal", afirma Elisabete. Um exemplo é o bolo de abobrinha com cobertura de chocolate. Doce? Sim. "Fica totalmente diferente e é de abobrinha", afirma. Ela valoriza as várias formas de apresentação do alimento, para não enjoar.

As crianças se divertem cozinhando. "Elas adoram ter contato com o alimento, sentem-se 'gente grande', principalmente quando estão fazendo coisas de que gostam. Elas gostam de colocar uniforme, chapéu, manusear os alimentos, picar, mexer...", diz Elisabete. Isso acontece porque elas não têm esse hábito em casa, muito por culpa dos pais. Alguns não têm paciência de ensinar, outros dizem não ter tempo. "Tem que ter paciência, porque o bolo que eu demoraria 10 minutos para fazer, demora 30 com o Arthur, mas acrescenta muito na vida dele", afirma Patrícia.  
Getty Images
Na cozinha, a criança aprende matemática e ciências, mas também passa um tempo importante ao lado de pais e outros familiares
Outro problema são as facas e o fogo: é preciso introduzir os equipamentos aos poucos. Se a criança é pequena, é importante que ela faça papinhas, tenha contato com a textura dos alimentos. Depois, maiorzinha, pode começar a trabalhar com facas pequenas, de serrinha. Um pouco maior, liga o fogo e já prepara receitas inteiras sozinhas. "Eu ensino que não tem que ter medo da faca ou do fogo, mas tem que respeitar. A faca corta a comida e o dedo, o fogo pode queimar a mão. Há utensílios adequados para cada idade", diz Patrícia.

Passar um tempo com os filhos na cozinha pode evitar adultos desnutridos e com altas taxas de colesterol e triglicérides no sangue. Mudar os hábitos alimentares de um adolescente é muito mais difícil do que introduzir hábitos saudáveis a uma criança. Na falta de tempo e vontade de cozinhar, mande seu filho passar um tempo na cozinha dos avós, ou increva-o em algumas aulas de culinária. Se ele não se tornar um grande chef, pelo menos saberá que a batata chips comprada nos supermercados nasce sob a terra.

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