Após a divulgação dos resultados da terceira fase da edição de 2010 do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade encaminhou ao Ministro da Educação ofício com a lista de 90 instituições de ensino superior que não tiveram aluno egresso do curso de direito aprovado naquela edição da prova. Com isso, assistimos novamente a um posicionamento retórico da OAB que reforça sua atitude corporativista.
Não é de hoje que se percebe uma nítida intenção da OAB em interferir na gestão das avaliações desenvolvida pelo MEC. Aliás, ainda que o ministério não inclua o exame da OAB nos seus processos avaliativos, via de regra, a entidade que representa os advogados tem posicionamento contrário às avaliações de cursos realizadas pelo MEC, independentemente do resultado dos diversos indicadores levantados. É preciso atentar que a obrigação de regulamentar e avaliar os processos acadêmicos e a oferta de cursos - prerrogativas garantidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - está a cargo do MEC, sendo assim a OAB precisa ficar restrita ao seu papel fiscalizador das atividades profissionais dos advogados a ela vinculados.
A interferência desta entidade de classe chega a ser tamanha que seu Conselho Federal editou uma Instrução Normativa (no 01/2011) instituindo o piso remuneratório do professor de direito como um dos requisitos na avaliação realizada pela Comissão Nacional de Ensino Jurídico da OAB. Mais uma vez a entidade consolida seu espírito corporativista e discriminatório, uma vez que a maioria das instituições de ensino possui em seus quadros professores de outros cursos. Além do mais, com esta postura arbitrária, a OAB ignora que cada instituição de ensino superior possui instrumentos próprios de admissão e progressão na carreira acadêmica de seus professores, muitos deles homologados pelo Ministério do Trabalho. Vale lembrar, ainda, que o Ministério da Educação adota o Plano de Carreira Docente como elemento fundamental nos processos avaliativos.
Não parece ser desastroso para o país o conhecimento do direito pelos nossos jovens. Quanto mais estes jovens tiverem contato com as características desta ciência jurídica, melhores serão os benefícios para a sociedade. Portanto, fazer com que a sociedade conheça o direito deveria ser prioridade de todos, inclusive da OAB. Outra questão é o exercício da atividade jurídica, ou a operação do direito, como muitos preferem referir. Nesse sentido, a OAB com a introdução do exame da Ordem, indiscutivelmente, deu um passo significativo na garantia da simetria das informações e na preservação das relações sociais.
Entretanto, o que temos assistido é uma perda de foco da OAB, que acabou por se considerar paladina dos processos regulatórios acadêmicos referentes aos cursos de direito. O próprio exame, com sua unificação, não tem considerado a possibilidade de cada instituição construir seu currículo em função de seu entorno e das particularidades regionais, conforme previsto na legislação vigente.
Esta postura não tem contribuído para a melhoria da qualidade dos cursos jurídicos no Brasil. Corremos o risco, com este posicionamento, de as faculdades de direito de todo Brasil apenas prepararem seus egressos para a aprovação no exame da Ordem, deixando de lado a formação humanista de seus alunos, característica histórica dos cursos jurídicos do país e inerente ao exercício da advocacia.
É sabido que há um componente político em qualquer processo de avaliação, o que pressupõe diretrizes claras e um conjunto de meios estabelecidos como produtos de crenças e valores. Esta falta de definição no exame da OAB tem gerado algumas turbulências nas últimas edições como, por exemplo, temáticas confusas propostas para elaboração de redações; fraudes no exame de 2009; pegadinhas no exame de 2010, com reprovação em massa na primeira fase; anulação de questões; e troca de instituições que elaboram e aplicam o exame, o que levou o Ministério Público Federal a ajuizar uma série de ações públicas e civis contra o gabarito e os critérios de correção.
Portanto, a reflexão que se faz neste momento é que a OAB precisa, urgentemente, definir com clareza e transparência, qual é o seu papel político - no sentido mais nobre da palavra - na realização do exame da Ordem, pois somente desta forma ela poderá contribuir para a melhoria do ensino jurídico do país.
Às instituições não têm sentido as contribuições da OAB para a melhoria dos cursos de direito de uma forma geral, uma vez que o modelo adotado pela entidade, em que os egressos desses cursos são considerados aprovados ou não aprovados, oficializa uma concepção de exclusão e cria hierarquias sociais perigosas que consolidam a sociedade atual. Preparar um exame sem considerar estas questões, e ainda utilizar os seus resultados para se autointitular protetor dos direitos da sociedade, não condiz com a lógica moderna.
Carlos Rivera Ferreira é doutor em engenharia pela UPM, avaliador institucional, dirigente universitário e membro fundador da Red Latinoamericana de Cooperación Universitaria |
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