A ciência do Ayurveda, a medicina védica milenar, é o mais antigo sistema de medicina codificada que a humanidade conhece. Há e houve inúmeros intentos para estabelecer uma data de origem deste conhecimento, assim como esforços para encontrar um precursor.
Como toda ciência védica, a sua origem se perde no tempo em que a história se confunde com o mito. Na verdade, a necessidade de estabelecer um marco histórico, cronológico, é só uma necessidade acadêmica, pois para os estudiosos praticantes, essa referência é irrelevante e inexata.
O Ayurveda é aceito como uma medicina espiritual, um caminho iniciático, uma parte de acesso á alma, através da compreensão das bioenergias do corpo, e, como tal, uma revelação divina. Revelação não tem data, só descobre um véu ilusório para mostrar o que sempre existiu.
Esta ciência vê o corpo, assim como todo o Universo, como uma interação de três bioenergias. A que gera o movimento e faz que tudo funcione, se transporte, se una, se separe. A que transforma, que metaboliza, digere, destrói e mantém a temperatura. E a que armazena o metabolizado e digerido, para formar massa, estrutura. A primeira dessas bioenergias é chamada vata; a segunda, pitta; e a terceira, kapha.
No ser humano, encontramos a primeira no oxigênio que circula através do corpo, nos impulsos nervosos, nos neurotransmissores que levam informação sensação e consciência. A segunda, no processo digestivo encabeçado pela bile e as poderosas enzimas, suco pancreático e sistema endócrino, e também no processo racional de formação de ideias. A terceira, na ação anabólica da formação de tecidos e líquidos do corpo, encarregada da solidificação das estruturas, das formas, das paredes dos órgãos e das coberturas do corpo.
Estas bioenergias interagem constantemente possibilitando a ação de cada uma. Quando esta interação se realiza harmoniosamente, isto é chamado de equilíbrio, requisito fundamental para a saúde. Já que é ação energética, devemos observar que o movimento se efetua no plano físico e psíquico também. A informação logo é processada, digerida e forma estrutura de pensamento, opiniões e memória.
O conceito de saúde no Ayurveda se poderia resumir assim: boa digestão; boas eliminações; sentidos aguçados; mente pacífica, feliz e satisfeita. A boa digestão é ponto de partida para a saúde. Sem ela, não só não há possibilidade de um bom aproveitamento do que se come, como também não há uma boa discriminação – separação do que deve ficar no corpo por ser útil e o que deve ser expulso por ser nocivo.
A digestão se realiza primeiramente no estômago, duodeno e intestino delgado, porém, depois, ela se realiza no organismo inteiro. Tal qual a luta do bem contra o mal, o fogo sagrado da digestão, agni, combate o mal, as toxinas. Dependendo da eficiência da digestão, o sagrado ar vital ou prana, através de seus diferentes movimentos de ar, vata, se encarrega de expulsar o indesejado, na forma de excreções – fezes, urina, suor, menstruação. Um corpo sadio elimina fácil e diariamente ou regularmente. No caso da menstruação, de forma indolor e sem alterar o ânimo.
Quando a atividade física se realiza perfeitamente, a mente também fica aliviada. Pois, um corpo, com boa digestão, também terá uma boa digestão mental. Ou seja, saberá separar o que serve, o que ensina, o que acrescenta, o que dá felicidade, o que nos confunde, nos degrada e nos aflige.
Boa digestão mental também significa eliminar mágoas, rancores, traumas, apegos. Estando assim a mente limpa, ela também fica ágil, dinâmica, e os sentidos ficam claros, agudos, atuantes, ágeis. A mente é o espaço final a ser atingido. Mais do que isto, ela é o objetivo principal, pois, sem que ela esteja em paz, não há possibilidade alguma de felicidade e bem-estar.
As doenças em grande parte se originam nas emoções, por isso são chamadas dehomanasa (deho= corpo; manasa = mente), que é o mesmo que psicossomáticas (psiquis = mente ou alma: soma = corpo). A mente é tão enigmática e enganosa como um labirinto e nos faz pensar que está tudo sob controle. Poderíamos classificar as doenças em três categorias: adiatmikas – originadas pelo corpo e pela mente; adibhauticas – originadas por outras entidades; adidaiviksa – originadas pela ação dos deuses.
Doenças adiatmikas podem se considerar as próprias e as herdadas. As herdadas são aquelas que chegam pela história genética, doenças familiares quase que já instaladas nos genes da família. Em linhas gerais, os homens herdam da família da mãe, e as mulheres, da família do pai. Porém, há exceções, tais como a depressão, que vem em linha reta: mãe depressiva, filha depressiva; e o mesmo no caso de pai e filho. Também são hereditárias as adquiridas da mãe durante a gravidez. O tipo de alimentação, ou de circunstâncias especiais, durante esse período, são fatores que resultam na constituição do filho e sua consequente saúde e fortaleza.
As próprias podem ser de duas naturezas – as que se adquirem por maus hábitos alimentares ou vícios e as que se provocam por desequilíbriosemocionais. Estas últimas são as mais frequentes e são difíceis de tratar só com remédios. Os remédios aliviam, mas, como há uma questão de fundo, se não se praticam terapias desintoxicantes e rejuvenescedora, somadas a mudanças de dieta e hábitos, além de práticas espirituais, dificilmente se obterá um resultado completo.
Doenças adibhaitikas são as que se adquirem por influência de outras entidades, como, por exemplo, contágios com vírus, bactérias, picadas, mordidas, agressões físicas e coisas similares, e as provocadas por entidades em corpo sutil – fantasmas. Estes últimos se hospedam como parasitas espirituais e causam doenças em órgãos determinados, ou causam dores, ou afetam o sistema nervoso, já que eles se alojam no ar vital, e este é o alimento dos nervos.
Quaisquer que sejam as manifestações da doença, elas são reconhecidas como influências de obsessores quando são difíceis de diagnosticar. Não se detectam nos exames técnicos, nem de análises. Nesses casos, não se obtêm resultados satisfatórios usando medicina química, o tratamento tem que ser natural. Ajuda o uso de mantras e talismãs protetores.
As doenças adidaivikas são causadas pelos controladores celestiais – os devas. Elas ocorrem, por um lado, sob influência do clima, da temperatura ambiente, das bruscas mudanças destes, das catástrofes naturais etc. E, por outro, mais profundo e misterioso, em decorrência do karma – a lei de causa e efeito, que move o Universo. É muito complexo explicar como funciona o karma, mas podemos entender que, quando cometemos alguma falta que afete a alguém, o nível de sofrimento que causamos é proporcional ao que recebemos. A doença é uma ansiedade e um sofrimento, por isso é que a padecemos.
Quando nascemos, já se mostram em nosso corpo saúde e fraqueza em certos órgãos, identificadas pelo biótipo físico ao qual pertencemos e que nos foi designado. Também podemos identificá-las astrologicamente. No horóscopo de uma pessoa, aparecem os planetas que têm muita ou boa força e aqueles que estão debilitados. Estes últimos são os que indicam onde está a fraqueza orgânica e que tecidos não são fortes e bem formados.
Cada uma das doze casas zodiacais que formam o horóscopo corresponde a alguma região do corpo. Então, se alguma delas estiver afetada pela presença de algum planeta maléfico, ou, se o planeta regente da casa se encontra desfavorável, isto indica a possibilidade de doença e de que tipo. As doenças deste tipo se apresentam geralmente devido aos trânsitos planetários, quando algum planeta se manifesta proeminente perante os outros.
A abordagem que a medicina Ayurveda faz é holística, utilizando todos os métodos e recursos que a natureza oferece. Dieta é fundamental para começar o processo. Há uma máxima Ayurveda que diz: “Sem uma boa alimentação, a medicina não funciona, e, com uma boa alimentação, a medicina não faz falta”.
E uma boa alimentação significa uma dieta apropriada ao biótipo da pessoa. Porque saudável não é só o alimento que é natural, e sim o alimento que é apropriado para a pessoa em questão. Pois o que é comida para um pode ser veneno para outro.
Além da correta dieta, deve-se observar bons hábitos, em todos os sentidos – bons hábitos de higiene, boa conduta social e principalmente hábitos espirituais, meditação, oração, Yoga e atividades devocionais para incrementar a fé. Charaka, o pai do Ayurveda moderno, sentenciou no seu famoso tratado Charaka Samhita que “o princípio da doença é falta de fé em Deus”.
(*) Krishna Kishora Dasa, falecido em 2012, foi um dos melhores terapeutas de Ayurveda do Brasil, pesquisador da cultura védica e discípulo de A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada.
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