quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

DEUSES E DEMÔNIOS

Asuras e devas batendo o Oceano de Leite para extrair o néctar da imortalidade.

 

Por Lokasaksi Dasa

Na tradição místico-religiosa do Sanātana-dharma, que teve sua origem nos Vedas, geralmente se fala na existência de 33 milhões de “deuses” (devas), que os vaiṣṇavas chamam de “semideuses”.

Apesar dessa terminologia “semideus” ser utilizada em outros estudos mitológicos para indicar seres metade divinos e metade humanos, o seu uso recorrente no vaiṣṇavismo se deve ao fato do vaiṣṇavismo aceitar a existência de somente um Deus Supremo (parameśvara) e Original (adīśvara). Ou seja todas as outras deidades são imperfeitas, sendo, contudo, seres muitos poderosos dotados de poder por Deus e subservientes a Ele. Ficando, portanto, bem claro a diferença entre “Deus” no singular, escrito com letra maiúscula, e “deuses” no plural, escrito com letra minúscula.

Dakṣa, um dos filhos mentais de Brahmā teve duas filhas, Aditi e Diti, que se casaram ambas com o sábio Kaśyapa. Aditi “a ilimitada” tornou-se a mãe dos líderes dos devas, que receberem por isso o nome de Ādityas. Diti “a dividida”, por sua vez, tornou-se a mãe dos principais Asuras ou demônios, que ficaram conhecidos como os Daityas ou Danavas. A palavra asura “demônio” é formada do prefixo a “não” mais a palavra sura “seres da luz” (da raiz verbal sur “governar, brilhar”.) e indica a personificação das forças antagônicas da natureza.

Deve ficar bem claro, que a palavra “demônio”, como tradução para as palavras  “asura” ou “daitya“, não equivale literalmente ao conceito semita-cristão de “demônio”. Apesar de haver muitos pontos de semelhança no que se refere a eles serem invejosos de Deus (Bhagavad-gītā, capítulo 16), ainda assim, eles não são os castigadores dos pecadores no inferno, função essa reservada aos “yamadhutas”, servos de Yama, o deus da morte”. Inclusive eles não residem nos infernos (naraka-lokas), mas sim nos mundos subterrâneos (patala-lokas); bem semelhante ao conceito greco-romano de “titãs”.

Encontramos uma narrativa interessante no Śatapatha Brāhmaṇa, sobre como os devas “deuses” obtiveram a imortalidade e portanto superioridade sobre os asuras “demônios”. Todos eles, deuses e demônios indistintamente, eram mortais e iguais em poder, pois todos eram descendentes de Prajāpati (Brahmā), o criador. Desejando a imortalidade, os deuses executaram sacrifícios (yajñas) liberalmente e praticaram penitências (tapas) muito severas. Mas enquanto Brahmā não lhes ensinasse um sacrifício em particular, eles não puderam se tornar imortais. Os deuses seguiram o conselho do criador e foram bem sucedidos. Desejando tornarem-se superior aos asuras, os devas tornaram-se verazes e seguidores da verdade.

Anteriormente eles e os asuras, indistintamente, falavam a verdade e a mentira, segundo a conveniência. Mas porque os devas pararam de mentir, e servir a verdade, os asuras tornaram-se notadamente falsos por agirem caprichosamente seguindo seu próprios interesses. Consequentemente os deuses ficaram mais poderosos e puderam conquistá-los (Śatapatha Brāhmaṇa, 9.5.1.12).

Também há uma descrição no Aitareya Brāhmaṇa que afirma que os devas e os asuras eram igualmente poderosos, mas seus poderes foram divididos, portanto, os deuses exercem-no durante o dia, na luz, e os demônios durante a noite, nas trevas (Aitareya Brāhmaṇa, 4.5).

Apesar de originalmente os deuses serem iguais em poder, três deles se destacaram por terem continuado com suas austeridades e sacrifícios. Agni recebeu a benção da chama intensa (fogo na terra), Indra recebeu a benção da energia intensa (fogo na atmosfera), e Sūrya recebeu a benção do brilho intenso (fogo no céu), o que se lhes possibilitou que recebessem o poder de serem responsáveis pelos três mundos ou planos – bhūr (a terra), bhuvaḥ (a atmosfera) e svar (as regiões celestiais).

Segundo o Ṛg Veda (1.139.11; 1.45.2). Esses três deuses presidem sobre trinta-e-três outros deuses (devas), que se dividem igualmente pelos três mundos. Dessa forma, Agni e os  11 Rudras regem o plano terrestre (Bhūr); Vayu e os 8 Vasus regem a atmosfera (Bhuvaḥ); e Indra e os 12 Ādityas regem as regiões celestiais, ou Paraíso (Svaḥ). Todas esses planos se situam entre o céu, conhecido como a região de Dyaus (o pai cósmico) e a terra, conhecida como a região de Pṛthivī (a mãe terrestre).

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