A nossa mania humana de categorizar o mundo em objetos distintos ajuda familiarizar-nos em meio a coisas confusas.
Essa obsessão por ordem e uma descrição minuciosa vem nada menos do filósofo grego Aristóteles. O Estagirita estabeleceu dez categorias pelas quais qualquer ser fisicamente sensível pudesse ser compreendido.
Para ele, as categorias são proposições acerca das características de um ser. Por ser um conhecimento primário, compreendido diretamente, sem necessidade de demonstração, Aristóteles aplicou suas categorias para o silogismo na lógica e para a construção de argumentos entimemas na retórica.
Excetuando as substâncias, as noves categorias atuam como predicados para uma substância (sujeito ou objeto). Seus nomes em português, grego e latim são os seguintes:
1. Substância (τὸ τί ἐστι, to ti esti, õὐσία, ousia, substantia). É o suporte no qual a matéria se assume uma forma. Nela agem as quatro causas. As substâncias podem ser vistas em seus aspectos essenciais ou acidentais, conforme Porfírio aplicou a ideia de acidente. Um exemplo, humano, pedra.
2. Quantidade (ποσόν, poson, quantitas). Por exemplo, dois humanos, três pedras.
3. Qualidade (ποιόν, poion, qualitas). Alto, forte, pesado.
4. Relação (πρός τι, pros ti, relatio). Diante de, conectado a.
5. Lugar, espaço (ποῦ, pou, ubi). Casa, na cidade.
6. Quando, tempo (πότε, pote, quando). Hoje, ontem, 15:30.
7. Estado (κεῖσθαι, keisthai, situs). Indica a postura. Sentado, em pé.
8. Hábito (ἔχειν, echein, habere). Ter uma pedra de estimação. Vestir roupas.
9. Ação (ποιεῖν, poiein, actio). Caminhando, vivendo.
10. Paixão (πάσχειν, paschein, passio). Ter sido alvejado por uma pedra, resposta com um sorriso.

O CATEGORISMO
Platão em seu diálogo Político discorreu sobre as categorias pensando em um método de agrupar objetos de acordo com suas propriedades. Mas seria seu discípulo Aristóteles que trouxe o tema à fruição no seu tratado Categorias e Da Interpretação, como parte de sua obra lógica, o Órganon.
A investigação das categorias intrigou pensadores como Plotino, Porfírio, Aquino, Descartes, Spinoza, Leibniz, Locke, Berkeley, Hume, Kant, Hegel, Brentano, Sapir e Whorf, Durkheim, Lévy-Bruhl, Heidegger, Chomsky e todo campo da antropologia cognitiva. Desde então, é assunto recorrente em ontologia, metafísica e epistemologia. Suas aplicações em algoritmos e Inteligência Artificial, bem como na semântica extrapolam seus empregos na lógica.
Logo, entretanto, surgiu a suspeita de que as categorias não seriam universais, além de estarem sujeitas às arbitrariedades. O condicionamento cultural na percepção e categorização tornou-se objeto de estudo a partir de Kant. O filólogo e filósofo alemão Friedrich Adolf Trendelenburg (1802-1872) notou com sagacidade que se Aristóteles não falasse grego, mas chinês ou dakota, sua categorização seria totalmente diferente.
Com essa limitação do categorialismo, o arguto Jorge Luis Borges escreveu no conto O idioma analítico de John Wilkins “sabidamente não há classificação do universo que não seja arbitrária e conjectural”:
Essas ambiguidades, redundâncias e deficiências recordam as que o doutor Franz Kuhn atribui a certa enciclopédia chinesa intitulada ‘Empório celestial de conhecimentos benévolos’. Em suas remotas páginas está escrito que os animais se dividem em 14 categorias:
(a) pertencentes ao Imperador
(b) embalsamados
(c) amestrados
(d) leitões
(e) sereias
(f) fabulosos
(g) cães vira-latas
(h) os que estão incluídos nesta classificação
(i) os que se agitam feito loucos
(j) inumeráveis
(k) desenhados com um pincel finíssimo de pelo de camelo
(l) et cetera
(m) os que acabaram de quebrar o vaso
(n) os que de longe parecem moscas.
SAIBA MAIS
ARISTÓTELES. Organon. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2010,
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