quinta-feira, 17 de abril de 2008

Aprenda Matemática Jogando.



Aprenda Matemática Jogando

Vygotsky afirmava que através do brinquedo a criança aprende a agir numa esfera cognitivista, sendo livre para determinar suas próprias ações. Segundo ele, o brinquedo estimula a curiosidade e a autoconfiança, proporcionando desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção.

Cabe então descobrir novos jeitos de trabalhar com a matemática, de modo que as pessoas percebam que pensamos matematicamente o tempo todo, resolvemos problemas durante vários momentos do dia e somos convidados a pensar de forma lógica cotidianamente. A matemática, portanto, faz parte da vida e pode ser aprendida de uma maneira dinâmica, desafiante e divertida.

É sem dúvida uma forma divertida de aprender, uma vez que os desafios de lógica podem representar uma maneira lúdica e criativa de pensar matematicamente. Pessoas de todas as idades se sentem atraídas por esses curiosos problemas e se divertem ao tentar desvendar as respostas. Com nossos alunos não é diferente. Em geral, eles se interessam por quebra-cabeças e enigmas, o que já seria um bom motivo para levarmos essas atividades para dentro da sala de aula.

Outras vantagens também contribuem para que esses desafios tenham lugar garantido no planejamento do professor. Entre elas, o modo lúdico de trabalhar conceitos matemáticos e a oportunidade de promover a discussão entre os alunos e a expressão dos seus pontos de vista. Alguns professores acham que incluir jogos nos planejamentos é perda de tempo. Para eles, escola é lugar de trabalho, entendendo como trabalho o ato de preencher inúmeras folhas de exercícios sem considerar o interesse dos alunos por esse tipo de atividade.

Piaget afirmou que a interação social é indispensável para que a criança desenvolva a lógica. Por volta dos 7 ou 8 anos, as crianças têm condições de enxergar o outro e trocar idéias com ele. Essa interação proporciona o confronto de pontos de vista diferentes e exige que a criança use a lógica para defender suas idéias, desenvolvendo seu poder de argumentação e de re-elaboração de conceitos a partir da interferência do outro. E nesse caminho que leva ao desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, o jogo representa uma estratégia de trabalho preciosa.

O trabalho com a matemática em sala de aula representa um desafio para o professor na medida em que exige que ele o conduza de forma significativa e estimulante para o aluno. Geralmente as referências que o professor tem em relação a essa disciplina vêm de sua experiência pessoal. Muitos deles afirmam que tiveram dificuldades com aquela matemática tradicionalmente ensinada nas escolas, que tinha como objetivo a transmissão de regras por meio de intensiva exercitação.

Os alunos devem ser incentivados a resolver os desafios coletivamente e a criar variações do jogo, tornando-o mais fácil ou até deixando-o mais complexo. Essas variações agradam muito aos alunos, que se sentem motivados a resolver os desafios que os colegas criaram. Penso ser interessante, porém, procurar incentivar nas crianças a competição, mas de uma maneira saudável, de forma a ensinar a necessidade de se seguir regras, de não "roubar" e principalmente, de se aprender que, na vida, nem sempre se ganha.

No que diz respeito aos aspectos "didáticos" dos jogos. Podemos afirmar que a grosso modo que com os jogos de modo geral, desenvolvem a habilidade espacial, a paciência e sempre trazem alegria. Aprofundando no assunto. Moura, 1991, afirma que ''o jogo aproxima-se da Matemática via desenvolvimento de habilidades de resoluções de problemas''.

Cabe a nós educadores escolher jogos que estimulem a resolução de problemas, principalmente quando o conteúdo a ser estudado for abstrato, difícil e desvinculado da prática diária, não nos esquecendo de respeitar as condições de cada comunidade e o querer de cada aluno. Essas atividades não devem ser muito fáceis nem muito difíceis e ser testadas antes de sua aplicação, a fim de enriquecer as experiências através de propostas de novas atividades, propiciando mais de uma situação.

Os jogos trabalhados em sala de aula devem ter regras, esses são classificados em três tipos:

  • Jogos estratégicos, onde são trabalhadas as habilidades que compõem o raciocínio lógico. Com eles, os alunos lêem as regras e buscam caminhos para atingirem o objetivo final, utilizando estratégias para isso. O fator sorte não interfere no resultado;
  • Jogos de treinamento, os quais são utilizados quando o professor percebe que alguns alunos precisam de reforço num determinado conteúdo e quer substituir as cansativas listas de exercícios. Neles, quase sempre o fator sorte exerce um papel preponderante e interfere nos resultados finais, o que pode frustrar as idéias anteriormente colocadas;
  • Jogos geométricos, que têm como objetivo desenvolver a habilidade de observação e o pensamento lógico. Com eles conseguimos trabalhar figuras geométricas, semelhança de figuras, ângulos e polígonos.

O trabalho com jogos matemáticos em sala de aula nos traz alguns benefícios:

  • Conseguimos detectar os alunos que estão com dificuldades reais;
  • O aluno demonstra para seus colegas e professores se o assunto foi bem assimilado;
  • Existe uma competição entre os jogadores e os adversários, pois almejam vencer e par isso aperfeiçoa-se e ultrapassam seus limites;
  • Durante o desenrolar de um jogo, observamos que o aluno se torna mais crítico, alerta e confiante, expressando o que pensa, elaborando perguntas e tirando conclusões sem necessidade da interferência ou aprovação do professor;
  • Não existe o medo de errar, pois o erro é considerado um degrau necessário para se chegar a uma resposta correta;
  • O aluno se empolga com o clima de uma aula diferente, o que faz com que aprenda sem perceber.

Mas devemos, também, ter alguns cuidados ao escolher os jogos a serem aplicados:

  • Não tornar o jogo algo obrigatório;
  • Escolher jogos em que o fator sorte não interfira nas jogadas, permitindo que vença aquele que descobrir as melhores estratégias;
  • Utilizar atividades que envolvam dois ou mais alunos, para oportunizar a interação social;
  • Estabelecer regras, que podem ou não ser modificadas no decorrer de uma rodada;
  • Trabalhar a frustração pela derrota na criança, no sentido de minimizá-la;
  • Estudar o jogo antes de aplicá-lo (o que só é possível, jogando).

Enfim, neste artigo procuramos mostrar como os jogos em sala de aula podem estar contribuindo no ensino da matemática, uma vez que os jogos matemáticos despertam a curiosidade dos alunos, que precisam discutir e argumentar sobre as respostas encontradas, decidir se estão corretas ou não, verificar o motivo dos seus erros e corrigi-los com o apoio do grupo. Nesse momento, os alunos têm a oportunidade de ser mais ativos e de se supervisionar mutuamente, desenvolvendo sua autonomia.

Bibliografia

MOURA, M. O. de. A construção do signo numérico em situação de ensino. São Paulo: USP,1991

PIAGET, J. A Formação do Símbolo na criança: Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. 3d. Rio de

Janeiro. Zahar Editora, 1978.

VYGOTSKY, L A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998


quarta-feira, 16 de abril de 2008

Ética senso crítico. (PCN 1ª/4ª série).


A Prática docente e a formação cidadã

Resumo:

Este trabalho discute a importância da atuação da prática docente para a formação do aluno como cidadão critico. A sociedade vem sofrendo grandes transformações em sua estrutura social, econômica e política, estabelecendo novas relações sociais, passando a exigir da escola a formação de um novo aluno, capaz de atuar na sociedade, de maneira a transformá-la. A formação cidadã vem sendo destacada como necessária, para que os cidadãos possam contribuir na construção de novos valores calcados na solidariedade, pois as novas relações sociais estabelecidas estão provocando a exclusão social das classes menos favorecidas.

Palavras-Chaves: cidadania, prática docente e transformações sociais.

A sociedade sofre grandes transformações na esfera política, econômica, e social, exigindo um trabalhador mais capacitado, dinâmico, reflexivo e polivalente, capaz de atuar na realidade social. A sociedade evolui de um período onde o trabalhador deveria ser especializado em um a determinada função, realizando tarefas pré-determinadas pelos seus superiores, para um período em que a dinamicidade e a formação do trabalhador é fator de sobrevivência.

As profundas modificações que têm ocorrido no mundo do trabalho trazem novos desafios para a educação. O capitalismo vive um novo padrão de acumulação decorrente da globalização da economia, da reestruturação produtiva que, por sua vez determina novas relações entre o estado e a sociedade (Kuenzer 2000:33).

Com essas transformações a escola é desafiada a repensar seu papel diante o meio social, formando alunos mais capazes para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e condutas que facilitem o enfrentamento de situações dinâmicas. A escola deve preparar o aluno para a comunicação em massa, para resolver problemas práticos utilizando conhecimentos científicos, buscando se aperfeiçoar continuamente com responsabilidade, criatividade e criticidade.

Nesta perspectiva, a escola é concebida como um espaço onde os alunos possam exercer seu papel na construção da democracia social, desenvolvendo a criatividade, sensibilidade e a imaginação, que visa preparar o aluno para o processo produtivo, habilitando um trabalhador ativo e efetivo no exercício da cidadania (Kuenzer, 2001, Libâneo, 2003).

A preocupação com a formação cidadã do educando necessitaria ser uma das preocupações primordiais da escola. Gadotti (2001) define a cidadania como consciência de direitos e deveres no exercício da democracia e defende uma escola cidadã como a realização de uma escola pública e popular, cada vez mais comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Neste contexto em que prevalece entre nós a globalização neoliberal, a ideologia do pensamento único, do mercado acima da vida, deve-se repensar e dialogar sobre estratégias e os desafios para uma educação popular e libertadora, capaz de formar o aluno como cidadão - critico. Nesse contexto, Schnorr (2001: 71) pontua que

a necessidade de uma pedagogia da libertação popular afirma em nosso cotidiano porque em nossos corpos, e mentes e em toda pratica social ainda está a pedagogia do opressor. Esta pedagogia legitima sua prática domesticadora negando o direito de ser mais do povo.

Paulo Freire idealizou uma pedagogia capaz de libertar a sociedade da opressão, desenvolvendo no aluno a consciência revolucionária, onde o mesmo possa questionar e desvelar criticamente as relações de poder que o envolve (Giroux, 1997).

Para contatar in locu os objetivos operacionalizados e executados pela escola e relacionar a realidade escolar com o novo modelo de escola proposto frente às transformações citadas acima, foi realizada pesquisa em escola pública, com o objetivo de verificar na prática a concretização (ou não) dos objetivos e ideais de uma educação para e pela cidadania. (foi observado o planejamento, seleção e organização dos conteúdos, momentos avaliativos e realização das aulas)

Percebeu-se durante a pesquisa que o planejamento das aulas é feito quinzenalmente, não constando à presença dos elementos que são considerados essenciais, como: objetivos, metodologias, avaliação, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, recursos didáticos e tempo para a realização das atividades. Entretanto, observou-se grande enfoque aos conteúdos mais voltados para a memorização e a atividades rotineiras, que apenas ocupam o tempo dos alunos.

Isso reflete na falta de compreensão da importância do ato de planejar, pois ao estruturar sua aula o professor especifica e operacionaliza os procedimentos diários para a concretização dos objetivos da formação cidadã, organizando de forma seqüencial todas as atividades que são desenvolvidas no decorrer dos momentos de interação professor-aluno.

Planejamento de ensino é a previsão das ações e procedimentos que o professor vai realizar junto a seus alunos, e a organização das atividades discentes, e a aprendizagem, visando atingir os objetivos educacionais estabelecidos. O professor ao planejar o ensino antecipa, de forma organizada, todas as etapas do trabalho escolar. Cuidadosamente, identifica os objetivos que pretende atingir, indica os conteúdos que serão desenvolvidos, seleciona os procedimentos que utilizará como estratégia de ação e prevêem quais os instrumentos que empregará para avaliar o progresso dos alunos. (Gadotti, 2001: 9)

Na elaboração do planejamento de aula, a escola, visando levar o aluno a compreender e transformar o mundo a sua volta, pode estabelecer as intraconexões e interconexões de áreas e conhecimentos, desenvolver sua autoconfiança, estabelecer relações qualitativas e quantitativas e resolver situações-problema, desenvolvendo novas competências e novos conhecimentos, favorecendo a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia (Blumenthal 2004:3).

A seleção e organização dos conteúdos não podem ser entendidas como uma mera listagem. Kuenzer (2001: 41) afirma que os conteúdos a serem trabalhados devem desenvolver competências intelectuais voltadas para o enfrentamento de novas situações que exigem reflexão, crítica, flexibilidade moral e intelectual, além da capacidade de educar permanentemente. Assim os conteúdos passam a serem utilizados como estratégias para a formação cidadã.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Pcn. p. 41), pontuam que a importância dada aos conteúdos revela um compromisso da instituição escolar em garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois se constituem como instrumento para o desenvolvimento, a socialização e o exercício da cidadania democrática. Os conteúdos que são ensinados pela escola devem estar em consonância com as questões sociais, voltadas principalmente para a realidade dos alunos. A formação escolar necessita propiciar desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção dos alunos na sua própria realidade, que visa favorecer a inserção dos alunos no dia a dia das questões sociais.

Os conteúdos se configurados como marco essencial para a formação cidadã, propicia não mais a memorização e reprodução mecânica, mas a formação de capacidades cognitivas e intelectuais nos alunos. Nesta perspectiva,os conteúdos e os tratamentos que a eles devem ser dados assumem papel central, uma vez que é por meio deles que os propósitos da escola são operacionalizados, ou seja, manifestados em ações pedagógicas (Pcn p. 73). Essas ações pedagógicas ampliam os fatos e os conceitos, passando a incluir procedimentos, normas valores e atitudes na abordagem dos mesmos.

Zabala (1998:42-48) aborda os conteúdos em três categorias atitudinais, conceituais e procedimentais. Os conteúdos conceituais referem-se à construção ativa de capacidades intelectuais para operar símbolos, imagens, idéias e representações que permitam organizar as realidades. Os conteúdos procedimentais referem-se ao fazer com que os alunos construam instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados que obtém e os processos que colocam em ação para atingir as metas que se propõem e os conteúdos atitudinais referem-se à formação de atitudes e valores em relação à informação recebida, visando a intervenção do aluno em sua realidade.

Os conteúdos devem considerar ainda o desenvolvimento de capacidades adequadas as características sociais, culturais e econômicas particulares da realidade social do aluno e que durante o processo de ensino aprendizagem os alunos e os professores sejam capazes de identificar as relações de poder presentes na sociedade, libertando-a da opressão (Giroux, 1999, Freire, 2001).

Os conteúdos na prática aqui relatada eram selecionados de acordo uma seqüência do livro didático. As aulas objetivavam apenas a memorização mecânica, não preocupando com a construção de competências e habilidades nos alunos. Os conteúdos eram selecionados por disciplinas, trabalhados de maneira fragmentada, desconsiderando a interdisciplinaridade..

Contrário ao observado, o professor precisa trabalhar de maneira construtivista, nesta perspectiva, os alunos constroem o seu conhecimento a partir da interação com objeto, o professor torna-se mediador entre conhecimento e o aluno. Para tanto, o professor pode utilizar vários tipos de recursos e metodologias para desenvolver os conteúdos em sala de aula, utilizando recursos audiovisuais, textos reflexivos, jogos didáticos, sair do espaço sala de aula partindo para pesquisa de campo e outras estratégias para facilitar a interação do aluno com o conhecimento, do aluno com sua realidade.

As aulas observadas durante o período da pesquisa eram sempre realizadas dentro do espaço da sala de aula, com as carteiras organizadas em fileiras, sempre privilegiando atividades individuais e constantes para ocupar o tempo dos alunos. As atividades eram seqüenciais no modelo tradicional: a professora abordava os conteúdos e em seguida passava uma lista de exercícios, impondo a autoridade do professor que não conseguia manter a disciplina necessária para o bom andamento das aulas.

Os recursos materiais utilizados para a realização das atividades foram basicamente o livro didático, caneta, papel, quadro negro, giz. Não foram utilizados recursos como: revistas, materiais audiovisuais, mapas, textos reflexivos. Durante o período de observação, não foi percebido o estabelecimento de contratos didáticos, e as decisões eram tomadas baseadas na autoridade do professor, percebendo a influência do tradicionalismo na prática docente.

Não foi observada a preocupação com momentos avaliativos individuais ou coletivos. As produções dos alunos não eram consideradas como instrumentos de avaliação. Entretanto, na perspectiva de construir uma escola cidadã, democrática e autônoma, o processo avaliativo emerge como um importante instrumento para a prática pedagógica do professor. A avaliação deve ser compreendida como instrumento auxiliar e indispensável no processo de aprendizagem, que venha favorecer na compreensão do nível de aprendizagem dos alunos.

A avaliação da aprendizagem escolar feita pelos professores deverá estar a serviço das funções sociais da escola, dos objetivos de ensino, da proposta pedagógica da escola, do currículo, das metodologias. Além disso, ela assenta no respeito a todos os alunos de usufruírem ensino de qualidade. (Libâneo, 2003: 2001).

A avaliação é uma ação contínua, pois o processo dará subsídios ao educador para perceber os avanços, as dificuldades dos educandos e assim rever a sua prática e redimensionar as suas ações, abre um longo espaço para a avaliação diagnóstica, observando os aspectos conceituais, atitudinais e procedimentais.

Avaliar significa emitir um juízo de valor sobre a realidade que se questiona e deve ser considerado as peculiaridades de cada momento da escolaridade e as possibilidades de aprendizagens decorrentes de cada etapa do desenvolvimento cognitivo e social em uma determinada situação na qual os alunos tenham boas condições de desenvolvimento do ponto de vista pessoal e social (Pcn: 86).

Durante a observação aqui relatada à professora contemplou as atividades referentes às disciplinas de Língua Portuguesa e basicamente de matemática. Nesta disciplina observa-se a exploração de conteúdos voltados para as quatro operações: Adição, Subtração, Multiplicação, Divisão e a ênfase na resolução de problemas matemáticos. Através da observação no caderno dos alunos percebeu-se que, os conteúdos já haviam sido trabalhados, porém a maioria dos alunos apresentava dificuldades na multiplicação e na divisão.

Os conteúdos na disciplina de matemática, não apresentavam nenhuma articulação e exploração entre si, dificultando a intraconexão e interconexão com outras disciplinas e com a realidade social dos alunos que apesar de citada era pouco explorada. Não houve a utilização de recursos didáticos, estímulo ao uso de jogos, privando o aluno a uma reflexão autônoma, reduzindo a capacidade cognitiva do mesmo, priorizando apenas a memorização.

Portanto, nesta disciplina, o professor deve procurar atividades voltadas para a

formação da cidadania, a formação da consciência crítica no aluno, valorização da pluralidade cultural, tornando o aluno capaz de resolver situações-problema, rompendo assim com uma educação livresca, inútil e tradicionalista (Barreto, 2001:8).

Na disciplina de Língua Portuguesa a professora abordou apenas a leitura, escrita, interpretação de texto e a leitura de gibis, apresentou e leu com a turma o texto e após procedeu com a interpretação e correção. O texto demonstrou estar descontextualizado da realidade do aluno e durante a interpretação os alunos tinham que apresentar respostas prontas, retiradas do texto.

Percebe-se a descontextualização do ensino de Língua Portuguesa com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais que afirmam que,

o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social e efetiva, pois é por meio dela que o homem tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista partilha e constrói visões de mundo, produz conhecimento. (PCN:15).

Na verdade, o que se pretende é a formação de indivíduos com a capacidade de não apenas codificar sinais, mas sim formar os indivíduos, no sentido de compreender aquilo que ele lê. É preciso que façam interferências a partir do contexto e de como a leitura proposta intervém na sua realidade. Em relação à escrita, a prática de ańalise e reflexão sobre a língua permite que explicitem saberes implícitos dos alunos, abrindo espaço para a sua reelaboração.

Baseado no que é proposto pelos PCNs observou-se que as aulas ministradas junto a esta disciplina deixaram a desejar quanto: a reflexão sobre o uso da língua, à contextualização da leitura com a realidade do aluno, a prática de produção de texto, para a formação de escritores capazes de produzir textos coesos, coerentes e eficazes.

A escola deve privilegiar o aprendizado da linguagem oral e escrita do aluno de maneira que o aluno vá interagindo com textos, filmes, dramatizações e pesquisas, pois segundo Piaget (1993:58),

o conhecimento é construído a partir da interação do sujeito com o objeto. O desenvolvimento cognitivo se dá pela assimilação do conhecimento às estruturas anteriores presentes no sujeito e pela acomodação dessas estruturas, em função do que vai ser assimilado. Para Piaget, a criança se adapta de um conhecimento se agir sobre ele, pois aprende a modificar, descobrir, inventar.

Nessa perspectiva, a função do professor de língua Portuguesa é propiciar situações para que a criança construa seu sistema de significação em torno da mesma, o qual uma vez organizado na mente será estruturado no papel ou oralmente. Com base nisto o ensino de língua portuguesa deve ser alicerçado no uso ueflexão - uso da língua, para a formação de leitores e escritores, conscientes, capazes de ler as entre - linhas do texto, e capazes de identificar as relações de poder presentes nas entre - linhas das relações sociais.

Não foi percebido as interconexões dos conteúdos com os Temas Transversais - Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, que são propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Que estes devem ser desenvolvidos interdisciplinarmente através de projetos. A interação permitirá que os projetos desenvolvidos sejam mais interessantes e voltados para a realidade do aluno. (Blumenthal, 2004:5).

Diante do exposto percebe-se que a formação da cidadania critica do educando não vem ocorrendo de fato no espaço escolar. A escola está reproduzindo o conhecimento e ensinando o aluno a fazer o mesmo, o aluno recebe a informação pronta, apenas para reproduzir. Silveira (2002:65), afirma que no modelo atual de sociedade não basta apenas buscar informação. O desafio para o novo milênio é promover a ousadia, a criatividade, autoconfiança, compreensão e formação de um indivíduo que seja diferencial na sociedade, realizando mudança.

A escola deve proporcionar um ensino de qualidade, buscando a formação de cidadãos livres e conscientes de seu papel na construção e/ou transformação da sociedade. Para que esta formação ocorra, toda a escola precisa estar comprometida com o aluno, principalmente o professor que torna-se o mediador entre o aluno e o conhecimento. Esta mediação deve ocorrer de maneira consciente, critica e intelectual.

O professor pode adotar uma postura critica frente à realidade que aí está, atuando de forma responsável, partícipes do contexto social no qual estão inseridos não meramente como críticos, mas como sujeitos reflexivos, capazes de perceber a realidade e a partir dela assumir coerentemente uma postura educativa, capaz de promover transformações educacionais e sociais, assumindo a postura de intelectual transformador, capaz de pesquisar e produzir o próprio conhecimento.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Alonso de. Diferentes tipos de pesquisa. In: Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995. p. 27 - 33.

BARRETO, Isva Maria Almeida. Estratégias Para o Ensino da Matemática. PUC: São Paulo, 2001. (Apostila)

BLUMENTHAL, Gladis. Os PCN 's e o Ensino da Matemática: um avanço ou um retrocesso. 2001 . p. 5-8.

BOAS, Benigna Mª de Freitas Villas. Organização do trabalho pedagógico. In:__. As Práticas avaliativas. S.P:Unicamp, 1993. P. 02-25. (Apostila).

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução, português, matemática. Brasília: MEC, 2001. (1ª a 4ª séries).

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. S.P: Cortez, 2001.

DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. 125p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. S.P: Paz e Terra, 1991.

_______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. S.P: Paz e Terra, 2001. 148p

GADDOTI, Moacir. Dimensão política do projeto pedagógico. Minas Gerais: SEED, 2001. (Apostila).

GIROUX, Henry A. Os Professores como intelectuais transformadores: rumo a uma nova pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 270p.

KUENZER, Acácia Zeneida. As mudanças no mundo do trabalho e a educação: novos desafios para a gestão. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências novos desafios. São Paulo: Cortez 2000. p. 33-35.

LIBÂNEO, José Carlos. O professor e a construção de sua identidade profissional. In:___. Organização e gestão da Escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa: 2001. p. 61-72.

PIAGET, Jean. A Linguagem e o Pensamento da Criança. São Paulo: Martins Fontes. 1993.

PROJETO Político Pedagógico. Arraias: Escola Estadual Silva Dourado, 2004.

SCHNORR, Gisele Moura. Pedagogia do oprimido. In: SOUZA, Ana Inês (et. all). Paulo Freire Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2001. p. 71-72.

SCHWENDLER, Sônia Fátima. Ação cultural para a liberdade: um encontro com a pedagogia da indignação. In: SOUZA, Ana Inês (et. all). Paulo Freire Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2001. p. 101-103.

SILVEIRA, Leila. A educação no novo milênio. In: www.educacaoonline.com.br. p. 65-66. Acessado em: 12/02/2003.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas. 1998.


Odair José Moura de Araújo

Você sabe, o que é Apostilamento de diploma. (CNS/CES).


Gostaria de falar com os estudantes de pedagogia como eu, que existe o apostilamento de diplomas.
Uma vez na aula de legislação educacional, nosso professor falou sobre o apostilamento de diplomas. Mas o que vem a ser este ato.
Apostilamento de diplomas
É o registro feito no diploma quando o aluno apresenta conclusão de estudos adicionais.
O apostilamento de estudos adicionais de cursos concluídos antes da Lei Federal n.º 7044/82, deve ser feito pela Secretaria de Estado de Educação.
O apostilamento de estudos adicionais em diplomas de cursos concluídos depois da Lei Federal n.º 7044/82, deve ser feito pela escola que ofereceu o curso.
Documentos necessários: Diploma, histórico escolar.
Endereços das Superintendências


Apostilamento de Diploma Pedagogia
Vamos dar um ex.: Você que cursou bacharelado em pedagogia, pela nova lei de diretrizes, se você passar em um concurso público para a vaga de professor não poderá assumir o cargo. Gostaria de contar um caso verídico que aconteceu comigo.

Eu participo do Yahoo respostas. E uma pessoa fez uma pergunta, referente a concursos.

Ela tinha passado em um concurso, mas quando foi assumir disseram para ela que não poderia assumir, pois, ela era bacharel em pedagogia. Minha resposta a esta pergunta foi da aula que tive sobre apostilamento de diplomas. Ela voltou a Instituição a qual fez o curso . E hoje ela faz parte da rede pública de educação de Simões Filho. Então como é importante conhecermos as leis para não sermos enganados. Se você fizer um pós em aperfeiçoamento, especialização em gestão, coordenação, orientação, assessoria, e supervisão escolar. Você poderá voltar a Instituição a qual fez o curso e pedir o apostilamento do diploma. Com isso se tiver concursos para estes cargos citados você poderá concorrer. Com o apostilamento você está na verdade legitimando seu diploma onde ele entra em consonância com, a nova lei dos cursos de pedagogia. Um detalhe que não pode passar batido, o que determina sua profissão é sua graduação. Você pode ter Especialização em psicologia ou mesmo doutorado, se não tiver graduação em psicologia você não poderá abrir uma clínica, mas pode dar aula em faculdades. Quando fazemos uma complementação pedagógica ou um apostilamento estes cursos vão ser agregados ao meu diploma. Com isso é como se fosse uma outra graduação. O curso de pedagogia aumentou de 2.800 horas para 3.200 horas. Se você que que se formou antes de 2007 veja seu histórico se tiver menos de 3.200 horas peça seu apostilamento. faça isso para não ter surpresas futuras. Muitos pedagogos/as não estão dando aulas por este detalhe. Agora nas aulas de LDBs não vamos dar bobeira.


Abaixo um documento sobre este tema que peguei no portal do MEC. Obrigado pela visita. E uma informação por pequena que seja pode fazer uma diferença em nossa vida (efeito borboleta). Como no caso da nossa amiga pedagoga de Simões Filho, Ba.


28/11/2006 12:05:20
Foi aprovado no dia 2 de Fevereiro o Parecer CNE/CES 23/2006, com seu respectivo Projeto de Resolução anexo, que propõe revisão da Resolução CNE/CES 1/2005. O referido parecer já foi homologado. Publicou-se a Resolução CNE/CES nº 8/2006 decorrente daquele parecer. Leia os documentos abaixo:
Parecer CNE/CES nº 23/2006, aprovado em 2 de fevereiro de 2006Aprecia a Indicação CNE/CES nº 8/2005, que propõe a revisão da Resolução CNE/CES n° 1/2005, na qual são estabelecidas normas para o apostilamento, em diplomas de cursos de graduação em Pedagogia, do direito ao exercício do magistério nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Resolução CNE/CES nº 8, de 29 de março de 2006Altera a Resolução CNE/CES nº 1, de 1º de fevereiro de 2005, que estabelece normas para o apostilamento, no diploma do curso de Pedagogia, do direito ao exercício do magistério nos anos iniciais do Ensino Fundamental
Dilatação do prazo:
Concluintes do curso de graduação plena em Pedagogia, até o final de 2007, terão direito ao apostilamento de habilitação para o exercício do magistério nos quatro anos iniciais do Ensino Fundamental, desde que tenham cursado com aproveitamento:
Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental;
Metodologia do Ensino Fundamental; e
Prática de Ensino-Estágio Supervisionado nas escolas de Ensino Fundamental, com carga horária mínima de trezentas horas, de acordo com o disposto no art. 65, da Lei 9.394/96.

Para os cursos concluídos anteriormente à edição da Lei 9.396/96, não haverá restrição de carga horária para Prática de Ensino-Estágio Supervisionado.
O apostilamento deverá ser averbado no verso do diploma do interessado, mediante requerimento junto à instituição que o expediu.
Os casos não abrangidos pelas condições previstas nesta Resolução continuarão sendo apreciados pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação.

A você que faz concursos públicos boa sorte. Nos próximos dias vou estar colocando assuntos referentes a complementação pedagógica. JoãoMaria.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Paulo Freire. Educação e Mudança (artigos de P. Freire)


O Compromisso do Profissional (de nível superior) com a Sociedade
Paulo Freire – em “Educação e mudança”

A questão do compromisso do profissional com a sociedade nos coloca alguns pontos que devem ser analisados. Algumas reflexões das quais não podemos fugir, necessárias para o esclarecimento do tema.

Em primeiro lugar, a expressão “o compromisso do profissional com a sociedade” nos apresenta o conceito do compromisso definido pelo complemento “do profissional”, ao qual segue o termo “com a sociedade”. Somente a presença do complemento na frase indica que não se trata do compromisso de qualquer um, mas do profissional. A expressão final, por sua vez, define o pólo para o qual o compromisso se orienta e no qual o ato comprometido só aparentemente terminaria, pois na verdade não termina, como trataremos de ver mais adiante.

As palavras que constituem a frase a ser analisada não estão ali simplesmente jogadas, postas arbitrariamente. Diríamos que se encontram, inclusive, “comprometidas” entre si e implicam, na estrutura de suas relações, uma determinada posição, a de quem as expressou.

O compromisso seria uma palavra oca, uma abstração, se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume. Se não se desse no plano do concreto.

Se prosseguirmos na análise da frase proposta, senti­mos a necessidade de uma penetração cada vez maior no conceito do compromisso, com a qual podemos apreender aquilo que faz com que um ato se constitua em compromisso.

Mas, no momento em que esta necessidade nos é imposta, cada vez mais claramente, como uma exigência prévia à análise do compromisso definido - o do profissional com a sociedade - uma reflexão anterior se faz necessária. É a que se concentra em torno da pergunta: quem pode comprometer-se?

Contudo, como pode parecer, esta pergunta não se formula no sentido da identificação de quem, entre alguns sujeitos hipotéticos — A, B ou C —, é o protagonista de um ato de compromisso, numa situação dada. É uma pergunta que se antecipa a qualquer situação de compromisso. Indaga sobre a ontologia do ser sujeito do compromisso. A resposta a esta indagação nos faz entender o ato comprometido, que começa a desvelar-se diante da nossa curiosidade.

De fato, ao nos aproximarmos da natureza do ser que é capaz de se comprometer, estaremos nos aproximando da essência do ato comprometido.

A primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir.

É preciso que seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar, é capaz, sem dúvida, de ter consciência desta consciência condicionada. Quer dizer, é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo, que condiciona sua consciência de estar.

Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo, associada indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não existe no ser, seu estar no mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhe são impostos pelo próprio mundo, do que resulta que este ser não é capaz de compromisso. É um ser imerso no mundo, no seu estar, adaptado a ele e sem ter dele cons­ciência. Sua imersão na realidade, da qual não pode sair, nem “distanciar-se” para admirá-la e, assim, trans­formá-la, faz dele um ser “fora” do tempo ou “sob” o tempo ou, ainda, num tempo que não é seu. O tempo para tal ser “seria” um perpétuo presente, um eterno hoje.
A-histórico, um ser como este não pode comprometer-se; em lugar de relacionar-se com o mundo, o ser imerso nele somente está em contato com ele. Seus contatos não chegam a transformar o mundo, pois deles não resultam produtos significativos, capazes de (inclusive, voltando-se sobre ele) marcá-los.

Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de “distanciar-se” dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, trans­formando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se.

Além disso, somente este ser é já em si um compromisso. Este ser é o homem.

Mas, se este ser é o homem que, além de poder comprometer-se, já é um compromisso, o que é o compromisso?

Uma vez mais teremos de voltar ao próprio homem, em busca de uma resposta. Porém, não a um homem abstrato, mas ao homem concreto, que existe numa situação concreta.

Afirmamos anteriormente que a primeira condição para que um ser pudesse exercer um ato comprometido era a sua capacidade de atuar e refletir. É exatamente esta capacidade de atuar, operar, de transformar a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem, à qual está associada sua capacidade de refletir, que o faz um ser da práxis.

Se ação e reflexão, como constituintes inseparáveis da práxis, são a maneira humana de existir, isto não significa, contudo, que não estão condicionadas, como se fossem absolutas, pela realidade em que está o homem.

Assim, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade. Esta relação homem-realidade, homem-mundo, ao contrário do contato animal com o mundo, como já afirmamos, implica a transformação do mundo, cujo produto, por sua vez, condiciona ambas, ação e reflexão. É, portanto, através de sua experiência nestas relações que o homem desenvolve sua ação-reflexão, como também pode tê-las atrofiadas. Conforme se estabeleçam estas relações, o homem pode ou não ter condições objetivas para o pleno exercício da maneira humana de existir.

Contudo, o fundamental é que esta realidade, proibitiva ou não do pensar e do atuar autênticos, é criação dos homens. Daí ela não pode, por ser histórica tal como os homens que a criam, transformar-se por si só. Os homens que a criam são os mesmos que podem pros­seguir transformando-a.

Pode-se pensar, diante desta afirmação, que esta­mos numa espécie de beco sem saída. Por que se a realidade, criada pelos homens, dificulta-lhes objetiva­mente seu atuar e seu pensar autênticos, como podem, então, transformá-la para que possam pensar e atuar verdadeiramente? Se a realidade condiciona seu pensar e atuar não-autênticos, como podem pensar corretamente o pensar e o atuar incorretos? É que, no jogo interativo do atuar-pensar o mundo, se, num momento da experiência histórica dos homens, os obstáculos ao seu autêntico atuar e pensar não são visualizados, em outros, estes obstáculos passam a ser percebidos para, finalmente, os homens ganharem com eles sua razão. Os homens alcançam a razão dos obstáculos na medida em que sua ação é impedida. É atuando ou não podendo atuar que se lhes aclaram os obstáculos à ação, a qual não se dicotomiza da reflexão. E como o próprio da existência humana é a atuação-reflexão, quando se impede um homem com­prometido de atuar, os homens se sentem frustrados e por isso procuram superar a situação de frustração.(1)

Impedidos de atuar, de refletir, os homens encontram-se profundamente feridos em si mesmos, como seres do compromisso. Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história. Este compromisso com a humanização do homem, que implica uma responsabilidade histórica, não pode realizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga do mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos. O compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade, de cujas “águas” os homens verdadeiramente comprometidos ficam “molhados”, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experienciá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros. A neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta de um “compromisso” contra os homens, contra sua humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão “comprometidos” consigo mesmo, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro, assumem a neutralidade impossível.

O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e não a solidariedade com os que negam o compromisso solidário, mas com aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em “coisas”.

Comprometer-se com a desumanização é assumi-la e, inexoravelmente, desumanizar-se também.

Esta é a razão pela qual o verdadeiro compromisso, que é sempre solidário, não pode reduzir-se jamais a gestos de falsa generosidade, nem tampouco ser um ato unilateral, no qual quem se compromete é o sujeito ativo do trabalho comprometido e aquele com quem se compromete a incidência de seu compromisso. Isto seria anular a essência do compromisso, que, sendo encontro dinâmico de homens solidários, ao alcançar aqueles com os quais alguém se compromete, volta destes para ele, abraçando a todos num único gesto amoroso.

Pois bem, se nos interessa analisar o compromisso do profissional com a sociedade, teremos que reconhecer que ele, antes de ser profissional, é homem. Deve ser comprometido por si mesmo.

Como homem, que não pode estar fora de um contexto histórico-social em cujas inter-relações constrói seu eu, é um ser autenticamente comprometido, falsamente “comprometido” ou impedido de se comprometer verdadeiramente. (2)
No caso do profissional, é necessário juntar ao compromisso genérico, sem dúvida concreto, que lhe é próprio como homem, o seu compromisso de profissional.
Se de seu compromisso como homem, como já vi­mos, não pode fugir, fora deste compromisso verdadeiro com o mundo e com os homens, que é solidariedade com eles para a incessante procura da humanização, seu compromisso como profissional, além de tudo isto, é uma dívida que assumiu ao fazer-se profissional.

Seu compromisso como profissional, sem dúvida, pode dicotomizar-se de seu compromisso original de homem. O compromisso, como um quefazer radical e totalizado, repele as racionalizações. Não posso nas segundas-feiras assumir compromisso como homem, para nas terças-feiras assumi-lo como profissional. Uma vez que “profissional” é atributo de homem, não posso, quando exerço um quefazer atributivo, negar o sentido profundo do quefazer substantivo e original. Quanto mais me capacito como profissional, quanto mais sistematizo minhas experiências, quanto mais me utilizo do patrimônio cultural, que é patrimônio de todos e ao qual todos devem servir, mais aumenta minha responsabilidade com os homens. Não posso, por isso mesmo, burocratizar meu compromisso de profissional, servindo, numa inversão dolosa de valores, mais aos meios que ao fim do homem. Não posso me deixar seduzir pelas tentações míticas, entre elas a da minha escravidão às técnicas, que, sendo elaboradas pelos homens, são suas escravas e não suas senhoras.
Não devo julgar-me, como profissional, “habitante” de um mundo estranho; mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais, donos da verdade, proprietários do saber, que devem ser doados aos “ignorantes e inca­pazes”. Habitantes de um gueto, de onde saio messianicamente para salvar os “perdidos”, que estão fora. Se proceder assim, não me comprometo verdadeiramente co­mo profissional nem como homem. Simplesmente me alieno.

Todavia, existe algo que deve ser destacado. Na medida em que o compromisso não pode ser um ato passivo, mas práxis - ação e reflexão sobre a realidade -, inserção nela, ele implica indubitavelmente um conheci­mento da realidade. Se o compromisso só é válido quando está carregado de humanismo, este, por sua vez, só é conseqüente quando está fundado cientificamente. Envolta, portanto, no compromisso do profissional, seja ele quem for, está a exigência de seu constante aperfeiçoa­mento, de superação do especialismo, que não é o mesmo que especialidade. O profissional deve ir ampliando seus conhecimentos em torno do homem, de sua forma de estar sendo no mundo, substituindo por uma visão crítica a visão ingênua da realidade, deformada pelos especialismos estreitos.

Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade, e com os homens concretos que nela e com ela estão, se desta realidade e destes homens se tem uma consciência ingênua. Não é possível um compromisso autêntico se, àquele que se julga comprometido, a realidade se apresenta como algo dado, estático e imutável. Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques. Se não a vê e não a capta como uma totalidade, cujas partes se encontram em permanente interação. Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas, pensando que assim transforma a realidade, mas sobre a totalidade. É transformando a totalidade que se transformam as partes e não o contrário. No primeiro caso, sua ação, que estaria baseada numa visão ingênua, meramente “focalista” da realidade, não poderia constituir um compromisso.

Um profissional, por exemplo, para quem a Reforma Agrária é apenas um instrumento jurídico que normaliza uma sociedade em transformação, sem conseguir apreendê-la em sua complexidade, em sua globalidade, não pode em termos concretos comprometer-se com ela, ainda que ideologicamente a aceite.

A questão é que a Reforma Agrária, como um pro­cesso global, não é algo que, não existindo anteriormente, passa a existir completa e acabadamente, com a instauração de uma estrutura nova. A Reforma Agrária, por ser um processo, é algo dinâmico. Dá-se no domínio humano. As relações homem-realidade, que se verificavam na estrutura anterior, necessariamente deixaram sua marca profunda na forma de estar sendo do camponês. Mudada a velha estrutura, através da Reforma, se inevitável é que, cedo ou tarde, a estrutura instaurada condicione novas formas de pensar e de atuar, resultantes das novas relações homem-realidade, isto não significa que essa mudança se dê instantaneamente.

O compromisso, portanto, de um profissional da Re­forma Agrária que a veja sob esta visão criticada, não pode ser verdadeiro, não pode ser o compromisso do profissional, em cuja ação de caráter técnico se esquece do homem ou se o minimiza, pensando, ingenuamente, que existe o dilema humanismo-tecnologia. E, respondendo ao desafio do falso dilema, (2) opta pela técnica, considerando que a perspectiva humanista é uma forma de retardar as soluções mais urgentes. O erro desta concepção é tão nefasto como o erro da sua contrária - a falsa concepção do humanismo -, que vê na tecnologia a razão dos males do homem moderno. E o erro básico de ambas, que não podem oferecer a seus adeptos nenhuma forma real de compromisso, está em que, perdendo elas a dimensão da totalidade, não percebem o óbvio: que humanismo e tecnologia não se excluem. Não percebem que o primeiro implica a segunda e vice-versa. Se o meu compromisso é realmente com o homem concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa.
Por isso também não posso reduzir o homem a um simples objeto da técnica, a um autômato manipulável.
Quase sempre, técnicos de boa vontade, embora ingênuos, deixam-se levar pela tentação tecnicista (mitificação da técnica) e, em nome do que chamam “necessidade de não perder tempo”, tentam, verticalmente, substituir os procedimentos empíricos do povo (camponeses, por exemplo) por sua técnica.
Partem do pressuposto verdadeiro “de que é, não só necessário, mas urgente, aumentar a produção agrícola”. Uma das “exigências para consegui-lo está na mudança tecnológica que deve verificar-se”. Outro pressuposto válido.
No entanto, ao desconhecer que tanto sua técnica como os procedimentos empíricos dos camponeses são manifestações culturais e, deste ponto de vista, ambas vá­lidas, cada qual em sua medida, e que, por isso, não podem ser mecanicamente substituídos, enganam-se e já não podem comprometer-se.
Terminam, então, por cair nesta irônica contradição: “para não perder tempo” o que fazem é perdê-lo.
Deformados pela acriticidade, não são capazes de ver o homem na sua totalidade, no seu quefazer-ação-reflexão, que sempre se dá no mundo e sobre ele. Pelo contrário, será mais fácil, para conseguir seus objetivos, ver o homem como uma “lata” vazia que vão enchendo com seus “depósitos” técnicos. Mas ao desenvolver desta forma sua ação, que tem sua incidência neste “homem lata”, podemos melancolicamente perguntar: “onde está seu compromisso verdadeiro com o homem, com sua humanização?”
Todavia em nossos países há sem dúvida uma sombra que ameaça permanentemente o compromisso verdadeiro. Ameaça que se concretiza na autenticidade do compromisso. Estamos nos referindo à alienação (ou alheamento) cultural que sofrem nossas sociedades.(3)

Com o centro de decisão econômica e cultural, em grande parte fora delas (portanto, sociedades de economia periférica, dependente, exportadora de matérias-primas e importadoras não somente de produtos manufaturados, mas também de idéias, de técnicas, de modelos), são sociedades “seres para outro”.
Assim, o primeiro grande obstáculo que se apresenta nestas sociedades ao compromisso autêntico encontra-se na falta de autenticidade de seu próprio ser dual. Estas sociedades são e não são elas próprias.
Na medida em que, em grande parte, para solucionar seus problemas, importam técnicas e tecnologias, sem a devida “redução sociológica” destas a suas condições objetivas (não necessariamente idênticas às das sociedades metropolitanas, onde se desenvolvem estas tecnologias importadas), não podem proporcionar as condições para o compromisso autêntico.
Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro. A alienação do profissional não lhe permite perceber esta obviedade.

Seu compromisso se desfaz na medida em que o instrumento para sua ação é um instrumento estranho, às vezes antagônico, à sua cultura. (4)
O alienado, seja profissional ou não, pouco importa, não distingue o ano do calendário do ano histórico. Não percebe que existe uma não-contemporaneidade do coetâneo.

Todas estas manifestações da alienação e outras mais, cuja análise detalhada não nos cabe aqui fazer, explicam a inibição da criatividade no período da alienação. Esta, geralmente, produz uma timidez, uma insegurança, um medo de correr o risco da aventura de criar, sem o qual não há criação. No lugar deste risco que deve ser cor­rido (a existência humana é risco) e que também caracteriza a coragem do compromisso, a alienação estimula o formalismo, que funciona como uma espécie de cinto de segurança.
Daí o homem alienado, inseguro e frustrado, ficar mais na forma que no conteúdo; ver as coisas mais na superfície que em seu interior.
Seu “pensamento” não tem força instrumental porque nasce de seu contexto para voltar a ele. Constitui-se na nostalgia de mundos alheios e distantes. Seu “pensamento”, finalmente, não tem força, nem para o seu mundo, porque dele não nasceu, nem para o outro, o mundo imaginário da sua nostalgia.
Desta forma, como se comprometer?
Entretanto, no momento em que a sociedade se volta sobre si mesma e se inscreve na difícil busca de sua autenticidade, começa a dar evidentes sinais de preocupação pelo seu projeto histórico.
Quanto mais cresce esta preocupação, mais desfavorável se torna o clima para o compromisso.
Estamos convencidos de que o momento histórico da América Latina exige de seus profissionais uma séria reflexão sobre sua realidade, que se transforma rapidamente, e da qual resulte sua inserção nela. Inserção esta que, sendo crítica, é compromisso verdadeiro. Compromisso com os destinos do país. Compromisso com seu povo. Com o homem concreto. Compromisso com o ser mais deste homem.
Se, numa sociedade preponderantemente alienada, o profissional, pela natureza mesma da sociedade estruturada hierarquicamente, é um privilegiado, numa sociedade que se está abrindo o profissional é um comprometido ou deve sê-lo.
Fugir da concretização deste compromisso é não só negar-se a si mesmo como negar o projeto nacional.

NOTAS
[i] “Impedido de comprometer-se verdadeiramente” significa, para nós, a situação na qual as grandes maiorias encontram-se manipuladas por minorias, através de ordens. Estas grandes maiorias têm a impressão de que se comprometem, quando, na verdade, são induzidas em seu “compromisso”. Escolhem entre as opções (no melhor dos casos) que as minorias lhes indicam, quase sempre manhosamente, pela propaganda. Existe toda uma bibliografia sobre este assunto. Sugerimos, contudo, a obra de Fromm, já citada, e “La élite del Poder”, de Wright Mills, Fondo de Cultura Económica, México.

(2) O autor não entende por humanismo, neste como em outros estudos seus, as belas artes, a formação clássica, aristocrática. a erudição, nem tampouco um ideal abstrato de bom homem. O humanismo é um compromisso radical com o homem concreto. Compromisso que se orienta no sentido de transformação de qualquer situação objetiva na qual o homem concreto esteja sendo impedido de ser mais.

(3) De algum tempo para cá, as sociedades latino-americanas começam a por-se à prova, historicamente. Algumas mais que outras. Começam a tentar uma volta sobre si mesmas, o que as leva a se auto-objetivarem, e, assim, descobrirem-se alienadas. Se esta descoberta não significa ainda a desalienação - e admiti-lo seria assumir uma postura idealista - é, contudo, motivadora para que a sociedade inicie a procura de sua concretização.

(4) Esta é a razão pela qual defendemos (para bolsistas nacionais que vão estudar em cursos de formação ou aperfeiçoamento em centros estrangeiros de outro nível econômico e tecnológico) um curso prévio e profundo sobre seu país, sobre sua realidade histórica, econômica, social e cultural, sobre as condições concretas de seu atuar, etc. Muitos dos jovens latino-americanos, ao voltarem a seus países, sentem-se como estrangeiros frustrados ou reforçam o número dos transplantes de experiências de outro espaço e de outro tempo histórico. São mais compromissos inautênticos.
Artigo garimpado no site, http://educalara.vilabol.uol.com.br/ vale a pena ir lá e dar uma olhadinha. Valeu.

Filosofia da Educação.


FILOSOFIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Prof. José J. F. Lara

Gostaria primeiramente de observar que fui solicitado para uma conversa e não para uma conferência. Isso me deixou muito à vontade, pois, conversa supõe diálogo e o diálogo é como que a casa da Filosofia, desde os seus primórdios. Sócrates foi um mestre do diálogo e Platão nos legou “Diálogos”. Pretendo, pois, quanto possível dialogar e não monologar. Peço, assim, que as minhas palavras iniciais sejam encaradas como um convite ao diálogo e não como uma conferência.

1. O que é filosofia? Para que filosofar?

No mundo pragmático em que vivemos, a filosofia parece não servir para absolutamente nada. Ela não consta das rubricas orçamentárias, não tem dotação , não recebe verbas específicas... Mal consta dos currículos escolares e os filósofos são, em sua maioria, uns ilustres desempregados...

No entanto, ela serve, ou melhor, comanda tudo. Está presente em qualquer decisão séria que tomamos, em qualquer estratégia que implantamos. Pode-se dizer que ela é onipresente. Conforme Jaspers (1977. p.13) “a filosofia é imprescindível ao homem. Está sempre presente e manifesta nos provérbios tradicionais, em máximas filosóficas correntes, em condições dominantes, quais sejam, por exemplo, a linguagem e as crenças políticas”.

É interessante notar que as grandes crises históricas foram férteis em pensamento filosófico. Após a grande crise européia conseqüente à invasão dos bárbaros, surgiram as grandes sínteses da Idade Média. A revolução copernicana que deu origem ao mundo moderno fez aparecerem as filosofias racionalistas. À Segunda Guerra Mundial seguiu-se o existencialismo...Nosso mundo, nosso país estão certamente em crise. Estamos sentados sobre um vulcão que ameaça explodir. E já se esboçam linhas novas de concepção filosófica.

Haverá uma relação necessária entre crise e filosofia? De certo. A crise produz o que os gregos denominavam “thaumásia”, ou seja, admiração, pasmo, espanto que eles apontavam como sendo a origem do pensar filosófico. Jaspers (ib) acrescenta que a consciência do que ele chama “situações-limite” – ter de morrer, ter de sofrer, ter de lutar, estar sujeito ao acaso e incorrer inelutavelmente em culpa - também nos leva a filosofar. Não será porque esta consciência nos põe também ela em crise, causando espanto ou pasmo, a thaumásia dos gregos?

Poderíamos, talvez, dizer que a crise gerando o espanto ou pasmo, torna-nos conscientes de nossa fragilidade física, intelectual, social ou moral, levando-nos a encarar a realidade como um problema na acepção que lhe dá Julián Marías (apud Saviani, l980. p.20) de situação dramática em que se está e não se pode mais continuar, exigindo, assim , uma solução. Ou seja, a crise, transformada em problema, desperta a reflexão ou “ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, vasculhar numa busca constante de significado” (Saviani, 1980. p 23). Quando esta reflexão se torna, acrescenta Saviani (ib) radical, rigorosa e global ou de conjunto nasce a filosofia.

Ao dizermos reflexão radical, devemos entender a expressão em seu sentido literal: trata-se de uma reflexão que vá à raiz dos problemas, buscando atingir suas últimas e mais profunda ramificações. Quando dizemos que a reflexão deve ser rigorosa, entendemo-la como sistemática e metódica. A reflexão deve ser ainda global ou de conjunto, isto é, realizada de modo a abarcar todos os dados, de modo a não deixar escapar nenhum fio condutor no difícil trabalho de discernir no emaranhado das raízes as imbricações fundamentais.

Resumindo, podemos com Saviani (1980. p.27) afirmar que “a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta”.


Já se vê que a filosofia é, antes de mais nada, uma atitude e uma tarefa das quais resultam “filosofias” como produto. Atitude ou disposição de amor à verdade, que supõe, sobretudo, muita humildade e nenhuma arrogância de espírito, como afirma Jaspers (1977. p 14), ao explicar o significado, a um tempo etimológico e histórico, do termo: “A palavra grega ‘philósophos’ foi formada em oposição a ‘sophós’ e significa “o que ama o saber”, em contraposição a ao possuidor de conhecimentos (dono da verdade) que se designava por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a demanda da verdade e não a sua posse que constitui a essência da filosofia...”

Das crises, portanto, surgem as filosofia como fruto da necessidade humana de compreender a realidade e de fundamentar a ação que visa a transformá-la.

Será a filosofia algo de intermitente, que apenas de vez em quando desponta ao longo da história? Não, pois a história é - e cada vez mais - uma longa e funda crise na qual há, certamente, períodos mais dolorosos e enfáticos, mas que por sua contínua e surpreendente novidade está sempre a nos chocar, suscitando-nos, em conseqüência, uma atitude constante de reflexão e de busca. A filosofia é, assim, onipresente, pois, se ninguém escapa ao mundo e à história, ninguém, a não ser por demência, escapa à crise: “Não se pode fugir à filosofia. Pode-se perguntar apenas se ela é consciente ou inconsciente, boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a filosofia está realizando um ato filosófico de que não tem consciência” (Jaspers, 1977. p.13).

A afirmação final de Jaspers não faz mais que atualizar o velho argumento aristotélico: “Ou se deve filosofar, ou não se deve filosofar. Se não se deve filosofar, isto só em nome de uma filosofia. Portanto, mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar” (cf. Bochenski, 1973. p. 23).

“Me philosophetéon, philosophetéon”, declarava Aristóteles: mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar. Não há como fugir à filosofia. É verdade que nem todos têm condições de estabelecer uma reflexão que vá até as raízes, que siga com rigor um método, que possua todos os dados necessários a uma visão de conjunto da realidade, sobretudo se considerarmos que esses dados se avolumam e complexificam, à medida que avançam as ciências. Todos tentam, entretanto, consciente ou inconscientemente, com os recursos de que dispõem, com as informações que têm à mão, dar uma resposta aos problemas fundamentais, explicar as “situações-limite”, dar um sentido à vida e à realidade: todos, de algum modo, filosofam.

Uma observação final deve ser ainda acrescentada: “Filosofar significa estar a caminho. As interrogações são mais importantes que as respostas e cada resposta se transforma em nova interrogação” (Jaspers, 1977. p 14). A filosofia é aberta, por mais que o filósofo pretenda dar respostas definitivas. A realidade é rebelde e não se deixa apanhar com facilidade em nossas redes de compreensão. É por demais complexa e dinâmica para que possamos emitir sobre ela uma palavra definitiva. Nem sempre – e isso ocorre com freqüência – consideramos todos os dados disponíveis ou escolhemos as informações capazes de nos conduzirem à raiz mestra dos problemas ou das crises. Ou, então, quando parece que a atingimos, damo-nos conta de que ainda estamos na superfície e de que é necessário cavar mais fundo: “cada resposta se transforma em nova interrogação”. Não importa o esforço! É melhor seguir que estagnar. Além disso, não caminhamos sozinhos. O que não descobrimos, outros descobrem ou descobrirão e nossas chamas juntas tornarão o mundo, se não transparente, pelo menos mais claro!

A filosofia é, pois, imprescindível. Não serve para nada e serve para tudo. Não há como negá-la: ela se impõe por si mesma! Refugá-la, só deixando de ser o que somos: consciências que refletem num mundo em permanente crise, num constante devir.


II – Para que Filosofia da Educação?

Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A resposta é simples: porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se homem” de cada homem num mundo em crise.

Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode colocar-se à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. A educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na realidade é que surgem os problemas educacionais, tanto mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam uma situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os problemas educacionais. De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria realidade. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados no contexto educativo.

Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A primeira é que todo educador deve filosofar. Melhor ainda, filosofa sempre, queira ou não, tenha ou não consciência do fato. Só que nem sempre filosofa bem. A este respeito afirma Kneller (1972. p. 146): “se um professor ou líder educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum lugar. Um educador superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau, será pior do que precisava ser”.

Que problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica, nos termos acima explicitados? São muitos. Permitam-me apontar apenas alguns.

Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é necessário refletir sobre o homem para que se possa saber o “para onde” se deve orientar a educação. É necessário, porém, que esta reflexão não seja unicamente teórica, abstrata, desencarnada. É preciso levar em conta a situação espácio-temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não importa apenas o “tornar-se homem”, mas o “tornar-se homem hoje no Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por exemplo, se tem convencionalmente chamado de “marco referencial”, a partir do qual, numa instituição educativa, currículo, planejamento e atividades podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência.

Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já afirmavam Binet e Simon correr “o risco de um cego empirismo quem se conforma em aplicar um método pedagógico sem investigar a doutrina que lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No bojo de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está implícita uma visão de homem e de mundo, uma filosofia.

A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior problema educacional brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras principais: “Valores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em nível de sistema, quer em nível de escola, proclamamos belíssimos princípios filosófico-educacionais. Na prática, entretanto, caminhamos ao sabor das ideologias e das novidades e – o que é pior – sem nos darmos conta da incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos.

A segunda conseqüência a ser tirada do que antes dissemos é que também o educando deve filosofar, ou seja, deve refletir sistematicamente, buscando as raízes dos problemas - seus e de seu tempo - de modo a formar uma “visão de mundo” e adquirir criticamente princípios e valores que lhe orientem a vida. Só assim serão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de instrumentos racionais e afetivos para que se habitue a ser crítico, a não se contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma pitada razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata de estar sempre questionando e se questionando.

A partir de minha já longa experiência de magistério, posso afirmar que há sempre fome de filosofia. Basta levantar um problema nos termos acima descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as juvenis! Talvez porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da crise, faltem aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la e julgá-la, em razão do banimento a que assistimos da filosofia, até mesmo de nossos currículos escolares.

Conclusão

Não há, portanto, como fugir à filosofia no campo da educação. Ela se relaciona intimamente com a função nem sempre levada a sério e, não obstante, fundamental, de avaliar. De fato, a avaliação resume, de certo modo, ou acompanha, como um vetor ou como um eixo orientador, todo o processo educacional. Ela se faz presente no início do processo, ao estabelecermos as metas; no seu decurso, quando traçamos e executamos as estratégias; no final, quando julgamos o que e quanto foi cumprido. Ora, avaliar é emitir juízos de valor e estes implicam sempre, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente uma posição filosófica, uma filosofia.

Uma palavra, talvez, resuma tudo o que tentamos dizer: a filosofia é o aval da educação!

Referências bibliográficas

BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1973. 119 p.
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977. 173 p.
SAVIANI, Dermeval. Educação; do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980. 224 p.
KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 167 p.

Extraído de Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 21, n. 85, p. 29-36. Revisado e modificado pelo autor em 18/02/2001

Desenvolvimento Humano Segundo Vygotysky.


Vygotsky e o desenvolvimento humano

Elaine Rabello
José Silveira passos


O que é Desenvolvimento Humano?

A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, em que nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo, cognitivo, social e motor.
Este caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por meio entenda-se algo muito amplo, que envolve cultura, sociedade, práticas e interações) é fator de máxima importância no desenvolvimento humano.
Os seres humanos nascem “mergulhados em cultura”, e é claro que esta será uma das principais influências no desenvolvimento. Embora ainda haja discordâncias teóricas entre as abordagens que serão apresentadas adiante sobre o grau de influência da maturação biológica e da aprendizagem com o meio no desenvolvimento, o contexto cultural é o palco das principais transformações e evoluções do bebê humano ao idoso. Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo, ampliando nossas ferramentas de atuação neste contexto cultural complexo que nos recebeu, durante todo o ciclo vital.


Perspectivas de Estudo do Desenvolvimento humano (Ribeiro, 2005):

Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas perspectivas diversas.

• Para os teóricos Ambientalistas, entre eles Skinner e Watson (do movimento behaviorista), as crianças nascem como tábulas rasas, que vão aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço.
• Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com tudo que precisam na sua estrutura biológica para se desenvolver. Nada é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este.
• Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio. Temos ainda uma abordagem Sociointeracionista, de Vygotsky, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá em relação nas trocas entre parceiros sociais, através de processos de interação e mediação.
• Temos a perspectiva Evolucionista, influenciada pela teoria de Fodor, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá no desenvolvimento das características humanas e variações individuais como produto de uma interação de mecanismos genéticos e ecológicos, envolvendo experiências únicas de cada indivíduo desde antes do nascimento.
• Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos como expoentes Freud, Klein, Winnicott e Erikson. Tal perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante a infância e pelo resto do ciclo vital.



Vygotsky: uma breve história

Vygotsky nasceu em 1896 na Bielo-Rússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser Bielo-Rússia. Nasceu no mesmo ano que Piaget (coincidência?!), mas viveu muitíssimo menos que este último, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar 38 anos.
Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de atividade cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história.
Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação.
As principais obras de Vygotsky traduzidas para o português são "A formação social da mente", "Psicologia e pedagogia" e "Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem", “A Construção do Pensamento e Linguagem” (obra completa), “Teoria e Método em Psicologia”, “Psicologia Pedagógica”.
Vygotsky morreu em 1934, e sua obra permaneceu desconhecida no Ocidente até os anos 60, principalmente por razões políticas. Teve dois artigos publicados em periódicos americanos nos anos 30, e apenas em 1962 saiu nos Estados Unidos o livro Pensamento e Linguagem, edição a partir da qual foram feitas outras – inclusive a brasileira, mas que na verdade é uma compilação que corresponde a apenas um terço da obra.
Vygotsky trouxe uma nova perspectiva de olhar às crianças. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e Sakarov, entre outros, apresenta-nos conceitos, alguns já abordados por Jean Piaget, um dos primeiros a considerar a criança como ela própria, com seus processos e nuanças, e não um adulto em miniatura.
O teórico pretendia uma abordagem que buscasse a síntese do homem como ser biológico, histórico e social. Ele sempre considerou o homem inserido na sociedade e, sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sócio-histórica e na interação do homem com o outro no espaço social. Sua abordagem sócio-interacionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo (Vygotsky, 1996).
Vygotsky et. al. (1988) acredita que as características individuais e até mesmo suas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir de sua relação com o indivíduo.
Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em meio social, e também o desenvolvimento do pensamento e da linguagem.


Nos aprofundando um pouco mais nas idéias de Vygotsky...

Desenvolvimento e Aprendizagem: a Zona de Desenvolvimento Proximal

Para J. Piaget, dentro da reflexão construtivista sobre desenvolvimento e aprendizagem, tais conceitos se inter-relacionam, sendo a aprendizagem a alavanca do desenvolvimento. A perspectiva piagetiana é considerada maturacionista, no sentido de que ela preza o desenvolvimento das funções biológicas – que é o desenvolvimento - como base para os avanços na aprendizagem. Já na chamada perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural ou sócio-histórica, abordada por L. Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem está atrelada ao fato de o ser humano viver em meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos. Isso quer dizer que os processos caminham juntos, ainda que não em paralelo. Entenderemos melhor essa relação ao discutir a Zona de Desenvolvimento proximal.
Os conceitos sócio-interacionistas sobre desenvolvimento e aprendizagem se fazem sempre presentes, impelindo-nos à reflexão sobre tais processos. Como lidar com o desenvolvimento natural da criança e estimulá-lo através da aprendizagem? Como esta pode ser efetuada de modo a contribuir para o desenvolvimento global da criança?
Em Vygotsky, ao contrário de Piaget, o desenvolvimento – principalmente o psicológico/mental (que é promovido pela convivência social, pelo processo de socialização, além das maturações orgânicas) – depende da aprendizagem na medida em que se dá por processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela aprendizagem social, principalmente aquela planejada no meio escolar .
Ou seja, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Não podemos pensar que a criança vai se desenvolver com o tempo, pois esta não tem, por si só, instrumentos para percorrer sozinha o caminho do desenvolvimento, que dependerá das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta.
Neste modelo, o sujeito – no caso, a criança – é reconhecida como ser pensante, capaz de vincular sua ação à representação de mundo que constitui sua cultura, sendo a escola um espaço e um tempo onde este processo é vivenciado, onde o processo de ensino-aprendizagem envolve diretamente a interação entre sujeitos.
Essa interação e sua relação com a imbricação entre os processos de ensino e aprendizagem podem ser melhor compreendidos quando nos remetemos ao conceito de ZDP. Para Vygotsky (1996), Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), é a distância entre o nível de desenvolvimento real, ou seja, determinado pela capacidade de resolver problemas independentemente, e o nível de desenvolvimento proximal, demarcado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um parceiro mais experiente. São as aprendizagens que ocorrem na ZDP que fazem com que a criança se desenvolva ainda mais, ou seja, desenvolvimento com aprendizagem na ZDP leva a mais desenvolvimento,por isso dizemos que, para Vygotsky, tais processos são indissociáveis.
É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem vai ocorrer. A função de um educador escolar, por exemplo, seria, então, a de favorecer esta aprendizagem, servindo de mediador entre a criança e o mundo. Como foi destacado anteriormente, é no âmago das interações no interior do coletivo, das relações com o outro, que a criança terá condições de construir suas próprias estruturas psicológicas (Creche Fiocruz, 2004). É assim que as crianças, possuindo habilidades parciais, as desenvolvem com a ajuda de parceiros mais habilitados (mediadores) até que tais habilidades passem de parciais a totais. Temos que trabalhar, portanto, com a estimativa das potencialidades da criança, potencialidades estas que, para tornarem-se desenvolvimento efetivo, exigem que o processo de aprendizagem, os mediadores e as ferramentas estejam distribuídas em um ambiente adequado (Vasconcellos e Valsiner, 1995).
Temos portanto uma interação entre desenvolvimento e aprendizagem, que se dá da seguinte maneira: em um contexto cultural, com aparato biológico básico interagir, o indivíduo se desenvolve movido por mecanismos de aprendizagem provocados por mediadores.
Para Vygotsky, o processo de aprendizagem deve ser olhado por uma ótica prospectiva, ou seja, não se deve focalizar o que a criança aprendeu, mas sim o que ela está aprendendo. Em nossas práticas pedagógicas, sempre procuramos prever em que tal ou qual aprendizado poderá ser útil àquela criança, não somente no momento em que é ministrado, mas para além dele. É um processo de transformação constante na trajetória das crianças. As implicações desta relação entre ensino e aprendizagem para o ensino escolar estão no fato de que este ensino deve se concentrar no que a criança está aprendendo, e não no que já aprendeu. Vygotksy firma está hipótese no seu conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
(Creche Fiocruz, 2004)

Pensamento e Linguagem:

Existem duas grandes vertentes na Psicologia que explicam a aquisição da linguagem: uma delas defende que a linguagem já nasce conosco; outra, que é aprendida no meio. Vejamos os principais autores de cada uma das partes:

Proposta ambientalista: “do nada ao tudo através da experiência”
Skinner: possibilidade de explicar a linguagem e qualquer comportamento humano complexo pelos mesmos princípios estudados em laboratório.

A proposta inatista forte:
Chomsky: o bebê nasce com todo o aparato. Nada é aprendido no ambiente; é apenas disparado por ele. A criança apenas vai se moldando às especificidades da sua língua.

A proposta interacionista:
Piaget: o mecanismo interacionista -- a linguagem faz parte de uma função mais ampla, que é a capacidade de representar a realidade através de significados que se distinguem de significantes.

Vygotsky: raízes genéticas do pensamento e da linguagem – linguagem é considerada como instrumento mais complexo para viabilizar a comunicação, a vida em sociedade. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.

Bruner: Psicologia cultural – defende a visão cultural do desenvolvimento da linguagem e coloca a interação social no centro de sua atenção sobre o processo de aquisição.

Cole: Sociocultural – para que a criança adquira mais do que rudimentos de linguagem, ela deve não apenas ouvir ou ver linguagem, mas também participar de atividades que a linguagem ajuda a criar e manter.





Segundo Vygotsky...

As funções da linguagem

A linguagem é, antes de tudo, social. Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. Essa função comunicativa está estreitamente combinada com o pensamento. A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interação social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.


A linguagem egocêntrica

A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo ao pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesmo, em voz baixa, enquanto está concentrado em alguma atividade. Esta fala, além de acompanhar a atividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para a tarefa durante a atividade na qual a criança está entretida (Ribeiro, 2005).
A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não uma linguagem social, com funções de comunicação e interação. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as idéias e planejar melhor as ações. É como se a criança precisasse falar para resolver um problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento / raciocínio.
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no livro Pensamento e Linguagem (1998), do mesmo autor, é o fato de que, por volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de comportamento.
Este momento crucial, quando a linguagem começa a servir o intelecto e os pensamentos começam a oralizar-se – a fase da fala egocêntrica – é marcado pela curiosidade da criança pelas palavras, por perguntas acerca de todas as coisas novas (“o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso interior. Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interação social, qualquer fator que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o cotidiano dos educadores, em que eles podem detectar possíveis deficiências no processo de socialização da criança. (Ribeiro, 2005)

Discurso interior e pensamento

O discurso interior é uma fase posterior à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de idéias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exata com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma frase ou em um discurso. Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflete na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento para outra pessoa (Vygotsky, 1998)
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos, nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e no nosso pensamento. (Vygotsky 1998)





BIBLIOGRAFIA

CRECHE FIOCRUZ. Projeto Político Pedagógico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.

RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.

VASCONCELLOS e VALSINER. Perspectivas co-construtivistas na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.


Sobre os autores:
Elaine Rabello: Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Analista Transacional em Formação - Curso 202 na Área Clínica
José Silveira Passos: Psicólogo (CRP-05/18842), Psicoterapeuta, Analista Transacional (Membro Didata em Formação da UNAT-BR), Master em Ecologia Humana (Escola de Ecologia Humana - Argentina), Consultor Organizacional e Engenheiro
Como citar este artigo?
RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Vygotsky e o desenvolvimento humano. Disponível em http://www.josesilveira.com
A seguir, apresentaremos um vídeo para que este tema, apresentado pelos autores acima se fixe melhor. Vídeo este, do filme Escritores da Liberdade. Se der para assistir o filme inteiro melhor ainda. Como se trabalhar os conceitos e teorias de Vygotsky em sala de aula.

Conversas sobre Didática,