segunda-feira, 21 de junho de 2010

O Preconceito em Relação à Filosofia Oriental

Quando se fala em preconceito, logo imaginamos um caso de racismo ou discriminação contra a mulher, deficientes, homossexuais ou outras minorias. Mas é interessante refletir também em torno de outras formas de preconceitos, de fato mais sutis, mas nem por isso menos discriminatórias. É o caso de algumas idéias preconcebidas, mais assemelhadas a rótulos, que vigem no mundo acadêmico. Especificamente, convoco todos a uma reflexão a respeito do desdém científico-filosófico pelas doutrinas e teorias que advêm do outro lado do meridiano, a ponto de simplesmente taxá-las de místicas ou não-científicas.

Ora, o fato da filosofia oriental aparecer, por não raras vezes, associada a alguma religião, não subtrai sua autonomia enquanto filosofia – afinal, a religião, para fundamentar suas doutrinas, dogmas e crenças (ou crendices) recorre à filosofia.

Sabe-se que tanto a ciência como a filosofia buscam uma explicação da realidade a partir daquilo que ela mesma manifesta, ou seja, das próprias coisas em si consideradas, sem recorrerem a algo divino ou sobrenatural para compreendê-las. É o chamado logos demonstrativo. Analisemos uma concepção oriental da realidade, manifestada pelo Taoísmo filosófico, para verificar se é plausível dizer que estamos diante de uma filosofia – nos termos estritos e acadêmicos do termo – ou de alguma visão mística da realidade.

Os taoístas filosóficos encaram os ensinamentos do Tao apenas como um método de vida, como um guia em que se busca essencialmente achar a harmonia entre o ser e a natureza. Uma de suas principais teorias para explicar a realidade é o princípio unificante ou princípio da polaridade, segundo o qual “todos os fenômenos universais podem ser classificados em categorias polares, com pólos yin e yang; e mesmo categorias diversas se inter-relacionam através de uma ordem comum. Por exemplo, coisas aparentemente diferentes, como peso (leve = yin e pesado = yang) e calor (frio = yin e quente = yang) têm algo em comum. O princípio unificante tem uma função orientadora no estabelecimento de relações entre variáveis de significados nem sempre aparentes à primeira vista”.

O Tei-Gi é representado pelo famoso símbolo chinês


O princípio apregoa que o universo é composto por duas forças complementares, e do equilíbrio dinâmico entre elas surge todo movimento e mutação. Essas forças são: Yang: o princípio ativo, diurno, luminoso, quente, masculino. Yin: o princípio passivo, noturno, escuro, frio, feminino.

Tais qualidades atribuídas a cada uma das dualidades são apenas analogias, que exemplificam a expressão de cada uma delas no mundo fenomênico. Os princípios em si mesmos estão implícitos em toda e qualquer manifestação.
Tais exemplos não incluem qualquer juízo de valor, e não há qualquer hierarquia entre os dois pólos. Assim, referir-se a Yang como negativo apenas indica que ele é negativo quando comparado com Yin, que será positivo. Esta analogia é como a carga elétrica atribuída a prótons e elétrons: os opostos complementam-se, positivo não é bom ou mau, é apenas o oposto complementar de negativo.

O que importa para o debate proposto não é o aprofundamento no estudo do princípio unificante, mas tão-somente constatar que, da mesma forma que Tales de Mileto olhou para o mundo e entendeu, sem recorrer a qualquer explicação mística ou sobrenatural, que ele é feito de água, Lao Tsé também pode perfeitamente ter construído sua tese a partir de uma observação pura e simples da realidade, e dos aspectos dualistas que aparentemente a compõem. Não há, assim, qualquer óbice em se entender que a principal tese filosófica do Taoísmo foi elaborada sem qualquer recurso a fundamentações místicas. Portanto, como desconsiderar que é sim uma “filosofia”, nos termos mais estritos do termo?

O que existe, na verdade, é um preconceito, que, como toda discriminação infundada, encerra uma “violência sutil”. Talvez, indo mais adiante, o desejo de preservar a nossa identidade, cujas raízes estão na colonização européia, nos conduz ao impulso inconsciente de repelir aquilo que não a reforce. Toleramos o idealismo platônico e tantas teorias filosóficas tentando explicar Deus ou algum mundo em que tudo é estável, imutável, perfeito... Mas, mesmo diante de algo tão científico e racional como o princípio unificante – que, como toda teoria, também tem suas falhas –, simplesmente se afirma: isso não é filosofia, é coisa de religião. A busca pelo monopólio da verdade conduz a resultados estapafúrdios.

“Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão.”
Lao Tsé
 
Fonte: http://direitoeviolencia.blogspot.com/2010/05/o-preconceito-em-relacao-filosofia_29.html
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