domingo, 24 de março de 2013

Ditadura das minorias




“Roseli Fischmann tem 53 anos, é doutora, livre-docente, professora do programa de pós-graduação em educação da USP e expert da Unesco para a Coalizão de Cidades contra o Racismo, a Discriminação e a Xenofobia”. Eu copiei esses dados do pé biográfico que acompanha um artigo seu na Folha deste sábado (íntegraaqui). A pergunta é a seguinte: “A Câmara dos Deputados deve instituir feriado nacional no dia da canonização de Frei Galvão?”
Roseli e seu pé biográfico para 300 talheres acham que não. Até aí, tudo bem. Vejam só: eu também sou contra um feriado novo. Por razões puramente pragmáticas. Já há muitos no Brasil. O país precisa trabalhar mais, não menos. Os católicos podem muito bem comemorar a data tocando normalmente a sua vida. Ah, mas Roseli não se conforma com isso não. Ela gosta de debater o mérito das coisas. Aí veio com aquela conversa de que a República é laica, de que nem todos são católicos etc e tal.
Huuummm. Estando Roseli certa, as sociedades chamadas, então por imposição inaceitável, “cristãs” terão de abolir o feriado do Natal. Por que não? Ou com o Natal ela concede? Caso conceda, certamente o fará, quero crer, porque reconhecerá que a data já é um fato cultural, independetemente da crença. Se assim for, onde ela põe o seguinte argumento, que é seu: “Feriado nacional, estabelecido pelo Estado laico, é para celebrar cidadãos exemplares (apenas humanos, não necessariamente santos, mas certamente justos) que contribuíram com o Estado de forma relevante, na humanamente falível esfera pública, em que o poder se estabelece como ação em concerto, conforme Arendt.”? Sim, fica parecendo que Hannah Arendt se dedicava a fazer digressões sobre feriados… Ora, o que responder à professora Roseli? Que também os “cidadãos exemplares” sempre o serão de acordo com a versão triunfante num dado momento da história?
Ela é contra o feriado de Frei Galvão porque acredita que ele atenta contra a diversidade — embora uma data que seria simpática a quase 80% dos brasileiros não ferisse o direito de nenhuma minoria. Mas e se eu for contra a República, por exemplo? Tenho o direito de argumentar que o feriado de 15 de Novembro é uma imposição mistificadora? Ela, provavelmente, dirá que não, já que, na esfera pública, o vencedor (olha só: estou escrevendo como se fosse um deles…) decreta o destino da razão dos vencidos, não é assim? O legal se impõe sobre a legitimidade das visões particulares. Para ela, entendo, um feriado é correto no caso de uma celebração política, mas inaceitável se ela for religiosa. Roseli não pode manter o seu critério sem pedir o fim do feriado no Natal. Ou, então, admite a data natalina e também o feriado de Frei Galvão em nome da relevância cultural da celebração.
Vejam só: eu votaria contra o feriado. O que fiz até agora é demonstrar que Roseli teria de ser a favor dele segundo os critérios que ela escolheu para debater. O meu é mais simples: “Vai trabalhar, Mané, e reza em casa ou na Igreja”. Mas sigo. Ela está equivocada até aqui, mas ainda não deu uma piscadela para o escândalo, o que fará agora. Vejam só como conclui o seu artigo: “Por reconhecerem-se como humanos, compreendem os seres democráticos que se necessitam mutuamente para estabelecer o bem comum, que a nenhum pode excluir. Assim, melhor seria que o Congresso estabelecesse o Dia Nacional da Liberdade de Consciência e de Crença, celebração laica que a todos unirá, ou que finalmente aprovasse o Dia de Zumbi, de todas as gentes, como feriado nacional.”
O último parágrafo de seu texto desmascara todo o resto. A liberdade de consciência e de crença está ameaçada no Brasil, dona Roseli, a ponto de merecer um feriado nacional? Qual é a minoria religiosa impedida de exercer o seu culto? E por que Zumbi é “de todas as gentes?” Por acaso a exaltação dessa figura histórica também não traduz uma certa compreensão da história, parcial como qualquer uma? O Dia de Zumbi deve embutir um protesto contra os negros que escravizavam negros dentro dos quilombos? O seu Dia Nacional da Liberdade de Consciência e de Crença não seria, por acaso, um feriado especialmente interessante aos pouco mais de 20% não católicos, em oposição à esmagadora maioria, que é católica?
A universidade pública brasileira não é uma das piores do mundo, na área de humanidades, por acaso. Dona Roseli já tem 53 anos. Ninguém aprende mais nada de relevante a esta altura da vida. Poderíamos estar juntos, contra esse feriado e, por que não?, em defesa do estado leigo. Mas quê!!! A mulher é contra o que ela chama de imposição da maioria porque defende a imposição da minoria. No fundo, ela odeia a democracia que diz defender. E talvez nem mesmo se dê conta disso.
Eu sou contra o feriado. Mas sou ainda mais contra o, por assim dizer, pensamento de Roseli.
Por Reinaldo Azevedo

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/ditadura-das-minorias/

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