Economia doméstica
2 de abril de 2013 | 10h15
José Paulo Kupfer
Eles são 7,2 milhões, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou 6,6 milhões, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), do IBGE. Seja qual for a fonte, o número de trabalhadores domésticos no Brasil, em termos absolutos, é o maior do mundo.
Mesmo em termos relativos, na comparação com o conjunto da população ocupada, o Brasil, com seus quase 8% de empregados domésticos, dos quais mais de 90% são mulheres, ocupa lugar destacado no ranking da OIT. Está logo depois dos dez primeiros, ao lado de Argentina e Uruguai, numa lista liderada por ricos países árabes produtores de petróleo, de baixa população e renda mal distribuída.
Só o tamanho desse contingente de trabalhadores, o de maior participação isolada na população empregada, seria suficiente para permitir prever ampla repercussão à aprovação da PEC 66/2012, emenda constitucional que altera o regime de trabalho dos trabalhadores domésticos – e praticamente iguala seus benefícios aos dos demais trabalhadores –, prevista para ser promulgada, em sessão solene do Congresso, nesta terça-feira.
Não têm sido poucos os que concluem que o tiro sairá pela culatra, com as novas regras promovendo, na direção oposta de seus objetivos, demissão em massa e aumento da informalidade. É de se notar que esse mesmo tipo de argumentação, na qual a ideia-força é a de que os pretensos beneficiários acabarão vítimas de imposições legais paternalistas, é recorrente no Brasil, desde os debates que culminaram com a abolição da escravatura, quando a sociedade se vê diante da opção de adotar normas legais de inclusão social.
Com a estabilidade relativa da moeda e a ampliação de ações inclusivas, o Brasil tem experimentado, nas últimas duas décadas, com a estabilidade da moeda e a ampliação de ações inclusivas, mudanças sociais nada desprezíveis. Essas mudanças são visíveis no dia a dia, mas nem todos parecem já se terem se dado conta do alcance dessas transformações;
O caso das transformações no mercado de trabalho doméstico talvez seja um dos mais emblemáticos. Como mostram gráficos organizados pelo “Estadão Dados”, núcleo de estatísticas do Grupo Estado, a partir de levantamentos do Dieese, nas seis maiores capitais brasileiras, de 2001 a 2011, os salários dos trabalhadores domésticos aumentaram, a informalidade caiu e o perfil educacional melhorou (veja em http://migre.me/dWn9T). As exigências da nova lei, no fim das contas, nada mais fazem do que acompanhar as tendências do mercado.
Na verdade, a realidade o mercado de trabalho doméstico tem apresentado, isto sim, retração cada vez mais acelerada de oferta de mão de obra – foram 133 mil pessoas que deixaram a profissão em 2012 e, só nos primeiros dois meses de 2013. o êxodo somou 28 mil pessoas. Nos últimos dez anos, em consequência, a remuneração de trabalhadores domésticos, segundo o IBGE, subiu quase o dobro do aumento médio geral no mercado de trabalho.
Nada disso significa que os impactos da nova lei sejam desprezíveis. Para o FGTS e o INSS, por exemplo, são, certamente, grandes e positivos, pois a tendência à formalização, até diante do risco trabalhista potencial que a novidade passou a impor, diferentemente de certas análises, deve se consolidar. O outro lado dessa moeda, no caso com viés negativo, pelos custos que certamente acarretará, diz respeito à alta possibilidade de aumento do recurso à Justiça do Trabalho.
Não há dúvida também que os custos não salariais de manutenção de trabalhadores domésticos aumentarão e as relações entre patrões e empregados, no ambiente de trabalho delimitado pelo lar – controle de cumprimento de jornada e horas extras, organização de folgas etc. – ficarão mais complicadas. Os maiores incômodos, de todo modo, incidirão no período de transição entre a entrada em vigor das novas regras e as adaptações que serão ditadas pela vida real cotidiana.
Por esta razão, é fundamental que, ao regulamentar aspectos cruciais da lei ainda por definir – adicional noturno, burocracia da contribuição para o FGTS, custos do seguro-desemprego e assistência a filhos de empregados menores de cinco anos –, o governo tenha em mente que, do ponto de vista da tributação e das exigências burocráticas, mais ainda do que no caso das categorias de empresas que a legislação já diferencia e oferece facilidades, o lar é um local peculiaríssimo de trabalho e como tal deve ser tratado.
http://blogs.estadao.com.br/jpkupfer/economia-domestica/
Obrigado pela visita, e volte sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário