quinta-feira, 25 de abril de 2013

Lei de Godwin e a banalização do nazismo



Existe um conceito conhecido como "Lei de Godwin", o qual diz que "à medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou nazismo aproxima-se de um (100%)". A idéia foi elaborada em 1990 por Mike Godwin, um advogado americano que observou um certo comportamento padronizado na rede, o qual acabava por desenvolver um círculo vicioso em que discussões sobre política e religião, principalmente, caíam sempre no mesmo lugar-comum das comparações com o nazismo (ou com Adolf Hitler, em si) e fascismo.

Eu ousaria dizer que esse tipo de lógica se estenderia mesmo para as discussões fora do âmbito virtual, já que a rede é uma extensão de nós mesmos (seguindo a lógica Understanding Media de McLuhan). Portanto, é bem provável que os debatedores que chegassem à essa conclusão num fórum ou numa lista de discussão também o fariam se frente-a-frente com outros interlocutores.

Antes de dizer o que gostaria de ressaltar nesse tema, irei reproduzir a minha tradução do texto de Mike Godwin, de 1994, publicado no site da revista Wired, chamado "Meme, Counter-meme":


Era 1990 quando iniciei um projeto de engenharia memética. Decidi que o meme da comparação nazista tinha se espalhado em incontáveis grupos da Usenet, em muitas conferências no Well e em todos os BBS que eu frequentava. Participantes ou idéias sendo tidos como "similares aos nazistas" ou "ao estilo de Hitler" eram um evento recorrente e previsível. Era o tipo de coisa que fazia você pensar como debates sempre ocorreram sem um martelo retórico.
Nem todo mundo via a comparação aos nazistas como um "meme" - a maioria das pessoas na rede, assim como em qualquer outro lugar, nunca havia ouvido falar sobre "memes" ou "memética". Mas agora que nós estamos vivendo em uma crescente cultura da informação, é tempo para que isso mude. E é tempo para que os usuários da rede façam um esforço consciente em controlar o tipo de memes que eles criam ou circulam.
Um "meme", obviamente, é uma idéia que funciona de uma maneira muito parecida como um gene ou um vírus age no corpo. E uma idéia infecciosa (chame isso de "meme viral") pode saltar de uma mente para a outra, assim como muitos vírus saltam de um corpo para outro.
Quando um meme faz isso, ele pode cristalizar toda uma escola de pensamentos. Pegue o meme do "buraco negro", por exemplo. Assim como o físico Brandon Carter comentou no livro A Brief History of Time: A Reader's Companion, de Stephen Hawkings: "As coisas mudaram dramaticamente quando John Wheeler inventou o termo [buraco negro]... Todos o adotaram, e desde então, pessoas ao redor do mundo, em Moscou, na América, na Inglaterra e em todo lugar podiam saber que estavam falando da mesma coisa". Uma vez que o meme do "buraco negro" se tornou um lugar-comum, ele se transformou em uma fonte útil de metáforas para tudo, desde o analfabetismo ao deficit.
Em 1990, eu percebi algo similar acontecendo com o meme da comparação nazista. Obviamente, há temas óbvios nos quais essa comparação é recorrida. Em discussões sobre armas e sobre a Segunda Emenda, por exemplo, os defensores do controle de armas são periodicamente lembrados de que Hitler baniu o porte de armas pessoais. E os debates sobre controle de natalidade são frequentemente marcados pela insistência dos pró-vida, que dizem que aqueles que são a favor do aborto estão defendendo um assassinato em massa pior do que os nazistas fizeram nos campos de concentração. E em qualquer grupo de discussão no qual a censura é discutida, alguém inevitavelmente levanta o espectro da queima de livros cometida pelos nazistas.
Mas o meme da comparação nazista pululou em outros casos também - em discussões gerais sobre leis no misc.legal, por exemplo, ou na conferência EFF no Well. Libertários ferrenhos estavam prontos para rotular qualquer regulamentação governamental como um princípio nazista. Era uma trivialização que eu achei tão ilógica (Michael Dukakis como um nazista? Por favor!) quanto ofensiva (as milhares de vítimas dos campos de concentração não morreram para se tornar uma alegoria útil aos usuários da net.blowhard).
Então, eu resolvi conduzir um experimento - construir um contra-meme projetado para fazer os participantes das discussões verem como eles estavam agindo como vetores de um meme particularmente bobo e ofensivo... e talvez para reduzir a superficialidade das comparações nazistas.
Eu desensolvi a Lei de Godlaw das Analogias Nazistas: à medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou nazismo aproxima-se de um.
Implantei a Lei de Godwin em alguns grupos ou tópicos nos quais eu vi referências gratuitas ao nazismo. Logo, para minha surpresa, outras pessoas a estavam citando - o contra-meme estava reproduzindo por si mesmo! E ele se mutou como um meme, gerando correlatos como os seguintes:
- Correlato de Newman feito por Gordon, de acordo com a Lei de Godwin: o libertarianismo (pró, contra e lutas internas de facções) é o tópico de discussão primordial do net.news. Em qualquer momento no qual o debate se dirigir para qualquer outro lugar, ele deve eventualmente voltar ao seu motor inicial.
- Correlato de Morgan à Lei de Godwin: assim que uma comparação ocorrer, alguém irá começar um tópico de discussão sobre nazismo no alt.censorship.
- Correlato de Sircar: se as discussões da Usenet mencionam homossexualidade ou Heinlein, nazistas ou Hitler serão citados em três dias.
- Correlato de Van der Leun: conforme a conectividade global se desenvolve, a probabilidade de verdadeiros nazistas estarem na rede se aproxima de um.
- Paradoxo de Miller: conforme a rede evolui, o número de comparações nazistas não antecipadas pela citação da Lei de Godwin converge ao zero.
Em tempo, discussões são fomentadas nos grupos e para mostrar uma menor incidência do meme da comparação nazista. E o contra-meme se mutou de formas ainda mais úteis. (Assim como o autor de Cuckoo's Egg, Cliff Stoll, disse-me uma vez: "Lei de Godwin? Não é aquela lei que diz que uma vez que uma discussão chega à comparação com nazistas ou Hitler, sua utilidade está acabada?"). De acordo com meus padrões (admitidamente baixos), o experimento foi um sucesso.

Pois é, mas até hoje, 22 anos após a concepção da Lei de Godwin ou 18 anos após a publicação desse texto, ainda vemos uma proliferação de argumentos que convergem à comparação nazista (ou ao meme desta). Prefiro não citar ou linkar exemplos aqui, mas acredito que os leitores tenham vivenciado ou observado uma discussão que tomasse esse rumo - ainda mais em tempos atuais em que temas como a homossexualidade, o feminismo, o aborto, a eutanásia, os direitos dos ciclistas, o vegetarianismo, o dualismo entre partidos políticos ou ideologias de esquerda e direita etc continuam vivos e fortes, não é difícil encontrar qualquer artigo, tweet ou compartilhamento no Facebook e outras redes sociais que traga um parecer sobre estes ou outros temas do ponto de vista de algo feito pelos nazistas.

Enquanto o autor de tal manifestação pretende reforçar a gravidade de algo, emprestando o valor semântico e simbólico do nazismo e de seus crimes, ele acaba muitas vezes não conscientizando o público-alvo, mas banalizando a discussão ao nível do meme do YouTube com o filme A Queda - sobre o qual Mark Dery escreveu em “Endtime for Hitler: On the Downfall of the Downfall Parodies" (2010).

Por isso Godwin propôs um contra-meme para tentar parar essa trivialização desenfreada, pedindo para que as comparações fossem feitas de maneira mais consciente e menos preocupadas apenas com o valor de choque. Mas, infelizmente, o paradoxo de Miller, um dos correlatos que Godwin encontrou, segue mais forte: "conforme a rede evolui, o número de comparações nazistas não antecipadas pela citação da Lei de Godwin converge ao zero" - e a gravidade do evento Nazismo se perde na "nulidade" do riso, do desprezo ou da inutilidade (como disse Stoll a Godwin).


http://kunstistkrieg.blogspot.com.br/2012/03/lei-de-godwin-e-banalizacao-do-nazismo.html

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