A caixa preta de Darwin
Michael J. Behe nasceu em 1952 e cresceu em Harrisburg, Pennsylvania. Bacharelou-se em Química, em 1974, pela Universidade Drexel, em Philadelphia. Fez pós-graduação em Bioquímica, na Universidade da Pennsylvania, e obteve seu doutorado em 1978, sendo o tema de sua tese a anemia falciforme. De 1978 a 1982 fez pós-doutorado sobre a estrutura do DNA, no National Institute of Health. Entre 1982 e 1985 foi professor assistente de Química no Queens College, na cidade de Nova Iorque. Em 1985 mudou-se para a Universidade Lehigh, onde atualmente é professor de Bioquímica.
Em sua carreira profissional escreveu mais de 40 artigos técnicos e um livro, Darwin’s Black Box: The Biochemical Challenge to Evolution(publicado no Brasil pela Jorge Zahar, com o título A Caixa Preta de Darwin), no qual argumenta que os sistemas vivos, em nível molecular, são melhor explicados como sendo o resultado de planejamento inteligente. Esse livro foi resenhado por mais de uma centena de periódicos, entre eles: The New York Times, Nature, Philosophy of Science e Christianity Today. Atualmente, o Dr. Behe e sua esposa residem nas proximidades de Bethlehem, Pennsylvania, com seus oito filhos.
Nesta entrevista, concedida a Michelson Borges, Behe fala sobre suas idéias e explica por que abraçou a teoria do Design Inteligente.
Em seu livro A Caixa Preta de Darwin o senhor descreve os sistemas de complexidade irredutível. O que são eles?
Sistemas de complexidade irredutível são aqueles que necessitam de partes múltiplas para funcionarem; se uma parte é removida, o sistema não funciona mais.
Para Darwin e seus contemporâneos do século 19, a célula, por exemplo, era uma “caixa preta”. Era simplesmente muito pequena, e a ciência daquela época não dispunha de ferramentas para investigá-la. Os microscópios daquele tempo eram bem rudimentares e as pessoas podiam ver só os contornos da célula. Assim, muitos cientistas pensavam que a célula era bastante simples, como um pedacinho de gelatina microscópica.
A partir daquela época, a ciência tem mostrado que a célula é um sistema extremamente complexo, que contém proteínas, ácidos nucléicos e diversos tipos de “máquinas miniaturizadas”. No meu livro eu examino várias dessas “máquinas” e argumento que a seleção natural darwiniana não pode tê-las produzido justamente por causa do problema da complexidade irredutível.
Acredito que tais sistemas são melhor explicados como o resultado de um deliberado planejamento inteligente. E eu cheguei a essa conclusão por um tipo de argumento lógico indutivo: sempre que vemos tais sistemas no mundo real, no mundo macroscópico de nossa vida cotidiana, concluímos naturalmente que eles foram, de fato, projetados. Ninguém se depara com uma ratoeira e se pergunta se foi projetada ou não.
Essa é uma das analogias usadas em seu livro. Explique melhor que relação o senhor estabelece entre uma ratoeira e os sistemas bioquímicos.
Certo. Suponhamos que queiramos fabricar uma ratoeira. Na garagem, podemos ter uma tábua de madeira velha (para a plataforma ou base), a mola de um velho relógio de corda, uma peça de metal (para servir como martelo) na forma de uma alavanca, uma agulha de cerzir para segurar a barra, e uma tampinha metálica de garrafa, que julgamos poder usar como trava. Essas peças, no entanto, não poderiam formar uma ratoeira funcional sem modificações excessivas e, enquanto elas estivessem sendo feitas, as partes não poderiam funcionar como ratoeira. Suas funções anteriores as teriam tornado impróprias para quase qualquer novo papel como parte de um sistema complexo.
Assim, para que a ratoeira exista e funcione, é preciso que todas as suas partes funcionem perfeitamente, da mesma forma como deve ocorrer com os sistemas bioquímicos. Nada pode faltar e, por isso, não podem ter evoluído em etapas sucessivas.
Poderia mencionar alguns desses sistemas irredutivelmente complexos?
Os sistemas de complexidade biológica irredutível incluem o flagelo bacteriano, que é literalmente um motor externo que algumas bactérias usam para nadar: tem hélice, eixo acionador, motor, uma parte fixa, um mancal e outras partes mais. Outro exemplo é o sistema de transporte intracelular, que é um sistema de “rodovias”, “sinais de trânsito” e “vagões moleculares” que transportam carga por toda a célula.
Por contestar o paradigma evolutivo, seu livro tem causado bastante polêmica nos meios científicos. O senhor já previa isso? Quais foram os principais tipos de contestação?
Com certeza, eu previa que meu livro causaria controvérsia. Os darwinistas têm replicado dizendo, principalmente, que explicarão os sistemas moleculares no futuro, talvez dentro de dez ou vinte anos. Para dizer o mínimo, sou bastante cético quanto a essa pretensão.
A primeira reação da maioria dos críticos é dizer: “Isso é apenas criacionismo levemente disfarçado.” E em resenhas escritas por cientistas eles falam freqüentemente sobre os primeiros capítulos de Gênesis e do “Julgamento da Criação”, de Arkansas, nenhum dos quais eu menciono no livro. Assim, eles tentam condenar meu trabalho através do processo de associação. Eles também não vêem que há uma distinção entre chegar a uma conclusão simplesmente pela observação do mundo físico, como se espera que um cientista faça, e chegar a uma conclusão baseado na Bíblia ou em convicções religiosas.
Que influência o livro de Michael Denton (Evolution: A Theory in Crisis) teve em sua mudança de pensamento em relação ao evolucionismo?
O livro de Michael Denton foi muito importante para o meu ponto de vista. Ele foi o primeiro cientista, dos que eu li, que questionava a evolução baseado estritamente na ciência. Era algo novo para mim e me mostrou que havia muitos problemas inexplicáveis no Darwinismo.
A partir de então, procurei por pesquisas que pudessem dizer como os sistemas bioquímicos foram gradualmente produzidos durante a evolução. Descobri rapidamente que tais documentos não existiam. Assim, com o passar do tempo, percebi que, de fato, esses sistemas só poderiam ser o resultado de um planejamento inteligente.
Estive isolado durante algum tempo. Então li o livro Darwin on Trial, de Phillip Johnson, e gostei bastante. Vi num número da revista Science que havia uma resenha do livro de Johnson. Eu fiquei muito entusiasmado e pensei: “Isso é demais! Eles terão que discutir alguns desses assuntos, e verei o que eles têm a dizer sobre isso.” Mas quando li mais detidamente o texto, percebi que não era uma resenha, era simplesmente uma advertência dizendo: “Este livro é antievolucionista. Advirta seus estudantes, pois ele está confundindo o público.” Fiquei bastante desapontado, pois eles não discutiam o conteúdo do livro. Não era nem mesmo uma refutação. Pensei: não é assim que a ciência deve ser.
Escrevi uma carta ao editor de Science, mostrando que eles deveriam discutir os assuntos envolvidos, e não apenas rejeitá-los. Science publicou minha carta, Johnson a viu e me escreveu. Foi assim que nós começamos a nos corresponder. Desde então tenho sido convidado a algumas reuniões nas quais ele está envolvido, e essa é a maneira como eu me envolvi nessa comunidade de pessoas interessadas no assunto Intelligent Design.
No que seu livro difere de outros sobre evolucionismo?
O argumento a favor da evolução é melhor resumido no livro O Relojoeiro Cego, de Richard Dawkins. É uma leitura fascinante, e é interessante notar como Dawkins e Denton usam exemplos semelhantes, mas chegam a conclusões completamente diferentes. Denton usa uma analogia com o idioma inglês dizendo que frases são difíceis de se criar. Dawkins tem uma seção onde ele usa um computador para gerar uma frase, tentando mostrar com isso que a evolução é fácil. Eu percebi que esses livros discutiam o problema num nível muito básico, não apenas em relação à ciência, mas ao conhecimento em geral. Quer dizer, como você sabe algo? Como você apóia uma teoria com evidência? E quais extrapolações são legítimas? Em meu livro, procurei aprofundar a questão.
Por que, na sua opinião, movimentos como o Design Inteligente têm crescido tanto?
Porque o Design Inteligente incorpora o ceticismo que muitas pessoas têm acerca do Darwinismo, e desafia a evolução em seu próprio território, como uma teoria científica.
Como sua mudança de foco, no que concerne à evolução bioquímica, afetou sua forma de lecionar?
Não afetou muito minha forma de lecionar, exceto pelo fato de que eu mostro aos alunos a natureza intrincada dos sistemas bioquímicos e saliento que ninguém demonstrou como eles podem ser produzidos através de processos aleatórios.
No fim de 1980, a Universidade Lehigh decidiu desenvolver um programa de seminários para calouros. São cursos que têm o objetivo de fazer os novatos ficarem entusiasmados com a carreira que escolheram. Assim, a administração estava procurando voluntários que sugerissem cursos. Eu criei um curso que chamei de “Argumentos populares sobre evolução”, no qual lemos Denton e Dawkins. Esse curso tem sido muito popular entre os estudantes. A maioria deles entra para a universidade acreditando na teoria da evolução, mas muitos deles, quando terminam o curso, dizem que, embora ainda acreditem na evolução, agora vêem o assunto como muito mais complexo e problemático. Como professor é meu objetivo fazê-los pensar por si mesmos e não simplesmente confiar no que as pessoas dizem, como eu fiz uma vez.
Pode-se aceitar a teoria do Design Inteligente como puramente científica, sem apelar para a religião?
Sim, o Design Inteligente pode ser uma teoria puramente científica, porque está totalmente baseada em evidência física – a estrutura de sistemas celulares. Não se baseia em argumentos filosóficos, teológicos ou bíblicos, mas em evidência física.
Uma analogia que eu gosto de traçar é com a Física: muitos físicos estavam infelizes com a idéia do Big Bang porque parecia ter implicações teológicas óbvias. Todavia, os físicos a aceitaram como uma teoria científica legítima e trabalharam sobre ela. Eu vejo o Design Inteligente do mesmo modo: pode ter implicações religiosas mas é uma teoria científica clara baseada apenas em observações de sistemas bioquímicos, e nós deveríamos aceitá-la e trabalhar a partir dela.
O senhor fez diversas pesquisas em publicações de divulgação científica como o Journal of Molecular Evolution, em busca de explicações para os mecanismos da evolução biológica. O que concluiu?
As publicações científicas não apresentam detalhes, modelos testáveis, nem evidências experimentais mostrando que os processos darwinianos poderiam desenvolver sistemas de complexidade irredutível. Concluo que a evidência está faltando porque sistemas complexos não podem ser desenvolvidos por forças aleatórias.
O Journal of Molecular Evolution tem aproximadamente 25 anos e publicou mais de mil artigos desde sua primeira edição. Essa revista publica muitos artigos sobre comparações de seqüências de moléculas de proteínas, DNA e outras, na tentativa de determinar uma ancestralidade comum. Assim, organismos que possuíssem seqüências semelhantes de aminoácidos em uma determinada proteína, por exemplo, seriam descendentes de um ancestral comum. Isso pode ser interessante, e pode ser uma questão legítima, mas comparar seqüências simplesmente não lhe diz nada sobre como essas complexas máquinas moleculares surgiram. Assim, durante os seus 25 anos de existência, oJournal of Molecular Evolution evitou completamente a questão de como esses sistemas extremamente complexos poderiam ter surgido.
Lamentavelmente, a maioria dos cientistas ignora completamente a evolução no seu funcionamento, e aqueles que pensam no assunto simplesmente procuram por associações e não se preocupam com o Darwinismo em si. Extraordinariamente, isso tem muito pouco a ver com o trabalho cotidiano da ciência e serve basicamente como um suporte filosófico que, na minha opinião, está apenas inibindo a verdadeira pesquisa sobre como a vida se desenvolveu.
Já que a ciência procura se caracterizar pela busca da verdade, por que é tão difícil, por exemplo, publicar um artigo com opinião discordante do evolucionismo?
Apesar da imagem popular, os cientistas são pessoas normais, com seus próprios preconceitos. Se alguém pretende desafiar uma crença profundamente defendida, pode esperar resistência.
Em entrevista concedida a uma revista brasileira de divulgação científica, a professora de história da ciência da Universidade da Flórida, Vassiliki Betty Smocovitis, disse, referindo-se aos criacionistas, que eles são “especialistas autoproclamados”, sem credenciais científicas. O que o senhor pensa a respeito?
Alguns criacionistas não têm credenciais, mas outros têm. Os que têm credenciais incontestáveis têm chamado a atenção para muitos problemas sérios no Darwinismo, os quais não se pode honestamente descartar.
O senhor vislumbra algum tipo de mudança de paradigma no futuro? Quem deverá mudar mais: a igreja ou a ciência?
A ciência muda à medida que mudam os dados, embora leve tempo. Acredito que a ciência acabará se voltando ao Design Inteligente, pois é nessa direção que os dados apontam. Ao contrário da ciência, a essência da religião não muda.
Vários cientistas, como o zoólogo adventista Dr. Ariel Roth, defendem uma integração entre fé e ciência. Como cientista cristão, o senhor acha possível conciliar a visão científica com a religiosa?
Acredito que por fim a ciência e a religião convergirão para a mesma verdade, pois só existe uma verdade.
O que a Teologia tem a oferecer à ciência na busca da verdade?
A Teologia pode mostrar à ciência que existe algo mais além da matéria e do movimento, que o mundo é mais complicado do que muitos cientistas crêem. A Teologia também pode salvaguardar a ciência do orgulho que acompanha a tentativa de explicar todas as coisas.
Entrevista originalmente publicada no livro Por Que Creio.
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