Conceitos de espaço, lugar e território na Geografia
Espaço, lugar e território são conceitos geográficos utilizados como uma espécie de ferramenta para a análise de determinados fenômenos e a Geografia. Entenda!
Antes de estudarmos sobre espaço, lugar e território, aí vai uma pergunta: você já ouviu falar em conceitos? E em objetos de estudo? Toda ciência, como é o caso da Geografia, possui certas palavrinhas muito importantes, que requerem certo nível de abstração e de consenso entre os cientistas dessa área de conhecimento.
Essas palavras importantes adquirem certos significados a partir de estudos de especialistas, passando a se chamar conceitos. Os conceitos são utilizados como uma espécie de ferramenta para a análise de determinados fenômenos e a Geografia tem alguns que, para ela, são fundamentais. São eles: território, lugar, paisagem, região, entre outros.
Por outro lado, os objetos de estudo são um tipo de lente, pela qual determinado campo da ciência observa a realidade para estudá-la. Por exemplo: a História estuda os processos e sujeitos históricos. Já a Geografia, como veremos nessa aula, estuda o espaço geográfico.
O objeto de estudo da geografia
O longo processo de organização e reorganização da sociedade ocorreu ao mesmo tempo em que a natureza primitiva foi sendo transformada em todas as formas que conhecemos: campos, cidades, estradas, parques, pontes, shopping centers, entre outros. Tal foi a explicação dada pelo geógrafo Roberto Lobato Corrêa sobre como a Geografia objetiva estudar sociedade.
Sendo assim, essas obras são as marcas do ser humano, apresentando um determinado padrão de localização que é próprio de cada sociedade. Organizadas espacialmente, todas essas marcas constituem, juntas, conectadas em maior ou menor medida (e interagindo com a natureza), o espaço dos homens e das mulheres. Portanto, formam a organização da sociedade no espaço ou, simplesmente, o espaço geográfico.
Assim, enquanto outras ciências objetivam estudar as sociedades através de diferentes motivações, a Geografia estuda a sociedade através de sua organização espacial. Essa é sua objetivação e, o espaço geográfico (espaço dos seres humanos; espaço da sociedade), o objeto de estudo da Geografia. Voltaremos a falar dele adiante. Antes, iniciaremos nosso estudo compreendendo o que é lugar para a Geografia.
O conceito de lugar
O conceito de lugar pode ser considerado um ponto de partida para compreender o espaço geográfico nas suas diversas escalas (regional, nacional, mundial). Isso ocorre porque o lugar é onde as pessoas vivem, se relacionam, estabelecem seus vínculos afetivos. Sem contar a afeição que se cria com as paisagens cotidianas.
Além disso, no lugar também há muita cooperação entre as pessoas, embora também haja conflito. É ali, no lugar de cada um (a), que se desenvolvem as identidades culturais e socioespaciais dos indivíduos e grupos sociais.
Para chegarmos a uma boa compreensão do espaço geográfico e os conceitos que dele se desdobram, devemos entender um pouco mais sobre as relações sociais. Além disso, precisamos compreender as marcas que as sociedades, através dos mais variados grupos humanos, deixam nas paisagens dos lugares.
Ou seja, devemos compreender as dinâmicas da natureza, bem como as dinâmicas da sociedade. E, de modo integrado, perceber as relações que se dão entre sociedade e natureza. A Geografia, como ciência que é, se dedica a isso.
O lugar nos dá uma identidade própria e nos permite estabelecer relações com diferentes lugares ao redor do mundo. Eis aí uma das dificuldades pela qual passam, em muitos casos, os imigrantes ou refugiados. Isso porque se afastam das referências de seu lugar de origem e precisam se adaptar a um novo lugar, com outros valores.
Por outro lado, com o processo de globalização, há diversos fluxos (como de informações e produtos, por exemplo), que chegam aos mais variados lugares do mundo. Isso os torna um pouquinho mais parecidos entre si.
Ao conjunto de lugares, que se transformaram de modos particulares e passaram por distintos processos históricos, unidos por uma complexa rede de relações que se realizam nas mais variadas escalas, podemos denominar espaço geográfico.
O conceito de espaço geográfico
O espaço geográfico está sempre em transformação. A própria natureza, com seus fenômenos (terremotos, vulcões, marés, etc.), é responsável por certas modificações no espaço. Todavia, o ser humano, desde os tempos mais remotos, é o principal responsável pelas alterações do espaço.
Portanto, o espaço reflete os diferentes períodos nos quais sofreu intervenções humanas diversas. Cada povo imprime em seu território a sua forma própria de se relacionar com o meio ambiente. Dessa forma, o espaço geográfico traz em si a história das sociedades.
O espaço geográfico é formado pela dinâmica da população, pelas atividades econômicas (indústria, agricultura, comércio e serviços). É formado, também, pelas redes de transporte rodoviário, ferroviário e hidroviário. Além das rotas marítimas e aéreas, das mais diversas infraestruturas, das cidades e do meio ambiente. Ele é o legado que a humanidade tem para deixar às próximas gerações. O que não inclui apenas a natureza, mas também todo o patrimônio histórico e cultural materializado.
Como alcançar uma relação mais sustentável com o meio?
Apenas com o conhecimento do espaço geográfico é possível desenvolver uma relação menos predatória com o nosso meio. Isso atenuaria os avanços da destruição ambiental e possibilitaria formas de sustentabilidade realmente possíveis. O que é preciso fazer para alcançá-las? Nosso modelo de sociedade possibilita um verdadeiro “desenvolvimento sustentável”? São perguntas que os geógrafos e geógrafas vêm buscando responder através do uso dos conceitos da Geografia e da análise de seu objeto de estudo, o espaço geográfico.
Milton Santos, renomado geógrafo brasileiro, definiu o espaço geográfico como um fato e um fator social. Ou seja, o espaço geográfico não seria somente um reflexo, um meio para a ação da sociedade. Em vez disso, o espaço geográfico é um condicionado e um condicionador. Ele é influenciado pela sociedade (sendo moldado por ela), ao passo que também influencia a sociedade (direciona ações e relações).
Para esse autor, o espaço geográfico seria então uma união de “fixos” e “fluxos”, isto é, um conjunto de configurações espaciais e dinâmicas sociais. A natureza do espaço geográfico seria, portanto, um conjunto indissociável, complementar e contraditório de “sistemas de objetos” e “sistemas de ações” – dialética entre a inércia e a dinâmica, entre o espaço material e o espaço social.
David Harvey, importante geógrafo britânico, vai ao encontro das ideias de Milton Santos ao definir o espaço geográfico como um conjunto de processos sociais e formas espaciais – isto é, ele é formado pela imaterialidade da dinâmica social e pela materialidade das infraestruturas do espaço.
O conceito de território
De acordo com o geógrafo Marcelo José Lopes de Souza, o território é um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Nesse caso, não se trata de um espaço caracterizado pelas características naturais, pelo tipo de produção humana, ou por laços afetivos, como pode ser o caso de outros conceitos.
O território é caracterizado pelas relações de poder. E ao considerarmos que o território pertence a quem possui o poder sobre esse determinado fragmento de espaço, percebemos que território e poder são conceitos indissociáveis.
Na literatura em geral (inclusive científica), é muito comum observarmos o conceito de território sempre atrelado à ideia de “território nacional”. Deste modo, ele é muitíssimo usado para fazer referência ao poder do Estado de gerir e dominar grandes espaços, através de determinadas regras socialmente convencionadas ou mesmo impostas.
Nesse sentido, o controle do território brasileiro seria exercido, por exemplo, pelo Governo Federal. Consequentemente, seria delimitado pelas fronteiras nacionais. Sendo assim, o território terminaria onde termina o poder estatal. Todavia, a realidade é muito mais complexa e existem diversos outros sujeitos envolvidos no controle territorial.
Outros exemplos de território
A marquise de um banco ou loja, no centro de uma cidade, utilizada como abrigo por um grupo de pessoas em situação de rua, torna-se território. Isso ocorre partir do momento em que essas pessoas se apropriaram desse pedacinho de espaço para a sua sobrevivência.
Enquanto ali estão, aquela marquise está sob seu domínio. Se outras pessoas tentarem ocupar aquele espaço, possivelmente o grupo que ali estava as expulsará. Ou quem sabe negociará seu compartilhamento, não sabemos. O que importa é que essa relação envolve o poder de gerir o espaço (que se torna, portanto, território).
Os territórios são construídos (e desconstruídos) em diferentes escalas geográficas – que podem ir de uma rua, um bairro, ou até mesmo a um bloco de países, como é o caso da União Europeia – e temporais – séculos, décadas, meses, dias. Podem também ter um caráter permanente, ou uma existência periódica, cíclica (como veremos na Figura 1).
Videoaula
Para entender melhor os conceitos vistos até aqui, confira a videoaula do prof. Carrieri no nosso canal do YouTube:
Territorialidade
A noção de poder, domínio ou influência de agentes (políticos, econômicos ou sociais) no espaço geográfico expressa o que chamamos de territorialidade. O território é o espaço que sofre o domínio desses agentes. Portanto, a territorialidade é a forma como os agentes moldam a organização desse território, suas relações com ele.
Outro geógrafo brasileiro, Rogério Haesbaert, menciona que, além de incorporar uma dimensão estritamente política, a territorialidade diz respeito também às relações econômicas e culturais referentes ao território. Está intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e criam significados para ele. Sendo assim, a territorialidade é a forma com que os grupos se articulam dentro do território.
Quando falamos em territorialidade, a análise territorial torna-se ainda mais complexa. Afinal, as territorialidades podem ser temporárias ou cíclicas. Elas podem existir somente em uma parte do tempo, de forma intermitente ou não.
Marcelo Lopes de Souza traz um bom exemplo da territorialidade cíclica através da ocupação de ruas urbanas. Essas ruas podem ser ocupadas por consumidores e comerciantes durante o dia e, durante a noite, por prostitutas ou outros indivíduos e grupos exercendo atividades noturnas. A Figura 1, abaixo, representa muito bem essa exemplificação.
Figura 1: Representação cartográfica de territorialidade cíclica em uma cidade fictícia: no sábado às 11h, determinada área do centro dessa cidade estaria sendo apropriada pelas pessoas fazendo compras ou trabalhando em comércios. Às 23h, parte dessa mesma área estaria sob domínio de prostitutas trabalhando [modelo adaptado do livro Geografia: Conceitos e Temas].
Os processos de territorialização podem ser entendidos como expressões espaciais dos conflitos presentes em nossa sociedade. As formas como as múltiplas relações de poder se estabelecem no espaço, podem ser percebidas através das diferentes formas em que o poder se manifesta no território: a apropriação e a dominação.
Territórios apropriados e territórios dominados
Os territórios apropriados são utilizados à serviço das necessidades e possibilidades de uma coletividade, indo além da concepção e uso funcionalista do espaço, possibilitando uma relação simbólica e identitária.
Já os territórios dominados, são espaços caracterizados por uma concepção e uso utilitarista e funcionalista, onde a principal finalidade é o controle dos processos naturais e sociais, por meio das técnicas, submetendo-os à lógica da produção e do consumo.
Os conflitos, de certo modo, materializam-se no espaço geográfico, dando origens aos territórios controlados por diferentes e conflitantes formas de poder, que não necessariamente correspondem ao Estado nacional.
Um bairro, por exemplo, se insere num território municipal, num território estadual e num território federal. Ao mesmo tempo, nele podem estar inseridos territórios paralelos que podem, inclusive, ultrapassar seus limites para outros bairros.
Por exemplo: o território do tráfico de drogas, o território de um grupo de moradores em situação de rua, o território de atuação de determinada ONG ou grupo religioso, entre outros. Além disso, esse bairro possivelmente estará inserido no território de blocos econômicos, como o NAFTA ou Mercosul, ou em territórios dominados por empresas transnacionais de determinado setor.
Exercícios
1- (IFMT-2015)
Os conceitos balizadores da análise geográfica, na ótica de Milton Santos, são:
I – O cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas, instituições-cooperação e conflito são a base da vida em comum. (SANTOS, 1997.)
II – É o conjunto de formas, que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. (SANTOS, 1997.)
III – É formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, […] considerados […] como um quadro único no qual a história se dá. (SANTOS, 1997.)
IV – É determinado pelas diferentes funções espaciais ou pelos diferentes usos espaciais, não é possível entendê-lo ignorando as relações políticas e econômicas […]. (SANTOS, 1998.)
Marque a sequência com a correta identificação dos referidos conceitos.
a) Lugar, espaço, território e paisagem.
b) Paisagem, território, espaço e lugar.
c) Espaço, lugar, paisagem e território.
d) Lugar, paisagem, espaço e território.
2- (UNEMAT MT)
Um dos grandes debates da Geografia, desde que esta alcançou o status de ciência, entre o final do séc. XVIII e início do séc. XIX, tem sido alusivo ao seu objeto de estudo. Na atualidade, tomando como referência argumentos de geógrafos como Milton Santos e Roberto Lobato Corrêa, entende-se que a Geografia tem como objeto de estudo o espaço geográfico. Dessa forma, definimo-la como “ciência da organização espacial”.
Sobre o conceito de espaço geográfico e sua abrangência no estudo da Geografia, assinale a alternativa incorreta.
a) O espaço geográfico não constitui uma totalidade homogênea, uma vez que reflete as diferentes singularidades da natureza e das dimensões do trabalho humano.
b) O espaço geográfico abrange, além dos elementos naturais e artefatos humanos, a rede de relações criada por fluxo de pessoas, mercadorias, capitais e informações.
c) O espaço geográfico constitui uma totalidade homogênea, uma vez que reflete o resultado das interações do trabalho humano e suas interações com a natureza.
d) O espaço geográfico é o produto material da interação, mediada pelas técnicas, entre as sociedades e a superfície terrestre em que estão inseridas.
e) O espaço geográfico é dinâmico e está, ao mesmo tempo, organizando-se e reorganizando-se. Nesse sentido é que se pode dizer que a Geografia analisa a organização espacial.
3- (UEPB)
De acordo com a composição “Triste Partida” de Patativa do Assaré, nas estrofes que dizem
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
[…]
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar…
– A categoria geográfica “lugar” que aparece no fragmento do texto está empregada:
a) corretamente porque está impregnada de emoções e de afetividade. Há uma identidade de pertencimento para com esta parcela de espaço.
b) com o sentido de paisagem, pois é do topo da serra que o retirante delimita visualmente o que ele denomina como o seu lugar.
c) com conotação de região natural, pois trata-se do Sertão nordestino de abrangência do clima semiárido de chuvas escassas e irregulares e da presença da vegetação de caatinga.
d) erroneamente porque ninguém pode ter o sentimento de identidade e de pertencimento a uma terra inóspita que só lhe causa sofrimento. O lugar é para cada pessoa o espaço onde consegue se reproduzir economicamente.
e) com o sentido de território, pois trata-se de um espaço apropriado pelo fazendeiro, o qual exerce sobre o mesmo uma relação de poder.
Gabarito:
- D
- C
- A
Referências:
ALMEIDA, Lúcia Marina Alves de; RIGOLIN, Tércio Barbosa. Geografia. São Paulo: Ática, 2003.
FERREIRA, Denison da Silva. Território, territorialidade e seus múltiplos enfoques na ciência Geográfica.; CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 9, n. 17, p. 111-135, abr., 2014
LUCCI, Elian Alabi; BRANCO, Anselmo Lazaro; MENDONÇA, Cláudio. Território e sociedade no mundo globalizado, Geografia geral e do Brasil, volume único. São Paulo: Saraiva, 2014.
MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de. Geografia geral do Brasil, volume 3: espaço geográfico e globalização: ensino médio. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2016.
MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio de. Geografia, volume 1: ensino médio. São Paulo: Scipione, 2005.
QUEIROZ, Thiago Augusto Nogueira de. Espaço geográfico, território usado e lugar: ensaio sobre o pensamento de Milton Santos. In: Para Onde!?, 8 (2): 154-161, ago./dez. 2014. ISSN 1982- 0003. Universidade Federal do rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Porto Alegre/RS, Brasil.
PEDON, Nelson Rodrigo. Geografia e movimentos sociais: dos primeiros estudos à abordagem socioterritorial. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, Ina Elias de; CORREA, Roberto Lobato; GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia: conceitos e temas. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
VELA, João Marcelo. O caráter educativo dos/nos movimentos sociais urbanos: o caso da ocupação Palmares em Florianópolis/SC. 2015. 297 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Florianópolis, 2015. Disponível em: <http://www.bu.ufsc.br/teses/PGCN0591-D.pdf>. Acesso em: 30/05/2020.
TAMDJIAN, James Onnig; MENDES, Ivan Lazzari. Geografia geral e do Brasil: estudos para a compreensão do espaço. São Paulo: FTD, 2013.
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