João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
História das Idéias PedagógicasLivro de cabeceira para educadores
O ritual estabelecido de entrar em sala de aula, com materiais debaixo do braço ou dentro de uma bolsa, depositar cadernetas em nossas mesas, fazer a chamada, instruir os alunos quanto aos temas e exercícios discutidos em aula, passar de carteira em carteira, anotar apontamentos e dúvidas na lousa ou ainda explanar e discutir assuntos pertinentes não surgiu ao acaso. A prática pedagógica é resultante de uma longa história, praticamente tão velha quanto à própria humanidade. Inicia-se provavelmente a partir das conversas e histórias contadas ao redor de fogueiras por pessoas mais experientes dentro de comunidades estabelecidas há muito tempo atrás...
Não há como referenciar esses primeiros encontros ou mesmo, de acordo com alguns especialistas, considerá-los historicamente como relevantes para a pedagogia. O que fazemos ao considerar os idos pré-históricos como primeiros momentos em que se ensejou o que podemos chamar de ensino e aprendizagem é dar relevância ao encontro entre a experiência dos mais velhos e a candura própria dos mais jovens.
A pedagogia como a concebemos, enquanto saber constituído a partir de elaborações práticas e abstratas somente se constrói a partir do surgimento da escrita e das primeiras grandes civilizações da Antiguidade. É o que percebemos a partir das lições que nos são dadas pelo professor Moacir Gadotti, doutor e livre-docente em educação, autor de diversos títulos de prestígio e repercussão na área.
Em sua obra História das Idéias Pedagógicas, Gadotti inicia as conversas acerca desse tema tão pertinente voltando à antiguidade chinesa, resgatando Lao-Tsé e o Talmude hebraico como fontes inspiradoras do pensamento pedagógico no oriente próximo e distante (Oriente Médio e China). É desse período e região, especificamente de Lao-Tsé a constatação de que “o fraco e flexível é mais forte que o forte e rígido” ou ainda “que o mundo não pode ser plasmado a força” e que, por isso, “ao sábio não interessa a força”...
“A criança não pode levar uma vida normal no mundo complicado dos adultos. Todavia é evidente que o adulto, com a vigilância contínua, com as admoestações ininterruptas, com suas ordens arbitrárias, perturba e impede o desenvolvimento da criança. Dessa forma, todas as forças positivas que estão prestes a germinar são sufocadas; e a criança só conta com uma coisa: o desejo intenso de livrar-se, o mais rápido que lhe for possível, de tudo e de todos”. (Maria Montessori)
Percebemos nessas linhas apenas um pouco daquilo que podemos considerar como a mística oriental celebrada com sabedoria e simplicidade. Notamos especialmente a devoção à inteligência em contraposição à força, justamente aquilo que a pedagogia preza através de suas ações, seja naquele lado do mundo ou neste em que nos encontramos...
Dos pensadores orientais, mas ainda focando seus escritos na Antiguidade, o professor Gadotti nos transporta para a Grécia e a seus sábios filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Professores e aprendizes, herdeiros de toda uma tradição cultural, mestres que legaram uns aos outros o conhecimento basilar que funda praticamente toda a nossa tradição ocidental.
De Sócrates para Platão e deste para Aristóteles. Como numa autêntica e afinada tabelinha futebolística concretizada através do tempo, a Grécia se tornou soberana no imaginário cultural e também, especificamente, no pedagógico. A maiêutica ou “arte de extrair do interlocutor, por meio de perguntas, as verdades do objeto em questão” tornaram Sócrates, nos dizeres de Gadotti, “o maior fenômeno pedagógico da história do Ocidente”.
De suas incríveis lições, não registradas por ele mesmo, surgiram os diálogos platônicos a apregoar, pelos quatro cantos do mundo, a necessidade de superação da alienação, conclamando os homens a ultrapassarem as trevas das cavernas onde estavam presos. Falava alegoricamente sobre a ignorância e a necessidade de entendermos a dicotomia entre o mundo das idéias e a realidade nua, crua e dura de cada dia de nossas vidas...
“Quando o facilitador é uma pessoa real, se se apresenta tal como é, entra em relação com o aprendiz, sem ostentar certa aparência ou fachada, tem muito mais probabilidade de ser eficiente. Isso significa que os sentimentos que experimenta estão ao seu alcance, estão disponíveis ao seu conhecimento, que ele é capaz de vivê-los, de fazer deles algo de si, e, eventualmente, de comunicá-los”. (Carl Rogers)
Aristóteles, seu herdeiro legítimo, aluno dedicado prima mais pelo realismo e abastece de sentido mais prático e objetivo a ciência e a própria educação. Ao analisar os homens a partir de suas faixas etárias, conclui o sábio pensador grego que “todas as vantagens que a juventude e a velhice possuem separadamente se encontram reunidas na idade adulta”, já que “onde os jovens e os velhos pecam por excesso ou falta, a idade madura dá mostras de medida justa e conveniente”. Nem parece que escrevia essas linhas há tantos e tantos anos atrás...
A viagem no tempo através dessas incríveis referências pedagógicas feita no livro de Moacir Gadotti continua, discorrendo sobre a educação em Roma e no Medievo, resgatando nomes que por vezes teimamos em não nos lembrar e que são, apesar de não tão conhecidos, reconhecidamente importantes para a educação.
Foram, por exemplo, os romanos que estabeleceram através do estudo da cultura geral, por eles chamada de humanitas, práticas escolares como o ditado de fragmentos de texto, a necessidade de exercícios ortográficos, a memorização como prática educacional, a análise de frases e palavras, a construção de pensamentos estudados em diferentes formas de expressão ou ainda a composição literária.
A Idade Média, por sua vez, celebra a ascensão da Igreja Católica ao comando da cultura e da educação. De acordo com o texto do professor Gadotti, Cristo com “seus ensinamentos” que “ligavam-se essencialmente à vida” torna-se o “grande educador” e estabelecia, através dos pensadores medievais, uma pedagogia mais concreta a partir de suas parábolas. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino concretizam essa realização pedagógica medieval em diferentes períodos e de distintas formas.
No campo de combates que se estrutura nessa fase da história, há alguns quilômetros de distância, separados pelo Mar Mediterrâneo, os árabes também consolidam sua história e educação. Há um pequeno espaço dedicado a eles no texto de Gadotti, ressaltando-se a importância do trabalho de sábios mulçumanos como Ibn Sina, Al-Biruni e Averróis.
“Chegará o dia – e talvez este já seja uma realidade – em que as crianças aprenderão muito mais e com maior rapidez em contato com o mundo exterior do que no recinto da escola. ‘Porque retornar à escola e deter minha educação?’, pergunta-se o jovem que interrompeu prematuramente seus estudos. A pergunta é arrogante, mas acerta no alvo: o meio urbano poderoso explode de energia e de uma massa de informações diversas, insistentes, irreversíveis...” (Herbert McLuhan)
Nos períodos que se seguem abre-se espaço para a produção cultural e educacional européia do Renascimento e do Iluminismo. São períodos vivificados pela presença de grandes expoentes das artes, literatura, filosofia e ciência. De suas obras resplandecem não apenas temáticas específicas como se poderia a princípio pensar, se nos pautamos nos nossos próprios exemplos dos séculos XX e XXI, tão centrados e especializados.
A modernidade consolida a lógica através de pensadores como Montaigne, Spinoza ou Descartes. A objetividade transcende também a partir das reformas religiosas evocadas pela contestação aos rigores do catolicismo e dão espaço para o avanço do luteranismo. No combate a essas tendências renovadoras da religião, a Igreja Católica funda a Companhia de Jesus que, por sua vez, institucionaliza a Ratio Studiorum, método e base filosófica que influirá de forma contundente a educação no Novo Mundo, inclusive em terras brasileiras.
Esse delicioso passeio pelo pensamento pedagógico deixa para o final, seguindo a cronologia, as mais contundentes e valiosas contribuições específicas para a pedagogia ao apresentar excertos e biografias de pensadores do mundo contemporâneo. Começando com a clássica colaboração de Rousseau e sua obra devotada a educação, “O Emílio”, passando pelos expoentes do pensamento positivista como Durkheim, recordando os sábios socialistas da educação como Gramsci e chegando ao século XX e suas várias correntes de pensamento pedagógico.
“Não basta saber ler mecanicamente que ‘Eva viu a uva’. É necessário compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir uvas e quem lucra com esse trabalho. Os defensores da neutralidade da alfabetização não mentem quando dizem que a clarificação da realidade simultaneamente com a educação é um ato político. Falseiam, porém, quando negam o mesmo caráter político à ocultação que fazem da realidade”. (Paulo Freire)
O século XX merece especial destaque na obra História das Idéias Pedagógicas justamente por abrigar o maior contingente de referências que possuímos. Jean Piaget, John Dewey, Lev Vygotsky, Celestin Freinet, Carl Rogers, Maria Montessori, Emília Ferreiro, Herbert McLuhan e outros estudiosos da educação ganham destaque e relevância ao lado dos educadores brasileiros que através de seus estudos e trabalhos permitiram a evolução do pensamento pedagógico brasileiro, casos de Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Demerval Saviani ou Rubem Alves.
Obra de grande importância e necessidade para quem pretende entender um pouco melhor a educação e seus processos, História das Idéias Pedagógicas introduz e esclarece seus leitores e deve tornar-se livro de cabeceira para muitos estudiosos que necessitam conhecer esse fabuloso universo da educação.
Fonte:http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=456
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