Tantra, Sexualidade e Espiritualidade
Tantra, Sexualidade e Espiritualidade
Em minhas aulas freqüentemente recebo alunos com um olhar desconfiado, querendo saber que tipo exatamente de yoga eu ensino. Muitas das vezes sua desconfiança vem associada com informações recebidas pela mídia ou de pesquisas feitas na internet com a palavra “tantra”. O retorno de tais pesquisas é uma enxurrada de informações, em sua maioria ligadas ao que uma linha de praticantes do ocidente chama de “neo-tantrismo” e que prometem a liberação do prazer sexual através de várias técnicas orientais, algumas vezes com orientações e fotos bastante explícitas. Isto causa uma grande confusão na cabeça das pessoas e dá um grande trabalho tentar esclarecer do que realmente se está falando. Há uma enxurrada de equívocos sobre o que seja o tantrismo e eu gostaria de dar alguns esclarecimentos básicos sobre essa filosofia, que estarão longe de esgotar toda sua complexidade e riqueza, mas que são extremamente necessários e fundamentais para entendermos um pouco sobre essa fascinante filosofia ou ‘tecnologia psico-espiritual’, conforme prefere definir o pesquisador George Feuerstein.Em primeiro lugar, o termo “neo-tantrismo” é um equívoco típico da prepotência ocidental, pois pressupõe que se pode criar algo melhor do que o que foi ensinado e aperfeiçoado durante milhares de anos em sua cultura original, na Índia. Em última instância, não existe o que chamamos de neo-tantrismo, ou pelo menos este neo-tantrismo não tem nada a ver com o tantrismo original. A não ser pela reprodução equivocada de algumas técnicas relativas à relação sexual, sem nenhuma filosofia ou objetivo definido. O grande atrativo que o dito “tantra do sexo” ocasiona nas mentes ocidentais decorre do fato da sexualidade não ser encarada como algo natural. A nossa aparente liberalidade sexual esconde uma sociedade que não consegue viver sua sexualidade de forma saudável.Então, dito o que não é o Tantra, vamos tentar esclarecer, do começo, o que é o Tantra.O Tantra, falando de forma bastante simples, é uma filosofia que surgiu na Índia há cerca de 5.000 anos (isso numa estimativa modesta), embora sua sistematização tenha ocorrido apenas a partir do séc. V de nossa era. É uma filosofia não-dual, que preconiza que em última instância há apenas a Unidade, coincindindo com a visão não dualista do Vedanta. Tendo como símbolo dessa Unidade a deidade conhecida como Shiva. Shiva representa a consciência sem forma que se manifesta no mundo na forma de Shakti (a criação, de princípio feminino) e assim cria o mundo manifesto. Shiva e Shakti, masculino e feminino integram-se e formam tudo o que existe. O objetivo da prática tântrica é fazer com que o indivíduo possa perceber que ele já é e sempre foi essa unidade. A tal felicidade que tanto buscamos já está aqui. Não há o que buscar, apenas há que reconhecer esta realidade.Ou seja, quando conseguimos integrar o masculino – Shiva, com o feminino – Shakti, atingimos essa percepção. No caminho para atingir essa integração é que o tantra se desdobra em duas linhas diferentes, o dakshina marga e o vama marga, a via da mão direita e a via da mão esquerda, respectivamente. Embora ambos os caminhos tenham a mesma filosofia de base, diferem na maneira como seguem esse caminho.
No Dakshina Tantra entende-se que, tanto o homem como a mulher possuem os princípios masculino(Shiva) e feminino(Shakti) e são preconizadas várias práticas que buscam integrar esses dois princípios em cada ser individual.
Já no Vama Tantra há o entendimento que a energia masculina (Shiva) encontra-se principalmente no homem e a energia feminina encontra-se na mulher. Então, nesse caso, só há uma maneira de integrá-las: unindo homem e mulher através do ato sexual ritualizado, chamado de maithuna. Mas a coisa não é tão simples assim. Ambas as filosofias compartilham grande parte de suas técnicas. Como o Dakshina Tantra já é conhecido bastante de muitos de nós, vamos nos concentrar no estudo do Vama Tantra, que causa tanta polêmica e dúvidas em todos.Conforme Swami Satyananda Saraswati, um grande mestre tântrico moderno afirma:
“no Tantra, a prática de Maithuna(1) é usualmente citada como sendo a forma mais simples de despertar a Sushumna nadi(2), uma vez que ela recomenda uma prática (a relação sexual) com a qual a maioria das pessoas já estão acostumadas. Entretanto, francamente falando, muito poucos estão preparados para esse caminho. A relação sexual comum não é maithuna. O ato físico pode ser o mesmo, mas a estrutura que o antecede é totalmente diferente.”
Ao contrário do que possa parecer, ou do que é divulgado pela corrente “neo-tântrica”, o prazer físico não é o objetivo do vama tantra, nem mesmo é pré-requisito para o seu objetivo. Um dos objetivos principais do treinamento tântrico é o controle da ejaculação tanto no homem quanto na mulher. Voltemos às palavras de Swami Satyananda:
“Outra coisa difícil no sadhana(3) tântrico é o cultivo da atitude de indiferença. A pessoa tem de virtualmente tornar-se um brahmacharya(4) para poder libertar a mente e as emoções dos pensamentos sexuais e paixões que normalmente surgem nesse momento. Ambos os parceiros devem estar absolutamente purificados e internamente controlados antes de praticar o maithuna. Isso é muito difícil de compreender para a pessoa comum, uma vez que para a maioria, a relação sexual é o resultado da paixão e da atração física ou emocional, tanto para a reprodução quanto para o prazer. Somente quando você está totalmente purificado é que essas prioridades instintivas estarão ausentes. Conforme a tradição, o dakshina marga deve ser praticado por muitos anos antes que se possa entrar no caminho do vama marga. Só então a relação do maithuna não ocorrerá para a gratificação física. O propósito é muito claro – despertar a sushumna , liberando a energia da kundalini do muladhara chakra, e expandindo as áreas inconscientes do cérebro.”
Mesmo na Índia, hoje em dia é difícil de encontrar mestres confiáveis nessa prática, que exige uma grande capacidade e força de vontade do buscador. Na verdade não conheço nenhuma referência de algum mestre nessa técnica nos dias atuais. Então, todos os pseudo-gurus que dizem poder ensinar o Tantra no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa, na verdade não estão ensinando o Tantra, mas sim técnicas isoladas para aumentar o prazer na relação sexual (nada contra!), que algumas vezes são de origem tântrica até, mas que encontram-se totalmente descontextualizadas e não podem ser chamadas de Tantra, uma vez que não compartilham com sua filosofia. Terminamos citando mais uma vez o mestre Satyananda:
“Caso você não tenha adquirido essa prática, você não estará apto a controlar a paixão e excitação porque você não tranquilizou seu cérebro. Esse caminho não é para ser usado indiscriminadamente como um pretexto para a auto-indulgência sexual. Ele é dirigido para sadakhas5 sérios e praticantes maduros, que estão evoluídos e que vêm praticando o sadhana para despertar a energia potencial e atingir o samadhi6. Esse caminho deve ser considerado como um veículo para o despertar, caso contrário ele poderá tornar-se um caminho para a queda no abismo.”
Baseado em texto de Swami Satyananda Saraswati (Kundalini Tantra – Yoga Publicatiosn Trust), por Ricardo Coelho
Notas de rodapé:
1 – Maithuna: relação sexual ritualizada.
2 – Sushumna nadi: canal central que corre na coluna vertebral, por onde deverá ascender a kundalini.
3 – Sadhana: caminho
4 – Brahmacharya: retirante, monge
5 – Sadaka: aquele que pratica o sadhana, buscador.
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