quarta-feira, 8 de novembro de 2023

SOBRE O TOQUE RETAL E O CÂNCER NA PRÓSTATA (recomendo que leia até o final)

Recentemente, andou rolando nas redes sociais um vídeo de um ator “famoso” tratando de modo piadístico o exame de toque retal para detecção de câncer na próstata. É, atores agora são “conselheiros médicos”, assim como jornalistas, influenciadores digitais leigos e toda sorte de subcelebridade na Internet. Todo mundo se tornou “médico”, todo mundo “sabe” oferecer conselhos de diagnóstico e orientações de tratamento altamente atualizadas e embasadas... De qualquer forma, antes que você se deixe levar pelas gracinhas do Rei do Gado, alguns dados científicos devem ser reconhecidos: O câncer na próstata é o segundo tipo mais comum de câncer em todo o mundo, sendo considerado a 5ª causa mais comum de morte entre homens. No Brasil, segundo o INCA, mais de 60 mil novos casos de câncer na próstata ocorreram em 2022, sendo que apenas em 2020 foram registrados mais de 15 mil óbitos pela doença. Por causa desse fardo, a campanha Novembro Azul – para detecção precoce do câncer na próstata – foi criada em 2003, na Austrália. A moda desembarcou no Brasil em 2011. (1, 2, 3) Quando eu ainda era um estudante medicina, lá no começo da década de 1990, o exame de toque retal era considerado mandatório na investigação de câncer prostático em homens. Já se passaram mais de 30 anos e as coisa mudaram bastante. Quem por acaso era adulto na década de 1990 sabe disso: as coisas mudaram. E como mudaram! No final da década de 1980, o exame de PSA já estava sendo amplamente adotado nos EUA para detectar precocemente o câncer na próstata, uma vez que o exame de toque retal não era considerado a melhor ferramenta para isso. Nos últimos 20 anos, vários estudos confirmaram a ineficácia do toque retal para esta finalidade: Em 2003, pesquisadores americanos realizaram uma metanálise para comparar o exame de toque retal com a dosagem de PSA para detecção precoce de câncer na próstata. Aproximadamente 1 de cada 4 pacientes com níveis alterados de PSA apresentavam de fato câncer prostático em estágio inicial. Em comparação, apenas 1 de cada 10 pacientes com alterações no toque retal apresentavam de fato câncer prostático em estágio inicial. (4) Em 2005, pesquisadores do Departamento de Urologia do Hospital de Leighton, no Reino Unido, avaliaram centenas de homens com níveis de PSA entre 2,5 e 10 ng/mL e observaram que menos da metade daqueles com algum tipo de alteração ao exame de toque retal de fato apresentavam câncer na próstata. Os cientistas concluíram que, dada a baixa acurácia, o exame de toque retal não deveria mais ser utilizado como uma ferramenta para detecção precoce do câncer na próstata. (5) Em 2017, um estudo multicêntrico envolvendo mais de 6 mil pacientes avaliados para câncer prostático mostrou que mais de 80% daqueles que possuíam níveis elevados de PSA apresentavam câncer na próstata, significando que a dosagem dos níveis de PSA apresentava quase o dobro da capacidade do exame de toque retal em detectar aquelas mesmas lesões. (6) Em 2018, pesquisadores do Canadá e do Reino Unido realizaram uma revisão sistemática de estudos publicados envolvendo um total de mais de 9 mil pacientes investigados para câncer prostático. Os cientistas concluíram que o exame de toque retal de rotina não era uma ferramenta eficaz para detecção precoce do câncer na próstata. (7) Finalmente, em 2021, um estudo randomizado realizado por pesquisadores finlandeses concluiu que não faz sentido realizar o exame de toque retal para detecção de câncer prostático em homens com PSA abaixo de 3,9 ng/mL ou uma relação PSA total / PSA livre acima de 20%. Homens com uma relação PSA total / PSA livre abaixo de 20% devem ser avaliados com biópsia prostática, não com exame de toque retal, uma vez que 25% desses casos apresentam câncer na próstata. (8) Vale salientar que o “exame preventivo” da próstata não EVITA o câncer: este é um exame de DETECÇÃO PRECOCE, não exatamente um “exame de prevenção” – ainda que brincar com as palavras seja uma ferramenta de propaganda estatal eficaz e uma prática de populismo barato bastante conveniente em um país com QI médio de 83 e quase 30% de adultos analfabetos funcionais. Em termos de políticas públicas de saúde para detecção precoce do câncer prostático, a dosagem dos níveis de PSA total e livre no sangue é uma ferramenta BEM MELHOR que o exame de toque retal – ainda que não existam dados sólidos e irrefutáveis mostrando que a dosagem dos níveis de PSA seja capaz de reduzir de modo significativo o numero de mortes por câncer na próstata no longo prazo. Mesmo assim, já está hora de debatermos com todas as letras E SEM PIADAS a inutilidade do toque retal como uma ferramenta de screening em massa para neoplasias prostáticas. ___ REFERÊNCIAS: 1. ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/P 2. gov.br/saude/pt-br/as 3. bvsms.saude.gov.br/mes-de-conscie 4. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12665174/ 5. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15839915/ 6. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29061540/ 7. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29531107/ 8. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34409927

Alessandro Loiola M@AlessandroLoio2
Empresário, escritor, médico. CRMSP 142346. Contato: api.whatsapp.com/send?phone=556


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