quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Carta de uma estudante Com resposta e um Post scriptum de Olavo de Carvalho 25 de junho de 1999 Sr. Olavo de Carvalho,




Meu nome é N., tenho 19 anos, curso o segundo ano de jornalismo. Acabo de ler seu artigo, “Patifarias”, no JT de hoje, 5 de agosto. Confesso que fiquei muito intrigada com algumas afirmações suas e gostaria de saber exatamente de que se trata. Que relações existem entre índios e estrangeiros? Eu realmente ignoro qualquer informação sobre o assunto e é algo que me preocupa. O que você quis dizer com: “está sendo levado ao comunismo (…)”, ao referir-se a uma aliança entre FHC e a esquerda?

Infelizmente, sou obrigada a reconhecer que a nossa imprensa está “tomada”, por assim dizer, por pensamentos antiquados e esquerdistas que a impedem de exercer sua função com a transparência que seria devida. Noto isso dentro da própria Faculdade, motivo de algum desencanto meu, em que somente os pensadores com alguma inclinação esquerdista são valorizados. Discute-se muito Karl Marx e dá-se pouca – ou nenhuma – importância a alguém que discorde dele, em qualquer aspecto que seja. Todos – professores, alunos e, se bobear, até os porteiros – dizem as mesmas coisas, têm as mesma opiniões… Chega a ser entediante. Os ricos são sempre os vilões e os pobres, coitadinhos. Não estou fazendo apologia da usura, da ganância, das desigualdes sociais gritantes. Apenas acredito que essa visão simplista é patética, beirando o absurdo.

Aproveito para parabenizá-lo pela coragem de ser uma voz dissonante no lamaçal de unanimidade estúpida. Li seu livro,O Imbecil Coletivo, e embora discordasse de alguns de seus argumentos e não tivesse exatamente as mesmas convicções, não posso deixar de congratulá-lo pelo serviço essencial de enxergar além daquilo que Karl Marx disse.

Gostaria, sinceramente, de uma resposta para as inquietações que você acaba de causar com seu artigo. Agradeço a atenção,

N.

Resposta de Olavo de Carvalho

Prezada amiga,

Muito obrigado pela sua atenção aos meus escritos e pelas palavras gentis com que se refere a eles. Quanto ao assunto dos índios, ligue para a Biblioteca do Exército (021 519-5707, 516-2366) e peça um exemplar do livro “A Farsa Yanomami”. É um depoimento escrito por um major do Exército, ex-secretário de Segurança de Roraima, quando estava para morrer de câncer, e tem o peso das palavras dos moribundos. Esse livro lhe dará uma idéia de coisas abismantes que se passam dentro do território nacional com a cumplicidade do governo e da imprensa. O único jornalista que se atraveu a tocar no assunto, Janer Cristaldo, foi posto na lista negra e não há mais lugar para ele na imprensa de São Paulo.

Só para lhe dar uma idéia, o mapa da reserva indígena de Roraima coincide exatamente com a das mais ricas reservas minerais do país. Para ocupá-la, uma ONG inglesa inventou uma tribo (nunca existiram ianomâmis), reunindo 5.000 índios dispersos e convencendo o governo de que, para morar, eles necessitavam de um território do tamanho do Estado do Pará. A reserva foi delimitada e hoje lá é proibida a entrada de brasileiros. Leia o livro.

Quanto ao comunismo, o ex-secretário de Estado norte-americano Warren Christopher foi bastante enfático ao anunciar que qualquer governo de esquerda que chegasse ao poder pelo voto seria garantido pelas Forças Armadas dos EUA. A política americana com relação ao comunismo mudou muito desde os tempos de Ronald Reagan. Sem compreender isto, nada se compreenderá do que acontece no Brasil. Clinton, que na juventude viveu em Moscou num daqueles programas para estudantes, montados pelo Partido Comunista para cooptar colaboradores e espiões, foi eleito Presidente com o apoio do Partido Comunista e logo nomeou a China “Parceiro Preferencial” para investimentos dos EUA, desobrigando-a de qualquer cláusula referente a direitos humanos(uma moleza que nunca se deu a nenhum país do mundo). O principal sócio dos investimentos americanos na China é o Exército chinês, de modo que, quanto mais dinheiro os americanos ganham lá, mais aumenta o poderio militar dos chineses. Recentemente, foi descoberto um caso de espionagem nuclear chinesa no Laboratório de Los Alamos, e a Casa Branca fez tudo para bloquear as investigações. Após alguns anos de experiência em “negócios da China”, o governo americano agora declara abertamente que é indiferente ao regime das nações com que comercia, e que qualquer país da América Latina, por exemplo, que se torne comunista, continuará sendo bem tratado pelos EUA desde que preserve os investimentos norte-americanos. O que a experiência chinesa ensinou aos americanos é que um governo comunista é o melhor parceiro dos investimentos estrangeiros, porque, numa sociedade policial, há mão de obra barata, sem greves nem arruaças, e no mercado não há concorrência. O paraíso, em suma. Para garantir as boas relações com a China, o governo norte-americano chegou a pressionar os estúdios de Hollywood que tinham feito filmes como “Sete Anos no Tibete”, “Kundun” e “Justiça Vermelha” (que denunciavam atrocidades chinesas no Tibete: um milhão de mortos), para que tirassem logo os filmes de cartaz. “Kundun” de Martin Scorsese, ficou em exibição no Brasil menos de uma semana. Paul Eisner, o novo chefão da Disney e homem de Clinton, admitiu ter boicotado “Sete Anos no Tibete” para agradar aos chineses. A coisa foi muito criticada na Câmara e Clinton disse que ia rever suas decisões, mas substancialmente a política pró-chinesa não mudou nada.

Com o que aprenderam na experiência chinesa, os americanos mudaram sua política para a América Latina e passaram a dar dinheiro e apoio a movimentos esquerdistas – todos, é claro, devidamente compromissados a, uma vez no poder, ser bonzinhos para com os investimentos estrangeiros. Um acordo nesse sentido foi sacramentado pelo secretário de Estado Christopher numa reunião com FHC e Lula (lembra-se de que Lula voltou dos EUA falando bem dos investimentos americanos, rompendo uma tradição de cinqüenta anos da esquerda brasileira sem que ninguém na esquerda protestasse?). A ascensão das esquerdas nos últimos anos é inteiramente devida à ajuda norte-americana. A Inglaterra dá uma ajudinha também.

A nova política neoliberal imposta aos países do Leste Europeu exige que cada país que entre na comunidade econômica mundial implante imediatamente em seu território um conjunto de novas leis (veja o depoimento do ministro Andrei Pleshu na minha homepage). No campo social, as principais leis são: desarmanento dos civis, legalização do aborto, casamentos gays, quotas raciais – quase todo o programa da nossa esquerda. O governo e a oposição esquerdista obedecem igualmente as imposições da nova ordem neoliberal e divergem somente no que diz respeito às privatizações, um item que é absolutamente irrelevante do ponto de vista do capital estrangeiro, pois nesse campo nenhuma decisão é jamais definitiva, pois, por definição, o que é estatizado hoje pode ser privatizado amanhã e vice-versa.

Quanto ao MST, com uma das mãos recebe dinheiro do Exterior e com a outra vai atacando e desmantelando a estrutura agrária brasileira até o ponto em que as fazendas se tornam inviáveis e têm de ser vendidas a firmas estrangeiras. Você já notou que nenhuma propriedade americana foi invadida até hoje pelo MST?

Vou parar por aqui, porque estou cansado e tenho de ir dormir. Mas acho que já dá para você fazer uma idéia de quanto o nosso país está cercado e amarrado, e de quanto a esquerda, junto com o governo, é responsável por isso.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

Post scriptum

7 de agosto de 1999

Nossa esquerda procura dar ao povo a impressão falsa de que neoliberalismo consiste em privatizações, de que combatendo privatizações ela está combatendo a Nova Ordem Mundial e sendo muito nacionalista. Conversa mole. As privatizações são um item secundário dentro da Nova Ordem Mundial, cujas diretrizes, no essencial, os esquerdistas obedecem fielmente, uns por safadeza, a maioria sem saber a quem serve.

Quanto aos nossos nacionalistas, quase todos estão no caminho errado. Uns procuram se aliar com a esquerda, que se aproveita deles para atrair sobre si o prestígio histórico do discurso nacionalista. Outros estão com tanta raiva de FHC que chegam a imaginar que, derrubado o presidente, a Nova Ordem Mundial estará vencida e o Brasil erguerá a cabeça. Outros, ainda, recebem o seu discurso nacionalista pronto de organizações estrangeiras que se fingem de inimigas da Nova Ordem Mundial. Santa Mãe de Deus! Só mesmo um brasileiro pode ser tonto o bastante para acreditar num nacionalismo importado.

Toda a política brasileira, no momento, é farsa e engano. Não pode haver uma política sã quando a vida intelectual de um país está podre. Os intelectuais têm a obrigação de tentar enxergar claro e de informar ao país o que realmente está acontecendo. Em vez disso, deixam-se tomar por paixões políticas estereotipadas. Ninguém pode se instalar na realidade de hoje ao mesmo tempo que, na imaginação, ainda está vivendo uma história de trinta anos atrás. Quando ouço os discursos da esquerda, sinto que estou assistindo a um filme sobre 1968, um ano que de fato, para essa gente, não terminou. Um trauma, dizia o meu amigo Juan Alfredo César Müller, paralisa o tempo e faz você viver no passado. Nossa esquerda ainda está lutando contra os militares, enquanto a Nova Ordem Mundial já a engoliu e já a subjugou a seus interesses sem que ela o perceba. Nacionalistas, liberais, esquerdistas estão todos dormindo, hipnotizados, com a cabeça no mundo da Lua. Só quem não está dormindo são os representantes locais da Nova Ordem Mundial, que estão muito bem distribuídos, sem dar na vista, entre os partidários dessas três correntes.

A tragédia brasileira é que o nosso país ainda tem um sonho a realizar e está lutando para se afirmar como nação numa época em que tudo vai contra isso. Nossa chance é pequena e temos de usar a cabeça, senão seremos esmagados entre as tenazes da Nova Ordem Mundial. O maior perigo é a divisão do nosso país entre forças políticas — estatizantes versus privatizantes, MST versus FHC, negros versus brancos — cujo confronto foi planejado pelos senhores da Nova Ordem para produzir, pela técnica do “gerenciamento de conflitos”, os mesmos resultados independentemente de quem seja o vencedor nominal da parada. Esse resultado chama-se: dissolução do poder nacional.

Nossa única esperança é um revigoramento da vida intelectual, pelo qual possamos enfrentar os tremendos think tanksmontados pela Nova Ordem Mundial para nos dirigir. A luta, hoje, é pelo domínio do conhecimento. Quem não entender o que se passa será submergido pela complexidade dos tempos que se aproximam.


 

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