No texto anterior – As diferentes vertentes da Psicologia do Desenvolvimento – pontuamos algumas ideias importantes para abordarmos especificamente alguns teóricos que falam sobre o desenvolvimento humano. Entre eles, dois ganham destaque especial: Piaget e Vygotsky.
A proposta é apresentar rapidamente o pensamento de cada um para, em seguida, aproximar as duas teorias de forma que uma complemente a outra, oferecendo-nos um horizonte mais amplo de compreensão acerca do tema.
Iniciando com Vygotsky, o que destaco de seu pensamento é o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal”. Refere-se ao âmbito de transição entre aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha e aquilo que ela é pode fazer com auxilio de outra pessoa.
Explicitando melhor o que foi dito, podemos imaginar um círculo verde dentro de um círculo azul maior.
O círculo verde corresponde ao Desenvolvimento Real de cada criança, ou seja, todas as habilidades e comportamentos adquiridos até determinado momento de sua vida, tudo aquilo que ela já consegue fazer sozinha. Por exemplo, uma criança de um ano já consegue falar em torno de cinco palavras atribuindo seus reais significados, e balbucia ou imita outras tantas, em um movimento praticamente mecânico.
O perímetro do círculo azul corresponde ao Desenvolvimento Potencial, ou seja, tudo aquilo que a criança pode fazer, mas ainda precisando de ajuda. Por exemplo, a criança que repete uma palavra, sem ainda compreender seu significado, pois está sendo estimulado por um adulto que lhe apresenta o mundo.
E a área do círculo azul, exceto o círculo verde (que se encontra em seu interior), representa a Zona de Desenvolvimento Proximal, que significa a passagem entre o desenvolvimento potencial para o desenvolvimento real. Portanto, na medida em que a criança vai aprendendo o novo, esse novo passa a compor o círculo verde – daquilo que ela consegue fazer sozinha.
Nesse contexto, podemos perceber a ênfase dada por Vygotsky ao social, pois a aprendizagem dependerá dos estímulos e acompanhamento que o indivíduo recebe do meio em que vive.
E o que Piaget fala sobre o desenvolvimento?
Ele se interessava pela maneira como as pessoas adquiriam conhecimento. Portanto ele partiu da Epistemologia (ciência do conhecimento) e foi caminhando em direção à Psicologia, que na época tinha como foco o estudo dos testes de inteligência (QI). Entrando em contato com esses estudos ele percebeu que não se interessava tanto com os resultados (que era o que propunham os testes psicológicos), e sim com o processo. Em seus estudos com os testes ele concluiu que os resultados obtidos a partir dos mesmos não abarcavam a capacidade do indivíduo de forma real. É nesse momento que ele abandona seu interesse em relação à Epistemologia e direciona-se ao estudo do desenvolvimento do pensamento do homem enquanto processo.
Ele começa dizendo que o homem é um ser ativo, que pensa possibilidades sobre o que não conhece. Esse homem é dotado de ações voluntárias, exercendo suas escolhas frente ao mundo, mas também possui estratégias inatas (reflexos) que contribuem de forma decisiva em seu processo de aprendizagem. Perceba que estamos falando de uma perspectiva interacionista (ambiente + biológico).
Para Piaget, o papel do social é fornecer ao indivíduo estímulos que desencadeiem aquisição de novas aprendizagens, sempre a partir de uma estrutura inata que sustente esse novo comportamento. Para isso, o estímulo deve ser categorizado como novo, ou seja, que tenha a característica de chamar a atenção do indivíduo e provoque nele uma reação. Mas atenção: nem todo novo é estimulante. O novo é algo que eu não tenho ainda, mas quero ter. quando o novo apresentado não tem um vínculo com a realidade, ele não será estimulante, e entra na categoria “Novíssimo”. Por exemplo: apresentar um brinquedo de encaixe, todo colorido, que emita sons, para uma criança de dois anos pode ser estimulante (estímulo classificado como novo), mas oferecer a essa mesma criança um quebra-cabeça de mil peças, de uma paisagem da natureza (peças muito pequenas e parecidas), não será nada estimulante, o que não significa que em uma idade futura essa mesma criança não se interesse pelo quebra-cabeça (aqui, a categoria do estímulo é novíssimo).
Quando um estímulo novo se apresenta, a criança estará diante de um desafio e reagirá mediante uma dada sensação. Geralmente essa sensação refere-se à dúvida, estranheza, desconforto. Aqui, teremos um desequilíbrio, uma instabilidade. Instalado o desequilíbrio, por um processo natural, a criança busca o equilíbrio.
Vamos inserir o olhar de Vygotsky nesse momento da seguinte maneira: um adulto pode atuar na zona de desenvolvimento proximal de uma criança, fazendo com que ela dê um passo em seu desenvolvimento desafiando-a com um estímulo novo. Esse estímulo irá desencadear o processo de desequilíbrio, compelindo à busca de uma nova equilibração, que se dá a partir da internalização do novo à esfera das coisas que a criança é capaz de fazer sem auxílio (desenvolvimento real).
E como a criança sai da situação de desiquilíbrio para o equilíbrio?
É aqui que Piaget defende a ideia do aparelho cognitivo tendo como função promover a adaptação da criança ao meio. No senso comum, adaptação está ligada à ideia de ajuste, amoldamento. Mas não é assim que pensa Piaget. Para ele, é o meio que tem que se ajustar ao indivíduo e o indivíduo sujeitar-se ao meio. E a interação “indivíduo-meio” pressupõe uma negociação. Porém, todos têm coisas que não são negociáveis, e é justamente por isso que é tão importante nos conhecermos. Quanto menos uma pessoa se conhece, mais ela se submete ao meio.
Então, se o estímulo é um desafio suficiente, a adaptação acontece, ou seja, uma tentativa de acordo. Quando a submissão ocorre, o que prevalece é a lógica social, a “lei do mais forte”. Para Piaget, há apenas uma maneira de construir conhecimento: através do processo de adaptação feito por acordos entre indivíduo e meio.
A adaptação ocorre através de dois processos: assimilação e acomodação.
Assimilação é absorver, entender algo. Na verdade, é mais do que entender, é incorporar, ter disponível para uso; e acomodação é a busca pela melhor resposta, por isso, para entendermos o processo de aprendizagem, o importante é saber como essa melhor resposta é adquirida. Disso, podemos concluir que a aprendizagem se dá no processo de assimilação e acomodação. Processo é algo contínuo, que se faz o tempo todo – quando encontramos a melhor resposta (acomodação), logo nos deparamos com uma nova pergunta (assimilação). Primeiro ocorre uma assimilação, depois a acomodação e em seguida uma nova assimilação…
Portanto, toda aprendizagem nova deva estar ancorada em algum ponto já aprendido anteriormente dentro da construção do conhecimento. Nesse sentido, o berço do conhecimento é a ação reflexa. Aqui Piaget introduz sua ênfase no biológico, pois as ações reflexas nada mais são do que o aparato biológico inato com que nasce o indivíduo que começa a interagir com o meio.
Juntamente com o processo de adaptação (assimilação + acomodação) acontece outro que Piaget denomina “organização”, que colocará todo aprendizado em uma ordem, dando forma à estrutura cognitiva do indivíduo. É justamente dessa compreensão que surgem as etapas (ou estágios) do desenvolvimento cognitivo, propostas por Piaget. É o que veremos agora.
O primeiro estágio: Período Sensório-Motor (0 a 2 anos)
Como já foi dito, Piaget parte das ações reflexas (inatas) para entender o desenvolvimento cognitivo. Portanto, é perfeitamente compreensível que o primeiro estágio desse desenvolvimento esteja assentado sobre as ações reflexas.
E por que o nome “sensório-motor”? Sensório refere-se aos órgãos dos sentidos, ou seja, como a criança capta a informação oferecida pelo mundo. E motor devido à observação do comportamento da própria criança que responde aos estímulos através do movimento e não ainda com respostas elaboradas racionalmente, como no caso de um adulto.
Portanto, nesse momento a criança capta o mundo pelos sentidos e responde através dos movimentos. E ele está subdividido em seis estágios, pois esse é um período de muitas mudanças, a saber:
1º Ações reflexas: o movimento de sucção, o choro são exemplos;
2º Reações circulares com o próprio corpo: a criança se movimenta, descobre suas mãos, pés, sente prazer nessas descobertas e assim elas vão sendo autoalimentadas. A criança descobre que aprender pode ser gostoso, ela volta a fazer a mesma coisa – por isso ‘reações circulares’. Quando ela volta a fazer algo que lhe foi prazeroso, ela está formando hábitos. Essas reações se dão no limite de espaço com ela ocupa, por isso, quanto mais livre ela estiver, mais fácil será seu desenvolvimento. Nada de deixar a criança enrolada em mantinhas, com os braços e pernas tão presas que torna impossível qualquer tipo de movimento!
3º Reações circulares com o meio: nesse momento, a criança passa a reagir diante dos estímulos oferecidos pelo meio e reconhece as pessoas mais próximas. É importante que a criança esteja em contato com objetos de formas e cores estimulantes.
4º Combina estratégias para atingir objetivos: a criança começa a buscar objetos, começa a se locomover em relação aos estímulos oferecidos. Atenção, ela não precisa estar sentada para começar a fazer isso, ela pode explorar seu meio e interagir com os estímulos deitada em seu berço, mesmo antes de adquirir a posição sentada.
5º Experimentação: é quando a criança começa a andar. Ela deve ter objetos longe de seu alcance para que possa busca-los. Ela deve ser sempre estimulada, otimizando assim as suas capacidades. Muitas vezes encontramos pais, preocupados com a integridade da criança, que tiram todos os objetos de seu caminho, mas isso não é o mais indicado. Claro, deve-se ter cuidado com que tipo de objeto a criança irá interagir, mas deixar o espaço “livre” pode não ser uma estratégia muito adequada! Nesse estágio, a criança tem a possibilidade de perceber as coisas/objetos através dos sentidos e responder através dos movimentos.
6º Internalização de símbolos: é quando a criança adquire a fala. A fala é a articulação de sons, formando palavras que exigem um significado não só para quem emite como para quem ouve. Desse momento em diante, teremos o desenvolvimento que é especificamente humano. A criança começa a entender os significados das coisas, e mais que isso: começa a atribuir significados.
É com a aquisição da fala que a criança transcende para o próximo estágio. Mas antes de continuarmos quero ressaltar a importância do 2º e 3º estágios para a formação de hábitos, o 4º e o 5º na construção da inteligência prática (criatividade no fazer) e o 6º é importante para a criatividade no pensar.
Segundo estágio: Período Pré-Operacional (2 a 6 anos)
Nesse momento, a criança interage com o meio tendo a intenção de muda-lo para si mesma. Sua inteligência é subjetiva, ela não pensa sob o ponto de vista do outro, portanto, é um momento de egocentrismo. Não podemos dizer que nessa idade as crianças brincam em grupos, pois o grupo pressupõe o reconhecimento do outro. O que existirá é o agrupamento de crianças, cada uma brincando no seu próprio espaço.
A subjetividade da criança está marcada por três tipos de atividades mentais:
Artificialismo: pensa que o mundo foi feito para ela, como se não houvesse nada que aconteça naturalmente, independente de sua existência.
Animismo: ela atribui significados e vida aos objetos inanimados.
Finalismo: ela exercita um domínio no ambiente com sua fala. Uma forma comum desse domínio é a pergunta recorrente que as crianças fazem: “por que?”. Perguntando, a criança está exercitando uma manipulação do ambiente, não em sentido pejorativo, mas de forma que ela possa buscar suas respostas, diante do novo. É importante que os adultos respondam aos “por ques”, justamente para incentivar a curiosidade, que é uma característica marcante do mundo infantil.
Ressaltando a tonalidade mais forte dessa fase temos o modo egocêntrico da criança pensar – o mundo gira em torno dela, o que acontece com ela, necessariamente acontece com todo mundo. Se ela já está na escolinha, pela sua lógica, a amiguinha da casa ao lado também vai para escolinha no mesmo horário que ela (mesmo que isso não corresponda à realidade). A passagem para o próximo período se dá quando ela começa a descobrir o ponto de vista do outro, conquistando assim a objetividade mais ligada a questões concretas.
Terceiro estágio: Período das Operações Concretas (dos 6 aos 12 anos)
Nesse momento, a criança descobre que o mundo não gira ao redor dela, mas que existem regras que organizam as relações estabelecidas. O adulto deve oferecer situações nas quais as regras sejam bem evidentes para que a criança possa perceber os limites do ambiente físico e social.
E o que significa operações concretas? Em primeiro lugar, operar refere-se a intervir no meio com a intenção de alterá-lo. E concreto é tudo aquilo que pode ser captado pelos sentidos. Ela ainda não pode trabalhar com o que não é conhecido, pois para aprender é preciso partir de uma base já construída em forma de aprendizagens anteriores.
Nesse estágio, a criança apresenta um ganho qualitativo, que é a capacidade de atribuir significados. Então, ela pode pegar uma colher e transformá-la em um avião. Aqui, precisamos considerar sua subjetividade, é um raciocínio chamado de transdutivo, pois não há a preocupação da criança utilizar nomear as coisas dentro de uma realidade comum. O que interessa é a realidade tal qual ela a significa.
O próximo passo é ganhar objetividade, desenvolvendo o raciocínio objetivo, ou seja, a criança transcende do raciocínio transdutivo (particular para particular) para o raciocínio indutivo (do particular para o geral).
No próximo estágio, o das operações formais, a criança que já consegue ter um pensamento objetivo. A objetividade se dá através da construção de dois conceitos, que serão exercitados ainda no período das operações concretas: o da conservação e o da reversibilidade. Vamos falar um pouco sobre eles.
Primeiramente, as crianças percebem as semelhanças entre os objetos e em um segundo momento é capaz de perceber as diferenças. O processo de classificação de semelhanças e diferenças ocorre a partir de duas habilidades:
Conservação (adição): habilidade de identificar o que é semelhante – percebe características habituais, o que é essencial.
Reversibilidade (subtração): identifica o que é diferente, percebe-se o que é detalhe.
Através dessas duas habilidades, ou dito de outra maneira, a partir desse processo de classificação os conceitos serão construídos, e estes são formados por repetição. Por isso, quanto menos a criança vê e é estimulada pelo meio, mais pobre será seu mundo de conceitos.
Passando pelo processo de classificação, desenvolve-se a habilidade de estabelecer relações de inserção de classes, e é justamente aqui que ocorre a transcendência para o Período Operacional Formal.
Quarto estágio: Período Operacional Formal (dos 12 anos em diante)
Aqui o indivíduo já classifica e, portanto, já consegue estabelecer relações de inserção de classes. Quanto maior o domínio da inserção de classes, mais se conhece o mundo, mais amplas as relações se tornam. Isso quer dizer que a partir de ideias mais gerais é possível caminhar para ideias mais particulares. Chamamos esse tipo de raciocínio de dedutivo (do geral para o particular).
Quanto mais familiarizado com conceitos do mundo no qual estou inserida, de forma concreta, mas possibilidades eu tenho de imaginar outras coisas, deduzir, criar hipóteses. Enquanto no período operacional concreto é preciso o fazer para pensar, no operacional formal prescinde-se o fazer, ou seja, eu posso pensar em uma perspectiva futura, sem necessariamente viver aquilo para poder imaginar como pode ser. Simplesmente lanço meu olhar em um horizonte hipotético-dedutivo.
Com essa exposição, percebemos que em cada período há possibilidades e limites a serem experimentados pelo ser humano. Pensando na teoria proposta por Vygotsky, precisamos identificar em cada momento tudo aquilo que a criança pode fazer, sem auxilio, e, identificando a próxima fase (a partir da classificação de Piaget), teremos condições de apresentar o desafio que a faça buscar o novo, aprendendo ainda com ajuda, até que passe essa nova aprendizagem para o rol de coisas que a criança pode fazer sozinha.
Portanto, apresentar o desafio que estimule a criança alcançar o próximo estágio de desenvolvimento, segundo Piaget, é trabalhar no limite da Zona de Desenvolvimento Proximal, como propôs Vygotsky.
No texto anterior – As diferentes vertentes da Psicologia do Desenvolvimento – pontuamos algumas ideias importantes para abordarmos especificamente alguns teóricos que falam sobre o desenvolvimento humano. Entre eles, dois ganham destaque especial: Piaget e Vygotsky.
A proposta é apresentar rapidamente o pensamento de cada um para, em seguida, aproximar as duas teorias de forma que uma complemente a outra, oferecendo-nos um horizonte mais amplo de compreensão acerca do tema.
Iniciando com Vygotsky, o que destaco de seu pensamento é o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal”. Refere-se ao âmbito de transição entre aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha e aquilo que ela é pode fazer com auxilio de outra pessoa.
Explicitando melhor o que foi dito, podemos imaginar um círculo verde dentro de um círculo azul maior.
O círculo verde corresponde ao Desenvolvimento Real de cada criança, ou seja, todas as habilidades e comportamentos adquiridos até determinado momento de sua vida, tudo aquilo que ela já consegue fazer sozinha. Por exemplo, uma criança de um ano já consegue falar em torno de cinco palavras atribuindo seus reais significados, e balbucia ou imita outras tantas, em um movimento praticamente mecânico.
O perímetro do círculo azul corresponde ao Desenvolvimento Potencial, ou seja, tudo aquilo que a criança pode fazer, mas ainda precisando de ajuda. Por exemplo, a criança que repete uma palavra, sem ainda compreender seu significado, pois está sendo estimulado por um adulto que lhe apresenta o mundo.
E a área do círculo azul, exceto o círculo verde (que se encontra em seu interior), representa a Zona de Desenvolvimento Proximal, que significa a passagem entre o desenvolvimento potencial para o desenvolvimento real. Portanto, na medida em que a criança vai aprendendo o novo, esse novo passa a compor o círculo verde – daquilo que ela consegue fazer sozinha.
Nesse contexto, podemos perceber a ênfase dada por Vygotsky ao social, pois a aprendizagem dependerá dos estímulos e acompanhamento que o indivíduo recebe do meio em que vive.
E o que Piaget fala sobre o desenvolvimento?
Ele se interessava pela maneira como as pessoas adquiriam conhecimento. Portanto ele partiu da Epistemologia (ciência do conhecimento) e foi caminhando em direção à Psicologia, que na época tinha como foco o estudo dos testes de inteligência (QI). Entrando em contato com esses estudos ele percebeu que não se interessava tanto com os resultados (que era o que propunham os testes psicológicos), e sim com o processo. Em seus estudos com os testes ele concluiu que os resultados obtidos a partir dos mesmos não abarcavam a capacidade do indivíduo de forma real. É nesse momento que ele abandona seu interesse em relação à Epistemologia e direciona-se ao estudo do desenvolvimento do pensamento do homem enquanto processo.
Ele começa dizendo que o homem é um ser ativo, que pensa possibilidades sobre o que não conhece. Esse homem é dotado de ações voluntárias, exercendo suas escolhas frente ao mundo, mas também possui estratégias inatas (reflexos) que contribuem de forma decisiva em seu processo de aprendizagem. Perceba que estamos falando de uma perspectiva interacionista (ambiente + biológico).
Para Piaget, o papel do social é fornecer ao indivíduo estímulos que desencadeiem aquisição de novas aprendizagens, sempre a partir de uma estrutura inata que sustente esse novo comportamento. Para isso, o estímulo deve ser categorizado como novo, ou seja, que tenha a característica de chamar a atenção do indivíduo e provoque nele uma reação. Mas atenção: nem todo novo é estimulante. O novo é algo que eu não tenho ainda, mas quero ter. quando o novo apresentado não tem um vínculo com a realidade, ele não será estimulante, e entra na categoria “Novíssimo”. Por exemplo: apresentar um brinquedo de encaixe, todo colorido, que emita sons, para uma criança de dois anos pode ser estimulante (estímulo classificado como novo), mas oferecer a essa mesma criança um quebra-cabeça de mil peças, de uma paisagem da natureza (peças muito pequenas e parecidas), não será nada estimulante, o que não significa que em uma idade futura essa mesma criança não se interesse pelo quebra-cabeça (aqui, a categoria do estímulo é novíssimo).
Quando um estímulo novo se apresenta, a criança estará diante de um desafio e reagirá mediante uma dada sensação. Geralmente essa sensação refere-se à dúvida, estranheza, desconforto. Aqui, teremos um desequilíbrio, uma instabilidade. Instalado o desequilíbrio, por um processo natural, a criança busca o equilíbrio.
Vamos inserir o olhar de Vygotsky nesse momento da seguinte maneira: um adulto pode atuar na zona de desenvolvimento proximal de uma criança, fazendo com que ela dê um passo em seu desenvolvimento desafiando-a com um estímulo novo. Esse estímulo irá desencadear o processo de desequilíbrio, compelindo à busca de uma nova equilibração, que se dá a partir da internalização do novo à esfera das coisas que a criança é capaz de fazer sem auxílio (desenvolvimento real).
E como a criança sai da situação de desiquilíbrio para o equilíbrio?
É aqui que Piaget defende a ideia do aparelho cognitivo tendo como função promover a adaptação da criança ao meio. No senso comum, adaptação está ligada à ideia de ajuste, amoldamento. Mas não é assim que pensa Piaget. Para ele, é o meio que tem que se ajustar ao indivíduo e o indivíduo sujeitar-se ao meio. E a interação “indivíduo-meio” pressupõe uma negociação. Porém, todos têm coisas que não são negociáveis, e é justamente por isso que é tão importante nos conhecermos. Quanto menos uma pessoa se conhece, mais ela se submete ao meio.
Então, se o estímulo é um desafio suficiente, a adaptação acontece, ou seja, uma tentativa de acordo. Quando a submissão ocorre, o que prevalece é a lógica social, a “lei do mais forte”. Para Piaget, há apenas uma maneira de construir conhecimento: através do processo de adaptação feito por acordos entre indivíduo e meio.
A adaptação ocorre através de dois processos: assimilação e acomodação.
Assimilação é absorver, entender algo. Na verdade, é mais do que entender, é incorporar, ter disponível para uso; e acomodação é a busca pela melhor resposta, por isso, para entendermos o processo de aprendizagem, o importante é saber como essa melhor resposta é adquirida. Disso, podemos concluir que a aprendizagem se dá no processo de assimilação e acomodação. Processo é algo contínuo, que se faz o tempo todo – quando encontramos a melhor resposta (acomodação), logo nos deparamos com uma nova pergunta (assimilação). Primeiro ocorre uma assimilação, depois a acomodação e em seguida uma nova assimilação…
Portanto, toda aprendizagem nova deva estar ancorada em algum ponto já aprendido anteriormente dentro da construção do conhecimento. Nesse sentido, o berço do conhecimento é a ação reflexa. Aqui Piaget introduz sua ênfase no biológico, pois as ações reflexas nada mais são do que o aparato biológico inato com que nasce o indivíduo que começa a interagir com o meio.
Juntamente com o processo de adaptação (assimilação + acomodação) acontece outro que Piaget denomina “organização”, que colocará todo aprendizado em uma ordem, dando forma à estrutura cognitiva do indivíduo. É justamente dessa compreensão que surgem as etapas (ou estágios) do desenvolvimento cognitivo, propostas por Piaget. É o que veremos agora.
O primeiro estágio: Período Sensório-Motor (0 a 2 anos)
Como já foi dito, Piaget parte das ações reflexas (inatas) para entender o desenvolvimento cognitivo. Portanto, é perfeitamente compreensível que o primeiro estágio desse desenvolvimento esteja assentado sobre as ações reflexas.
E por que o nome “sensório-motor”? Sensório refere-se aos órgãos dos sentidos, ou seja, como a criança capta a informação oferecida pelo mundo. E motor devido à observação do comportamento da própria criança que responde aos estímulos através do movimento e não ainda com respostas elaboradas racionalmente, como no caso de um adulto.
Portanto, nesse momento a criança capta o mundo pelos sentidos e responde através dos movimentos. E ele está subdividido em seis estágios, pois esse é um período de muitas mudanças, a saber:
1º Ações reflexas: o movimento de sucção, o choro são exemplos;
2º Reações circulares com o próprio corpo: a criança se movimenta, descobre suas mãos, pés, sente prazer nessas descobertas e assim elas vão sendo autoalimentadas. A criança descobre que aprender pode ser gostoso, ela volta a fazer a mesma coisa – por isso ‘reações circulares’. Quando ela volta a fazer algo que lhe foi prazeroso, ela está formando hábitos. Essas reações se dão no limite de espaço com ela ocupa, por isso, quanto mais livre ela estiver, mais fácil será seu desenvolvimento. Nada de deixar a criança enrolada em mantinhas, com os braços e pernas tão presas que torna impossível qualquer tipo de movimento!
3º Reações circulares com o meio: nesse momento, a criança passa a reagir diante dos estímulos oferecidos pelo meio e reconhece as pessoas mais próximas. É importante que a criança esteja em contato com objetos de formas e cores estimulantes.
4º Combina estratégias para atingir objetivos: a criança começa a buscar objetos, começa a se locomover em relação aos estímulos oferecidos. Atenção, ela não precisa estar sentada para começar a fazer isso, ela pode explorar seu meio e interagir com os estímulos deitada em seu berço, mesmo antes de adquirir a posição sentada.
5º Experimentação: é quando a criança começa a andar. Ela deve ter objetos longe de seu alcance para que possa busca-los. Ela deve ser sempre estimulada, otimizando assim as suas capacidades. Muitas vezes encontramos pais, preocupados com a integridade da criança, que tiram todos os objetos de seu caminho, mas isso não é o mais indicado. Claro, deve-se ter cuidado com que tipo de objeto a criança irá interagir, mas deixar o espaço “livre” pode não ser uma estratégia muito adequada! Nesse estágio, a criança tem a possibilidade de perceber as coisas/objetos através dos sentidos e responder através dos movimentos.
6º Internalização de símbolos: é quando a criança adquire a fala. A fala é a articulação de sons, formando palavras que exigem um significado não só para quem emite como para quem ouve. Desse momento em diante, teremos o desenvolvimento que é especificamente humano. A criança começa a entender os significados das coisas, e mais que isso: começa a atribuir significados.
É com a aquisição da fala que a criança transcende para o próximo estágio. Mas antes de continuarmos quero ressaltar a importância do 2º e 3º estágios para a formação de hábitos, o 4º e o 5º na construção da inteligência prática (criatividade no fazer) e o 6º é importante para a criatividade no pensar.
Segundo estágio: Período Pré-Operacional (2 a 6 anos)
Nesse momento, a criança interage com o meio tendo a intenção de muda-lo para si mesma. Sua inteligência é subjetiva, ela não pensa sob o ponto de vista do outro, portanto, é um momento de egocentrismo. Não podemos dizer que nessa idade as crianças brincam em grupos, pois o grupo pressupõe o reconhecimento do outro. O que existirá é o agrupamento de crianças, cada uma brincando no seu próprio espaço.
A subjetividade da criança está marcada por três tipos de atividades mentais:
Artificialismo: pensa que o mundo foi feito para ela, como se não houvesse nada que aconteça naturalmente, independente de sua existência.
Animismo: ela atribui significados e vida aos objetos inanimados.
Finalismo: ela exercita um domínio no ambiente com sua fala. Uma forma comum desse domínio é a pergunta recorrente que as crianças fazem: “por que?”. Perguntando, a criança está exercitando uma manipulação do ambiente, não em sentido pejorativo, mas de forma que ela possa buscar suas respostas, diante do novo. É importante que os adultos respondam aos “por ques”, justamente para incentivar a curiosidade, que é uma característica marcante do mundo infantil.
Ressaltando a tonalidade mais forte dessa fase temos o modo egocêntrico da criança pensar – o mundo gira em torno dela, o que acontece com ela, necessariamente acontece com todo mundo. Se ela já está na escolinha, pela sua lógica, a amiguinha da casa ao lado também vai para escolinha no mesmo horário que ela (mesmo que isso não corresponda à realidade). A passagem para o próximo período se dá quando ela começa a descobrir o ponto de vista do outro, conquistando assim a objetividade mais ligada a questões concretas.
Terceiro estágio: Período das Operações Concretas (dos 6 aos 12 anos)
Nesse momento, a criança descobre que o mundo não gira ao redor dela, mas que existem regras que organizam as relações estabelecidas. O adulto deve oferecer situações nas quais as regras sejam bem evidentes para que a criança possa perceber os limites do ambiente físico e social.
E o que significa operações concretas? Em primeiro lugar, operar refere-se a intervir no meio com a intenção de alterá-lo. E concreto é tudo aquilo que pode ser captado pelos sentidos. Ela ainda não pode trabalhar com o que não é conhecido, pois para aprender é preciso partir de uma base já construída em forma de aprendizagens anteriores.
Nesse estágio, a criança apresenta um ganho qualitativo, que é a capacidade de atribuir significados. Então, ela pode pegar uma colher e transformá-la em um avião. Aqui, precisamos considerar sua subjetividade, é um raciocínio chamado de transdutivo, pois não há a preocupação da criança utilizar nomear as coisas dentro de uma realidade comum. O que interessa é a realidade tal qual ela a significa.
O próximo passo é ganhar objetividade, desenvolvendo o raciocínio objetivo, ou seja, a criança transcende do raciocínio transdutivo (particular para particular) para o raciocínio indutivo (do particular para o geral).
No próximo estágio, o das operações formais, a criança que já consegue ter um pensamento objetivo. A objetividade se dá através da construção de dois conceitos, que serão exercitados ainda no período das operações concretas: o da conservação e o da reversibilidade. Vamos falar um pouco sobre eles.
Primeiramente, as crianças percebem as semelhanças entre os objetos e em um segundo momento é capaz de perceber as diferenças. O processo de classificação de semelhanças e diferenças ocorre a partir de duas habilidades:
Conservação (adição): habilidade de identificar o que é semelhante – percebe características habituais, o que é essencial.
Reversibilidade (subtração): identifica o que é diferente, percebe-se o que é detalhe.
Através dessas duas habilidades, ou dito de outra maneira, a partir desse processo de classificação os conceitos serão construídos, e estes são formados por repetição. Por isso, quanto menos a criança vê e é estimulada pelo meio, mais pobre será seu mundo de conceitos.
Passando pelo processo de classificação, desenvolve-se a habilidade de estabelecer relações de inserção de classes, e é justamente aqui que ocorre a transcendência para o Período Operacional Formal.
Quarto estágio: Período Operacional Formal (dos 12 anos em diante)
Aqui o indivíduo já classifica e, portanto, já consegue estabelecer relações de inserção de classes. Quanto maior o domínio da inserção de classes, mais se conhece o mundo, mais amplas as relações se tornam. Isso quer dizer que a partir de ideias mais gerais é possível caminhar para ideias mais particulares. Chamamos esse tipo de raciocínio de dedutivo (do geral para o particular).
Quanto mais familiarizado com conceitos do mundo no qual estou inserida, de forma concreta, mas possibilidades eu tenho de imaginar outras coisas, deduzir, criar hipóteses. Enquanto no período operacional concreto é preciso o fazer para pensar, no operacional formal prescinde-se o fazer, ou seja, eu posso pensar em uma perspectiva futura, sem necessariamente viver aquilo para poder imaginar como pode ser. Simplesmente lanço meu olhar em um horizonte hipotético-dedutivo.
Com essa exposição, percebemos que em cada período há possibilidades e limites a serem experimentados pelo ser humano. Pensando na teoria proposta por Vygotsky, precisamos identificar em cada momento tudo aquilo que a criança pode fazer, sem auxilio, e, identificando a próxima fase (a partir da classificação de Piaget), teremos condições de apresentar o desafio que a faça buscar o novo, aprendendo ainda com ajuda, até que passe essa nova aprendizagem para o rol de coisas que a criança pode fazer sozinha.
Portanto, apresentar o desafio que estimule a criança alcançar o próximo estágio de desenvolvimento, segundo Piaget, é trabalhar no limite da Zona de Desenvolvimento Proximal, como propôs Vygotsky.
fonte: http://www.espacocuidar.com.br/psicologia/artigos/completando-piaget-com-vygotsky-e-vygotsky-com-piaget
Significados de Transdutivo :
Por Bruno (GO) em 24-03-2013
Ligação de fatos que não mantêm relação entre si.
"Eu bati no meu irmãozinho, papai do céu vai dar um castigo, é o trovão." o raciocínio transdutivo está ligado ao egocentrismo, onde a criança sente que os fatos da natureza estão ligados, ou são influenciados, por sua vontade.
Obrigado pela visita, volte sempre.