Como subdivisão da concepção moderna dos gêneros literários, a crônica é uma narrativa curta que capta o cotidiano sob o olhar do cronista. A crônica trata de assuntos variados e destina-se prioritariamente à publicação em jornais e revistas.
A palavra “crônica” vem do latim chronica, “relato de fatos ou histórias de acordo com a ordem em que se sucedem no tempo”, derivado do adjetivo chronica, “relativo a tempo”. No entanto, o latim baseou-se no vocábulo grego khrónos, “tempo”. Esse nome é emprestado do deus grego Cronos, filho de Urano (Céu) e Gaia (Terra).
Origem da crônica
Nem sempre a crônica fez parte da literatura. Em suas origens, no início da Era Cristã, as crônicas eram relatos de fatos em sequência cronológica. Na Idade Média, o gênero assumiu um caráter mais histórico, em geral registrando acontecimentos, verídicos ou não, ligados à nobreza. No século XVI, com o desenvolvimento e aprofundamento do ensaio – prosa breve sobre um determinado tema, sem forma fixa, em tom pessoal, desprovido de escopo literário -, alguns estudiosos passaram a considerar a crônica uma extensão ou derivação desse tipo textual.
Tradicionalmente, considera-se a precursora da crônica uma crítica dramática do abade Geoffrey, publicada na parte inferior de uma página do jornal parisiense Journal des Débats – Politiques et Littéraires, em 1799. Surgia, assim, o folhetim, ou seja, breves textos críticos de literatura, artes, política e cultura impressos nos rodapés de um jornal.
Com o advento do Romantismo, o crescimento do público leitor e o desenvolvimento da imprensa, notadamente do jornal, a crônica teve grande impulso. Ela atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil, onde adquiriu feições mais leves e simples que o modelo francês e passou a significar um gênero literário específico, estritamente ligado ao jornalismo, já que as crônicas eram publicadas numa seção específica do jornal, o “folhetim”.
Essas crônicas folhetinescas traziam os principais acontecimentos da semana, relacionados à política, à vida social da elite carioca do século XIX e à literatura. Eram escritas em linguagem coloquial e transmitiam o ponto de vista do cronista. O texto leve e agradável tomou-se um sucesso tanto entre os seus produtores quanto entre os seus leitores.
Características da crônica
A crônica tem um canal fixo e diferenciado: jornais e revistas. Desde o final do século XX, os sites e blogs também têm sido escolhidos como meios de publicação e divulgação desse gênero.
Os assuntos são variados e remetem à atualidade dos fatos, transitando entre política, esportes, acontecimentos nacionais e internacionais, relacionamentos humanos, vida de celebridades, artes em geral, o próprio fazer literário, entre outros.
Assim, a característica primordial da crônica literária é ser um registro circunstancial, episódico, efêmero e sujeito à transformação rápida. No entanto, nem sempre a crônica é datada; por isso ela pode ser lida depois de vários anos e ainda manter um caráter universal. Algumas características são comuns na composição de uma crônica;
- vinculação ao cotidiano, intermediada pela visão de mundo do cronista;
- concisão, brevidade;
- simplicidade e leveza no estilo;
- emprego de uma linguagem coloquial e intimista, ocasionalmente lírica, irônica, humorística ou crítica;
- predominância do foco narrativo em primeira pessoa;
- natureza ensaística e reflexiva;
- intenção de aproximação com o leitor por meio da sensibilidade.
No fragmento a seguir, a maior parte dessas características pode ser observada:
Ocorreu-me compor umas certas regras para uso dos que frequentam bonds. 0 desenvolvimento que tem tido entre nós esse meio de locomoção, essencialmente democrático, exige que ele não seja deixado ao puro capricho dos passageiros. Não posso dar aqui mais do que alguns extratos do meu trabalho; basta saber que tem nada menos de setenta artigos. Vão apenas dez. (…)
Mesmo tendo jornais, revistas e, recentemente, sites e blogs como canais, as crônicas podem ser compiladas posteriormente em livros, que tanto podem reunir os textos de um único autor quanto trabalhos de vários cronistas.
Art V – Dos amoladores
Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-se-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-lo minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repetindo os ditos, pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra. (…)
“Regras para uso dos que frequentam bonds”, Machado de Assis.
Classificação da crônica
Depois de adquirir as características que possui atualmente, a crônica dividiu-se em alguns tipos, entre os quais se destacam:
Crônica lírica ou poética
Emprego de linguagem poética, com recursos estilísticos que visam imprimir lirismo ao texto e emocionar o leitor. Trata de episódios sentimentais, nostálgicos ou que sejam significativos para o cronista.
Crônica de humor
Emprego de linguagem literária com recursos que buscam o humor. Apresenta uma visão burlesca, irônica e, não raro, crítica dos costumes sociais, das relações humanas e de episódios políticos da atualidade.
Crônica-ensaio
Emprego de linguagem literária permeada, muitas vezes, de sarcasmo e humor, com intenção explícita de criticar o contexto cultural e correntes de pensamento da sociedade. Seu caráter argumentativo lembra o ensaio.
Crônica descritiva
Quando uma crônica explora a caracterização de seres animados e inanimados num espaço, viva como uma pintura, precisa como uma fotografia ou dinâmica como um filme, temos uma crônica descritiva.
A captação impressionista, particularizada e conotativa dos elementos define a descrição subjetiva; a captação referencial, impessoal e denotativa define a descrição objetiva. O descritivismo é sempre veículo para reflexões numa crônica centrada na descrição.
Crônica narrativa
Menor que um conto e maior que uma piada, a crônica narrativa conta um episódio cativante cuja trama é leve e digestiva, envolvendo muita ação, poucas personagens e uma conclusão inusitada.
O humor anedótico ou a crítica mordaz são os traços mais comuns da crônica narrativa. Geralmente, não há intromissão do narrador (digressões, comentários, apontamentos dissertativos).
Crônica narrativo-descritiva
Quando um texto alterna momentos narrativos com flagrantes descritivos, temos uma abordagem narrativo- descritiva. Dessa forma, as ações detêm-se para que o leitor visualize, mentalmente, as imagens que a sensibilidade do autor registra com palavras.
O que se observa no texto assim qualificado é a predominância da sucessão de ações sobre as inserções descritivas.
Crônica reflexiva
Se a interioridade do autor projeta-se sobre a realidade que o cerca, interpretando-a e registrando-a através de conjecturas, inferências e associações de ideias, temos a crônica reflexiva.
Crônica metalinguística
Na crônica metalinguística, o autor volta-se para o ato de escrever, sob a forma de uma reflexão despretensiosa, de uma retrospectiva das primeiras experiências com as letras, de uma análise da palavra.
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