terça-feira, 2 de setembro de 2014

Jeremy Bentham, o utilitarismo e a classificação do conhecimento: elementos históricos para os estudos da Ciência da Informação



    Jeremy Bentham, o utilitarismo e a classificação do conhecimento: elementos históricos para os estudos da Ciência da Informação
    Jeremy Bentham, o utilitarismo e a classificação do conhecimento: elementos históricos para os estudos da Ciência da Informação

    Resumo: Jeremy Bentham é um jurista que se dedicou aos estudos da Deontologia, do Direito Constitucional e Penal. Além de ter concebido as idéias utilitaristas que fundaram essa escola filosófica, na Inglaterra, o jurista e filósofo inglês se deteve na concepção de um amplo sistema de pensamento, no âmbito do qual desenhou uma classificação do conhecimento adequada ao seu projeto de espírito iluminista. O presente artigo analisa, de forma preliminar, algumas características da classificação do conhecimento por ele construída no século XIX, visando contribuir para a sua divulgação, assim como discutir eventuais razões do esquecimento que tornaram essa experiência do pensamento desconhecida de pesquisadores de Ciência da Informação, tanto no Brasil quanto na França.

    Palavras-chave:  Jeremy Bentham; Utilitarismo, Classificação do conhecimento; Ciência da informação.
     




    Abstract:  Jeremy Bentham is a jurist dedicated to the study of Ethics, Constitutional and Criminal Law. Besides having designed the utilitarian ideas that founded that school of thought in England, the English philosopher and jurist has focused on designing a comprehensive system of thought, within which he drew a classification of knowledge appropriated to his project of enlightening spirit. This article aims to examine, in a preliminary way, some features of the organization of knowledge which he built in the nineteenth century, to contribute to its dissemination, as well as to discuss possible reasons for the neglect that made this thought experiment unknown to researchers of Science Information, both in Brazil and in France.
    Key words: Jeremy Bentham; Utilitarism; Knowledge classification; Information science.




     

    Introdução1


    « L’observation et l’expérience forment la
    base de toutes les connaissances ». 
     Jeremy Bentham
    A informação constitui o objeto de diferentes teorias que se sucedem e/ou convivem ao longo das últimas décadas, mas cada vez mais estabelece conexões fortes com o conhecimento, seja na sua formação, na sua comunicação ou na sua organização (Capurro; Hjorland 2007). Assim, não há mais como dissociar os dois conceitos quando se pensa em analisar as formas como as sociedades concebem, ao longo da história, a estruturação do pensamento materializado na escrita, no documento, na informação registrada e, posteriormente, representada.


    As bases epistemológicas que sustentam as diferentes concepções de informação são formações históricas que precisam ser compreendidas, interpretadas e analisadas. No fio do tempo muitas tentativas de imprimir no imaginário social idéias em disputa entre diferentes grupos sociais foram empreendidas, sendo uma das mais polêmicas a Enciclopédia de Diderot e d’Alembert. Por sua natureza inovadora e seus objetivos políticos, a obra suscitou tanta discórdia entre os poderes vigentes, que seus proponentes foram detidos por várias vezes e a obra considerada herética foi incluída no Index em 5 de março de 17592  . Isso nos lembra e confirma a assertiva de Francis Bacon segundo a qual conhecimento é poder.



    Essa obra monumental tem uma importância inegável para os estudos históricos e epistemológicos da Ciência da Informação, já que ela registra e atesta o termo informação no período de sua publicação – de 1751 a 1772 – reportando-se ao século XIV e evidenciando sua natureza jurídica, bem como seu valor de inteligência. A permanência de sentido empregado ao termo atravessará os séculos seguintes em documentos produzidos por juristas que legislavam sobre o mundo do crime, inscrevendo a informação na lei, mas também construindo a memória institucional que se organizava em torno de diversas instituições do Estado (Thiesen, 2006).



    A Enciclopédia de Diderot e d’Alembert foi inspirada na obra de Francis Bacon (1561-1626), filósofo, advogado, político e diplomata inglês e, às vésperas do Iluminismo, os filósofos franceses empreenderam uma estratégia epistemológica de forma sutil, utilizando o diagrama do conhecimento de Bacon e de outros pensadores para legitimar a categoria de gens de lettres, ao mesmo tempo destronando a teologia do centro do conhecimento para um tronco remoto da nova árvore. Agora o lugar privilegiado do conhecimento é ocupado pela filosofia. O esclarecimento, a autonomia, a racionalidade e o progresso da humanidade definiram os contornos do pensamento das Luzes expressos no trabalho dos enciclopedistas (Darton, 1986). Tiveram êxito na estratégia de formação de mentalidades através de sua obra.



    Jeremy Bentham (1748-1832) colocou-se declaradamente em desacordo com a estrutura arborescente do conhecimento refletida na Enciclopédia e produziu sua própria classificação do conhecimento segundo idéias que professava havia muitas décadas. É provável que Bentham antevisse o poder preditivo das classificações e quisesse imprimir suas idéias, tal como o fizeram Diderot e d’Alembert de quem foi contemporâneo. O conjunto dessas ideias ficou posteriormente conhecido por utilitarismo, uma doutrina filosófica cujo princípio “aprova ou desaprova uma ação, qualquer que seja, segundo sua tendência de aumentar ou de diminuir a felicidade da parte cujo interesse está em questão” (Clero; Laval, 2002, p.54). Todo projeto benthamiano, por mais paradoxal que pareça, conforme veremos no próximo item, reflete em seu conjunto as bases dessa filosofia: o panoptismo, a escola chrestomáthica, a deontologia, o código constitucional, o sistema de penas e recompensas, entre outras.



    Neste trabalho, fruto de nossas pesquisas sobre a informação na história e seus possíveis desdobramentos na organização do conhecimento, analisamos algumas características desse instrumento de organização do conhecimento por ele construído no século XIX, assim como discutimos eventuais razões do esquecimento que tornaram esse construto desconhecido dos próprios juristas e de pesquisadores de Ciência da Informação, tanto no Brasil quanto na França 3 .



    Considerando a amplitude de seu projeto utilitarista e a impossibilidade de explorá-lo nos limites aqui colocados, analisaremos algumas características das tabelas de classificação do conhecimento constantes de Chrestomathia 4 (Bentham, 2004), termo de sua lavra que significa “o que conduz à aprendizagem útil”, obra da maturidade que contém seu esquema de pensamento. Nela o “pai do utilitarismo” apresenta o conteúdo da instrução chrestomáthica (tabelas I e II), reproduz (tabela III) e critica a estruturação do conhecimento de Diderot e d’Alembert segundo suas convicções, assim como faz emendas à Árvore de Porfírio (tabela IV). Por fim, a tabela V, principal foco deste trabalho, contém a classificação do conhecimento estruturada segundo o modo de bifurcação, tal como Bentham pensou as Artes e as Ciências 5  . As principais fontes específicas que utilizamos são oriundas da literatura publicada de e sobre Bentham, sob os auspícios dos pesquisadores do Centre Bentham (Paris) e do Bentham Project (Inglaterra).



    A existência desses dois centros de pesquisa pode ser explicada não apenas pela atualidade indiscutível do pensamento utilitarista, mas também porque a obra desse reformador do direito, conforme explicado porAnne Brunon-Ernst (2007, p.21/2), precisa ser reavaliada, à luz das novas edições inglesa e francesa, considerando que seus escritos originais bastante abundantes foram apenas parcialmente publicados e, em muitos casos, reescritos, glosados ou censurados por seu próprio assistente e secretário John Bowring encarregado de publicá-la 6 .


     
    Além disso, o pastor e homem das letras Étienne Dumont, outro assistente de Bentham, ao ser encarregado pelo amigo e mestre de organizar seus manuscritos e publicá-los na França, interferiu inúmeras vezes no conteúdo dos textos. Tudo isso coloca a obra original de Bentham, ora revista e reeditada nos dois países, como um corpus a ser revisitado por juristas, historiadores, filósofos, linguistas e cientistas da informação. A esses últimos interessa não apenas conhecer a classificação do conhecimento proposta em Chrestomathia, mas a abordagem do sistema benthamiano.



    A análise dos dados é realizada a partir do diálogo e do cruzamento entre os conceitos e os domínios do saber, permitindo revelar o pensamento social refletido em representações construídas no período. Outro procedimento metodológico é a tentativa de identificação e caracterização de uma comunidade de sentido, constituída a partir da análise da obra de Bentham e de seu diálogo com alguns de seus contemporâneos, indicando práticas discursivas comuns presentes no seu pensamento. Quem foi Bentham e em que medida sua trajetória de vida pode explicar sua proposta de organização do conhecimento? Como se articulam os discursos no domínio institucional e os projetos de sociedade neles embutidos? Teria se constituído de fato uma comunidade de sentido? Se não podemos discutir in totum todas essas problemáticas, nos limites deste trabalho, é certo que elas têm estado presentes em nossas pesquisas enquanto elementos constitutivos de nossos objetivos mais amplos e no horizonte de nossas reflexões 7 .



    Para a realização desses objetivos, contextualizaremos a seguir as ideias desenvolvidas por Bentham, ao longo de sua vida e, em seguida, analisaremos sua proposta de tornar o conhecimento mais adequado às necessidades sociais através do ensino da população inglesa face às mudanças por ele vislumbradas na esteira da industrialização nascente e do pensamento iluminista.

    O pensamento utilitarista ou o princípio da utilidade 8



    « On a montré que le bonheur des individus dont se compose
    une communauté, c’est-à-dire leurs plaisirs et leur securité, 
    est la fin, que le législateur doit viser …. Nous avons déjà
    vu en quoi consiste le bonheur : la jouissance de plaisirs, la
    sécurité contre les douleurs. » 
    Jeremy Bentham

    Nascido na Inglaterra numa família burguesa, Jeremy Bentham frequentou a escola de Westminster, de tradição aristocrática, pois seu pai desejava que um dia ele seguisse os estudos do direito. Apesar da existência de fartos recursos familiares, recebeu uma educação frugal e austera, que o marcará durante toda a vida. Sua experiência no colégio interno terá efeitos importantes na idade adulta. Colocado em situação desigual à dos colegas, dispondo de pouco dinheiro para se manter, “tem relações tensas com seus companheiros” (Perrot, 2000, p.113).


    Aos doze anos entra no Queen’s College, em Oxford, como estudante de Direito e se decepciona com o ensino ali ministrado, ressaltando a depravação moral que reinava naquele lugar destinado, entretanto, a formar o clero anglicano, o que poderia de certa forma explicar seu ateísmo declarado na maturidade (Brunon-Erndst, 2007, p.30). Em 1763, volta a Londres e é admitido no Lincoln’s Inn, “uma espécie de faculdade de estudos jurídicos muito fechada” (Perrot, 2000, p.113). Desde então passa a refletir e a criticar o sistema judiciário e a sociedade, evidenciando “problemas que ele já identificara em suas leituras de criança”, conforme Brunon-Ernst. Sua decepção com o sistema vigente foi tal, que jamais exerceu a advocacia e tratou de pensar na reforma das instituições.



    A que instituições nos referimos? Bentham projetou “uma prisão nos anos 1787-1791, uma Casa de Indústria no período de 1796-1798 e um externato nos anos 1816-1817” (Brunon-Erndst, 2007, p.17). A concepção de tais projetos, todos direcionados à criação de instituições disciplinares, obedeceu ao processo de maturação de suas idéias. Em seus estudos sobre o panoptismo nas prisões, Foucault explica o que é próprio das disciplinas, enquanto “técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas”:



    "tornar o exercício do poder o menos custoso possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta; politicamente, por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita); fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso, nem lacuna; ligar enfim esse crescimento ‘econômico’ do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se exerce (sejam os aparelhos pedagógicos, militares, industriais, médicos), em suma fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema." (Foucault, 1993, p. 191)
    Num primeiro momento concebeu o panoptismo, que estará presente, mesmo que de forma diferenciada, nas demais instituições que ele proporá mais adiante. Isto porque Bentham pensa em reformar a assistência em geral na Inglaterra, englobando a sociedade como um todo, vale dizer, os criminosos, os pobres e indigentes, as crianças das camadas médias, inseridos em prisões, casas de indústria, escolas chrestomáthicas, respectivamente. Este modelo institucional é de natureza arquitetural e pressupõe o internamento, a disciplina, a inspeção, a observação, a vigilância e o controle rigoroso de toda a sociedade.


    A amplitude desse projeto o caracteriza como um sistema, ideia bastante comum no final do século XVIII, por se tratar de um conjunto de normas e regras coerentes referentes ao utilitarismo. Lembremos que o termo sistema é definido na Enciclopédia de Diderot e d’Alembert. Nos séculos XVII e XVIII pensava-se que não era outra coisa senão “a disposição das diferentes partes de uma arte ou de uma ciência num estado em que elas se sustentam mutuamente, e onde as últimas se explicam pelas primeiras”. (Diderot; D’Alembert, 1753, p. 777).



    Bentham estabelece um sistema de registro e controle que tenta levar à perfeição, que abrange desde a produção, a terapêutica, a pedagogia, mas também as práticas institucionais. Bentham se ressentia da ausência de dados sistemáticos para serem utilizados pelos governantes. Em seu projeto percebe-se a ênfase dada à documentação das práticas, sem as quais os administradores não poderiam exercer o controle sobre todos os internos, inclusive dos gestores. Com base em dispositivos de controle introduziu um sistema de contabilidade contendo o registro de todas as despesas, no sentido de otimizar a produção. Mas, para fazê-lo, Bentham propõe a classificação de todos os internos, pois uma vez identificados e registrados, seria mais fácil estabelecer sobre eles um controle rigoroso, separá-los por classes, incentivar sua eficácia. A existência de regras não seria suficiente para tornar o sistema eficaz. Era necessário também registrar e memorizar os fatos e os gestos de todos.



    O jurista lança mão de métodos estatísticos que permitam produzir informações sobre todos o sistema, guardar as séries históricas e, dessa forma, aperfeiçoar a gestão das instituições. Precisava de informação útil ao seu sistema, razão pela qual envia questionários às casas de trabalho a serem preenchidos pelos seus administradores. Anne Brunon-Ernst analisou fontes manuscritas e encontrou “numerosos quadros vazios prontos para serem preenchidos, indicando uma intensa atividade de coleta de informações” para fins estatísticos. (Brunon-Erndst, 2007, p.69)



    A construção do panóptico penitenciário, segundo imaginava, poderia servir de teste para as Casas de Indústria, instituições privadas que deveriam ser lucrativas. (Brunon-Erndst, p.198) As Casas de Indústria foram projetadas com vistas a sanar o aumento da miséria pelas mãos do Estado, embora este não tivesse atribuições de gestão. Isto porque essas instituições seriam geridas pela iniciativa privada, contrariamente às casas de trabalho geridas pelas paróquias que oneravam o Estado e o contribuinte.



    Bentham se dedica à reforma da assistência propondo o estabelecimento de duzentos e cinqüenta Casas de Indústria em toda a Inglaterra, que acolheriam os interessados em nelas trabalhar e reembolsar o montante recebido. Em cada instituição seriam acolhidos dois mil necessitados (Brunon-Erndst, 2007, p.60). O trabalho é a condição da assistência. Visa em seu projeto a reforma da assistência pelo trabalho e não pela caridade pública, tão comum na época.



    Após a morte do pai, em 1792, Bentham (e o irmão Samuel), herda(m) uma fortuna que usará mais tarde para financiar seus projetos. Durante mais de vinte anos tentou construir prisões. Sabe-se que terminará seus dias arruinado 9 , tendo gasto toda sua parte da herança na tentativa de construir uma escola chrestomáthica nos jardins de sua casa, sua obsessão e sua miséria, conforme ilustra Brunon-Erndst (2007, p. 37) As Casas de Indústria permaneceram utópicas e tal projeto jamais foi aplicado 10 .



    Conforme observa Cléro, “o princípio da utilidade não funciona sem o internamento”, o que explicaria a ligação do panoptismo com a arquitetura, pelo menos no âmbito das transformações industriais ocorridas no início do século XIX na Inglaterra (Cléro, 2007, p.225). O espaço é uma categoria primordial no projeto benthamiano, pois permite que a luz favoreça o exame, o controle e a inspeção. A pobreza deve ser vigiada de perto para que, tornando-se produtiva através do trabalho, não se transforme em indigência. A primeira constitui para esse reformador a única forma de aceder à felicidade, pelo trabalho, e a segunda deveria ser o foco de ações de governo para evitá-la e/ou estancá-la.



    Como então explicar o propósito da “maior felicidade para o maior número de pessoas”, sendo ela definida como “o gozo dos prazeres, a segurança contra as dores”, conforme divulgado por Bentham em seus textos? Quais os fundamentos filosóficos da felicidade? Os termos felicidade e segurança são sinônimos, já que não seria viável uma sociedade sem os limites da lei. Bentham é um leitor de Beccaria e Eden, reformistas do direito penal. Em sua concepção de liberdade, criticando o agir de cada um a seu modo ou um agir sem lei, preconiza uma sociedade utilitarista, “cujo soberano dirige e organiza a soma das liberdades individuais, que lhe é confiada, em troca da paz civil” (Brunon-Erndst, 2007, p.179). O governo existe para aumentar a segurança dos indivíduos às custas da sua liberdade.



    As instituições panópticas que o jurista e reformador propõe estabelecem os limites a que devem se submeter os internos, sejam eles prisioneiros na penitenciária, trabalhadores das Casas de Indústria ou alunos da escola chrestomáthica. As regras são estipuladas e todos devem se submeter ao controle rígido previsto. Vigia-se o corpo administrativo, bem como os que são a razão de ser dessas instituições, vale dizer, os necessitados. As relações de poder se exercem de forma justa? O sistema utilitarista é contraditório? Se as regras não forem infringidas, afirma Brunon-Ernst, não haveria injustiça no cumprimento das penalidades previstas. Para certificar-se de que os funcionários cumpririam seu dever estes deveriam ser selecionados com cuidado, vigiados e avaliados por meio de um “sistema de bônus, multas e promoções honoríficas” (p.170). É o regime das penas e recompensas que permeia toda a sua obra 11.



    O panóptico traduzido nessas instituições escolares ou chrestomáthicas constitui, no entendimento do seu formulador, uma escolha dos necessitados e por isso o trabalho não remunerado nelas exercido jamais seria visto como punição, mas como medida de humanidade e justiça. Em troca dele os internos recebem o alimento, o abrigo e a vestimenta, ou seja, a segurança que o mundo externo não é capaz de lhes garantir, especialmente se levarmos em conta as dificuldades da Inglaterra no início da revolução industrial (Brunon-Erndst, 2007, p.167). Os castigos corporais são declaradamente proibidos em suas propostas institucionais e a ênfase na proteção aos menores parece refletir a experiência acumulada no colégio interno, onde Bentham teria sofrido uma série de constrangimentos.



    A educação utilitarista visa também à felicidade dos internos de todas as camadas sociais da população, especialmente na primeira parte de suas vidas, quando devem ser preparados para a independência da ajuda pública na idade adulta. O programa educativo é longo e se estende por doze anos. Além das atividades produtivas – o trabalho infantil é desenvolvido quatorze horas por dia – exercícios físicos, leitura e atividades musicais são previstos, bem como o ensino da matemática, línguas, história, astronomia, mecânica e filosofia. Como pretender a felicidade e propor que crianças exerçam atividades laborais intensivas? Como docilizar as massas laborais fechadas nos limites institucionais que impunham regras tão rígidas? 
    A escola chrestomáthica visa o desenvolvimento de homens engenhosos, capazes de contribuir para o aumento da produção. Para além do discurso de seu proponente, em prol do progresso da sociedade inglesa, o projeto panóptico que Bentham tentou levar a efeito sem sucesso guarda algumas semelhanças com projetos de outros reformadores, embora carregue uma singularidade que deles se diferencia: visava o controle de toda a sociedade, mais que “a maior felicidade para o maior número de pessoas” 12  . Vejamos como suas ideias se refletiram (ou não) na classificação do conhecimento.

    Chrestomathia 13 e a classificação do conhecimento


    Numa língua, quem fala e não cessa de falar, num murmúrio que 
    não se ouve mas de onde vem, no entanto, todo o esplendor, é o povo.”
    Michel Foucault
     
    Toda classificação implica uma escolha, uma tomada de posição e, “na economia de toda ciência, é indispensável à gestão dos conhecimentos” (Stengers; Bensaude -Vincent, 2003, p.65). Como homem de seu tempo e, portanto, filho do iluminismo, Bentham parecia conhecer o caminho já percorrido pelos enciclopedistas de transformar o universo do conhecimento imprimindo o utilitarismo no pensamento social. No âmbito de seus projetos dá uma importância superlativa à linguagem e critica a ambiguidade das palavras usadas no vocabulário jurídico. E, neste sentido, apresenta a linguagem como representação e comunicação do conhecimento e da informação (ver resumo da Tabela V,).


    Lineu, o renomado botânico sueco, considerado um dos mais expressivos taxonomistas intelectuais (BURKE, 2003, p.79), exerceu bastante influência no pensamento de Bentham, que tomou conhecimento de sua obra ainda muito jovem, no Lincoln’s Inn, onde se interessou pela botânica, pela química e pela física. Lineu utiliza a bifurcação e a bipartição para classificar o conhecimento da botânica. Bentham fará o mesmo procedimento binário ao refazer o esquema classificatório arborescente da arte e da ciência feitos por Diderot e d’Alembert na Enciclopédia (Bentham, 2004). O jurista se refere inúmeras vezes a essa “obra célebre”, em sua Chrestomathia. Em « La carte encyclopédique de D’Alembert ou l’esquisse en forme de table: ses imperfections », por exemplo, Bentham relaciona as falhas ali encontradas:

    "1º O assunto da obra, inadequadamente designado. 2º A fonte primeira das divisões escolhida de forma inoportuna. 3º O esquema de divisão, solto e irregular. 4º As nomeações, em numerosos casos inapropriadas. 5º As distinções infundadas, em inúmeros casos de princípios, inapropriadas. 6º Repetições freqüentes: o mesmo objeto repetido inúmeras vezes sob diversos nomes. 7º A textura incompleta do discurso: sem verbos e, conseqüentemente, sem proposições; nada além de substantivos, aqui e ali, um artigo ou um adjetivo”. (Bentham, 2004, [1843], p.179-180)"
    A estrutura por bifurcação exaustiva que Bentham propõe em sua classificação se justifica. Ele explica que:
    "a qualidade exaustiva será sempre útil na divisão de todo conjunto lógico; e, para que a divisão forneça a prova dessa qualidade, é preciso que seja sempre redigida a partir dos princípios que acabo de estabelecer. Em qualquer que seja o ramo, quanto mais continuar essa divisão, mais se obterá vantagens pela precisão que ela dará às idéias que se concebe do assunto. (Bentham, 2004, [1843], p. 206)"
    Mas, existem alguns obstáculos que ele mesmo aponta em relação às últimas ramificações: 
    Em primeiro lugar, a impossibilidade de conhecer todas as partes do conjunto e de reunir na mesma tabela todas as que se conhece; em seguida, o trabalho da formação e da percepção dessas divisões que não seria sempre compensado pelo benefício que daí se extrairia. (Bentham, 2004, [1843], p. 206)
    Outros pensadores influenciaram as concepções de Bentham sobre a educação, e a importância do prazer e da dor nas ações humanas. John Locke foi um deles, segundo Cléro (Brunon-Erndst, 2007, p.215), mas também Hobbes. Tais ideias aparecem na concepção do sistema benthamiano de penas e recompensas, tendo no horizonte a felicidade esperada e conquistada por e para todos. O jurista chega a definir quatro tipos de sanções que corresponderiam a quatro dores diferentes 14 .


    A linguagem desempenha um papel fundamental na obra de Bentham, preocupação que outros filósofos ingleses já haviam demonstrado, entre os quais Berkeley, Locke, Hume. Cléro & Laval chegam mesmo a afirmar que “o utilitarismo é fundamentalmente uma teoria da linguagem”. (Cléro; Laval, 2002, p.4) Ao apontar as ficções ou entidades fictícias no direito, Bentham procura mostrar que, apesar de serem indispensáveis à linguagem, é necessário construir-se ferramentas adequadas no sentido de evitar as consequências nocivas à felicidade individual e coletiva. Isto porque o (mau) uso das ficções na jurisprudência, por exemplo, contribui para impedir o cálculo das penas e recompensas, afetando o bem-estar da sociedade.



    Acreditava que “as leis só podem ser feitas com palavras. A vida, a liberdade, a propriedade, a honra, tudo o que nos é caro depende da escolha das palavras.” Na sua concepção de justiça, que tanto influenciou a elaboração do Código Criminal de 1830, do Império do Brasil, Bentham preconizava um cálculo aritmético das penas e recompensas, uma espécie de mensuração dos prazeres. O peso das penas deveria ser maior do que os benefícios dos crimes, vale dizer, “é necessário que o mal da pena seja maior que o interesse que se pode tirar do crime”, conforme lembrado por Campos (2007, p.228). A univocidade da linguagem desempenha papel preponderante na aplicação das leis, razão pela qual é preciso, segundo Bentham, definições precisas: “A palavra deontologia é derivada de duas palavras gregas, deon (o que é conveniente) e logos (conhecimento do que é justo e conveniente” (Alland; Rials, 2003, p. 361).  Assim, Bentham elabora sua classificação do conhecimento conforme resumo da Tabela V – a arte e a ciência-, a seguir, dando especial atenção à definição dos termos nela incluídos.





    Fonte: Bentham, J. (2004, [1843] )

    Bentham inventa inúmeros termos de origem grega para levar adiante seu projeto. Apesar de serem neologismos de difícil compreensão, tem o cuidado de defini-los para evitar a ambiguidade que tanto criticou em seus diversos escritos (Anexo A). Muitos desses termos tornaram-se posteriormente conhecidos dos filósofos e juristas e hoje se encontram dicionarizados. Outros, no entanto, são pouco conhecidos e permaneceram obscuros, como por exemplo, “ética dicástica; polioscópicas (que concerne ao Estado); apolioscópicas (que não concerne ao Estado), poioscópicas (que concerne à qualidade) etc.”. O filósofo considerava as dificuldades do grego e do latim, tendo previsto o ensino dessas línguas no projeto da sua escola (Tabela de Instrução Chrestomática). Explica em uma nota que : "as palavras difíceis, por exemplo, as que derivam do grego e do latim, são inteiramente explicadas. Apenas por necessidade as empregamos aqui. Sob quase todos os nomes encontramos objetos já familiares em cada família, mesmo às crianças que vêm apenas aprender a ler”. Entendemos a afirmativa de Stengers & Bensaude-Vincent segundo a qual: "toda classificação fica aberta à controvérsia na medida em que marca e reduz certos dados, enquanto que, inversamente, a seleção que ela opera e as disposições adotadas tornam importantes outros aspectos" (2003, p.66).

    Além disso, o surgimento de novos termos podem ser indicadores de novos interesses e atitudes, “mas também das mudanças nos campos lingüísticos”, conforme assinalado por Peter Burke (2003, p. 20). Não parece ter sido o caso. O desconhecimento desse esquema de classificação inserido em Chrestomathia (1816-1817) pode ser atribuído a diversos fatores. Um deles diz respeito ao fato desse livro ter sido organizado tardiamente, pois sua primeira publicação, em inglês, ocorreu apenas em 1843 15. A tradução francesa data de 2004. Por outro lado, Bentham estabelecia correspondência frequente com seus contemporâneos, no sentido de “vender” as ideias parcialmente aqui analisadas 16 . Foi, portanto, lido por outros reformistas da assistência.



    Outro fator que poderia explicar esse fato se refere à complexidade de sua proposta e, especialmente, à ausência de condições sociais favoráveis à aceitação e incorporação de um discurso extremamente distante das bases epistemológicas que o acolheriam. É preciso lembrar que a classificação do conhecimento em geral se efetiva a partir do conhecimento consolidado. É nessa direção que podemos entender a afirmativa de Michel Foucault, segundo a qual “a episteme não é uma forma de conhecimento, ou um tipo de racionalidade que, atravessando as ciências mais diversas, manifestaria a unidade soberana de um sujeito, de um espírito ou de uma época; é o conjunto das relações que podem ser descobertas, para uma época dada, entre as ciências, quando estas são analisadas no nível das regularidades discursivas.”(Foucault, 1987, p. 217)



    Os nomes e conceitos propostos eram novos e de difícil compreensão até mesmo para a elite letrada, pois eram formados do grego 17. Para que haja a formação de uma comunidade de sentido, seria necessário que as ideias contidas em sua classificação e em seu sistema panóptico fossem capazes de plasmar a visão de mundo utilitarista no sentido estrito em que Bentham a formulou. O imaginário social, no início do século XIX, não encontrou a necessária identificação com tais ideias e, assim, não houve legitimidade, condição essencial para a institucionalização das aspirações políticas, sociais etc.



    Mas, se a utopia desse projeto o impediu de se realizar em sua totalidade, certamente deixou rastros que podem ser hoje analisados à luz de suas ideias. Os modelos de instituições de trabalho (casas de indústria) e escolares (chrestomathia) tiveram pouco reflexo na sociedade até onde se sabe. Reformar a assistência implicava bem mais que um projeto novo, onde a pobreza e a indigência sofreriam um rígido controle, monitoramento e gestão. Tratava-se, ainda, de retirar do Estado e do contribuinte a sua responsabilidade e consequente ônus, reestruturando as instituições que, doravante, seriam sustentadas pelo trabalho dos assistidos. Isso implicava em mudança de mentalidade.



    Bentham se tornará célebre, ainda em vida, ao receber o título de patriarca dos utilitaristas (Brunon-Erndst, 2007, p. 18). Os princípios estabelecidos na concepção panóptica – a vigilância, o controle, a observação, a produção de saberes, o espaço esquadrinhado – realizaram-se de diversas formas em diferentes épocas e lugares, inclusive no Brasil (Thiesen, 2008). O espaço prisional foi o lugar privilegiado onde essa aparente utopia efetivamente se realizou, segundo adaptações diversas realizadas em diferentes experiências. As características do panoptismo, pensado como modelo totalitário, onde toda sociedade estaria, de uma forma ou de outra, englobada, não poderia ter êxito senão no espaço carceral. Talvez isso explique por que Bentham tornou-se tão conhecido, especialmente através da obra de Michel Foucault, unicamente pela reforma da teoria do direito e das prisões.



    O amplo escopo de Chrestomathia requer estudos complementares para ser compreendida em toda sua extensão e nos diversos aspectos que poderiam contribuir para a compreensão dessa experiência do pensamento benthamiano. Este estudo constitui uma análise preliminar que se pergunta sobre as bases históricas e epistemológicas da informação e do conhecimento, cujas respostas continuarão a ser buscadas no prosseguimento da pesquisa.



    Referências Bibliográficas
     ALLAND, Denis ; RIALS, Stéphane (dirs.). Dictionnaire de la culture juridique. Paris : Quadrige / LAMY-PUF, 2003. 
    BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux : mémoire et espoirs collectifs. Paris: Payot, 1984.
    BENTHAM, Jeremy. Chrestomathia : recueil de feuillets qui expliquent le projet d’une institution destinée à être mise en œuvre sous le nom de Externat Chrestomathique ou École Chrestomathique pour l’extension du nouveau système d’instruction aux branches supérieures de l’enseignement, à l’usage des rangs moyens et supérieurs de la vie. Traduction, notes et introduction de Jean-Pierre Cléro. Paris : Cahiers de l’Unebévue, 2004. 
    BENTHAM, Jeremy. Chrestomathia [1816-1817]. In: M.J. Smith & W.H. Burston (eds). The collected works of Jeremy Bentham, Oxford, Clarendon Press, 1983. 
    BENTHAM PROJECT. University College London (UCL) : http://www.ucl.ac.uk/ 
    BRUNON-ERNST, Anne. Le panoptique des pauvres : Bentham et la réforme de l’assistance en Angleterre. Paris : Presses Sorbonne Nouvelle, 2007.
    BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento : de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
    CAMPOS, Adriana Pereira. Crime e escravidão: uma interpretação alternativa. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Nação e cidadania no império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.207-235. 
    CAPURRO, Rafael ; HJORLAND, Birger. O conceito de informação. Tradução de Ana Maria Pereira Cardoso, Maria da Glória A. Ferreira, Marco Antonio Azevedo. Perspectivas em Ciência da Informação, v.12, n.1, p.148-207, jan./abr. 2007. 
    CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa à chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
    CENTRE BENTHAM: traduire, commenter, diffuser l’œuvre de Jeremy Bentham (http://www.centrebentham.fr)
    CLÉRO, Jean-Pierre. Bentham philosophe de l’utilité. Paris : Ellipses, 2006.
    CLÉRO, Jean-Pierre. Lire les Writings on poor laws. Postface. In : BRUNON-ERNST, Anne. Le panoptique des pauvres : Bentham et la réforme de l’assistance en Angleterre. Paris : Presses Sorbonne Nouvelle, 2007.
    CLÉRO, Jean-Pierre ; LAVAL, Christian. Le vocabulaire de Bentham. Paris : Ellipses, 2002.
    DARNTON, Robert. Os filósofos podam a árvore do conhecimento: a estratégia epistemológica da Encyclopédie. In: ___. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
    DIDEROT, Denis; D’ALEMBERT, Jean le Rond. Système. In : Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une société de gens de lettres. Paris : 1753. Tome troisième. p. 777-781.
    FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. 
    FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. Trad. de Lígia M. Ponde Vassallo. 10. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1993.
    FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU, 1996.
    MAIRE, Catherine. L’entrée des « Lumières » à l’Index : le tournant de la double censure de l’Encyclopédie en 1759. Recherches sur Diderot et sur l’Encyclopédie, 42, avril 2007.
    MIRANDA, Marcos Luiz Cavalcanti de. Organização e representação do conhecimento : fundamentos teórico-metodológicos na busca e recuperação da informação em ambientes virtuais. Orientadora: Rosali Fernandez de Souza. Tese (Ciência da Informação). Rio de Janeiro, MCT/IBICT, 2005.
    PERROT, Michelle. O inspetor Bentham. In: Bentham, Jeremy. O panóptico. Organização e tradução de Tomaz Tadeu a Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
    STENGERS, Isabelle; BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. Classification. In : ___. 100 mots pour commencer à penser les sciences. Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond, 2003. 
    THIESEN, Icléia. A informação no Oitocentos, Rio de Janeiro, Império do Brasil: notas à memória institucional. Morpheus, v.5, n.9, p.1-14, 2006.
    THIESEN, Icléia. Inteligência informacional: revisitando a informação na história. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, IX. 2008, São Paulo – SP. Anais... São Paulo: USP, 2008.
    THIESEN, Icléia. Répresentation de l’information dans le contexte politique et social, au XIXe siècle, à Rio de Janeiro : éléments pour la mémoire institutionnelle et contribution à la pré-histoire de la Science de l’information. Relatório de pesquisa sob a orientação de Viviane Couzinet. Toulouse: Université Paul Sabatier, Toulouse 3, LERASS, 2008. 125p.
    THIESEN, Icléia. A informação na pré-história da Ciência da Informação: pré-conceito, natureza, episteme. Projeto de pesquisa. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2009. 
    THIESEN, Icléia; MIRANDA, Marcos Luiz Cavalcanti de. Jeremy Bentham e a classificação do conhecimento: elementos para as bases histórico-epistemológicas da Ciência da Informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, X, 2009, João Pessoa – PB. Anais... João Pessoa: UFPB, 2009.


    Notas:
    [1] As ideias contidas no presente artigo, ora parcialmente modificadas, foram apresentadas originalmente ao X ENANCIB (2009), realizado na Universidade Federal da Paraíba. 
    [2] A Enciclopédia, apesar de ter sido considerada herética e de ter sido proibida na França, era comercializada e lida no Brasil pela elite ilustrada. Em seu estudo sobre o Rio de Janeiro setecentista, Cavalcanti menciona o aparato censório que incidia sobre autores e obras que pudessem causar prejuízos aos poderes do Estado e da Igreja. Entre os autores censurados encontramos Diderot e d’Alembert. Apesar da censura existente, havia tratamento especial concedido a algumas obras e a autores, cujos livros “poderiam ser vendidos a pessoas privilegiadas”. Entre os autores censurados Cavalcanti menciona, ainda, Jeremy Bentham. Ver Cavalcanti, 2004, p.149). 
    [3] Na continuidade da pesquisa encontramos uma única e breve menção a essa classificação do conhecimento citada em PIEDADE (1983, p.64): “No século XIX, as classificações tomam um cunho mais positivo, fundamentando-se na natureza dos fenômenos. Surgem as obras de Bentham (1848-1832), Coleridge, Hegel (1770-1831), Ampère (1775-1836), Comte (1798-1857), Stuart Mill (1806-1873), Spencer (1820-1903) e Wundt (1832-1920)”. 
    [4] A obra original data de 1816-1817 e foi editada, em 1843, em Edimburgo, por John Bowring (1792-1872), negociante e advogado de Londres que se torna amigo de Bentham e, “após sua morte, seu executor testamentário, encarregado da publicação das obras do mestre” (Brunon-Ernst, 2007, p. 233). A tradução francesa realizada por Jean-Pierre Cléro, publicada em 2004 e analisada no presente trabalho, considerou a primeira tradução inglesa, mas baseou-se principalmente na edição inglesa de 1983, conforme explicações do seu tradutor (Cléro, 2004, p. LXXI). 
    [5] Na impossibilidade de apresentar a Tabela V, em sua totalidade, considerando a perda de informação que decorreria da sua inserção nos limites do presente trabalho, tornando o seu conteúdo ilegível, apresentamos um resumo esquemático na página 13, item 3. As Tabelas III e IV não serão analisadas por não constituírem o foco deste trabalho e já serem de conhecimento público. Já as Tabelas I e II, que descrevem o conteúdo programático e os princípios da instrução chrestomáthica, embora não possam ser incluídos pelas mesmas razões, são consideradas na análise do pensamento benthamiano e serão objeto de futuros trabalhos que permitam a especificidade que elas suscitam. 
    [6] John Bowring editou The Works of Jeremy Bentham, 11 vols., Edimbourg, 1838-1843. Dos 65 volumes previstos para serem editados pelo Bentham Project, intitulados The Collected Works of Jeremy Bentham, vinte e cinco já estão publicados, entre eles Chrestomathia, Deontology, Constitutional Code, The Correspondence (12 vols.) etc.
    [7] Em outros trabalhos vimos utilizando esses procedimentos no intento de perceber como as ideias de uma determinada época estão refletidas não apenas na produção do conhecimento de seus autores, mas nos estudos subsequentes que carregam os sentidos comuns herdados e/ou desdobrados dessas idéias. Ver Thiesen, 2008.
    [8] Não se trata de descrever minuciosamente as ideias de Bentham, mas de evidenciar os princípios de sua filosofia que estarão refletidos nos seus projetos e, por conseguinte, na forma como concebe o conhecimento. Para um estudo detalhado da sua obra ver, entre outros, Brunon-Ernst (2007); Cléro & Laval (2002); Cléro (2006); Centre Bentham (http://www.centrebentham.fr); Bentham Project (http://www.ucl.ac.uk/bentham-project/). Os pesquisadores do Centre Bentham dispõem de um sítio na Internet, promovem colóquios internacionais sobre o tema, publicam on-line a Révue d’études benthamiennes, além de empreenderem a tradução da obra de Bentham para a língua francesa.
    [9] Parte dos prejuízos sofridos por Jeremy foi compensada pela indenização recebida do governo inglês em 1812, conforme explica Brunon-Ernst  (2007, p.37)
    [10] Se o projeto do Panóptico fracassou, os princípios definidos por Bentham e que constituem o chamado panoptismo ganham espaço ao longo do tempo, tanto na Inglaterra quanto na França, mas também no Brasil. Entre esses princípios estão a inspeção central, o sistema de penas e recompensas, a higiene, o trabalho como correção, etc.
    [11] BENTHAM, Jeremy. [1811] Tratado das penas e recompensas. Nessa obra, publicada inicialmente em francês, define critérios aritméticos para mensurar uma economia dos prazeres. Em Deontologia, o jurista formula uma ciência dos deveres morais. John Stuart Mill (1806-1873) foi bastante influenciado pela ética utilitarista de Bentham e preocupava-se não apenas com a quantidade de felicidade (prazer), mas com a qualidade dos prazeres. 
    [12] A análise das instituições panópticas projetadas por Bentham não constitui o foco direto do presente trabalho, razão pela qual nos debruçaremos sobre elas em outra oportunidade. 
    [13] Chrestomathia, “o que conduz à aprendizagem útil”, é de origem grega e constitui ao mesmo tempo “o título de um livro de Bentham sobre educação, um projeto geral de educação constituído das melhores partes de planos precedentes de ensino, e a definição da integralidade de um programa para uma Escola chrestomáthica”. (Cléro & Laval, 2002, p.19)
    [14] A classificação das sanções serve de guia para a elaboração das regras da sua legislação, conforme explica Brunon-Ernst, vale dizer, a física, a religiosa, a moral e a política (p.161). 
    [15] Smith, M.J.; Burston, W.H. (eds.) Chrestomathia. In: __. The collected works of Jeremy Bentham, Oxford, Clarendon Press. 1983 [1816-1817]. 
    [16] Anne Brunon-Ernst afirma que Bentham produzia diariamente mais de vinte páginas manuscritas, entre correspondências e demais textos. Esse volume de cartas encontra-se organizado e publicado em doze volumes (1968 a 2006), por diferentes editoras inglesas. 
    [17] Citaríamos, por exemplo, na tabela da arte e da ciência, a eudemônica ou ontologia que dividiu em coenoscópica (propriedades comuns a todos os seres) e idioscópica (propriedades particulares a diferentes classes de seres), subdividindo-as em diversas bifurcações, entre as quais as somatoscópicas e as pneumatoscópicas, etc.



    Anexo A:
    Vocabulário Bentham 

    Chrestomathia: palavra grega que designa “o que conduz à aprendizagem útil”, é simultaneamente, um projeto de escola, o título de um livro sobre educação onde também está contida uma classificação do conhecimento, em bifurcação. 
    Deontologia: termo recriado por Bentham, constitui parte da ética, em seu aspecto de censura, pois exprime “um julgamento ou sentimento de aprovação ou desaprovação”. (Bentham: 2004). 
    Eudemônica ou ontologia: “arte cujo objetivo é esforçar-se para contribuir, de um modo ou de outro, para a aquisição [e maximização] do bem-estar e é a ciência em virtude da qual, para os que a possuem, qualquer pessoa sabe como se conduzir para exercer essa arte com eficiência.” (Bentham: 2004, p.208) (...) Trata-se, para Bentham, de uma arte praticada universalmente – a busca da felicidade – sendo o ser sensível um instrumento universal, a única sede da felicidade. “Para designar toda porção de ciência que se pode ter sobre o ser considerado na extensão máxima em que é suscetível, há muitos séculos nos servimos da palavra ontologia”. 
    Ficções (teoria das): termo chave no pensamento benthamiano, “pode significar a linguagem em si e o modo de representação que a caracteriza. (...) [mas] designa mais frequentemente individualidades linguísticas denominadas entidades fictícias e entidades reais” (BENTHAM apud CLERO; LAVAL: 2002, p. 34). As primeiras constituem aquelas cujas existências são atribuídas pelo discurso, pela imaginação, enquanto as segundas são aquelas que têm existência real atribuídas no discurso. 
    Nomografia: Constitui o ramo do discurso utilizado por um superior com o objetivo de dirigir a conduta de um inferior que lhe corresponde. Cunhou o termo e a ele consagrou com o mesmo título uma obra de cinqüenta páginas onde aborda a forma da lei analisada do ponto de vista lógico e linguístico. (CLERO; LAVAL: 2002, p. 48)
    Pannomion: Designa o corpo, tanto mais completo quanto possível, de uma legislação. Bentham reclama uma teoria jurídica que impeça a análise de uma lei, sem a apreensão de um sistema completo do direito, para garantir sua operabilidade. “Em situação de isolamento, uma lei é inoperante: para produzir o efeito desejado, ela deve apoiar-se sobre e ser reforçada por uma outra lei que, por sua vez, reclame a assistência de outras leis”. (BENTHAM apud CLERO; LAVAL: 2002, p.49)
    Panóptico: Termo dos mais conhecidos da lavra de Bentham, constitui ao mesmo tempo um projeto amplo para a construção de prisões, casas de indústria e uma escola, considerando que o princípio da utilidade requer um projeto de educação. Mas, segundo Clero & Laval (2002, p. 19), constitui também um princípio de inspeção, sem o qual não seria possível compreender o pensamento utilitarista de Bentham. Devemos a Michel Foucault a popularização do termo e do projeto panóptico, especialmente em Vigiar e punir: o nascimento das prisões e em A verdade e as formas jurídicas. 
    Utilidade: Bentham a considera como a única justificativa das leis e das instituições, já que “elas são avaliadas segundo sua capacidade de produzir utilidade”. A utilidade de uma tendência, de uma ação ou de um objeto é definida como “a propriedade de produzir felicidade, sob uma ou outra forma, ou de evitar uma infelicidade”. Apesar do termo ser bastante corrente no século XVIII, Bentham não se refere a julgamentos morais ou atos de governo, pensamento dominante no oitocentos, como em Hegel, por exemplo.




    Sobre os autores / About the Author:


    Icléia Thiesen




    Professora Associada da UNIRIO.



    Marcos Luiz Cavalcanti de Miranda




    Professor Adjunto da UNIRIO.

http://www.dgz.org.br/out10/Art_01.htm

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Resiliência e Psicologia Positiva

Resiliência e Psicologia Positiva
Escrito por Fábio Munhoz   
Resiliência é a habilidade de se adaptar e superar com sucesso frente aos desafios e às situações estressantes. É a superação das adversidades de forma saudável e construtiva.
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O termo é oriundo da física, trata-se da capacidade dos materiais de resistirem aos choques e pressões sem alterar suas qualidades.
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Nos anos recentes o termo foi incorporado pelas ciências humanas e expressa a capacidade de um ser humano de superar adversidades.

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A resiliência foi definida por Garmezy (1984) como resistência ao estresse ou invulnerabilidade frente a condições adversas.
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O individuo resiliente não apresenta problemas comportamentais e emocionais frente a estressores.
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Muitas mudanças costumam ocorrer na vida pessoal, novos desafios estão sempre surgindo, sendo assim, é importante aprender a lidar adequadamente com os desafios.
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A resiliência está na superação das dificuldades, a pessoa resiliente "dá a volta por cima" diante dos percalços. Mesmo diante de situações estressoras consegue ser produtiva, aprende e se desenvolve.

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Garmezy, N. (1994) Reflections and commentary on risk, resilience, and development, in: R. Haggerty et al. (Eds) Stress, Risk and Resilience in Children and Adolescents: Processes, Mechanisms and Interventions (New York, Cambridge University Press).
Garmezy, N. (1985) Stress resistant children: The search for protective factors, in: J. E. Stevenson (Ed) Recent Research in Developmental Psychology, Journal of Child Psychology and Psychiatry (Book Supplement No. 4).

http://www.psicologiapositivabr.com/resiliencia.html

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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Santo Agostinho e a liberdade


Escrito por Denis Lerrer Rosenfield  

Sexta, 10 de Julho de 2009 00:00
O Santo Agostinho das Confissões é o filósofo que se debruça sobre a busca da verdade, tendo como testemunho o seu "errar" anterior ao da descoberta de Deus, os seus caminhos numa vida de libertinagem, caracterizada pela pergunta sobre o sentido da existência humana, sobre o verdadeiro bem. Isso significa que a descoberta de Deus é posterior à livre investigação interior. A primeira das liberdades é a de "procurar".

O livre-arbítrio está voltado para o bem e para o justo, embora aquele que age se possa equivocar sobre o seu sentido, tomando um falso bem por um verdadeiro, um bem mutável por um imutável. Isso significa que a busca do bem é algo intrínseco ao ato de sua procura, de tal maneira que não pode, moralmente falando, intervir aqui um poder superior que imponha objetivamente, por um ato de Estado, o que deve ser o bem. O cerceamento do livre-arbítrio é o caminho mais curto para que o bem desapareça.

A livre escolha faz parte da condição humana e, nesse sentido, pode-se dizer que ela é algo querido por Deus, mesmo que o erro e o engano, em suas consequências, sejam tidos por implícitos em sua realização. A liberdade de escolha consiste num ato de abertura para as mais distintas formas de bem (ou de sua ausência como mal), desdobrando-se das mais diferentes maneiras, numa busca incessante que atormenta a subjetividade humana, sobretudo a mais consciente. Em sua forma mais simples, ela se constitui numa alternativa entre duas possibilidades que se apresentam como excludentes. A satisfação de uma exclui a da outra.

A liberdade interior, segundo Santo Agostinho, é um bem muito maior do que todos os bens exteriores, os que podem ser ganhos por intermédio de coisas externas, como o são os bens da riqueza, da concupiscência e do poder. Ou seja, trata-se de um bem que poderia ser dito imaterial e que aparece ao espírito em sua relação consigo. Enquanto bem maior, ele é superior a todos esses outros bens do mundo a que estamos acostumados em nossa vida cotidiana e que almejamos na maior parte das vezes. Acontece que esse bem, que se encontra mais distante dos poderes do mundo, pode ser por estes alcançado, como quando uma pessoa se volta para o que é estimado e valorizado externamente como um bem. Assim, se uma pessoa segue a opinião corrente, sem se indagar por sua validade, se ela segue os ditames do Estado no que diz respeito ao que este estima correto ou elogiável, ela pode, progressivamente, tornar-se uma "alma escrava", incapaz de decidir por si mesma.

Os bens do mundo são, por sua própria natureza, bens mutáveis, submetidos às mais diferentes transformações e mesmo acepções. São bens cuja natureza consiste em poderem ser separáveis das pessoas que os detêm. Os prazeres da carne, da mesa, do poder e da riqueza podem ser separados das pessoas que naquele momento os usufruem. Assim, um devasso pode perder o objeto de seu prazer, um glutão pode não ter mais o que comer, um político pode perder o seu poder e um homem rico pode perder a sua fortuna. Todos estavam apegados a formas de bens relativas, submetidas às condições mutáveis da existência humana.

Decorre daí o valor da liberdade subjetiva como um bem maior, que não pode ser objeto de coerção exterior, pois é nela que se estabelecem as condições de adesão a um bem maior, objeto da liberdade de escolha. Filosoficamente, isso significa que a liberdade de escolha, entendida como esse ato subjetivo da liberdade, não deveria ser cerceada por uma força exterior, pois a própria busca do bem estaria prejudicada e, com ela, a própria opção pelo bem maior. Quando o Estado impõe o bem, ele retira do livre-arbítrio essa opção e, ao fazê-lo, torna o homem servo de um poder superior que o ultrapassa. O bem não escolhido, na verdade, cessa de ser um bem, pois não é mais o resultado do livre-arbítrio.

O Estado moderno, em suas vertentes autoritárias e, extremas, como totalitárias, tende a impor o que entende como sendo o bem, o bem tal como ele o concebe. O Estado coloca-se na posição daquele que sabe o que é o bem maior, numa espécie de sucedâneo do absoluto, desconhecendo que o verdadeiro bem é o que nasce da liberdade de escolha e, em particular, da liberdade subjetiva e religiosa. É como se a condição humana devesse não ser reconhecida na diversidade de noções de bem que a ela se oferecem, diversidade tanto maior quanto maior for a liberdade de escolha, mas devesse ser tida por objeto de uma espécie de moldagem estatal. O bem imposto pelo Estado é aquele que parte do cerceamento da liberdade de escolha.

Tomemos dois exemplos do Brasil atual: o do uso obrigatório do GPS e o da proibição do fumo, em lei aprovada pela Assembleia Legislativa paulista e objeto de uma lei que tramita no Senado Federal. Em ambos os casos observamos o Estado impondo aos cidadãos o que entende como sendo a sua noção do bem - no primeiro, o da segurança e, no segundo, o da saúde. Os indivíduos são considerados incapazes racionalmente de escolher o que é melhor para si, como se fossem menores que deveriam ser guiados por um pai que tudo sabe.

Note-se que o objeto a ser atingido é a própria liberdade de escolha, não podendo o indivíduo escolher colocar ou não o GPS em seu carro ou fumar num lugar exclusivamente reservado, com exaustores apropriados, de tal modo que o bem e o direito alheio não sejam atingidos. O bem imposto do exterior não é objeto de uma deliberação subjetiva, da liberdade do homem que busca a si mesmo nas distintas opções de sua vida. Ele não é valorizado como homem stricto sensu, enquanto livre, na procura incessante do bem, mas como ser objeto de imposição. Por que não, amanhã, proibições relativas ao consumo de bebidas alcoólicas, alimentos com gorduras e/ou colesterol ou ao uso de celulares, por causa das radiações que incidem sobre o aparelho auditivo? Onde está o limite, quando o Estado age sem limites?



(*) Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090608/not_imp383942,0.php


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Filosofia: Sto. Agostinho - teorias da reminiscência e iluminação divina

[2º ano] Filosofia: Sto. Agostinho - teorias da reminiscência e iluminação divina

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

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A teoria da reminiscência e a teoria da iluminação divina.

No período medieval não era muito comum aos estudiosos debruçar os seus estudos sobre o conhecimento. No entanto, Santo Agostinho o fez.  O filósofo cristão aproximou a cultura clássica - tão largamente expressa no pensamento dos gregos, principalmente Sócrates, Platão e Aristóteles - do cristianismo vigente, forte na época da Patrística.
Ele apresenta "teoria do conhecimento" (aos moldes platônicos) com uma cisão (divergência) entre conhecimento proveniente dos sentidos – que fornece elementos que são levados à memória e organizado pelo indivíduo –, e o conhecimento inteligível – aquele que só pode ser percebido pela mente humana e somente por meio da reflexão.
É no âmbito da reflexão sobre o conhecimento que ele se aproxima da teoria platônica da reminiscência. A reminiscência platônica, ou a anamnésis é a ação de recordar, ou trazer à mente o conhecimento que é inerente à psique humana e que precisa ser lembrada pela reflexão filosófica. É o recordar os entes inteligíveis que já existem na psique. Agostinho identifica na "teoria das ideias" de Platão o universo das "ideias divinas". As ideias divinas, os homens as recebem de Deus através da iluminação, e, com isso o conhecimento das verdades eternas.
Agostinho reinterpreta a teoria da Reminiscência fazendo nascer sua teoria da Iluminação. Essa doutrina da iluminação divina responde como o homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas, ou como diria Platão, as verdades inteligíveis. Dessa forma, o verdadeiro é o que é previamente iluminado pela luz divina, e que é algo extraído da própria alma, mas que está de modo infuso. Pode-se afirmar, no entanto, que a iluminação é a potência que age no intelecto do homem para se chegar a verdade imutável.
Agostinho não rejeita o conhecimento proveniente das sensações, mas o coloca em um patamar inferior, entendendo o intelecto como superior, mas sendo ambos fonte de conhecimento. É na realidade uma reinterpretação do platonismo. Para ele, assim como para a visão a luz (física) exerce papel fundamental, sem a qual não haveria conhecimento dos objetos sensíveis, do mesmo modo para o conhecimento intelectual é necessário uma luz espiritual, esta, no entanto, proveniente de Deus. 
Se para Platão o conhecimento é o resultado de uma reflexão dialética, para Agostinho é pura graça divina, não negando o caráter filosófico que é a reflexão. Esta por sua vez, é alcançada por uma vida de piedade e de temor a Deus. Atingir essa iluminação não é tarefa para todos os homens mas sim para aqueles que se voltam a Deus e recebe Cristo como o mediador desse processo. 
Embora essa mediação tenha sido afetada pelo pecado original, ela não foi de completamente anulada, é a graça divina que auxilia o homem em sua ascensão ao mundo espiritual, onde ele pode ter contato com os entes do conhecimento puro.

Outros elementos de reflexão da filosofia cristã de Santo Agostinho

Superioridade da alma: para o filósofo, há a supremacia do espírito sobre o corpo, a matéria. A alma teria sido criada por Deus para reinar sobre o corpo, dirigindo-o para a prática do bem.
Boas obras ou graça divina? O ser humano que trilha a vida do pecado só consegue retornar aos caminhos de Deus e da salvação mediante a combinação de seu esforço pessoal de vontade e a concessão imprescindível da graça divina. Segundo Agostinho, sem a graça divina o ser humano nada consegue. Essa graça seria concedida apenas aos predestinados à salvação. A questão da graça divina marcou profundamente o pensamento medieval cristão. E a doutrina da predestinação à salvação foi, posteriormente, adotada por alguns ramos da teologia protestante.  A Igreja Cristã Medieval pregava que, apenas boa vontade e boas obras humanas não eram suficientes para a salvação individual. 
Liberdade e pecado: para o filósofo, a liberdade humana é própria da vontade e não da razão, daí a origem do pecado. A pessoa peca porque usa de seu livre-arbítrio para satisfazer uma vontade má, mesmo sabendo que tal atitude é pecaminosa. Desta forma, o ser humano não pode ser autônomo na sua vida moral, pois se for, a vontade o conduzirá a querer o mal e praticar o pecado. Neste caso necessita da graça de vida para se salvar.
Precedência da fé: a fé nos faz crer em coisas que nem sempre entendemos pela razão. A fé revela verdades ao ser humano de forma direta e intuitiva. Vem depois a razão, esclarecer aquilo que a fé antecipou.

Influências helenísticas sobre o pensamento de Agostinho

Do maniqueísmo: herdou uma concepção dualista no âmbito da moral, simbolizada pela luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a alma e o corpo. Nesse sentido diz que o homem tem uma inclinação natural para o mal, para os vícios, para o pecado (já nascemos pecadores). O mal é o afastamento de Deus, necessitando assim o ser humano de uma intensa educação religiosa.

Ceticismo: desconfiava dos dados dos sentidos, do conhecimento sensorial, que nos apresenta uma multidão de seres mutáveis, flutuantes e transitórios.

Platonismo: assimilou que a verdade deve ser buscada intelectualmente no “mundo das ideias”. Defendeu a via do autoconhecimento, o caminho da interioridade, como instrumento legítimo para a busca da verdade. A nossa alma necessita da luz divina para visualizar as verdades eternas da sabedoria.

Fontes: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1995, p. 206-209
SILVA, Marcos Roberto Damásio. A teoria da iluminação (conhecimento) em Santo Agostinho. Disponível em: <http://inclinacoesfilosoficas.blogspot.com.br/2008/09/conhecimento-e-teoria-da-iluminao-na.html>

http://professorakaroline.blogspot.com.br/2013/02/2-ano-filosofia-sto-agostinho-teorias.html
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domingo, 31 de agosto de 2014

III Simpósio Nacional de Psicopedagogia da ABPp, abordando o tema “Psicopedagogia: Novos Tempos... Novos Cenários...”

Simpósio "Novos Tempos, Novos Cenários..."

A Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp - prepara o maior evento de psicopedagogia do Brasil para receber calorosamente todos os psicopedagogos e os profissionais das áreas afins no III Simpósio Nacional da ABPp, com o tema Psicopedagogia: Novos Tempos... Novos Cenários..., que será realizado de 26 a 28 de setembro, em São Paulo, na UNIP - campus Paraiso.
Sabemos que o aprimoramento profissional é um requisito para a eficácia de nossa atuação, portanto temos que fazer parte deste evento dedicado à temas que têm exigido dos psicopedagogos habilidade, comprometimento e dedicação.

Aproveite esta oportunidade e participe conosco!
Faça sua inscrição com desconto e em duas vezes no boleto ou no cartão de crédito até o dia 31 de agosto.
Após esta data aceitaremos em duas vezes apenas no cartão.


Mais informações e inscrições no site do evento: www.abppsimposio.com.br

Ou pelos seguintes contatos na Arte em Eventos:


e telefone: (11) 3641-4431


Sua presença é parte deste evento!
Esperamos você em São Paulo.

Luciana Barros de Almeida
Presidente Nacional da ABPp
Associação Brasileira de Psicopedagogia


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Apresentação

A Psicopedagogia no Brasil vem apresentando crescimento expressivo e gradativo desde sua instauração, a partir da década de 70. Pela trajetória e compromisso com o seu fazer, vem sendo legitimada socialmente nestes últimos anos. Isto se deve à sua abrangência social nos variados contextos onde está inserida, inclusive a relevância alcançada se deve ao caráter interdisciplinar desta área de conhecimento. 

Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), instituição que representa os psicopedagogos brasileiros, com esforço, dedicação e atenção, promoverá em 2014 o III Simpósio Nacional de Psicopedagogia da ABPp, abordando o tema “Psicopedagogia: Novos Tempos... Novos Cenários...”  oportunizando a atualização com o que há de mais recente nessa área de conhecimento. Durante o evento os participantes em contato com os principais estudos, poderão participar das discussões propostas acerca da ética, família, sexualidade, neurociências, transtornos invasivos do desenvolvimento, formação e atuação profissional, altas habilidades e inclusão. Reunindo psicopedagogos de todo o país a ABPp vai estreitar laços, fomentar a formação, mostrar que estes novos tempos na Psicopedagogia requer habilidade, comprometimento e dedicação com o fazer psicopedagógico.                                                                                                                                          
A ABPp empenha-se em proporcionar aos participantes  a possibilidade de trocar experiências entre si, compartilhando suas ideias inovando o conhecimento e a aprendizagem nestes novos tempos.

Participe, venha compor os novos cenários da psicopedagogia.

Sua presença é parte deste evento!
Esperamos você em São Paulo, de 26 a 28 de setembro de 2014.

Luciana Barros de Almeida

Presidente Nacional da ABPp
Associação Brasileira de Psicopedagogia



Obrigado pela visita, volte sempre.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

PROJETO LEITURA NA EDUCACÃO INFANTIL




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LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL


LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

1.Introdução




A Infância é o momento em que as crianças estão mais propícias a desenvolver hábitos que serão seguidos futuramente, por isso consideramos que seja essencial estimular as crianças a gostarem de ler desde bem pequenas.

É necessário mostrar às crianças que o ato de ler além de poder ser usado como obtenção de informações pode ser muito prazeroso, fantástico e lúdico.



. Nessa idade é possível auxiliar a criança a compreender a si mesma, seu corpo, seus gostos e estimular alguns hábitos desejados pelos adultos.

Podemos, então, inferir que o gosto pela leitura de livros literários possa ser introduzido na vida das crianças desde sua tenra idade. Durante os primeiros anos (antes de ser alfabetizada) a criança ainda não poderá ler, mas poderá ouvir histórias, ver seus parceiros manuseando livros, ela pode folhear livros e ver as gravuras e é através desse contato com o mundo da leitura que o gosto pela mesma pode ser estimulado desde a Educação Infantil.

2. Objetivos

Esse projeto de pesquisa e intervenção tem como objetivos centrais: 

•Estimular o gosto pela leitura desde a Educação Infantil; 

•Promover momentos de contação de histórias;

•Proporcionar momentos de manuseio de livros;

•Estimular as crianças a lerem imagens e construírem histórias a partir delas.

3. Metodologia 

Para alcançarmos os objetivos propostos, fizemos um levantamento bibliográfico e um aprofundamento teórico a fim de construir atividades que estimulassem o hábito e o interesse pela leitura e que se desenvolverão de maneira gradativa, buscando cativar e atrair as crianças para terem uma maior proximidade e intimidade com o mundo da leitura. Todas as atividades acontecerão em um ambiente calmo, fora da agitação das outras turmas da instituição, e as crianças deverão ficar à vontade, sentadas no chão em círculo. O tempo estimado para cada atividade será de 40 minutos a 1 hora. (tempo previsto : 6 dias)

1ª atividade: Contar Histórias

Para essa atividade serão escolhidas histórias conforme a faixa etária das crianças. Elas serão contadas através de teatro de fantoches com entonação de voz criando a diferenciação das personagens e chamando a atenção das crianças para essa diferença.. Após a apresentação mostrar às crianças que as histórias também podem ser encontradas em livros, e deixá-las manusear os mesmos e os fantoches para que possam recriar as histórias.

2ª atividade: Contar história com livro

A história será contada através de um livro rico em gravuras, e antes de trocar a página o educador deverá questionar com as crianças o que elas acham que acontecerá na próxima página, estimulando-as a falar (oralidade) e incentivando a imaginação e o raciocínio lógico entre uma cena e outra.

3ª atividade: Histórias a partir de gravuras

Deverão ser confeccionadas placas grandes com gravuras que estabeleçam uma lógica de continuidade entre elas. As placas serão apresentadas uma de cada vez ao grupo de crianças e as mesmas farão a locução do texto oral a partir das gravuras que vêem. O professor não irá contar a história, as crianças é que a contarão através das gravuras.

4ª atividade: Produção individual de história

A professora deverá contar uma história (com entonação e utilizando o livro) para as crianças, em seguida deverá pedir às crianças que a passem para o papel através de seus desenhos. Serão oferecidos às crianças materiais como folhas, lápis de cor, canetinhas, giz de cera e lápis de escrever. Caso algumas crianças conheçam algumas letras, incentivá-las a utilizá-las em suas produções. As produções dos alunos deverão ser expostas para toda a turma ver o que os colegas produziram. A professora deve estimular e valorizar as produções das crianças.

5ª atividade: Produção oral coletiva da história. 

O professor deverá iniciar uma história oralmente (uma história que não seja conhecida pelas crianças, ou uma fictícia) e uma de cada vez irá dar continuidade à história, assim cada criança deverá prestar atenção na continuidade que o colega deu para que possa construir a história a partir do ponto em que parou (poderão ser colocados novos personagens na história, mudança de eventos entre outros). O professor deverá transcrever a história produzida pelas crianças e depois contá-la à elas. Pode ser sugerido que as crianças façam a ilustração da história.

6ª atividade: Contato com livros

Assim como as outras atividades, a professora deverá contar uma história com um livro, e apresentar às crianças outros livros, contar-lhes seus títulos e deixa-las manusear os livros, tentando “ler” as histórias. A atividade pode ser desenvolvida em um primeiro momento individualmente, e depois em duplas cada criança contará a história a seu parceiro, utilizando a leitura que faz das imagens.

5. Considerações finais 

Esse projeto de pesquisa e intervenção está em andamento mas podemos afirmar, como resultados parciais a partir da discussão teórica, que essas atividades serão muito importante não só para desenvolver o hábito e o interesse pela leitura como também para proporcionar momentos lúdicos, fantásticos à turma, a união da mesma, o desenvolvimento da oralidade, da criatividade e a utilização de seqüências lógicas.

Embora saibamos que as condições de exeqüibilidade do projeto nas instituições públicas não sejam muito favoráveis, nos propomos a levar os materiais que serão utilizados de modo não prejudicar o andamento das atividades. Ao término das atividades montaremos um cantinho de leitura na sala em que foram desenvolvidas as atividades utilizando livros adquiridos por meio de doações, tapete, almofadas e muitas placas com gravuras, para que possam estimular as produções dos alunos acreditando que, dessa forma, contribuiremos para o desenvolvimento do gosto pela leitura desses alunos.


Obrigado pela visita, volte sempre.

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