segunda-feira, 31 de julho de 2017

Os paradoxos do Cristianismo – Chesterton

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Este estranho efeito provocado pelos grandes agnósticos, de levantarem dúvidas ainda mais profundas do que as suas próprias, poda ser exemplificado de várias maneiras. Citarei apenas uma. Quando li e reli todos os relatos não-cristãos e anticristãos a respeito da Fé, de Huxley a Bradlaugh, logo uma lenta e horrível impressão gravou-se, gradual mas graficamente, sobre o meu espírito – a impressão de que o Cristianismo devia ser algo extraordinário. De fato, o Cristianismo (como eu o entendia) tinha os mais  violentos vícios, mas tinha também, aparentemente, o místico talento de conciliar defeitos que pareciam incompatíveis entre si. Atacavam-no por todos os lados e pelas mais contraditórias razões. Assim que um racionalista acabava de demonstrar estar o Cristianismo demasiadamente longe para o leste, outro vinha demonstrar, com igual clareza, que ele estava muito mais longe para o oeste. E tão logo minha indignação esmorecera perante sua angular e agressiva quadratura, logo minha atenção era despertada para observar e condenar sua enervante e sensual esfericidade. Caso algum leitor não tenha compreendido o que quero dizer, dar-lhe-ei tantos exemplos quantos, ao acaso, lembrar-me a respeito desta auto-contradição do ataque cético. Começarei por apresentar quatro ou cinco exemplos; existem mais de cinqüenta.
Por exemplo, deixei-me influenciar bastante pelo eloqüente ataque contra o Cristianismo por sua desumana melancolia, pois sempre pensei (e ainda penso) que o pessimismo sincero é o pecado imperdoável. O falso pessimismo é uma realização social, mais aceitável do que qualquer outra coisa e, felizmente, quase todo o pessimismo carece de sinceridade. Mas, se o Cristianismo fosse, como se costumava dizer, algo meramente pessimista e contrário à vida, então eu estaria inteiramente disposto a mandar pelos ares a Catedral de S. Paulo. O mais extraordinário, porém, é o seguinte: provaram-me, no Capítulo I (para minha absoluta satisfação), que o Cristianismo era demasiadamente pessimista; mas, depois, no Capítulo II, provaram-me que ele era, em grande parte, otimista demais. Uma das acusações contra o Cristianismo era a de que ele impedia os homens, por meio de lágrimas e terrores mórbidos, de procurarem a alegria e a liberdade no seio da Natureza. Outra acusação, porém, era que ele confortava os homens com uma fictícia providência e os colocava numa creche rosa e branca. Um grande agnóstico perguntava por que motivo a Natureza não era suficientemente bela, e por que razão custava tanto ser livre. Outro agnóstico argumentava que o otimismo cristão – “esse vestido ‘de mentirinha’ tecido por mãos piedosas” – escondia de nós o fato de que a Natureza era feia e que era impossível ser livre. Quando um racionalista classificava o Cristianismo como um pesadelo, já outro começava a chamá-lo de paraíso dos tolos. Isso me intrigavam porque tais acusações pareciam-me incompatíveis. O Cristianismo não podia ser, ao mesmo tempo, uma máscara preta sobre um mundo branco e uma máscara branca sobre um mundo preto. A situação de um cristão não podia ser, ao mesmo tempo, tão confortável a ponto de ser ele um covarde para prender-se a ela, ou tão desconfortável a ponto de ser um tolo para nela permanecer. Se o Cristianismo deturpava a visão humana, devia deturpá-la de uma forma ou de outra: o cristão não poderia usar, ao mesmo tempo, óculos verde e óculos cor-de-rosa. E, como todos os rapazes daquele tempo, eu repetia com terrível alegria as zombarias que Swinburne proferia contra a monotonia do credo:
“Venceste, ó pálido Galileu, e o Mundo tornou-se sombrio com o Teu hálito”.
Mas, quando li as narrativas deste mesmo poeta acerca do paganismo (como em“Atlanta”), cheguei à conclusão de que o Mundo era ainda mais sombrio, se isso fosse possível, antes do Galileu bafejá-lo com o seu sopro, do que depois disso. Certamente o poeta afirmava, em abstrato, que a própria vida era escura como breu. E no entanto, de uma forma ou de outra, o Cristianismo a tinha obscurecido ainda mais. O mesmo homem que acusava o Cristianismo de pessimismo era, ele próprio, um pessimista. Achei que devia haver algo errado. E, num momento de exaltação, veio-me à mente a idéia de que aqueles talvez não fossem os melhores juízes da relação entre a religião e a felicidade, pois não possuíam nem uma coisa nem outra.
Deve-se compreender que não concluí, apressadamente, que as acusações eram falsas ou que os acusadores não passavam de loucos. Apenas deduzi que o Cristianismo deveria ser algo mais estranho e perverso do que se pretendia afirmar. Uma coisa pode ter esses dois defeitos opostos, mas era necessário que fosse bastante estranha para poder concentrar tais características. Um homem podia ser muito gordo em uma parte do corpo e muito magro em outra, mas seria preciso que tivesse uma compleição deveras singular. Nesse ponto, todos os meus pensamentos centravam-se, apenas, na bizarra forma da religião cristã, sem atribuir qualquer forma bizarra ao pensamento racionalista.
Segue-se outro caso semelhante. Uma das coisas que eu julgava que mais depunham contra o Cristianismo era a acusação que lhe faziam, de que havia algo de tímido, de monacal e de desumano em tudo o que se costuma chamar de “cristão”, especialmente sua atitude perante a resistência e a luta. Os grandes céticos do século XIX eram, em grande parte, viris. Bradlaugh, de forma expansiva, e Huxley, de forma reservada, eram, decididamente, homens. Em comparação, parecia aceitável que existisse algo de fraco e de excessivamente paciente nos ensinamentos cristãos. O paradoxo do Evangelho acerca da outra face, o fato dos padres nunca lutarem em guerras, uma centena de coisas, enfim, tornava plausível a acusação de que o Cristianismo era uma tentativa de transformar o homem em um cordeiro. Li isso e acreditei, e, se não tivesse lido nada diferente, continuaria a acreditar. No entanto, li algo muito diferente depois. Virei a página seguinte do meu manual agnóstico, e logo meu cérebro ficou de pernas para o ar. Descobri, então, que tinha de odiar o Cristianismo, não por combater pouco, mas por combater demasiado. A religião cristã parecia a mãe das guerras. O Cristianismo tinha inundado o mundo em sangue. Eu, que havia ficado zangado com o Cristianismo por ele nunca se zangar, tinha, agora, de zangar-me com ele, porque sua fúria havia sido a coisa mais horrível e mais monstruosa da História da Humanidade. O seu ódio embebera-se na Terra e fumegara até o Sol. As mesmas pessoas que criticavam o Cristianismo por sua mansidão e pela não-resistência dos mosteiros eram as que vinham, agora, acusá-lo pela violência e pela bravura das Cruzadas. Fora por culpa do pobre e velho cristianismo (de uma forma ou de outra) que Eduardo, o Confessor, não combatera, e Ricardo Coração de Leão, sim. Os Quackers (assim ouvíamos dizer) eram os únicos cristãos típicos e, no entanto, os massacres de Cromwell e de Alba eram crimes tipicamente cristãos. O que tudo isso queria dizer? Que Cristianismo era este que sempre proibia as guerras e sempre estava a provocá-las? Qual poderia ser a natureza de uma coisa que era insultada, primeiramente, por não combater e, depois, por estar sempre envolvida em lutas? Em que mundo de enigmas se gerara esse monstruoso assassino e essa monstruosa mansidão? A forma do Cristianismo tornava-se mais estranha a cada instante.
Passo, agora, ao terceiro caso; o mais estranho de todos, porque envolve uma objeção real contra a Fé. A única objeção real contra a religião cristã é o fato [de] ser ela uma religião. O Mundo é um grande lugar, habitado por povos das mais diferentes espécies. O Cristianismo (parece-me razoável fazer esta afirmação) está limitado a um tipo de povo: surgiu na Palestina, e, praticamente, parou na Europa. Esse argumento impressionou-me fortemente na mocidade, e senti-me como que arrastado para a doutrina que sempre fora pregada nas sociedades éticas, isto é, a doutrina segunda a qual existe uma grande e inconsciente igreja que pertence a toda a Humanidade, fundada sobre a onipresença da consciência humana. Os credos – dizia-se então – dividiam os homens, mas a moral ao menos acabava por uni-los. A alma podia procurar as mais estranhas e mais remotas terras e épocas, e, ainda assim, encontraria o essencial senso comum ético. Podia encontrar Confúcio sob as árvores do Ocidente, mas encontrá-lo-ia escrevendo: “Não roubarás”. Podia decifrar os mais obscuros hieróglifos encontrados no mais primitivo deserto, e o seu significado, depois de decifrado, seria este: “Os meninos devem dizer a verdade”. Eu acreditava nesta doutrina da irmandade de todos os homens que diz respeito à posse de um senso moral, e nela acredito ainda, como acredito em outras coisas. Eu ficava, então, muito irritado com o Cristianismo, porque sugeria (como eu supunha) a idéia de que todas as épocas e impérios dos homens tinham escapado, inteiramente, a esta luz da justiça e da razão. Mas encontrei, depois, algo surpreendente. Verifiquei que as pessoas que diziam ser a Humanidade uma Igreja, de Platão a Emerson, eram as mesmas que afirmavam ter a moralidade mudado totalmente, afirmando, ainda, que o que era considerado certo em uma época já não o era em outra. Se eu pedisse, digamos, um altar, responder-me-iam que não havia necessidade dele, pois os nossos irmãos nos haviam deixado claros oráculos e um credo, nos seus ideais e costumes universais. Mas, se eu, serenamente, argumentasse que um dos costumes universais do homem era ter um altar, então os meus agnósticos mestres virar-se-iam completamente e responder-me-iam que os homens sempre tinham estado mergulhado nas trevas e nas superstições dos selvagens. Verifiquei que seu constante desdém em relação ao Cristianismo era por ser ele a luz de um povo, enquanto deixava todos os outros morrerem nas trevas. No entanto, pude também observar que era para eles motivo especial de orgulho o fato de serem a ciência e o progresso a descoberta de um povo, enquanto todos os outros povos jaziam na escuridão. O seu principal insulto contra o Cristianismo era, efetivamente, para eles, motivo de glória, e parecia uma estranha injustiça toda a sua relativa insistência nesses dois aspectos. Ao considerarmos algum pagão ou agnóstico, era forçoso lembrarmo-nos de que todos os homens tinham uma religião; ao considerarmos algum místico ou espiritualista, tínhamos apenas de ponderar as absurdas religiões que alguns homens professavam. Podíamos acreditar na ética de Epicteto porque a ética nunca tinha mudado, mas não devíamos acreditar na ética de Bossuet porque a ética tinha mudado. Operara-se uma mudança em duzentos anos, mas não em dois mil.
Tudo isso começava a parecer alarmante. Não que o Cristianismo fosse suficientemente mau para agregar em si todos os defeitos, mas qualquer vara era suficientemente boa para açoitar a religião cristã. A que poderíamos comparar esta coisa extraordinária que todos estavam ansiosos por contradizer, sem mesmo repararem que, assim procedendo, contradiziam a si próprios? Observei o mesmo em todo o lugar. Não posso dispor de mais espaço para esta discussão em todos os seus pormenores, mas, para que não se suponha que estive selecionando, injustamente, três casos aleatórios, mencionarei, rapidamente, alguns outros. Alguns céticos descreveram que o grande crime do Cristianismo tinha sido o seu ataque contra a família. O Cristianismo arrastava as mulheres para a solidão e para a vida contemplativa de um mosteiro, longe de seus lares e de seus filhos. Mas logo outros céticos (ligeiramente mais avançados) vinham dizer que o grande crime do Cristianismo era forçar-nos ao casamento e à constituição da família, condenando as mulheres ao duro trabalho do lar e dos filhos, proibindo-lhes a solidão e a vida meditativa. As acusações eram, na verdade, contraditórias. Dizia-se, ainda, que algumas palavras das Epístolas ou do Rito do Matrimônio revelavam desprezo pelo intelecto das mulheres. No entanto, concluí que os próprios anticristãos sentiam desprezo pelo intelecto das mulheres, porque seu grande desdém pela Igreja no continente era devido ao fato de afirmarem que “só as mulheres” a freqüentavam. Outras vezes, o Cristianismo era censurado por seus trajes indigentes e pobres, por seu burel e suas ervilhas secas. Entretanto, no momento seguinte, o Cristianismo era censurado por sua pompa e ritualismo, seus relicários de pórfiro e suas vestes de ouro. Acusavam-no por ser demasiadamente humilde e por ser demasiadamente pomposo. O Cristianismo era acusado, ainda, de ter sempre reprimido em extremo a sexualidade, quando Bradlaugh, o Malthusiano, descobrira que ele a reprimia muito pouco. De um só fôlego, lançavam-lhe ao rosto uma recatada respeitabilidade e uma religiosa extravagância. Nas capas do mesmo panfleto ateu, fui encontrar a fé censurada por sua falta de união (“uns pensavam uma coisa e outros pensavam outra”) e, ao mesmo tempo, por sua união (“é a diferença de opinião que impede o Mundo de se arruinar”). No decorrer da mesma conversa, um amigo meu, livre-pensador, censurava o Cristianismo por desprezar os judeus e depois desprezava a si mesmo por ser judeu.
Eu desejava ser absolutamente imparcial, como ainda o desejo ser agora, e não concluí que o ataque ao Cristianismo fosse de todo injusto. Concluí apenas que, se o Cristianismo estava errado, estava, sem dúvida, muito errado. Tão hostis terrores poderiam ser combinados em uma só coisa, mas tal coisa devia ser bem estranha e única. Há homens que são avarentos e, ao mesmo tempo, perdulários; porém, são raros. Há também homens lascivos e, ao mesmo tempo, ascéticos, mas estes também são raros. Mas, se este amálgama de loucas contradições realmente existisse, pacifista e sanguinário, suntuoso e maltrapilho, austero e lascivo, inimigo das mulheres e seu tolo refúgio, pessimista declarado e otimista ingênuo, se este mal existisse, então haveria nele algo de supremo e único. De fato, não encontrei nos meus mestres racionalistas explicação alguma para tal excepcional corrupção. O Cristianismo (teoricamente falando) era, a seus olhos, apenas um dos mitos ordinários e um dos erros dos mortais.Eles não me davam a chave para esta retorcida e desnatural maldade. Esse mal assumia as proporções do sobrenatural. Era, sem dúvida, quase tão sobrenatural como a infalibilidade do papa. Uma instituição histórica que nunca se mostrou acertada é um milagre tão grande como uma instituição que nunca pode errar. A única explicação que imediatamente me ocorreu à mente foi que o Cristianismo não viera do céu, mas do inferno. Na verdade, se Jesus de Nazaré não fosse Cristo, devia ter sido o Anticristo.
G. K. Chesterton, “Ortodoxia”, pp. 114-121. Ed. LTr, São Paulo, 2001.
fonte; http://www.deuslovult.org/2009/06/08/os-paradoxos-do-cristianismo-chesterton/

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sexta-feira, 28 de julho de 2017

REFLETINDO SOBRE A DIFICULDADE DE LEITURA EM ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR: “DEFICIÊNCIA” OU SIMPLES FALTA DE HÁBITO? Cleber Tourinho1


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'Geração do diploma' lota faculdades, mas decepciona empresários


Estudante (Foto Reuters)Direito de imagemREUTERS
Image captionNúmero de instituições de ensino superior mais que dobrou desde 2001
Nunca tantos brasileiros chegaram às salas de aula das universidades, fizeram pós-graduação ou MBAs. Mas, ao mesmo tempo, não só as empresas reclamam da oferta e qualidade da mão-de-obra no país como os índices de produtividade do trabalhador custam a aumentar.
Na última década, o número de matrículas no ensino superior no Brasil dobrou, embora ainda fique bem aquém dos níveis dos países desenvolvidos e alguns emergentes. Só entre 2011 e 2012, por exemplo, 867 mil brasileiros receberam um diploma, segundo a mais recente Pesquisa Nacional de Domicílio (Pnad) do IBGE.
"Mas mesmo com essa expansão, na indústria de transformação, por exemplo, tivemos um aumento de produtividade de apenas 1,1% entre 2001 e 2012, enquanto o salário médio dos trabalhadores subiu 169% (em dólares)", diz Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia na Confederação Nacional da Indústria (CNI).
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A decepção do mercado com o que já está sendo chamado de "geração do diploma" é confirmada por especialistas, organizações empresariais e consultores de recursos humanos.
"Os empresários não querem canudo. Querem capacidade de dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos, rejeitam a maioria", diz o sociólogo e especialista em relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração da USP, José Pastore.
Entre empresários, já são lugar-comum relatos de administradores recém-formados que não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos que não conseguem resolver equações simples ou estagiários que ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos.
"Cadastramos e avaliamos cerca de 770 mil jovens e ainda assim não conseguimos encontrar candidatos suficientes com perfis adequados para preencher todas as nossas 5 mil vagas", diz Maíra Habimorad, vice-presidente do DMRH, grupo do qual faz parte a Companhia de Talentos, uma empresa de recrutamento. "Surpreendentemente, terminanos com vagas em aberto."
Outro exemplo de descompasso entre as necessidades do mercado e os predicados de quem consegue um diploma no Brasil é um estudo feito pelo grupo de Recursos Humanos Manpower. De 38 países pesquisados, o Brasil é o segundo mercado em que as empresas têm mais dificuldade para encontrar talentos, atrás apenas do Japão.
É claro que, em parte, isso se deve ao aquecimento do mercado de trabalho brasileiro. Apesar da desaceleração da economia, os níveis de desemprego já caíram para baixo dos 6% e têm quebrado sucessivos recordes de baixa.
Linha de montagem da Ford (Foto BBC)
Image captionProdutividade da industria aumentou apenas 1,1% na última década, segundo a CNI
Mas segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgado nesta semana, os brasileiros com mais de 11 anos de estudo formariam 50% desse contingente de desempregados.
"Mesmo com essa expansão do ensino e maior acesso ao curso superior, os trabalhadores brasileiros não estão conseguindo oferecer o conhecimento específico que as boas posições requerem", explica Márcia Almstrom, do grupo Manpower.

Causas

Especialistas consultados pela BBC Brasil apontam três causas principais para a decepção com a "geração do diploma".
A principal delas estaria relacionada a qualidade do ensino e habilidades dos alunos que se formam em algumas faculdades e universidades do país.
Os números de novos estabelecimentos do tipo criadas nos últimos anos mostra como os empresários consideram esse setor promissor. Em 2000, o Brasil tinha pouco mais de mil instituições de ensino superior. Hoje são 2.416, sendo 2.112 particulares.
"Ocorre que a explosão de escolas superiores não foi acompanhada pela melhoria da qualidade. A grande maioria das novas faculdades é ruim", diz Pastore.
Tristan McCowan, professor de educação e desenvolvimento da Universidade de Londres, concorda. Há mais de uma década, McCowan estuda o sistema educacional brasileiro e, para ele, alguns desses cursos universitários talvez nem pudessem ser classificados como tal.
"São mais uma extensão do ensino fundamental", diz McCowan. "E o problema é que trazem muito pouco para a sociedade: não aumentam a capacidade de inovação da economia, não impulsionam sua produtividade e acabam ajudando a perpetuar uma situação de desigualdade, já que continua a ser vedado à população de baixa renda o acesso a cursos de maior prestígio e qualidade."
Para se ter a medida do desafio que o Brasil têm pela frente para expandir a qualidade de seu ensino superior, basta lembrar que o índice de anafalbetismo funcional entre universitários brasileiros chega a 38%, segundo o Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope.
Estudantes (Foto BBC)
Image captionEspecialistas questionam qualidade de novas faculdades no Brasil
Na prática, isso significa que quatro em cada dez universitários no país até sabem ler textos simples, mas são incapazes de interpretar e associar informações. Também não conseguem analisar tabelas, mapas e gráficos ou mesmo fazer contas um pouco mais complexas.
De 2001 a 2011, a porcentagem de universitários plenamente alfabetizados caiu 14 pontos - de 76%, em 2001, para 62%, em 2011. "E os resultados das próximas pesquisas devem confirmar essa tendência de queda", prevê Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do IPM.
Segundo Lima, tal fenômeno em parte reflete o fato da expansão do ensino superior no Brasil ser um processo relativamente recente e estar levando para bancos universitários jovens que não só tiveram um ensino básico de má qualidade como também viveram em um ambiente familiar que contribuiu pouco para sua aprendizagem.
"Além disso, muitas instituições de ensino superior privadas acabaram adotando exigências mais baixas para o ingresso e a aprovação em seus cursos", diz ela. "E como consequência, acabamos criando uma escolaridade no papel que não corresponde ao nível real de escolaridade dos brasileiros."

Postura e experiência

A segunda razão apontada para a decepção com a geração de diplomados estaria ligada a “problemas de postura” e falta de experiência de parte dos profissionais no mercado.
"Muitos jovens têm vivência acadêmica, mas não conseguem se posicionar em uma empresa, respeitar diferenças, lidar com hierarquia ou com uma figura de autoridade", diz Marcus Soares, professor do Insper especialista em gestão de pessoas.
"Entre os que se formam em universidades mais renomadas também há certa ansiedade para conseguir um posto que faça jus a seu diploma. Às vezes o estagiário entra na empresa já querendo ser diretor."
As empresas, assim, estão tendo de se adaptar ao desafio de lidar com as expectativas e o perfil dos novos profissionais do mercado – e em um contexto de baixo desemprego, reter bons quadros pode ser complicado.
Para Marcelo Cuellar, da consultoria de recursos humanos Michael Page, a falta de experiência é, de certa forma natural, em função do recente ciclo de expansão econômica brasileira.
"Tivemos um boom econômico após um período de relativa estagnação, em que não havia tanta demanda por certos tipos de trabalhos. Nesse contexto, a escassez de profissionais experientes de determinadas áreas é um problema que não pode ser resolvido de uma hora para outra", diz Cuellar.
Nos últimos anos, muitos engenheiros acabaram trabalhando no setor financeiro, por exemplo.
"Não dá para esperar que, agora, seja fácil encontrar engenheiros com dez ou quinze anos de experiência em sua área – e é em parte dessa escassez que vem a percepção dos empresários de que ‘não tem ninguém bom’ no mercado", acredita o consultor.

'Tradição bacharelesca'

Por fim, a terceira razão apresentada por especialistas para explicar a decepção com a "geração do diploma" estaria ligada a um desalinhamento entre o foco dos cursos mais procurados e as necessidades do mercado.
De um lado, há quem critique o fato de que a maioria dos estudantes brasileiros tende a seguir carreiras das ciências humanas ou ciências sociais - como administração, direito ou pedagogia - enquanto a proporção dos que estudam ciências exatas é pequena se comparada a países asiáticos ou alguns europeus.
"O Brasil precisa de mais engenheiros, matemáticos, químicos ou especialistas em bioquímica, por exemplo, e os esforços para ampliar o número de especialistas nessas áreas ainda são insuficientes", diz o diretor-executivo da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Gabriel Rico.
Segundo Rico, as consequências dessas deficiências são claras: "Em 2011 o país conseguiu atrair importantes centros de desenvolvimento e pesquisas de empresas como a GE a IBM e a Boeing", ele exemplifica. "Mas se não há profissionais para impulsionar esses projetos a tendência é que eles percam relevância dentro das empresas."
Do outro lado, também há críticas ao que alguns vêem como um excesso de valorização do ensino superior em detrimento das carreiras de nível técnico.
"É bastante disseminada no Brasil a ideia de que cargos de gestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está mudando – até porque a demanda por profissionais da área técnica tem impulsionado os seus salários", diz o consultor.
Rafael Lucchesi concorda. "Temos uma tradição cultural baicharelesca, que está sendo vencida aos poucos”, diz o diretor da CNI – que também é o diretor-geral do Senai (Serviço Nacional da Indústria, que oferece cursos técnicos).
Segundo Lucchesi, hoje um operador de instalação elétrica e um técnico petroquímico chegam a ganhar R$ 8,3 mil por mês. Da mesma forma, um técnico de mineração com dez anos de carreira poderia ter um salário de R$ 9,6 mil - mais do que ganham muitos profissionais com ensino superior.
"Por isso, já há uma procura maior por essas formações, principalmente por parte de jovens da classe C, mas é preciso mais investimentos para suprir as necessidades do país nessa área", acredita.

fonte : http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131004_mercado_trabalho_diplomas_ru

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