Uma “mikô” ou auxiliar de um santuário Xintô, muito parecida com as antigas “vestais” do Ocidente.
Autor: André Otávio Assis Muniz (Acharya Hôraku)
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar ao leitor o Xintoísmo, religião muitas vezes citada quando se fala do Japão, mas muito pouco conhecida, inclusive nos meios acadêmicos especializados.
O Xintoísmo conta com poucas obras de referência fora do Japão e em outras línguas que não o japonês.
Sendo assim, nossa intenção é dar uma perspectiva geral ao leitor sobre essa religião, sua história, mitos e ritos.
Conhecer o Xintoísmo é necessário para entender a própria mentalidade e essência do povo japonês.
Abstract
The present article has like objective presents to reader the Shintoism, religion many times mentioned when one speaks about Japan, but not much knowing, including in the specialized academic environments.
The Shintoism has a few number of reference works outside Japan and in other languages that not japanese.
So , our intention is give a general perspective to the reader about this religions, its history, miths and rites.
Know the Shintoism is necessary for understand the mentality and essence of japanese people.
Introdução
Fora do Japão, em geral, quando se fala de Xintoísmo nos meios cultos, é comum que haja uma associação quase automática com o nacionalismo japonês típico da Segunda Guerra Mundial.
Pilotos suicidas, o culto fanático do Imperador do Japão ou as horríveis imagens das atrocidades cometidas pelos soldados japoneses na China são associadas com a mentalidade nacionalista “xintoísta”.
É incrível como, mesmo no Japão moderno, há um desconhecimento enorme sobre a tradição xintoísta. Os japoneses de hoje em dia foram educados para não se interessarem pelo Xintoísmo e, inclusive, para não vê-lo com bons olhos. O Xintoísmo é visto pelos mais jovens como algo ultrapassado, anacrônico, exótico e até estranho. No entanto, isso não corresponde com a realidade dessa religião milenar.
O Xintoísmo, como todas as religiões muito antigas, passou por diversos períodos de desenvolvimento e se modificou de acordo com as necessidades do tempo. Em algumas ocasiões foi usado como um eficaz instrumento de massificação (assim como outras religiões), mas, ao longo de sua milenar história, foi uma fonte de inspiração de virtudes para o povo japonês e uma forma bastante interessante de sacralização do tempo, do espaço e da natureza.
O Xintoísmo atual é fruto de, pelo menos, mil e quinhentos anos, de relação entre o ser humano e a natureza e dos modos como essa relação foi sendo expressada.
A propaganda de guerra americana foi extremamente eficaz em associar o Xintoísmo em geral com suas formas mais modernas, desfiguradas, moldadas para se tornarem auxiliares da máquina de guerra nipônica.
Esperamos que esse despretensioso artigo ajude o leitor a compreender isso.
I. Origens históricas
O Xintoísmo, diferentemente do Budismo, do Cristianismo, do Jainismo, do Sikhismo, Islamismo etc., mas de forma semelhante ao Hinduísmo, não tem um fundador conhecido ou uma lenda sobre um suposto fundador.
Não é fruto de uma revelação divina, da mensagem de um profeta, do patriarca semi-mítico de um povo, de um deus encarnado, de uma experiência de Iluminação ou algo semelhante.
O Xintoísmo foi desenvolvido desde a antiguidade pelos japoneses em suas vidas cotidianas, sem um corpo doutrinário estabelecido e sem um sistema de dogmas.
Não há uma “crença oficial” xintoísta, nem um corpo de idéias que se possa utilizar para classificar alguém como xintoísta. O Xintoísmo não se enquadra no conceito genérico de “religião” e só se usa essa palavra por falta de outra mais adequada.
Apesar dessa vagueza, as práticas xintoístas e sua influência sobre a mentalidade japonesa existem e influenciam fortemente a vida das pessoas.
Atividades como festivais, alguns deles enormes, mobilizando centenas de milhares de pessoas, práticas de purificação e agradecimento pelas colheitas são práticas cotidianas na vida dos japoneses, apesar de muitos deles não compreenderem as conexões entre essas atividades e o Xintoísmo ou seus mitos.
O Japão ultra-moderno e industrializado ainda realiza ritos purificatórios xintoístas antes de iniciar a construção de seus prédios. A vida dos japoneses que ainda seguem os costumes (ainda que sem entendê-los) é marcada por ritos do Xintoísmo.
I.1. Origens remotas
A formação dos mitos xintoístas se inicia por volta do período Jomon (8000 a.E.C. – 300 a.E.C.) quando idéias de divinizar as forças da natureza, rezar a elas e lhes fazer oferendas começam a surgir no meio do povo. O “contato” entre os deuses e as pessoas era feito através de pessoas especialmente “dotadas” para isso.
No Período Yayoi (300 a.E.C. – 250 E.C.) foram trazidas da China para o Japão técnicas de cultivo de arroz, manufatura de peças de bronze e técnicas mais apuradas para a confecção de vasos e artefatos de cerâmica.
As regiões com maior desenvolvimento e maior força (maior número de armas de bronze, informações etc), dominavam as regiões e povoados menores.
Dessa maneira, por volta do século III da E.C. havia cerca de 30 pequenos “países” dentro do arquipélago japonês dominados por uma rainha chamada Himiko. O país de Himiko foi denominado de Yamatai.
Himiko era uma xamã que dizia comunicar-se com os deuses da chuva, das colheitas, das doenças e que podia prever o resultado das batalhas. Dizem as crônicas que Himiko morava em uma construção de madeira (um palácio primitivo) com mais de 1000 criados, mas que só seu irmão podia vê-la. Isso era um sinal de que Himiko era divinizada. Até hoje, os objetos que representam o “corpo dos deuses” do Xintoísmo, não podem ser vistos nos jinja (templos xintoístas).
Himiko mantinha contatos com a China e trocava presentes com o Imperador de Wei.
Himiko foi morta em uma guerra entre Yamatai e Kuna, um dos pequenos “países” dentro do arquipélago japonês. O túmulo de Himiko, erguido por seus súditos, tinha cento e cinqüenta metros de diâmetro.
Depois disso, os vários reis e rainhas das diversas regiões do Japão sempre assumiam um caráter divino diante do povo.
I.2. Formação de Yamato
Em meados do século IV da E.C. uma poderosa nação se formou na região que hoje é conhecida como Nara. Esta nação, formada por diversos clãs reuniu-se em torno do mais poderoso deles, o Yamato.
Escavações deste período revelam que junto dos mortos eram enterrados objetos e imagens de barro para os “consolar”. As práticas religiosas xintoístas eram parte do dia-a-dia do povo. Eram costumes transmitidos através das gerações, sem nenhuma “escritura sagrada”, dogmas ou doutrina própria.
Diversas guerras intestinas ocorreram, mas, no final do século IV, Yamato já era um Império que mantinha contato com a China e a Coréia de onde trazia técnicas em diversas áreas.
Os clãs que apoiavam essas ações, mandavam representantes para aprenderem as novas técnicas etc., eram recompensados com domínios, terras e possessões.
Dessa maneira, foi introduzida a escrita chinesa (kanji – literalmente “escrita de Han”), tecelagem, metalurgia etc., no Japão.
Junto com essas novas tecnologias chegou a primeira estátua budista ao Japão, vinda da Coréia.
O clã Soga apoiou vigorosamente a idéia de que fosse introduzida a nova religião no Japão, enquanto o clã Mononobe se opôs. Os Soga viam o Budismo como um sistema mais avançado e sofisticado, seguido por impérios muito mais desenvolvidos que o Japão. Já os Mononobe criam que introduzir o Budismo seria atrair a ira dos deuses do Xintoísmo para o país.
A questão foi submetida à autoridade do príncipe Shotoku Taishi que, desejando a paz para o país apoiou aos Soga e introduziu o Budismo, tornando-se um praticante zeloso e seu grande protetor e propulsor.
Os Soga, detentores de grande poder, tentaram manipular a situação quando perceberam que o interesse de Shotoku no Budismo era real e profundo e não uma mera questão de política contra os Mononobe. Propuseram a uma princesa de sua família que se tornasse imperatriz. A princesa Kashikiya aceitou a proposta e se tornou a imperatriz Suiko mas, para descontentamento dos Soga, logo em seguida nomeou como regente o príncipe Shotoku.
As medidas políticas de Shotoku diminuíram a força dos Soga e formaram um país centralizado no Imperador.
As posições do governo eram oferecidas por mérito pessoal e não por posição familiar. Adotou-se um sistema hierárquico de doze divisões para os funcionários públicos que eram diferenciados pela cor da pequena coroa de tecido que usavam.
O príncipe Shotoku deu início ao processo que culminaria com a chamada “Reforma Taika” (posta em prática pelo príncipe regente Nakano Ooe), ou seja, com base no modelo chinês de governo, as terras passam a pertencer ao imperador e os chefes dos clãs e grandes proprietários se tornam funcionários do Império.
I.3. Xintoísmo e Budismo
Enquanto o Budismo passou a ser a religião da nobreza, o povo continuava praticando o Xintoísmo. Na verdade, as duas práticas foram lentamente se fundindo.
O Imperador Yomei, por exemplo, disse: “O imperador crê no Budismo e respeita o Xintoísmo” (Nihon Shoki).
Foi um processo gradativo e espontâneo. As pessoas começaram a colocar as imagens budistas junto dos altares xintoístas.
O imperador Tenmu, foi monge budista antes de se tornar imperador em 673 da E.C. Sendo assim, rezava tanto para os Budas e Bodhisattvas, quanto para os Kami
O Budismo, com bases teóricas largamente desenvolvidas, acabou absorvendo o Xintoísmo. Esse fenômeno foi chamado de “Shinbutsu shugô” ou “amálgama dos Budas e Kami”.
O Budismo japonês desenvolveu a teoria de que os kami eram manifestações locais dos Bodhisattvas budistas que, quando em sua forma xintoísta, são denominados de ‘gongen’ ou “manifestação temporária”.
Essas práticas foram teorizadas através do “Honji-Suijaku”, ou “Essência universal – manifestação local”, uma doutrina desenvolvida por exegetas (kike) das Escolas Tendai e Nichiren de Budismo para explicar o relacionamento entre o Buda Eterno e o Buda humano Shakyamuni no capítulo 2 do Sutra do Lótus, “A Longa Vida do Tathagata”. Textos japoneses do final do século nono começam a afirmar que os kami são manifestações locais (suijaku) ou manifestações temporais (gongen) dos Budas e Bodhisattvas. No século XI da E.C. associações específicas começaram a ser feitas entre os kami e os Budas, Bodhisattvas e deuses do panteão budista.
Na prática, templos budistas e santuários xintoístas eram construídos lado a lado. Altares budistas encheram-se de elementos xintoístas e vice-versa. Os monges budistas administravam tanto os templos budistas quanto os santuários xintoístas. Os sacerdotes xintoístas eram assistentes dos templos budistas.
Grandes templos como o Enryakuji no Monte Hiei (sede da Escola Tendai japonesa) e o Koyasan (sede da Escola Shingon), desenvolveram seus próprios “estilos” de Xintoísmo.
No Monte Hiei se desenvolveu o “Sannô ichijitsu shintô” que é uma mistura do culto ao deus do Monte Hiei, Sannô, visto como um ‘gongen’ de Shakyamuni Buda e a mitologia particular da Escola Tendai, segundo a qual o fundador Saichô foi auxiliado em sua divulgação do verdadeiro significado do Sutra do Lótus pelo deus Sannô, protetor do templo Enryakuji e de todo o complexo de templos do Monte Hiei.
O “Ryôbu Shugô Shintô”, ou “Xintô de Duas Faces”, também denominado de “Daishiryuu-Shintô”, foi desenvolvido no período Kamakura e afirmava que a deusa do sol, reverenciada no santuário de Ise é uma manifestação do Buda Dainichi , principal divindade do Budismo Esotérico.
Todas essas teorias foram possíveis justamente pelo caráter flexível do Xintoísmo e pela sua ausência de doutrina.
Isso explica a aparente “mistura” entre o Budismo e o Xintoísmo na mentalidade japonesa tradicional. Na verdade, o que há é a mistura entre as tradições locais japonesas, que se manifestam através do Xintoísmo, e a religião Budista de origem Indo-Ariana.
Não é incomum nem contraditório encontrar oratórios budistas e xintoístas em uma mesma casa ou elementos xintoístas em templos budistas.
I.4. Xintoísmo de “Restauração”
Este estado de coisas permaneceu até o Período Edo (1600-1868 da E.C.) quando estudiosos nacionalistas começaram a desenvolver uma acentuada xenofobia e desenvolveram teorias para atacar tudo o que não fosse criação japonesa. Isso se deveu, em parte, à agressiva campanha colonialista da Espanha e de Portugal com o apoio da Igreja Católica Romana que estava em curso na Ásia do século XVII.
A reação nacionalista foi criar um Xintoísmo artificial, com teorias que exaltavam a figura do imperador e chegavam a extremos ridículos como a teoria de Hirata Atsutane (1776-1843) que afirmava que a medicina e a astrologia da China tinham sido criadas por deuses japoneses e que os deuses dos Vedas da Índia eram, na verdade, deuses japoneses disfarçados.
Outros autores como Kadano Azumamaro (1669-1736), Kamono Mabuchi (1697-1769) e Norinaga Motoori (1730-1801) também contribuíram para a idéia de que o Japão era um país superior a todos os outros (pois era o país dos deuses verdadeiros).
Como uma tentativa de reação ao Budismo e ao Confucionismo, surgiram teorias e dogmas ditos “xintoístas”. Na verdade, a apropriação de idéias budistas e confucionistas, disfarçadas como “originalmente xintoístas”, era a prática mais comum dentro dessas teorias.
A invenção de “tradições” ou as “descobertas” de “costumes perdidos” eram uma arma constante para exaltar o novo Xintoísmo nacionalista e xenófobo.
Tudo o que era inventado para a exaltação do nacionalismo era chamado de “ideologia dos antigos” e o Xintoísmo original, flexível, tolerante, informal e sem dogmas praticado até então era “intrusão estrangeira” e “decadente”.
Hirata Atsutane chegou a afirmar que o Japão era a origem de todos os países do mundo, superior a todos em qualquer aspecto e de que o imperador era o poder supremo do país.
Na época, o governo Tokugawa considerou tais idéias estúpidas e subversivas, uma vez que os próprios regentes da classe samurai eram budistas, estudiosos do Confucionismo e mandavam muito mais que o imperador.
No entanto, o descontentamento com o shogunato devido a uma intensa crise econômica e a chegada dos navios americanos que exigiram a abertura dos portos sob ameaça de invasão, deu o espaço necessário para que tais idéias se popularizassem.
Os últimos anos do Período Edo foram de guerra civil entre o shogunato e seus opositores.
Quando o último shogun da família Tokugawa caiu em 1868, surgiu a Era Meiji e vários partidários das idéias do nacionalismo xintoísta “de restauração” passaram a fazer parte do novo governo que, agora, era encabeçado pelo imperador, tido como um deus vivo.
Já no início da chamada “Reforma Meiji” (1868) o governo decretou leis para separar o Budismo e o Xintoísmo.
Os grupos nacionalistas, estimulados pelo governo e insuflados pelos agora “todo-poderosos” chefes dos santuários xintoístas, começaram uma onda de ataques, saques e vandalismo contra os templos budistas e os monges.
Os nacionalistas fizeram correr entre o povo um boato de que o Budismo tinha sido proibido e que os templos deveriam ser destruídos sob pena de traição à coroa imperial.
Monges foram mortos e templos históricos foram completamente depredados. Alguns foram incendiados. Nem os templos mistos (budistas-xintoístas) foram poupados. Na ilha de Oki não sobrou nada, literalmente.
Depois do horror geral, o governo baixou uma lei devolvendo cargos aos monges budistas que trabalhavam em templos xintoístas. Os monges budistas eram obrigados a se vestirem como sacerdotes xintoístas.
No terceiro ano do governo Meiji, o imperador decretou uma lei considerando a difusão da nova versão do Xintoísmo como um dever do Estado. Decretou como feriados nacionais as datas religiosas como o “kingensetsu” (data da coroação do primeiro imperador, Jinmu) e o Tenchosetsu (aniversário do imperador).
Criou-se uma hierarquia para os santuários xintoístas de todo o país. Quanto mais próxima a relação do kami com a família imperial, mais alta sua classificação hierárquica.
Isso deu origem ao “Kokka Shintô” ou “Xintoísmo Estatal”, em oposição ao “Shuha Shintô” ou aqueles movimentos derivados do Xintoísmo que não estavam atrelados à versão oficializada nacionalista do mesmo.
As forças armadas japonesas utilizaram todo esse aparato ideológico para sua máquina de guerra. O próprio termo “kamikaze”, que significa “vento divino”, faz uma alusão distorcida ao poder dos deuses do Xintô. Pilotos suicidas recém saídos da adolescência eram convencidos da alta honra de sua tarefa através da pregação de que seriam emissários dos deuses contra os inimigos “inferiores”…
O fim dessa ideologia macabra do “Xintoísmo de Restauração” se deu com a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial.
Em 1945, as Forças de Ocupação Americanas prepararam um documento que separou o Xintoísmo do Estado.
I.5. Xintoísmo hoje
Com a separação do Xintoísmo do Estado, se criou uma entidade particular chamada de “Jinja Honcho”.
A “Jinja Honcho” hoje engloba aproximadamente oitenta mil santuários xintoístas no Japão e tem como sede o Santuário de Ise. Como pessoa jurídica religiosa, estabelece normas básicas sobre a prática do Xintoísmo nos santuários que dela fazem parte.
A Jinja Honcho publica o periódico “Jinja Shintô”, forma sacerdotes, publica e distribui livros, além de promover atividades para a promoção dos templos e do Xintoísmo em geral.
A orientação geral dos santuários que integram a Jinja Honchô é bastante antipática em relação ao Budismo ou aos templos budistas que ainda conservam santuários de deuses xintoístas (como os das Escolas Tendai e Shingon).
A figura do imperador japonês é idealizada e divinizada dentro das instituições integrantes da Jinja Honcho que, inclusive, é quem organiza grande parte do protocolo relativo às visitas ao Imperador ou à sua família. É claro que esse protocolo não passa de etiqueta sem nenhuma validade legal, uma vez que hoje o Japão é um país laico.
Por ocasião da última visita do príncipe japonês ao Brasil, as crianças brasileiras nipo-descendentes foram orientadas a não fitar o imperador, numa clara demonstração do ranço do passado que ainda persiste. O imperador japonês, no Brasil, não tem autoridade nenhuma e nenhuma das crianças, sejam brasileiras ou japonesas são “súditos” do imperador.
Hoje, no Japão, os santuários xintoístas são locais para distribuição de amuletos, pedidos de boa sorte, boa fortuna, saúde, casamentos, rituais de fertilidade e outros rituais do gênero.
As novas religiões japonesas, em geral, utilizam muitos elementos do aparato ritual do xintoísmo e, atualmente, têm uma aceitação maior do que o Xintoísmo atrelado à Jinja Honcho.
II. Fontes literárias originais
Os mitos fundadores do Xintoísmo foram transmitidos oralmente até o século VIII da Era Cristã, quando foram registrados por um nobre da corte chamado Yasumaro Oono no ano de 712.
A obra de Yasumaro chama-se “Kojiki”, ou seja, “Crônicas dos fatos antigos” e reúne a genealogia mitológica do Japão, hinos aos deuses etc.
As tradições japonesas afirmam que o Kojiki foi iniciado pelo imperador Temmu que no ano de 673 da E.C. usurpou o trono e, dessa forma, queria contar a história “correta” dos clãs. Temmu recitou o material para Hiyeda no Are, um membro de sua corte que tinha uma prodigiosa memória. Não se conhecem quaisquer detalhes sobre Are, nem se era um homem ou uma mulher. Por vinte e cinco anos depois da morte do imperador Temmu se diz que Are preservou o texto antes de transmiti-lo, por ordem da imperatriz Gemmyo, para Yasumaro que colocou as tradições orais em forma escrita no ano de 712.
Há outra versão, preferida pelas instituições xintoístas atuais, que diz que o que Hiyeda no Are decorou não foi a história de Temmu (para contar a história “correta” dos clãs, e legitimar sua própria posição como imperador), mas sim duas obras mais antigas ainda, o Teiki (“A Origem do Império”) e o Honji (“Textos do Japão”).
Como haveriam contradições entre o Teiki e o Honji, o Imperador Tenmu designou a Hiyeda no Are para ler e decorar integralmente os dois livros. Trinta anos depois, o imperador Genmei designou a Yasumaro Oono para compilar as informações de Are.
Outra obra basilar do Xintoísmo é o “Nihongi” que é também conhecido como “Nihon Shoki” ou “Crônicas do Japão”. O Nihongi foi completado no ano 720 da E. C. e , provavelmente, é fruto da obra de vários autores.
O Nihongi contem os mitos e a história lendária do clã imperial Yamato, que legitimiza o poderio imperial no Japão.
Há que se notar que a necessidade de se colocar por escrito as tradições orais foi uma reação ao influxo do Budismo no Japão, com uma vasta literatura desenvolvida.
Esta reação não deve ser vista como algo negativo, mas sim como a sensação de necessidade de se ter uma história escrita, suas próprias lendas e costumes fixados, assim como já acontecia em outros países como a China e a Coréia.
III. Mitos de criação
O Kojiki relata que, há muito tempo atrás, o universo era uma massa sem distinção.
Um dia, o ar se separou em uma parte mais leve e em outra mais densa. A parte mais leve formou o céu e a mais densa tornou-se terra sólida.
No instante em que se extinguiu o caos surgiram três grandes deuses, Ame No Minaka Nushi no Kami, Takami Musubi No Kami e Kami Musubi No Kami.
Estes três deuses chamados de Hitorigami são os antepassados de todos os deuses.
Ame No Minaka Nushi fica entre o Céu e a Terra. O mundo espiritual é controlado por Takami Musubi No Kami e por Kami Musubi No Kami.
Depois do “Grande Deus”, formado pelo trio , dois outros deuses surgiram: Umashi Ashikabi Hikoji no Kami, que fornecia a força anímica aos seres (o sopro da vida) e Ame No Tokotachi No Kami que comanda o Universo da “planície celestial” e protege os seres humanos.
Os cinco deuses citados são denominados de Kotoamatsu No Kami e não têm uma forma e nem uma distinção de gênero.
Após os Kotoamatsu No Kami, mais dois deuses surgiram por geração espontânea e mais dez na forma de homens e mulheres.
Dos dez deuses surgidos na forma humana, os dois últimos formaram um casal: Izanagi No Mikoto e Izanami No Mikoto.
Como o universo ainda não tinha forma definitiva, Ame No Minaka Nushi No Kami deu a Izanagi uma lança chamada Nuhoko e pediu para que o divino casal desse forma ao mundo ( o mundo era o Japão, é claro).
O casal de deuses desceu pela ponte celestial Amano Hashidate e pararam no meio dela. Izanagi mergulhou a lança divina na massa viscosa do caos e a mexeu. Quando retirou a lança, gotas de sal caíram de sua ponta e se solidificaram formando uma ilha que foi chamada de Onogorojima. Eles então desceram até a ilha e lá ergueram uma coluna sagrada chamada de Ame No Mihashira e um palácio chamado Yahirodono onde passaram a noite juntos em uma divina união sexual solicitada por Izanami.
Izanami concebeu e deu à luz a um bebê prematuro, chamado de Hiruko. Hiruko foi colocado num barco e a correnteza o levou. Izanagi agora tomou a iniciativa de copular com Izanami e dessa segunda relação nasceram oito ilhas, o arquipélago Toyoakitsune No Ooyashima, que é o atual Japão.
De Izanagi e Izanami nasceram os deuses de todos os elementos naturais, o deus da montanha (Yama No Kami), o deus do mar (Umi No Kami), o deus dos rios (Kawa No Kami), o deus do campo (No No Kami), o deus das árvores e vegetais (Soumoku No Kami), o deus da pedra (Iwa No Kami), o deus da terra (Tsuchi No Kami), o deus do vento (Kaze No Kami) e o deus dos cinco cereais (Gokoku No Kami).
Por último nasceu o deus do fogo (Hi No Kami), também chamado de Honokagutsuchi, que acabou matando Izanami no parto.
Izanagi, enfurecido pela perda de sua amada Izanami, cortou a cabeça de Honokatsuchi com sua espada e de cada gota de sangue que jorrou nasceram vários outros deuses.
Izanagi, desesperado por ter sido separado de Izanami, decidiu descer ao Yomotsukuni, o país dos mortos, para resgatá-la.
Quando chegou lá, pediu que Izanami retornasse com ele. Ela lhe informou que era preciso o consentimento de Yomotsu Ookami (o Grande Deus dos Mortos) para deixar o Yomotsukuni. Sendo assim, era preciso que Izanagi aguardasse pela autorização.
Izanagi, no entanto, não agüentando mais, decidiu seguir Izanami e adentrou numa caverna onde ela havia se recolhido. Lá, se deparou com o corpo de Izanami decomposto e repleto de vermes. Izanami, se sentindo humilhada por ter sido vista neste estado, ordenou que as mulheres fantasmas da Terra dos Mortos (Yomotsu Shikome) e os soldados da Terra dos Mortos (Yomotsu Ikusa) pegassem Izanagi.
Izanagi fugiu sendo perseguido até encontrar um pessegueiro, árvore com o poder de afastar os maus espíritos. Lançando pêssegos contra seus perseguidores, conseguiu fazê-los dispersar.
Mesmo assim, a própria Izanami continuou perseguindo-o. Izanagi conseguiu escapar do país dos mortos e rolar uma imensa pedra para prender Izanami lá.
Izanami, enfurecida, amaldiçoou a Izanagi dizendo que morreriam mil pessoas por dia no país de Izanagi. Izanagi retrucou dizendo que faria que nascessem mil e quinhentas pessoas por dia em seu país.
Com o corpo impuro, devido a sua estada na terra dos mortos, Izanagi foi se purificar em um córrego de água limpa. Das gotas que caíam de seu corpo purificado nasceram outros deuses.
De dentro da água onde Izanagi estava, nasceu Watatsumi No Kami, o deus dos oceanos. Então, Izanagi lavou o rosto e de seu olho esquerdo purificado nasceu Amaterasu Oo Mi Kami, a deusa do Sol e do seu olho esquerdo nasceu Tsukuyomi No Mikoto, o deus da Lua. Do nariz de Izanagi surgiu Takehaya Susanoo No Mikoto, o deus da tempestade.
Os três deuses nascidos do rosto de Izanagi forma chamados de Mihashira No Uzu No Mikoto.
Amaterasu, a mais esplendorosa deusa, passou a reinar na Takama No Hara, a planície celeste.
Tsukuyomi No Mikoto passou a reinar no Yo No Osu No Kuni, o país da noite, e Susanoo No Mikoto passou a reinar nos oceanos .
III.1. Amaterasu Oo Mi Kami
Entre todos os kami presentes nos mitos de criação, com toda certeza, é importante destacar-se Amaterasu Oo Mi Kami.
Amaterasu Oo Mi Kami, significa, literalmente, “Grande Kami do Céu Brilhante”. É a principal divindade do Xintoísmo, apesar de haver discordância em relação a isso e está entronizada no santuário interno do maior e principal santuário xintoísta do Japão, o Ise Daijingu.
O Gênero de Amaterasu não foi definido até o sexto século da E.C. quando se convencionou que tratava-se de um kami feminino.
Identificada com o sol e a fonte da vida, é também vista como ancestral da família imperial japonesa.
Em 742 da E.C. , o monge budista Gyogi, personagem importante do Budismo em Nara, declarou que Buda era idêntico ao Sol, referindo-se ao Buda Dainichi. A identificação entre Dainichi e Amaterasu Oo Mi Kami foi inevitável.
Tal sincretismo permaneceu forte até a separação entre os Kami e os Budas (com o movimento denominado “Shinbutsu Bunri”) em 1868.
Antes da Era Meiji, Amaterasu era popularmente adorada com o nome de Tensho Daijin.
Amaterasu era considerada a ancestral de Jinmu Tenno, o primeiro imperador japonês. Daí sua forte ligação com a casa imperial e o fato de estar entronizada como divindade central do principal santuário imperial do Japão.
Com a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, o imperador teve que negar sua ascendência divina, mas, ainda hoje, os meios xintoístas mais conservadores mantêm essa crença de forma discreta.
Aliás, a crença de invencibilidade do Japão na guerra estava diretamente ligada à doutrina da “divindade” do imperador, o que nos remete ao mito de Amaterasu.
IV. Ritos
Os ritos do Xintoísmo estão ligados essencialmente à idéia de purificação.
O mito de Izanagi, purificando-se depois de voltar do “País dos Mortos” e o surgimento de diversos deuses como fruto desse rito purificatório, demonstra bem a idéia de que a vida e as funções de todo o universo dependem, para a mentalidade xintoísta, da pureza .
Tudo aquilo que não cumpre com a função para a qual foi disposto é impuro.
Por exemplo: O corpo foi projetado para a vida e o movimento, portanto, quando morre e se imobiliza torna-se impuro. O óvulo da mulher serve para unir-se ao espermatozóide e dar início a uma nova vida. Quando não cumpre essa função e vira sangue menstrual, é impuro. O sêmen deitado fora do óvulo é impuro. A comida transformada em fezes e a bebida transformada em urina são impuras. Sangue fora do corpo é impuro.
As impurezas são inevitáveis, mas, devem ser purificadas rapidamente para que não prejudiquem a vida.
Para se dirigir aos deuses é necessário estar purificado. Vários são os ritos purificatórios prescritos pelo Xintoísmo.
O mais simples é lavar as mãos e a boca com água limpa. Os mais complexos incluem vários dias de práticas ascéticas com banhos gelados sob as cachoeiras, aspersão de sal, isolamento das áreas sagradas com cordas de palha de arroz trançadas (shimenawa), enfeitadas com dobraduras de papel em forma de raio (shidê) entre outras.
É comum se limpar e regar a entrada de restaurantes e estabelecimentos comerciais com água pura e se colocar um pratinho com sal na porta (morishio). O sal, devido ao poder de conservar alimentos sem permitir que se tornem impróprios para o consumo, foi associado, há milênios, com poderes purificatórios.
Lutadores de Sumô jogam sal no dôhyo (arena circular) para a purificar. Em alguns santuários xintoístas, usam a água do mar (salgada) para a purificação.
Grande parte das famílias japonesas tradicionais mantém em casa um pequeno oratório, um santuário xintoísta em miniatura – diferente do altar budista (butsudan) , chamado kamidana. No kamidana são colocados amuletos de santuários ligados à família, à localidade em que vivem (ujigami- divindade protetora local) e ao santuário de Ise. Em geral há um símbolo dos deuses (shintai) que, comumente, é o símbolo de Amaterasu (um espelho circular chamado de Kagami) colocado em frente às portas do kamidana.
Diariamente se fazem oferendas de arroz, saquê (vinho de arroz), sal, água, ramos verdes de pinheiro japonês e diversos alimentos diante do kamidana. As pessoas fazem pedidos e reverenciam os deuses diante desse oratório.
Além desses ritos, existem os referentes às fases da vida como o rito do primeiro mês de vida de um bebê, o festival das meninas (3 de março), o dia das crianças (5 de maio), o Shichi-Go-San – ritos realizados quando os meninos têm três e cinco anos e as meninas três e sete anos – para pedir saúde, o Seijinshiki – rito da maioridade (aos vinte anos), o rito da Terceira Idade, para comemorar a longevidade (realizado aos sessenta, setenta, setenta e sete, oitenta, oitenta e oito, noventa e noventa e nove anos).
Os “yakubarai” são ritos pedindo boa sorte em períodos considerados críticos na maturidade. Em geral, os homens realizam os yakubarai aos quarenta e dois anos e as mulheres aos trinta e três.
V. Novas religiões influenciadas pelo Xintoísmo Tradicional
Vários novos movimentos religiosos foram fundados no Japão do final do século XIX e início do século XX com bases no Xintoísmo.
O Brasil tem templos da maioria deles e um expressivo número de adeptos.
A maioria dos adeptos dessas religiões não tem uma consciência muito clara das origens xintoístas ou das práticas derivadas especificamente do Xintoísmo.
Cada uma dessas novas religiões merece um artigo inteiro em sua análise e, portanto, não temos aqui qualquer pretensão de análise em profundidade . Apenas daremos alguns dados breves sobre elas para complementar uma visão geral sobre o Xintoísmo que é nosso assunto central.
V.1. Tenrikyô
O Tenrikyô (Religião da Sabedoria Divina) foi fundado em 1838 e é uma das mais antigas “novas religiões” do Japão.
Baseada nos ensinamentos de Nakayama Miki (1798-1887), esposa de um agricultor que vivia perto de Nara que se sentiu possuída pela divindade Tenri-O-No-Mikoto (O Senhor da Sabedoria Divina) e iniciou uma série de práticas curativas.
Tem como escrituras sagradas o Mikagurauta (Canções para a Dança Sagrada), o Ofudesaki (Ponta do pincel de Escrita Divino) e o Osashizu (Direções Divinas).
A essência de seu ensinamento é um pedido para que a humanidade leve uma “vida feliz”. A “poeira espiritual” impede que a mente seja capaz de levar essa vida feliz de serviço ao próximo. Essa “poeira” é removida no momento em que se recebe a graça divina (osazuke) e através da luta pessoal por uma vida harmoniosa.
A sede do Tenrikyô encontra-se na cidade de Tenri, perto de Nara no Japão.
Em seu principal santuário encontra-se o kanrodai, uma coluna hexagonal de onde, um dia, brotará orvalho doce e a partir do qual o Tenrikyô se tornará a religião de toda a humanidade.
Os crentes do Tenrikyô são chamados de yoboku, ou seja, mensageiros de um reino divino, troncos à partir dos quais o novo reino será edificado.
O Tenrikyô só foi reconhecido como religião independente do Xintoísmo em 1970. Até então era classificado como uma seita xintô.
V.2. Ômoto
A Ômoto é uma das novas religiões do Japão com maior influência. Foi fundada em 1892 por Nao Deguchi (1837-1918) e Kisaburo Ueda (1871-1948) que mais tarde ficou conhecido como Onisaburo Deguchi.
Segundo estatísticas recentes tem aproximadamente 173000 membros no Japão e alguns outros milhares em outros países. O Brasil é um dos países com mais membros da Ômoto.
Nao Deguchi, uma pobre viúva ,supostamente iletrada, começou a sentir-se possuída pela divindade Ushitora No Konjin (por volta de 1892).
Dessas “possessões” nasceram seus escritos que, mais tarde, foram aperfeiçoados por Onisaburo Deguchi que entrou na Ômoto por volta de 1899.
Onisaburo Deguchi, como era relativamente letrado e um bom orador, assumiu logo funções de grande importância na Ômoto, casando-se em 1900 com a filha mais nova de Nao Deguchi, Sumi.
A Ômoto teve seu ápice de florescimento em 1910, mas, já em 1921 começou a ser vista com maus olhos pelas autoridades japonesas que a proibiram.
No entanto, ao contrario do que esperavam as autoridade, a Ômoto floresceu mesmo assim e se propagou em missões para outros países, divulgando uma mensagem milenarista, de salvação universal e, ao mesmo tempo, de superioridade japonesa sobre os outros povos.
Em 1935, a Ômoto foi proibida pela segunda vez só recuperando seu status de religião permitida com a liberdade religiosa surgida após o final da Segunda Guerra Mundial.
A Ômoto é uma organização matrilinear, liderada pelas descendentes de Nao Deguchi, coadjuvadas por seus maridos.
O cânone da Ômoto é constituído pelo “Fudesaki” de Nao Deguchi e pelo “Reikai Monogatari”.
O Fudesaki (“Da ponta do pincel”) contém as revelações que Nao Deguchi teria recebido do deus Ushitora. Já o Reikai Monogatari (“Histórias do mundo espiritual”) de Onisaburo Deguchi, descreve a viagem da alma pelos mundos espirituais ocultos ao comum dos homens.
A doutrina da Ômoto, em linhas gerais, não difere muito das outras novas religiões japonesas. Os seres devem se purificar para que venha um futuro próspero e pacífico. A arte é apoiada como um dos instrumentos para tal fim.
A divindade central da Ômoto é Ushitora e ele criou o mundo e apoderou-se de Nao Deguchi para salvar a humanidade da destruição causada pelo seu egoísmo e materialismo.
É interessante notar que vários fundadores de novas religiões japonesas são provenientes da Ômoto. Exemplo disso são Masaharu Taniguchi, Mokiti Okada, Tomokiyo Yoshisane, Nakano Yonosuke e Asano Wasaburo.
V.3. Reiki
Apesar do Reiki não se apresentar propriamente como uma “religião”, mas sim como um “processo terapêutico”, existem certas características nele que poderiam incluí-lo no critério geral de uma “nova religião”.
A história do Reiki não nos deixa mentir.
Mikao Usui (1865-1926) era cristão e, em busca da fonte do poder curativo de Jesus, se sentiu atraído pelo Budismo. Depois de um período de jejum no Monte Kurama, perto de Kyoto, uma experiência mística levou-o a compreender o significado de “símbolos curativos” que havia encontrado em “velhos textos budistas”.
Quais são estes “velhos textos budistas”? Não se sabe. Os símbolos utilizados por Usui não aparecem em quaisquer textos do cânone budista e não passam de ideogramas chineses (kanji) e desenhos geométricos.
O Reiki transmite os “poderes” de “canalização” e “sintonização” necessários para sua prática através de três iniciações de caráter cerimonial.
Os praticantes de Reiki, de forma geral, não vêem o Reiki como uma religião, alegando que pode ser praticado por pessoas de qualquer religião. No entanto, antes da prática se fazem algumas preces de invocação e há implícita a idéia de um “fluxo energético” divino, as próprias iniciações e outros conceitos que entram pelo meio da prática.
Usui pregava uma moralidade bem próxima do Confucionismo e algumas idéias com marcante influência xintô. A noção de “Ki”, energia vital universal, é, originalmente chinesa. Mas, o xintô se apoderou vigorosamente do conceito juntando-o à idéia de “kannagara” que seria algo como um “fluxo divino universal”.
V.4. Gedatsukai
A Gedatsukai (Sociedade Iluminada) foi fundada em 1929 por Eizô Okano (1881-1948).
Okano tornou-se religioso depois de se recuperar de uma doença que o deixou às portas da morte em 1925. No dia 1º de Janeiro de 1929 teve uma revelação que o convenceu a fundar sua própria organização religiosa. Até 1945 a Gedatsukai manteve-se atrelada ao Budismo Shingon para evitar ser suprimida.
A Gedatsukai é sincretista e contém elementos do Xintoísmo, do Budismo Shingon, do Confucionismo e de crenças religiosas japonesas locais.
Os principais objetos de devoção da Gedatsukai são os Cinco Budas centrais do Budismo Shingon (Gochi Nyorai), os deuses xintoístas do Céu e da Terra, e o próprio fundador, que é divinizado.
A Gedatsukai reverencia os locais ligados à família imperial japonesa e realizam vários ritos com marcada influência espírita (mediunidade, contato com ancestrais, mensagens do além etc.).
A Gedatsukai tem como uma de suas práticas cotidianas o “amacha kuyô”, um rito fúnebre com oferta de chá doce para “pacificar os espíritos ancestrais” e purificar a mente.
V.5. Seichô-No-Ie
A Seichô-No-Ie é uma nova religião japonesa fundada em 1930 por Masaharu Taniguchi (1893-1985), antigo membro da Ômoto.
Tem duas vezes mais membros no Brasil do que no Japão.
As palavras “Seichô-No-Ie” significam “Casa de Crescimento”.
A principal escritura da Seichô-No-Ie é o “Seimei No Jissô”, em 40 volumes, de autoria de Masaharu Taniguchi. A tradução desse texto em português é “A Verdade da Vida”.
A Seichô-No-Ie é bastante pródiga em publicações que incluem jornais, revistas e livros com distribuição mensal de mais de 1,5 milhões de cópias.
O ensinamento da Seichô-No-Ie é sincrético e contém elementos budistas, xintoístas e cristãos.
O conceito fundamental é o de que o mundo, tal como o vemos, não existe. É apenas o reflexo da realidade divina distorcida pela lente da mente humana que se encontra embassada, ofuscada pelos vícios e pecados. Se os seres humanos se livrarem desses vícios e pecados e concentrarem-se na realidade divina, que é bela, harmoniosa e completa, perceberão que são filhos de Deus verdadeiramente perfeitos, saudáveis e harmoniosos e que a doença e a infelicidade são apenas percepções ilusórias de sua verdadeira natureza.
A Seichô-No-Ie dá uma ênfase ,bastante influenciada pelo espiritismo ocidental, no culto dos ancestrais e das crianças abortadas. Existem rituais específicos para “pedir desculpas” para as crianças abortadas pelo acontecido e assegurar seu “bem-estar” no mundo do além.
A doutrina da reencarnação também está presente.
Uma série de benefícios materiais, como saúde, prosperidade e harmonia, são atribuídos a certas práticas como fé, devoção filial, visão positiva da vida e gratidão por tudo.
A principal prática da Seichô-No-Ie é chamada de “meditação Shinsokan”, onde os praticantes tentam focar seus pensamentos na direção da divindade suprema.
V.6. Sekai Kyuseikyô (Igreja Messiânica)
A Sekai Kyuseikyô teve vários nomes antes de adotar esse em 1957. Dai Nihon Kannon Kai, Dai Nihon Kenkô Kyokai, Nihon Kannon Kyôdan, Nihon Miroku Kyôkai e, antes da denominação atual, Sekai Meshiyakyô.
Foi fundada por Mokiti Okada, ex-membro da Ômoto, em 1935.
Mokiti Okada era um resoluto opositor da medicina moderna, afirmando que ela não só não curava adequadamente como, também, era um verdadeiro veneno para o corpo.
Okada defendia que o processo de verdadeira cura é espiritual e se dá através da imposição das mãos de um curador que serve como canal da “luz divina”.
Os curadores devem receber uma medalha especialmente consagrada (ohikari), que lhes confere o poder de transmitir a luz divina através do processo de imposição de mãos denominado de “Johrei”. A medalha contém o ideograma chinês de “Luz” e não pode ser aberta. Se cair no chão deve ser “purificada”, antes que o curador imponha as mãos sobre alguém novamente.
Febres e constipações não deveriam ser tratadas, mas apenas vistas como um processo natural de purificação do corpo.
Okada era também um grande colecionador de arte e ansiava pela criação de um paraíso terrestre.
No Estado de São Paulo, a Igreja Messiânica construiu um gigantesco templo em um amplo terreno que é denominado de “paraíso terrestre” pelos seus adeptos.
V.7. Mahikari
A palavra Mahikari significa “luz verdadeira” e se refere, na verdade, a duas religiões fundadas em 1959 por Kotama Okada (1901-1974): a Sekai Mahikari Bunmei Kyôdan (Organização Religiosa Mundial da Civilização da Verdadeira Luz) e a Sukyô Mahikari (Supra-Religião da Verdadeira Luz).
Yoshikazu Okada, antigo membro da Sekai Kyuseikyô, fundou a Sekai Mahikari Bunmei Kyôdan depois de ter ouvido uma “ordem divina” para fundar o movimento, mudou seu nome para Kotama e “salvou a humanidade” do fim do mundo iminente.
A nova religião conseguiu se estabelecer muito bem, mas, depois da morte do fundador, travou-se uma luta pela sucessão entre sua filha adotiva, Keishu Okada (n.1929) e um de seus mais importantes seguidores, Sakae Sekiguchi (1909-1994). Em 1978, o Supremo Tribunal do Japão deu razão a Sekiguchi e, nesse mesmo ano, Keishu Okada fundou a Sukyô Mahikari.
Os dois ramos Mahikari praticam um proselitismo ativo, procurando abrir filiais em todo o mundo.
A doutrina Mahikari, assim como as das demais novas religiões japonesas é sincrética, sobretudo xintoísta, complementada com um milenarismo mais ou menos discreto.
O mundo é composto por várias camadas de infernos e por munods físicos, astrais e espirituais. No topo dessa cosmovisão está o deus Su, auxiliado por várias divindades conhecidas no Xintoísmo.
Pregam que o aquecimento global e as catástrofes naturais demonstram que começou a era do batismo de fogo que irá libertar os homens do egoísmo e do materialismo preparando-os para a renovação do mundo.
Para a Mahikari o corpo humano tem três dimensões: a física, a astral e a espiritual. Dessa forma, a maior parte das doenças, infelicidades e problemas financeiros ou pessoais é causada quer pelas impurezas acumuladas no corpo espiritual do indivíduo, quer como resultado da poluição, dos aditivos alimentares, da medicina moderna, de ações condenáveis ou, em alguns casos, pelo fato do corpo astral estar possuído por espíritos malévolos, muitas vezes de caráter ancestral.
A prática central da Mahikari é o “okiyome” ou “mahikari no waza”, o ritual em que se impõe as mãos para libertar a luz divina que se fundirá no corpo daquele que a recebe.
Os membros, depois de um seminário de três dias, recebem uma medalha (omitama) que lhes permite executar o okiyome nos seres humanos, animais, plantas, objetos ou espaços a serem purificados.
A Mahikari alega que o okiyome não cura doenças, mas ataca as suas causas subjacentes purificando o corpo espiritual do paciente o que prepararia os seres humanos para a renovação do mundo.
A veneração dos ancestrais é também altamente valorizada e estimulada na Mahikari. Utensílios como pequenos talheres, mamadeiras em miniatura (para crianças mortas), louças e outros do gênero, são dispostos na frente do altar dos ancestrais ou dos espíritos da família, para que eles possam se alimentar e terem as atividades que apreciavam enquanto eram vivos.
A negligência ou o tratamento inadequado dos túmulos e dos altares domésticos ancestrais contribui para o aumento do sofrimento no mundo astral fazendo com que seus descendentes se tornem alvo de doenças e de infelicidades de toda ordem.
V.8. Tenshô Kôtai Jingukyô
Fundada por Sayo Kitamura (1900-1967) a Tenshô Kôtai Jingukyô é milenarista e sincrética. A atual líder é a neta da fundadora, Kiyokazu Kitamura (n.1950).
A história dessa nova religião é muito parecida com a de todas as outras. A fundadora se sentiu possuída pelo supremo deus do universo (Tenshô Kôtai Jingukyô), uma mistura da divindade masculina Kotaijin com Amaterasu, a deusa do Sol, no ano de 1945.
A Tenshô Kôtai Jingukyô tem como objetivo construir um paraíso na terra através da purificação dos pensamentos, palavras e ações de cada um. O ano de 1946 é considerado o início da nova era e contado como ano 1.
Não há um sistema de ministros religiosos e a orientações são os sermões da fundadora. Os seguidores se encontram para o “tomo migaki” discutindo atividades e experiências.
A principal oração da Tenshô Kôtai Jingukyô tem origem budista, é a invocação ao título do Sutra do Lótus (Namu Myohô Renguê Kyô) usado pelas escolas Tendai e Nichiren de Budismo. Na interpretação desta nova religião, tal oração destina-se a purificar os espíritos malignos.
Nas reuniões há uma dança conhecida como “Muga no Mai” (dança do não ser) durante a qual os participantes dançam lentamente com os olhos fechados enquanto um membro experiente canta.
V.9. Byakkô Shinkôkai
Fundada por Masahisa Goi (1916-1980), que era devoto da Seicho-no-iê e estudou suas práticas de cura, aconselhamento espiritual e chegou a assumir as funções de mestre deste movimento. Masahisa sentiu uma união com a divindade criadora do Universo julgando-se seu portador na Terra e em 1955 fundou a Byakkô Shinkôkai.
Goi dizia que os seres humanos são emanações espirituais de deus, que vivem na Terra protegidos e vigiados por espíritos guardiões de outros reinos, que mantêm uma relação de interdependência com este mundo.
A Byakkô Shinkôkai promove práticas de cura espiritual e mediunidade mas tem como foco principal o que eles consideram ser a luta pela paz no mundo. Goi defendia que a paz não advinha da atividade política, mas sim da atividade espiritual e, como tal, desenvolveu uma série de práticas que os aderentes deviam seguir para este efeito. Tais práticas incluem as “orações mundiais pela paz”, desenvolvidas pelo movimento, bem como o levantamento de “pendões da paz” em todo o mundo. Estes, normalmente com cerca de 2 metros de altura e contendo a frase “Que a paz prevaleça na Terra” numa série de línguas (incluindo sempre o inglês e o japonês), são os sinais mais visíveis da Byakkô Shinkôkai no mundo.
O movimento dirige ainda uma organização conhecida por “sociedade da oração pela paz mundial”, que é sua marca característica fora do Japão.
Apesar de Goi ter morrido em 1980, seus seguidores acreditam que continua presente no movimento em termos espirituais. Seu sucessor, Masami Saionji, funciona como seu médium e porta-voz na Terra.
V.10. Ananaikyô
O movimento foi fundado em 1949 por Yonosuke Nakano (1887-1974). Ananai é um termo arcaico para designar a corda que prende os sinos do santuário xintoísta.
Yonosuke Nakano, em 1926, foi vítima de uma doença e no decorrer desta experimentou uma viagem da alma. Em 1929 juntou-se à Ômoto onde esteve ativo como missionário até a dissolução do grupo, em 1935.
Já em 1932, Nakano estudou o Chinkon Kishin, um ritual de possessão espiritual e purificação com o sacerdote xintoísta Katsutate Nagasawa (1858-1940). A doutrina do Ananaikyô é conservadora, sobretudo de origem xintoísta e fortemente influenciada pela Ômoto. A escritura principal é o Reikai Demita Uchu (“O universo visto pelo mundo dos espíritos”, de Nakano). A veneração dos antepassados é considerada essencial para assegurar o seu bem estar e sua proteção.
VI. Conclusão
Esperamos que, com esse despretensioso artigo, tenhamos introduzido os leitores ao mundo do Xintoísmo e de seus sub-ramos.
O Xintoísmo é parte inseparável na formação da mentalidade japonesa e, por incrível que isso possa parecer, é uma forte influência religiosa na vida de milhares de brasileiros que seguem as novas religiões japonesas.
É realmente admirável que, com algumas denominações com número superior de fiéis no Brasil do que no próprio Japão , o Xintoísmo e a própria cultura japonesa como um todo, permaneçam, em grande parte, desconhecidos até nos meios cultos e acadêmicos.
Compreender a mentalidade Xintô é compreender uma grande parte dos mecanismos de crença no Japão e no mundo.
VII. Bibliografia Consultada.
BOCKING, Brian. A Popular Dictionary of Shinto. Chicago: NTC , 1997.
EVANS, Ann Llewellyn. Shinto Norito – A Book of Prayers. [S.l.]: Trafford, 2001.
JINPO, Ikuo; SHIRAHIKO, Haruhiko. Manga Shinto Nyumon- Nihon no Rekishi Ni Ikiru Happyakuman no Kamigami. [ Tóquio ]: Sunmark, 1993.
BATH, Sérgio. Xintoísmo, o caminho dos deuses. São Paulo: Ática, 1998.
MATSUNAGA, Alicia; MATSUNAGA, Daigan. Foundation of Japanese Buddhism – Vol.I. Tóquio: Kenkyusha, 1978.
PARTRIDGE, Cristopher. The Encyclopedia of New Religions. Oxford: Lion Hudson, 2004.
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