sexta-feira, 15 de novembro de 2019

As tecnologias da informação e da comunicação na escola: políticas públicas, usos e benefícios

Resultado de imagem para diferença tics e tics

1O impulso à crescente integração das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) na educação conheceu um significativo recrudescimento por ocasião da emergência e popularização da noção da Sociedade da Informação e do Conhecimento enquanto modelo ideal de reestruturação das sociedades contemporâneas. Esta narrativa acerca do desenvolvimento do futuro da sociedade, assente no modo de produção informacional baseado no conhecimento (Castells, 2000), estimulou o debate e a subsequente ação política e programática dos estados nacionais para a definição de políticas públicas destinadas à rápida adequação multidimensional à nova forma de organização social (Alves, 2004).
2Este debate definiu, desde logo, a educação como um dos eixos estruturantes do novo modelo de sociedade. O primeiro dos argumentos foi o de que a reestruturação da economia e do emprego implicada nesta mudança desenhava um novo perfil de competências para o conjunto da mão de obra (Yang, 2012): a literacia informática imprescindível para todos e a formação graduada e pós-graduada especializada de segmentos específicos, dirigida à construção e manutenção das autoestradas da informação e da respetiva articulação com as empresas e instituições reticulares (Castells, 2000). O segundo argumento prendeu-se com a atualização tecnológica desta dimensão estruturante das sociedades contemporâneas: se as TIC foram paulatinamente estendendo a sua influência a todo e qualquer domínio de ação social, como compreender a sua tímida inserção na escola, instância fundamental da formação de competências e transmissão do conhecimento?
3Embora a inventariação dos potenciais benefícios da utilização dos computadores na educação tenha sido praticamente contemporânea da sua emergência inicial ou da expansão mercantil dos mesmos (Mayfield e Ali, 1996; Somekh, 2000; Wellington, 2005), foi sobretudo a sua associação à narrativa das sociedades da informação e do conhecimento que favoreceu o desenho de políticas públicas de integração massiva das TIC nos processos de ensino e aprendizagem (Selwyn, 2008; Nivala, 2009).
4Esta revolução tecnológica nas escolas, entusiasticamente impulsionada pelos responsáveis nacionais pelas políticas educativas (Governos) e pelos principais operadores do mercado das TIC e das telecomunicações (Somekh, 2000; Pelgrum, 2001; Wellington, 2005; Bestall, 2006), foi, de certa forma, organizada à revelia dos gestores e reguladores (instituições centrais da administração educativa e conselhos consultivos) e dos atores (diretores de escolas, docentes e alunos) dos processos educativos. A integração das TIC nos curricula nacionais operou-se sobretudo pela noção da literacia informática, ou seja, da dotação dos recursos mínimos implicados na operação de um computador e na utilização da internet à saída da escolaridade obrigatória. Esta noção corresponde, assim, à prescrição das competências consideradas necessárias pela procura nos recursos humanos para a sociedade da informação e do conhecimento e não a um pensamento estruturado acerca do modo como as TIC devem ser integradas no ensino, correspondendo a um conjunto claramente definido de objetivos, necessidades e previsão de resultados (Wellington, 2005).
5A integração da tecnologia nas escolas não foi, assim, acompanhada do debate necessário acerca do grau de mudança implicado no maciço incremento das TIC nas escolas: deve constituir apenas mais uma disciplina ou implicar uma profunda revisão do currículo e nos métodos de ensino e aprendizagem, revolucionando integralmente o modo como a escola funciona nos dias de hoje (Aviram e Talmi, 2005)?
6A ausência desta clarificação fornece argumentos aos principais detratores da integração das TIC nos processos de ensino e aprendizagem: a sua ineficácia e improdutividade (geral ou por disciplina) na melhoria dos resultados escolares dos alunos (Peslak, 2005; Hikmet et al., 2008). Contudo, esta conclusão talvez seja demasiado apressada e resultante de um equívoco relativamente ao lugar das TIC na escola. Atendendo à especificidade desta tecnologia, a respetiva utilização em sala de aulas seria mais adaptável ao trabalho de projeto (individual ou colaborativo), enquadrado numa conceção mais construtivista da educação (Palak e Walls, 2009; Costa, 2004), centrada no aluno e não tanto numa orientação educativa de pendor tradicionalista, centrada na transmissão de conhecimentos por parte do professor à plateia de alunos, na respetiva assimilação por parte destes e posterior demonstração dos conhecimentos adquiridos na execução de um teste ou exame, culminando este processo na atribuição de uma classificação. Nesta última aceção do processo educativo, as TIC terão realmente pouco a oferecer além da literacia informática, constituindo até um obstáculo à melhoria quantitativa dos resultados escolares dos alunos (Zhao e Frank, 2003: 816).
7A ausência de uma estratégia coerente de integração das TIC nas escolas propiciou também uma incipiente utilização média em sala de aulas, em claro contraste com os investimentos efetuados e as expetativas geradas (Cuban et al., 2001, Somekh, 2004). Este aparente paradoxo deve-se, no entender dos entusiastas do processo – governo e conglomerados TIC (Selwyn, 2008; Nivala, 2009) –, à reduzida eficácia da utilização das TIC pelos professores na sala de aulas, concentrada sobretudo nas tradicionais atividades de exposição e menos no trabalho conjunto com os seus alunos. Mais uma vez, esta é uma explicação apressada, sendo esta menor utilização das TIC em sala de aulas resultante de circunstâncias e processos afetos ao conjunto dos atores (escolas, professores e alunos) e não tanto decorrente da responsabilidade de apenas um.
  • 1 Em parte também associado à execução do “Plano de renovação do parque escolar destinado ao ensino s (...)
8Em Portugal, a progressiva introdução das TIC nas escolas e nos processos de ensino e aprendizagem foi objeto de diversos programas ao longo das últimas décadas: Minerva, Nónio Século XXI e Plano Tecnológico da Educação1. A literatura disponível (Paiva, 2002; Costa, 2004; Costa e Viseu, 2007), embora anterior à execução deste último plano, revela dificuldades de implementação semelhantes às encontradas no plano internacional, ainda que se registem diferenças significativas: uma implementação dos recursos tecnológicos mais tardia, menos alargada e recursos humanos de apetência mais desigual à utilização das TIC no ensino.

Desenho metodológico

  • 2 Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ref. PTDC/CS-SOC/102690/2008), coordenado p (...)
9A implementação do Plano Tecnológico da Educação constituiu o mote para a execução do projeto de investigação “Learn-Tech: Tecnologias da Informação e da Comunicação e Aprendizagem”2, cujo objetivo fundamental foi conhecer e analisar o modo como se está a processar a apropriação das TIC por parte dos estabelecimentos do ensino secundário e respetivos atores, bem como a respetiva integração nos processos de ensino e aprendizagem.
10Este projeto incluiu a observação de doze escolas durante o ano letivo de 2010/2011, situadas em diferentes regiões do país e nas quais os referidos processos de modernização física e tecnológica se encontravam em etapas distintas. Em cada escola, foi aplicado um questionário aos diretores, outro a uma amostra de professores e um terceiro a várias turmas de estudantes, assegurando a máxima diversidade dos cursos científico-humanísticos (e excluindo os cursos tecnológicos e profissionais). Desta forma, recolheram-se, codificaram-se e analisaram-se, através do programa SPSS 18, as respostas de 12 diretores, 324 professores e 2674 alunos. Como informação complementar para a redação deste artigo, foram ainda analisados os resultados das provas nacionais e os relatórios de avaliação externa das respetivas organizações escolares, no sentido de enquadrar os dados obtidos nas restantes dinâmicas organizacionais.
11Entre as diversas questões sobre as quais se recolheu informação, para o tema em análise no presente artigo realçamos as perguntas relativas à intensidade e modalidades de utilização das TIC por parte dos professores, nas diferentes dimensões do trabalho docente, bem como a possibilidade de estabelecer correlações desses regimes de utilização com possíveis variáveis explicativas, como são a escola, o grupo etário, o sexo, a área disciplinar, os recursos disponíveis, as competências detidas, a orientação pedagógica e a cooperação entre colegas.
12Na linha de estudos internacionais mencionados no ponto anterior, procurámos assim não apenas descrever a intensidade e modalidades de uso das TIC nas escolas secundárias portuguesas, mas também compreender fatores que explicam esses modos de apropriação, o que se afigura fundamental para o desenho de políticas mais eficazes e equitativas, neste domínio.

A utilização das TIC na sala de aula: intensidade, modalidades e perfis

13Um dos dados mais salientes deste inquérito resulta do facto de 90 % dos professores declararem utilizar computadores, internet e quadros interativos na sala de aula, pelo menos ocasionalmente. No entanto, os dados relativos à frequência da utilização, por parte dos restantes docentes, deixam em evidência a diversidade dos regimes atuais de apropriação tecnológica no trabalho pedagógico: 16 % utilizam esporadicamente as TIC (menos de 10 % das aulas); 24 % utilizam as TIC com pouca frequência (11 % a 25 % das aulas); 20 % utilizam-nas moderadamente (26 % a 50 % das aulas), 17 % com regularidade (51 a 75 % das aulas); e 23 % de forma sistemática (mais de 75 % das aulas). Esta intensidade da utilização não apresenta correlações significativas com o sexo, nem como o grupo disciplinar (apesar de os valores registados entre as professoras e na área das humanidades serem ligeiramente inferiores), mas sim com a idade dos docentes: são sobretudo os docentes mais jovens, formados mais recentemente e, por isso, com menos anos de carreira que mais frequentemente usam estas tecnologias nas suas aulas. Resultados semelhantes haviam já sido obtidos em Paiva, 2002.
  • 3 Os valores variam entre 1 (utilização em menos de 10% das aulas) e 5 (utilização em mais de 75% d (...)
  • 4 f (2,294) = 4,023; p = 0,019.
  • 5 f (2,294) = 4,519; p =0,012.
Quadro 1  Média de utilização das TIC em sala de aula, segundo a idade dos professores e o número de anos na carreira 34 e 5
Quadro 1   Média de utilização das TIC em sala de aula, segundo a idade dos professores e o número de anos na carreira 3, 4 e 5
14Quanto às modalidades de utilização das TIC em sala de aula (ver Gráfico 1), os resultados do questionário aos docentes confirmam uma maior propensão da utilização das TIC em atividades rotineiras e não geradoras de uma inovação radical na modalidade de exercício da docência (Zhao e Frank, 2003).
Gráfico 1  Frequência média (1-4) de utilização das TIC em sala de aulas por tipo de atividade
Gráfico 1   Frequência média (1-4) de utilização das TIC em sala de aulas por tipo de atividade
15É sobretudo na exposição de conteúdos, substituindo parcialmente o uso anterior do quadro e/ou a projeção de “acetatos”, que estas ferramentas são usadas, em contraste com a escassez do respetivo uso em apoio a atividades práticas realizadas pelos alunos (resolução de exercícios, utilização de software educativo, simulação de experiências e situações, produção de apresentações). É, aliás, significativo que a maior utilização dos meios informáticos por parte dos professores mais jovens se verifique, sobretudo, nesta modalidade de apoio à exposição, sendo que a utilização das TIC por parte dos alunos, em sala de aula, não varia de forma significativa entre os grupos etários. Num outro inquérito nacional aos professores de Matemática e de Ciências já tinha sido constatado que o modelo expositivo de aula continuava a ser dominante e que a correlação com a idade dos docentes não era significativa (Abrantes et al., 2008).
  • 6 Realizado a partir de um K-means cluster, a partir do número de clusters sugerido por um cluster hi (...)
16A partir da execução de uma análise de clusters6 sobre estas modalidades de utilização das TIC em sala de aulas extraíram-se quatro perfis diferenciados entre os docentes: o perfil diversificado, menos numeroso (N=32) e que conjuga uma utilização muito alargada em quase todas as atividades elencadas, incluindo as mais raras; o perfil experimental (N=39), caraterizado pela maior intensidade de utilização das TIC em exercícios práticos e na simulação de experiências, a par da exposição de conteúdos pedagógicos e utilização de software educativo; o perfil expositivo (N=46), que concentra a utilização das TIC na exposição de conteúdos, procura de informação e pesquisa de conteúdos eletrónicos; e finalmente, o perfil diminuto, o mais numeroso (N=82) e que agrupa o conjunto de professores que muito pouco frequentemente utiliza as TIC em qualquer uma destas atividades realizadas em sala de aula.
17Do ponto de vista sociográfico, estes diferentes perfis de utilização das TIC em sala de aulas apresentam aspetos relevantes:
18• Sexo: observa-se uma maior propensão para o perfil expositivo por parte das mulheres (25 % contra 19 %) e para o perfil experimental por parte dos homens (28 % contra 17 %);
19• Idade: os perfis experimental (32 %) e expositivo (22 %) são mais frequentes entre os docentes com menos de 40 anos (32 % e 22 %, respetivamente), enquanto o perfil diminuto é mais comum, tanto no escalão intermédio (40 %), como no escalão dos docentes com mais de 50 anos (52 %). O perfil diversificado é relativamente raro, não ultrapassando os 20 % nos dois escalões etários mais jovens e 9 % no mais idoso.
20• Área disciplinar: entre os docentes de ciências exatas e naturais regista-se uma concentração natural no perfil experimental (45 %); em todos os outros perfis, assiste-se a um posicionamento modal no perfil diminuto, com destaque para as humanidades, onde é maioritário (57 %). Entre os docentes das ciências sociais e do comportamento é também significativo o contingente de docentes agrupados no perfil expositivo (31 %).
  • 7 Pesquisa de informação para a preparação das aulas: f (3,190) = 13,015; p 0,001/Frequência da prep (...)
  • 8 Numa escala de 1 (nunca) a 4 (muito frequente), os valores médios obtidos para o uso das TIC nas pr (...)
21De referir, por fim, que embora nesta análise tenhamos aprofundado o caso da utilização das TIC no contexto da sala de aula, a sua frequência está correlacionada, de forma estatisticamente significativa, com o seu uso em outras dimensões do trabalho docente7. Os resultados do questionário mostram que as TIC são utilizadas frequentemente, pela maioria dos docentes, para a preparação de aulas, o contacto com colegas e a gestão das turmas. Registando valores mais baixos, a utilização das TIC para a comunicação com os alunos é também comum, sendo no entanto muito menos frequente para a comunicação com os encarregados de educação8. Como seria de esperar, os docentes que utilizam as TIC regularmente nestas atividades são também aqueles que mais recorrem a elas no trabalho de sala de aula.

Interpretações dos padrões observados: recursos, representações e competências

22A diversidade dos regimes de utilização das TIC na sala de aula pode ser interpretada à luz de três grandes grupos de fatores que condicionam e orientam o trabalho docente: os recursos, as representações e as competências.
23Quanto aos recursos, podemos começar por constatar que quase todos os docentes dispõem de computador em casa (99 %) e de ligação à internet (95 %), sendo que a larga maioria (76 %) utiliza diariamente a internet, nomeadamente, para enviar e receber correio eletrónico e para procurar informação, através de motores de busca. No entanto, no contexto escolar e de sala de aula, a situação é diferente. Se a larga maioria dos inquiridos conta hoje, na sala de aula, com um computador e um projetor, apenas 11 % afirmam dispor de computadores para os alunos, encontrando-se as alternativas, como requisitar computadores portáteis (21 %) ou transferir a aula para um laboratório de informática (19 %), dependentes do planeamento prévio e da disponibilidade no horário da aula.
24O questionário aos diretores confirmou este cenário de grande diversidade de recursos tecnológicos entre escolas. Embora longe da meta de um computador para cada dois estudantes, expressa no Plano Tecnológico para a Educação, foi possível observar um notável contraste entre sete escolas com um parque tecnológico significativo (um computador com ligação à internet para menos de 8 alunos, sendo que em duas delas este valor é apenas 4) e outras em que os meios informáticos são ainda escassos (um computador com acesso à rede para mais de 12 alunos). A esta diferença correspondem, obviamente, oportunidades desiguais de apropriação da tecnologia para o trabalho pedagógico.
  • 9 Numa escala de 1 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente), o grau de concordância médio dos (...)
25Além disso, entender o próprio contexto organizacional enquanto recurso para a utilização das TIC no trabalho pedagógico implica considerar não apenas a tecnologia disponível na escola, mas também o modo como esta é gerida, dentro da organização, e, sobretudo, a capacidade da mesma para coordenar, apoiar e alargar a utilização das TIC para propósitos pedagógicos (por exemplo, através da manutenção dos equipamentos, a aquisição de software, a produção e administração local de aplicações, a formação do quadro docente, etc.). A este propósito, é significativo que o questionário aos docentes aponte para respostas muito diferenciadas, quanto à adequação dos equipamentos informáticos e da assistência técnica fornecida pela respetiva escola, enquanto se observa um maior consenso na discordância quanto à afirmação: “a escola dispõe dos materiais pedagógicos (conteúdos eletrónicos e software educativo) necessários à bem-sucedida aplicação das TIC às minhas aulas” 9. Ainda assim, a diversidade entre escolas neste campo não é negligenciável. A análise deste conjunto de indicadores permitiu-nos chegar a uma tipologia de organizações escolares, curiosamente com quatro das doze escolas estudadas a enquadrarem-se em cada um dos perfis:
26a) Escolas inovadoras: com recursos significativos, combinando soluções proprietárias e outras de software livre, adquirindo software educativo e aplicações locais, com direções e coordenações TIC comprometidas com a utilização das TIC no trabalho pedagógico.
27b) Escolas tradicionais: com falta de recursos tecnológicos, utilizando apenas aplicações básicas da Microsoft e o Moodle, não existindo uma coordenação, nem uma estratégia efetivas para o reforço das TIC no ensino-aprendizagem;
28c) Escolas ambivalentes: caraterizada por uma combinação pouco consistente de indicadores, provavelmente devido à existência de dinâmicas locais tanto de reforço da utilização da tecnologia, como de resistência a esta apropriação, gerando projetos inovadores, mas sem capacidade para protagonizar uma estratégia organizacional coerente (ver Quadro 2).
Quadro 2  Recursos, estratégia e intensidade de uso das TIC, segundo a escola e a tipologia de escolas construída
Quadro 2   Recursos, estratégia e intensidade de uso das TIC, segundo a escola e a tipologia de escolas construída
29A análise em detalhe desta tipologia merece, por si própria, um artigo (Abrantes et al., 2013). Em todo o caso, podemos de forma sintética assinalar que os estudos internacionais sobre a apropriação das TIC no trabalho pedagógico tendem a atribuir um papel central ao contexto local e organizacional em que os docentes estão integrados (Zhao e Frank, 2003). Um relatório a partir de 17 inquéritos realizados na Europa mostrou que, em cada país, apenas uma minoria de escolas utilizou, até ao momento, as TIC para uma transformação efetiva do ensino-aprendizagem, enquanto a maioria das escolas se encontra ainda numa etapa inicial deste processo, utilizando as TIC de forma pouco continuada ou articulada, frequentemente, para reforçar metodologias pedagógicas mais tradicionais (Balanskat et al., 2006). Ainda que o carácter centralizado do sistema educativo português atribua, tradicionalmente, pouca margem para as escolas desenvolverem as suas próprias estratégias e práticas, este cenário tem vindo pouco a pouco a ser alterado. Embora as políticas de autonomia tenham efeitos relativamente mitigados (Barroso, 2006), áreas mais periféricas do currículo e em que a distribuição de recursos tem dependido também da iniciativa das escolas, como é o caso das TIC, contribuem para aumentar tais singularidades locais. Assim, estudos recentes têm identificado claramente diferentes “culturas de escola” (Torres, 2011). A este propósito, um estudo recente a partir de todos os relatórios de avaliação externa das escolas, através de uma análise fatorial, chegou a uma tipologia semelhante à que apresentamos aqui (Veloso et al., 2011).
30Como seria de esperar, embora existam professores dos vários perfis em cada uma das escolas, a frequência média do uso das TIC em sala de aula é superior nas quatro “escolas inovadoras”, sendo reduzida nas quatro “escolas tradicionais” e numa das “escolas ambivalentes”. Mesmo numa pequena amostra de escolas como aquela com que trabalhámos, observam-se, pois, níveis de “e­-maturidade” (Balanskat et al., 2006) muito assimétricos.
  • 10 Todos os valores médios abaixo indicados se referem a uma escala entre 1 (discordo totalmente) e 4 (...)
31No caso das representações dos docentes, referimo-nos especificamente às suas conceções sobre os benefícios (ou não) do uso das TIC no trabalho da sala de aula, bem como acerca da possibilidade e relevância da sua utilização, face aos currículos das disciplinas que lecionam.10
  • 11 f (3,129) = 5,49; = 0,001.
32A este propósito, apesar da assinalável diversidade observada, a maioria dos docentes considera que as TIC aumentam o interesse dos alunos pelas aulas, enquanto apenas cerca de metade considera que a utilização das TIC produz vantagens, ao nível dos resultados académicos: a afirmação “Os alunos parecem mais atentos e interessados quando utilizo as TIC nas aulas” alcança um valor médio de 3,0, enquanto “Os alunos têm melhores resultados escolares quando utilizo as TIC nas aulas” regista um valor médio de 2,5. Como seria de esperar, os docentes mais céticos quanto aos benefícios das TIC são aqueles que raramente ou nunca as utilizam em sala de aula (perfil diminuto)11, enquanto as representações não parecem variar de forma significativa segundo os restantes três perfis anteriormente caracterizados (sendo ligeiramente inferiores, ainda assim, no perfil experimental).
33Não deixa de ser revelador que as representações quanto aos benefícios das TIC não variem, de forma estatisticamente significativa, segundo o sexo ou o grupo etário dos docentes. No caso específico dos benefícios do uso das TIC nos resultados escolares dos alunos, é também de alguma forma surpreendente que sejam os docentes da área das ciências exatas e naturais que se destacam por respostas mais discordantes.
34Por fim, no caso das competências, a metodologia do questionário é menos conclusiva, pois embora tenhamos inserido várias questões relativas ao tema, não devemos esquecer que estamos igualmente a tratar de representações dos docentes sobre si mesmos e que, no caso das respostas a um questionário, são influenciadas também por um “efeito de desejabilidade social”, tanto mais que tratamos de um grupo profissional, cujas competências têm sido tão questionadas no debate público, em particular no âmbito da questão da avaliação de desempenho.
35Em todo o caso, é revelador a este propósito que as respostas dos docentes tendam para a concordância com a afirmação: “em geral, os professores não dispõem de formação e de competências digitais suficientes para construírem, eles próprios, os conteúdos pedagógicos eletrónicos de que necessitam” (valor médio de 2,7). Quando indagados sobre as suas próprias competências, a larga maioria dos docentes (83 %) declara não ter dificuldades no uso da internet, mas em relação à segurança na utilização do software, uma percentagem tão alta é apenas observada no caso do processador de texto, sendo que apenas uma minoria afirma utilizar sem problemas uma folha de cálculo e um pequeno segmento usa com segurança ferramentas de edição multimédia, redes sociais e edição HTML (ver Gráfico 2).
Gráfico 2  Docentes que declaram ter muita segurança na utilização de diferentes tipos de software (%)
Gráfico 2   Docentes que declaram ter muita segurança na utilização de diferentes tipos de software (%)
  • 12 À semelhança do procedimento estatístico realizado para identificar perfis diferenciados de utiliza (...)
  • 13 X(4) = 21,542; < 0,001.
  • 14 X(4) = 2,535; = 0,002.
  • 15 X(8) = 27,247; = 0,001.
  • 16 X(6) = 22,981; = 0,001.
36De notar que a segurança na manipulação do software, em particular quando esta é efetuada em ambiente de sala de aula, é, provavelmente, um dos elementos mais claramente limitativos de um alargamento de utilização das TIC nos processos de ensino-aprendizagem. A partir de uma análise de clusters12 realizada sobre esta última variável, extraíram-se três perfis tipo de utilizadores: o elementar (N=78), que se sente confiante apenas na utilização das funções mais básicas; o intermédio (N= 42), que declara um elevado grau de confiança no uso da maioria das aplicações (excetuando as de edição), e finalmente o perito (N=81), que declara total confiança no uso de todas elas. Esta escala de competência técnica não só tem uma relação inversa com a idade13 e número de anos de carreira14, privilegiando os mais novos, mas também incorpora uma correlação positiva com a frequência de utilização das TIC em sala de aulas15, tal como com os perfis de utilização em sala de aulas16. Os professores que se concentram no cluster com menores competências são os que menos recorrem às tecnologias em sala de aula (perfil diminuto) (64 %), os que detêm competências intermédias distribuem-se, essencialmente, entre o perfil expositivo (31 %) e o perfil diminuto (29 %) e, como seria de esperar, a maioria dos professores que se enquadra num nível de competências mais elevado corresponde aos perfis experimental (35 %) e diversificado (29 %).
37Em todo o caso, o que estes resultados sugerem é que, possuindo a generalidade dos docentes um acesso diário às TIC e utilizando-as efetivamente, destaca-se ainda um grupo de dimensão significativa com um tipo de utilização ainda bastante limitado a funções básicas e cujas competências e confiança dificultam a sua utilização com propósitos pedagógicos, em particular, no contexto da sala de aula. Este resultado está também associado à escassez de ações de formação de utilização pedagógica das TIC conjugada com a utilização destas ferramentas em sala de aula, para que os conhecimentos se sedimentem e tenham uma aplicabilidade direta e imediata, não correndo assim o risco de se desvanecerem. Neste âmbito, falta também conferir às escolas um pouco mais de protagonismo neste processo, inventariando recursos e capacidades formativas próprias por parte dos seus docentes para que pudessem auxiliar os colegas com mais dificuldades, transmitindo experiências didáticas de articulação entre as TIC e conteúdos disciplinares numa linguagem mais familiar e apreensível pelos colegas.

Notas conclusivas

38Seja por opção do docente, por falta de equipamentos e aplicações ou pela forma como estes são geridos pela escola, o que os resultados deste projeto deixam em evidência é que as TIC, tal como noutros contextos nacionais, se encontram subutilizadas no ensino secundário regular, quer em termos de frequência de utilização em sala de aulas, quer das oportunidades pedagógicas que proporcionam (Cuban et al., 2001). Além disso, observa-se que a sua utilização tende a ocorrer no sentido de reforçar um modelo pedagógico eminentemente expositivo (Wellington, 2005), em detrimento tanto das orientações pedagógicas que salientam a importância de um ensino centrado no aluno como dos próprios modelos organizacionais “em rede”, que habitualmente se associam à utilização das tecnologias nos diversos contextos sociais (Castells, 2000). E, se a utilização da tecnologia tende a alargar-se paulatinamente, em razão inversa à idade dos docentes, já a sua apropriação, enquanto reforço das atividades expositivas ou suporte de trabalho dos alunos, não varia de acordo com o escalão etários dos professores mas sobretudo com a intensidade das práticas de utilização quotidiana das TIC.
39Apesar da propalada revolução tecnológica operada nas escolas, verifica-se que a qualidade e quantidade dos recursos TIC disponíveis em cada estabelecimento de ensino constituem ainda um fator relevante e diferenciador. O débito das redes locais e das ligações à internet, a quantidade e qualidade dos equipamentos informáticos e a disponibilidade de software adequado constituem ainda fatores explicativos dos usos efetuados nas escolas, suscitando mesmo situações de desigualdade de oportunidades entre o conjunto dos alunos de um mesmo sistema educativo. A cultura da organização escolar é também um fator influente, pelo maior ou menor impulso dado pela direção das escolas à utilização destes meios, tanto do ponto de vista da dotação de equipamentos como do estímulo à utilização pedagógica e didática das TIC por parte dos professores.
40Entre os docentes a questão mais candente é a da carência de formação específica na utilização pedagógica das TIC. Parte significativa dos professores que hoje leciona nas escolas dos diversos segmentos de ensino não beneficiou de uma componente pedagógica da utilização das TIC no seu percurso formativo, tal como não a obteve no seu decurso profissional (Paiva, 2002; Costa e Viseu, 2007; Miranda, 2007). Desta forma, a generalidade dos professores opta por um regime de utilização das TIC em sala de aulas que em pouco ou nada muda a estratégia pedagógica seguida desde sempre (Somekh, 2004, Wellington, 2005): utilização de apresentações eletrónicas em detrimento das transparências analógicas; comunicação com os alunos por via eletrónica para a distribuição de apresentações eletrónicas ou resolução de dúvidas (Zhao e Frank, 2003). A utilização de outras estratégias pedagógicas menos conservadoras e mais centradas no aluno, no trabalho individual ou coletivo de pesquisa e de projeto são francamente mais raras (idem) e individualmente perseguidas por perfis determinados de docentes, com representações e atitudes mais afirmativas relativamente à utilização das TIC no ensino, tal como no respeitante às respetivas práticas de utilização na vida quotidiana.
41Neste sentido, o artigo põe em relevo a diversidade dos regimes de utilização das TIC em sala de aula, identificando alguns fatores relevantes para a frequência e as modalidades de uso. A existência de docentes – e de escolas – com um perfil de utilização das TIC ainda muito restrito deve constituir uma prioridade da intervenção, neste campo, no sentido de promover uma maior igualdade de oportunidades. Por seu lado, mesmo nos contextos em que existe já um parque informático significativo, continua a observar-se uma escassez de dispositivos organizacionais e ações de formação adequadas que permitam potenciar esses recursos para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem.
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BIBLIOGRAFIA

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DOI : 10.3102/00028312040004807
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NOTAS

1 Em parte também associado à execução do “Plano de renovação do parque escolar destinado ao ensino secundário” (http://www.parque-escolar.pt/pt/programa/programa-de-modernizacao.aspx), pela necessidade de reabilitação da infraestrutura física prévia à instalação da tecnologia.
2 Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ref. PTDC/CS-SOC/102690/2008), coordenado por Nuno de Almeida Alves e desenvolvido no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL).
3 Os valores variam entre 1 (utilização em menos de 10% das aulas) e 5 (utilização em mais de 75% das aulas).
4 f (2,294) = 4,023; p = 0,019.
5 f (2,294) = 4,519; p =0,012.
6 Realizado a partir de um K-means cluster, a partir do número de clusters sugerido por um cluster hierárquico (método vizinho mais afastado, intervalo do quadrado de distâncias euclideanas), N = 195. O procedimento efetuado eliminou um grande conjunto de docentes da análise (125) por não terem respondido a uma ou mais questões deste conjunto, ficando assim impossibilitados de se agruparem num dos perfis extraídos.
7 Pesquisa de informação para a preparação das aulas: f (3,190) = 13,015; p < 0,001/Frequência da preparação de conteúdos pedagógicos eletrónicos: f (3,190) = 18,330; p < 0,001/Frequência da comunicação com os alunos: f (3,190) = 11,390; p < 0,001.
8 Numa escala de 1 (nunca) a 4 (muito frequente), os valores médios obtidos para o uso das TIC nas primeiras atividades mencionadas situam-se entre 3,0 e 3,4, enquanto a comunicação com os alunos alcança 2,6 e a comunicação com os encarregados de educação apenas 1,9.
9 Numa escala de 1 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente), o grau de concordância médio dos docentes em relação a esta afirmação foi de 2,1, sendo de 2,5 relativamente às outras duas afirmações: “A escola não dispõe de assistência técnica necessária a uma boa integração das TIC no processo de ensino e aprendizagem das minhas aulas” e “a escola tem o número de computadores adequados à bem-sucedida integração das TIC nas minhas aulas”. Estes valores variam pouco, considerando o sexo, o escalão etário ou o perfil de utilização das TIC.
10 Todos os valores médios abaixo indicados se referem a uma escala entre 1 (discordo totalmente) e 4 (concordo totalmente).
11 f (3,129) = 5,49; = 0,001.
12 À semelhança do procedimento estatístico realizado para identificar perfis diferenciados de utilização das TIC em sala de aula, realizou-se uma análise de Clusters (K-means cluster), n = 205.
13 X(4) = 21,542; < 0,001.
14 X(4) = 2,535; = 0,002.
15 X(8) = 27,247; = 0,001.
16 X(6) = 22,981; = 0,001.
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ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES

TítuloQuadro 1  Média de utilização das TIC em sala de aula, segundo a idade dos professores e o número de anos na carreira 34 e 5
URLhttp://journals.openedition.org/sociologico/docannexe/image/861/img-1.jpg
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TítuloGráfico 1  Frequência média (1-4) de utilização das TIC em sala de aulas por tipo de atividade
URLhttp://journals.openedition.org/sociologico/docannexe/image/861/img-2.jpg
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TítuloQuadro 2  Recursos, estratégia e intensidade de uso das TIC, segundo a escola e a tipologia de escolas construída
URLhttp://journals.openedition.org/sociologico/docannexe/image/861/img-3.jpg
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TítuloGráfico 2  Docentes que declaram ter muita segurança na utilização de diferentes tipos de software (%)
URLhttp://journals.openedition.org/sociologico/docannexe/image/861/img-4.jpg
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PARA CITAR ESTE ARTIGO

Referência do documento impresso

Nuno de Almeida Alves, Pedro Abrantes, Carla F. Rodrigues e Paulo Coelho Dias, « TIC no ensino secundário: usos e mediações », Forum Sociológico, 23 | 2013, 87-95.

Referência eletrónica

Nuno de Almeida Alves, Pedro Abrantes, Carla F. Rodrigues e Paulo Coelho Dias, « TIC no ensino secundário: usos e mediações », Forum Sociológico [Online], 23 | 2013, posto online no dia 01 janeiro 2014, consultado o 15 novembro 2019. URL : http://journals.openedition.org/sociologico/861 ; DOI : 10.4000/sociologico.861
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AUTORES

Nuno de Almeida Alves

Professor Auxiliar, Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL); Investigador, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) (nalmeidaalves@iscte.pt)

Pedro Abrantes

Investigador, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) (pedro.abrantes@iscte.pt)

Carla F. Rodrigues

Investigadora, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) (carla.rodrigues@iscte.pt)

Paulo Coelho Dias

Professor Adjunto, Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Santarém, Investigador, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) (pgdias@sapo.pt)
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DIREITOS DE AUTOR

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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Considerações sobre o uso do Teste da Casa-Árvore-Pessoa - HTP, livro em pdf, e videos aulas.

Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.1 Porto Alegre abr. 2010

 


Considerações sobre o uso do Teste da Casa-Árvore-Pessoa - HTP


Juliane Callegaro Borsa1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul


O desenho é considerado uma das formas de comunicação mais antigas entre os seres humanos (Hammer, 1991; Wechsler, 2003). Contudo, foi apenas a partir do século XX que o desenho passou a ser utilizado como técnica de avaliação psicológica, para investigar habilidades cognitivas e características da personalidade humana (Bandeira, Costa & Arteche, 2008). A esses tipos de técnicas, que possuem como principal estímulo o desenho, dáse o nome de técnicas ou testes gráficos.
Dentro dessa proposta, os desenhos passaram a ser analisados a partir de diferentes perspectivas. A perspectiva cognitiva entende o desenho como uma medida de avaliação cognitiva (Goodenough, 1974; Koppitz, 1984). Os testes gráficos cognitivos mais conhecidos são o Desenho da Humana Figura - DFH (Wechsler, 2003; Sisto, 2005) e o Teste Gestáltico Viso-Motor de Bender (Sisto, Santos & Noronha, 2004). A avaliação projetiva, por sua vez, entende que o desenho é uma forma de manifestação dos aspectos inconscientes da personalidade (Hammer, 1991, Machover, 1967). Os testes gráficos projetivos mais conhecidos são o House-Tree-Person Test ou Teste do Desenho da Casa – Árvore – Pessoa (HTP - Buck, 2003) e o Desenho da Família (Corman, 1979).
Conforme a Resolução n° 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos no Brasil, o HTP é o único teste gráfico projetivo para uso no contexto profissional da avaliação psicológica. Este instrumento foi aprovado pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (SATEPSI), em janeiro de 2004 (CFP, 2009).
O HTP foi criado por John N. Buck, em 1948, e tem como objetivo compreender aspectos da personalidade do indivíduo bem como a forma deste indivíduo interagir com as pessoas e com o ambiente. O HTP estimula a projeção de elementos da personalidade e de áreas de conflito dentro da situação terapêutica e proporciona uma compreensão dinâmica das características e do funcionamento do individuo (Buck, 2003). O instrumento é destinado a indivíduos maiores de oito anos e propõe a realização de três desenhos seqüenciais - uma casa, uma árvore e uma pessoa, os quais devem ser desenhados em folhas separadas, utilizando lápis e borracha. A aplicação propõe, também, que se realize um inquérito acerca de características e descrições de cada desenho realizado (Buck, 2003).
O HTP é uma das técnicas mais utilizadas por psicólogos brasileiros (Lago & Bandeira, 2008; Noronha, 2002) e é um dos testes mais ensinados nos cursos de formação em Psicologia (Freitas & Noronha, 2005; Noronha, Oliveira & Beraldo, 2003). A popularidade do HTP pode estar relacionada ao baixo custo e à facilidade de sua aplicação (Lago & Bandeira, 2008). Ao mesmo tempo, trata-se de uma das técnicas mais questionadas no que se refere à validade e fidedignidade (Anastasi & Urbina, 2000; Cunha, 2000). Por se tratar de uma técnica projetiva gráfica, em que aspectos pessoais são projetados sobre o estímulo do desenho, o HTP permite que o avaliador realize interpretações frente ao conteúdo trazido. Em virtude da ambiguidade dos estímulos, as respostas são determinadas pelo conteúdo idiossincrático trazido pelo indivíduo (Hammer, 1991, Machover, 1967).
O HTP foi apresentado, ao longo dos anos, por diferentes autores orientados, em sua maioria, pela teoria psicodinâmica da personalidade (ver Anzieu, 1978; Di Leo, 1987; Grassano, 2004; Greig, 2004 e Hammer, 1991). Diferentes contribuições trazem diversidades quanto às interpretações e dificuldades de se estabelecer critérios para tal. Por esta razão, o HTP é entendido, muitas vezes, como um instrumento baseado no senso comum e em conclusões arbitrárias e subjetivas.
Na sua versão atual, o HTP oferece um manual contendo padronização de aplicação e de registro das respostas oriundas do inquérito posterior a cada desenho. Além disso, oferece um protocolo com uma lista de conceitos interpretativos para cada desenho, associados a possíveis características psicopatológicas da personalidade. Em relação à aplicação, a mesma exige que sejam considerados alguns critérios relevantes, como o adequado conhecimento técnico e teórico do aplicador, sobretudo no que se refere às técnicas projetivas, um ambiente facilitador para a aplicação, a adequada administração do rapport; e aplicação individual, especificamente no contexto clínico. Quanto à interpretação, o HTP propõe avaliar o desenho a partir dos seguintes aspectos: proporção, perspectiva, detalhes, qualidade da linha e uso adequado de cores, no caso dos desenhos cromáticos (Buck, 2003).
A proposta atual do HTP sugere uma avaliação menos detalhada e mais global do desenho quando comparada, por exemplo, aos antigos manuais (ver Retondo, 2000). Tal proposta tende a evitar interpretações pouco consistentes, calcadas na análise simplista do item pelo item. A análise global dos elementos dos desenhos tem-se apresentado apropriada para compreensão dos aspectos psicopatológicos e das características gerais da personalidade, sobretudo quando comparada às análises de itens específicos dos desenhos (Engle & Suppes, 1970; Yama, 1990).
No que se refere ao protocolo de interpretação, trata-se de uma tentativa de sistematizar a aplicação e criar critérios para a interpretação dos desenhos. Conforme propõe o manual, o protocolo configura-se como um recurso útil para a apreensão das características relevantes, visando a interpretação adequada dos desenhos (Buck, 2003). O que se observa, contudo, é a característica patologizante e reducionista do protocolo, na medida em que vincula as características dos desenhos a indicadores psicopatológicos muito específicos, sem considerar outras variáveis envolvidas e que não podem ser apreendidas através da aplicação de um único instrumento.
Neste sentido, o próprio manual do HTP adverte que as informações oriundas do protocolo não devem ser analisadas isoladamente e devem ser combinadas com a história clínica do individuo e com dados oriundos de outras fontes (instrumentos padronizados, entrevistas e informações obtidas por diferentes informantes - Buck, 2003). É importante salientar que o objetivo da avaliação psicológica é compreender o indivíduo da melhor forma possível, sem rótulos ou preconceitos (Cunha, 2000; Tavares, 2003).
Quanto à interpretação dos desenhos, é importante mencionar que esta precisa ir além do conteúdo gráfico puro e simples. Para tanto, é necessário considerar: a) análise dos demais fenômenos oriundos da avaliação, quais sejam, os conteúdos gestuais e verbais ocorridos ao longo da aplicação; b) associação das informações obtidas pelo HTP a informações oriundas de outras fontes, conforme propõe o autor no caput do protocolo de aplicação; c) rigor no uso das informações advindas do manual; d) interpretações fundamentadas na literatura científica sobre técnicas projetivas gráficas (Buck, 2003).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O teste HTP possui, assim como as demais técnicas projetivas, um caráter idiossincrático (Buck, 2003). Em outras palavras, o significado da informação obtida fundamenta-se, não no desempenho do indivíduo relativo a grupos previamente estabelecidos, mas em seu próprio desempenho, avaliado por métodos independentes (Tavares, 2003). A esse conjunto de critérios, dá-se o nome de validade clínica, a qual enfatiza o significado singular de um conjunto de indicadores para um sujeito e seu contexto específico, que inclui o contexto de vida e contexto da avaliação (Tavares, 2003).
Em relação à atual versão brasileira do manual do HTP (Buck, 2003), observa-se a considerável escassez de informações no que se refere aos critérios para interpretação e à origem das associações propostas entre os itens dos desenhos e as psicopatologias. O protocolo, por sua vez, apresentase como um recurso reducionista e psicopatologizante e, devido a esse fato, sugere-se seu uso, apenas, como um guia de orientação sobre os critérios relevantes a serem considerados. Do mesmo modo, é necessário destacar que o referido manual não possui dados de pesquisas realizadas no Brasil, configurando-se, apenas, como uma mera tradução do material existente.
O HTP não deve ser considerado como um instrumento único em um processo diagnóstico que vise avaliar aspectos da personalidade de um indivíduo. Assim, recomenda-se que o uso do HTP para indicação de caminhos no processo de investigação realizado a posteriori, discriminando características bizarras salientes e servindo como um complemento para corroborar informações advindas de fontes adicionais.
No que se refere à aplicação, recomenda-se o uso do HTP no âmbito clínico, já que é nesse contexto que se encontra a possibilidade apreender as particularidades e idiossincrasias do indivíduo avaliado, a partir de informações que dificilmente seriam apreendidas em uma avaliação aplicada ao contexto da seleção de pessoal, por exemplo. Mais especificamente, parece evidente que a aplicação individual é a mais indicada, uma vez que só assim é possível observar todos os fenômenos ocorridos no campo da aplicação. Devido a esse conjunto de características, salienta-se a necessidade do psicólogo possuir uma formação adequada para utilização do HTP, advinda de treinamentos, de atualizações e da prática supervisionada sistemática.
Por fim, observa-se na literatura, que os estudos sobre o HTP são escassos. Grande parte da literatura é desatualizada e poucas pesquisas atuais são encontradas nas bases de dados. Assim, registra-se a importância da continuidade das pesquisas sobre o HTP, para que se possa dispor de dados atualizados e pertinentes ao contexto brasileiro. Tais estudos contribuirão de maneira significativa para a qualidade das propriedades do instrumento, sobretudo no que se refere à validade à fidedignidade dos seus achados.

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SOBRE A AUTORA:
Juliane Callegaro Borsa é psicóloga, doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista de doutorado (e ex-bolsista de mestrado) do CNPq. Atualmente, é integrante do Grupo de Estudo, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica - GEAPAP, coordenado pela Profª Drª Denise Ruschel Bandeira (UFRGS). Realiza pesquisas sobre desenvolvimento, adaptação, padronização e validação de instrumentos de avaliação psicológica.
1Contato:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 120. Bairro Santa Cecília, Porto Alegre/RS. CEP 90035-003. E-mailpsicojuli@yahoo.com.br.

fonte: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712010000100017


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segunda-feira, 4 de novembro de 2019

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domingo, 3 de novembro de 2019

O Papa e a CNBB José Nivaldo Cordeiro

O Papa e a CNBB
José Nivaldo Cordeiro 
27 de dezembro de 2001

A mensagem do Papa João Paulo II para a comemoração do Dia Mundial da Paz (01/02/2002), intitulada Não há paz sem justiça; Não há justiça sem perdão, é um documento exemplar da postura da Santa Sé em relação aos acontecimentos de 11 de setembro. O interessante é também compará-lo com a linha de análise dos fatos adotada pela CNBB, em sua última Análise de Conjuntura (relativa ao mês de novembro) disponibilizada no seu site (www.cnbb.org.br). O abismo entre ambas as posições é maior do que aquele que separa o Céu da Terra. Abaixo vou tentar comparar os textos.

A mensagem do Papa tem um caráter intimista, daí a sua leitura ser ainda mais excitante, tangenciando o poético. E ele não usa de meias palavras para condenar os atentados:

“Este ano o Dia Mundial da Paz é celebrado tendo como pano de fundo os dramáticos acontecimentos do passado dia 11 de Setembro. Naquele dia, foi perpetrado um crime de terrível gravidade: em poucos minutos milhares de pessoas inocentes, de várias procedências étnicas, foram horrorosamente massacradas. Desde então, por todo o mundo as pessoas tomaram consciência, com nova intensidade, da sua vulnerabilidade pessoal e começaram a olhar o futuro com um sentido, jamais pressentido, de íntimo medo. Diante deste estado de ânimo, a Igreja deseja dar testemunho da sua esperança, baseada na convicção de que o mal, o mysterium iniquitatis, não tem a última palavra nas vicissitudes humanas. A história da salvação, delineada na Sagrada Escritura, projeta uma grande luz sobre toda a história do mundo ao mostrar como sobre ela vela sempre a solicitude misericordiosa e providente de Deus, que conhece os caminhos para sensibilizar mesmo os corações mais endurecidos e alcançar bons frutos mesmo de uma terra árida e infecunda. Esta é a esperança que anima a Igreja no início do ano 2002: com a graça de Deus este mundo, no qual as forças do mal parecem uma vez mais triunfar, há-de realmente transformar-se num mundo em que as aspirações mais nobres do coração humano poderão ser satisfeitas, num mundo onde prevalecerá a verdadeira paz”.

Quanta diferença quando comparamos com o que escreveram os analistas conjunturais da CNBB! Vejamos o seu primeiro parágrafo:

“A conjuntura continua marcada pelo atentado terrorista do dia 11 de setembro e pela guerra contra o movimento Taliban, do Afeganistão. À medida que passa o tempo, vai ficando claro que aquele atentado condensou a sensação de mal-estar mundial dos últimos anos. A guerra que se seguiu, desproporcional à sua pretensa causa, só veio agravar esse mal-estar, como se a Humanidade no seu todo estivesse febril”.

Em todo o texto do Papa vemos a justa indignação com os atos terroristas perpetrados contra os EUA, não havendo uma única palavra de condenação do Santo Padre contra as ações militares que ainda estão em andamento, até porque o Papa, em momento anterior, já havia classificado a guerra como “justa”. Já os conjunturalistas da CNBB iniciam seu texto relativizando, afirmando com o acontecido em 11 de setembro “condensou a sensação de mal-estar mundial nos últimos anos”, implicitamento colocando a ação criminosa calculada e pensada como uma respostas a uma agressão anterior. Nada mais falso. Além disso, condena de forma categórica ação dos EUA, em clara contradição com a visão do Sumo Pontífice.

Eles acrescentam à sua análise:

“À medida que passa o tempo e continuam as operações militares comandadas pelos EUA na Ásia Central, vai ficando claro que esta guerra tem outros objetivos além do alegado combate a grupos que adotam o terrorismo como estratégia política. Um desses objetivos é assegurar aos países membros do G-7 o controle sobre as rotas de petróleo e gás natural da Ásia Central e do mar Cáspio (cujas reservas serão a grande alternativa para o Ocidente quando se esgotarem os recursos do Oriente Médio, dentro de 20 anos no máximo). Outro objetivo, de importância estratégica, é a presença militar nas vizinhanças da China (a potência emergente dos próximos anos, já se preparando para ocupar o terceiro lugar na corrida espacial), da Índia e da Rússia/Sibéria. Enfim, é preciso lembrar que a guerra aumenta os investimentos na indústria bélica e dinamiza a economia estadunidense para fazê-la sair da recessão que já a ameaçava antes mesmo de 11 de setembro”.

Fica claro nesse trecho que os analistas adotam uma visão conspiratória, tratando os EUA como agressores e não como quem combate em ato de defesa, aí englobando o G-7. Como se países como França não tivessem suas reservas e aquele colegiado fosse um monolito. Na visão dos analistas, a mobilização militar não tem por objetivo destruir as bases terroristas, mas fazer a guerra de conquista, em claro desacordo com a realidade dos fatos. A paranóia vai além, sugerindo que o Ocidente precisaria de bases militares adicionais por causa da China e da Rússia, como se ainda estivéssemos vivendo a Guerra Fria e o comunismo não tivesse sido derrotado em 1989. A pobreza dos parâmetros dos analistas é, por assim dizer, franciscana. Chega mesmo a ser colegial.

O seguinte trecho é ainda mais insípido:

“A escolha do mundo árabe-muçulmano como alvo de guerra, porém, pode ter efeitos explosivos no médio prazo. Como já foi assinalado (Conjuntura de setembro), a opção pela guerra provoca a radicalização de posições extremas e dificulta o desenvolvimento de alternativas viáveis para a Justiça e a Paz mundial (como as alternativas nascentes do Fórum Social Mundial). Vemos multiplicarem-se medidas autoritárias contra pessoas suspeitas, principalmente nos EUA, onde o governo Bush está fazendo lembrar o AI-5 da ditadura militar brasileira. A recente vitória eleitoral da direita na Dinamarca parece ser um mau presságio de agravamento da xenofobia e do endurecimento político do Ocidente. Os problemas mundiais tendem a ser resolvidos pela força das armas e em favor dos mais fortes sob o ponto de vista econômico e militar, uma vez que agora mais que nunca é evidente a inter-relação entre segurança e economia.. A aversão ao risco ganha maior peso como fator de decisão sobre os investimentos: o Estado que não oferecer segurança aos investidores ficará prejudicado no financiamento da sua economia”.

Os EUA escolheram os mundo árabe-muçulmano como alvo? Foi exatamente o contrário, eles atacaram os EUA de forma rapace e traiçoeira. Aqui eles, os analistas conjunturais , transformam o agredido em agressor. E, como bons marxistas, colocam o drama como sendo motivado por razões econômicas, quando toda a gente sabe que a motivação é de outra natureza, está no ódio ancestral e tribal contra a modernidade, contra a sociedade aberta, contra a libertação feminina e, podemos dizer, contra as liberdades em geral. E as medidas de proteção contra os novos prováveis atentados (quem esquece do terrorista do sapato que ainda nesta semana tentou derrubar um outro avião, uma forma de terrorismo que poderíamos chamar de pé-de-chinelo? É possível não ser previdente contra esses dementes?) Quem tentou resolver os problemas mundiais pelas armas foram os terroristas. E, que mal pergunte, o que tem a ver a segurança dos investidores com os atos terroristas? Só marxistas cegos pela ideologia para misturar alhos com bugalhos.

Mas voltemos ao texto do Santo Padre:

“Os recentes acontecimentos, com os terríveis fatos sangrentos aqui lembrados, estimularam-me retomar uma reflexão que freqüentemente brota do mais íntimo do meu coração, quando lembro os acontecimentos históricos que marcaram minha vida, especialmente nos anos da minha juventude. Os indescritíveis sofrimentos de povos e indivíduos, vários deles meus amigos e conhecidos, causados pelos totalitarismos nazista e comunista, sempre interpelaram o meu espírito e motivaram a minha oração. Muitas vezes me detive a refletir nesta questão: qual é o caminho que leva ao pleno restabelecimento da ordem moral e social tão barbaramente violada? A convicção a que cheguei, raciocinando e confrontando com a Revelação bíblica, é que não se restabelece cabalmente a ordem violada, senão conjugando mutuamente justiça e perdão. As colunas da verdadeira paz são a justiça e aquela forma particular de amor que é o perdão”.

Quanta diferença! Enquanto que a CNBB emprega declaradamente a sociologia marxista para fazer o seu arremedo de interpretação da realidade, o Papa singelamente usa a doutrina de cristã, prega o Evangelho, a grandeza da justiça e do perdão. E vai além. Denuncia o totalitarismo, inclusive o comunista, que é tão caro para uma parcela importante do clero brasileiro.

Continua o Papa:

“Mas, nas circunstâncias atuais, pode-se falar de justiça e, ao mesmo tempo, de perdão como fontes e condições da paz? A minha resposta é que se pode e se deve falar, apesar da dificuldade que o assunto traz consigo, e da tendência que há a conceber a justiça e o perdão em termos alternativos. Mas o perdão opõe-se ao rancor e à vingança, não à justiça. Na realidade, a verdadeira paz é ” obra da justiça ” (Is 32, 17). Como afirmou o Concílio Vaticano II, a paz é ” fruto da ordem que o divino Criador estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos homens, sempre ansiosos por uma mais perfeita justiça ” (Const. past. Gaudium et spes, 78). Há mais de quinze séculos que na Igreja Católica ressoa o ensinamento de Agostinho de Hipona, segundo o qual a paz, a ser conseguida com a colaboração de todos, consiste na tranquillitas ordinis, na tranqüilidade da ordem (cf. De civitate Dei, 19, 13). Por isso, a verdadeira paz é fruto da justiça, virtude moral e garantia legal que vela sobre o pleno respeito de direitos e deveres e a eqüitativa distribuição de benefícios e encargos. Mas, como a justiça humana é sempre frágil e imperfeita, porque exposta como tal às limitações e aos egoísmos pessoais e de grupo, ela deve ser exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas. Isto vale tanto para as tensões entre os indivíduos, como para as que se verificam em âm bito mais alargado e mesmo as internacionais. O perdão não se opõe de modo algum à justiça, porque não consiste em diferir as legítimas exigências de reparação da ordem violada; mas visa sobretudo aquela plenitude de justiça que gera a tranqüilidade da ordem, a qual é bem mais do que uma frágil e provisória cessação das hostilidades, porque consiste na cura em profundidade das feridas que sangram nos corações. Para tal cura, ambas, justiça e perdão, são essenciais.”.

Há, nesse trecho, apoio implícito a ação dos EUA, que têm a missão de restabelecer a ordem quebrada, o equilíbrio perdido. A traquilidade da ordem exige a ação da justiça, que deve ser seguida da ação do perdão, tão bela e poeticamente aqui lembrado pelo Santo Padre.

Nada mais diferente do que a pífia análise dos analistas conjunturais da CNBB. O Papa não usa de meias palavras para condenar o terrorismo, como podemos ler no seguinte trecho:

“É precisamente a paz baseada na justiça e no perdão que, hoje, é atacada pelo terrorismo internacional. Nestes últimos anos, especialmente após o fim da guerra fria, o terrorismo transformou-se numa rede sofisticada de conluios políticos, técnicos e econômicos, que ultrapassa as fronteiras nacionais e se estende até abranger o mundo inteiro. Trata-se de verdadeiras organizações, dotadas freqüentemente de enormes recursos financeiros, que elaboram estratégias em vasta escala, atingindo pessoas inocentes, de forma alguma envolvidas nos objetivos que se propõem os terroristas. Usando os seus mesmos sequazes como armas para atingir pessoas incautas e indefesas, estas organizações terroristas manifestam de modo assustador o instinto de morte que as alimenta. O terrorismo nasce do ódio e gera isolamento, desconfiança e retraimento. A violência atrai violência, numa trágica espiral que arrasta também as novas gerações, herdando elas assim o ódio causador das divisões precedentes. O terrorismo baseia-se no desprezo da vida do homem. Precisamente por isso, dá origem não só a crimes intoleráveis, mas constitui em si, enquanto recorre ao terror como estratégia política e econômica, um verdadeiro crime contra a humanidade“.

E também não usa de meias medidas para o seu combate:

“Existe, portanto, um direito a defender-se do terrorismo. É um direito que deve, como qualquer outro, obedecer a regras morais e jurídicas na escolha quer dos objetivos quer dos meios”.

Mais um claro apoio à ação internacional que está em curso. O restante do texto continua explorando por outros ângulos o mesmo tema, condenando o terrorismo e apoiando a ação “justa” e o perdão.


É evidente que a posição do Papa está de acordo com a doutrina e a história do cristianismo. O mesmo não pode ser dito do texto da CNBB.

fonte: http://olavodecarvalho.org/o-papa-e-a-cnbb/

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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Por que os Devotos de Krishna Não Comem Alho e Cebola?

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Kurma Dasa

Kurma Dasa, o mais famoso cozinheiro do movimento Hare Krishna e estrela do programa Cooking with Kurma, responde à pergunta.

“Por que os devotos de Krishna não comem alho e cebola?”. Essa é uma das perguntas mais comuns feitas a mim. Aqui está a minha resposta curta: como um devoto de Krishna e praticante de bhakti-yoga, eu não como alho nem cebola porque eles não podem ser oferecidos a Krishna.
Aqui está a minha resposta mais longa: você talvez saiba que a cebola e o alho são membros da família botânica aliáceos (alliums) – juntamente com o alho-poró, cebolinha e chalotas.
Segundo o ayurveda, a ciência médica clássica da Índia, os alimentos são agrupados em três categorias – sattvarajas e tamas, respectivamente “bondade”, “paixão” e “ignorância”. Cebola e alho, e as outras plantas aliáceas, são classificadas como rajas e tamas, o que significa que aumentam a paixão e a ignorância.
Aqueles que se submetem a cozinhar ao puro estilo brahmana da Índia, entre os quais me incluo, e vaishnavas – seguidores do Senhor Vishnu, Rama e Krishna – gostam de cozinhar apenas com alimentos da categoria sattva. Esses alimentos incluem frutas frescas, legumes e ervas aromáticas, produtos lácteos, grãos, legumes e assim por diante. Especificamente, vaishnavas não gostam de cozinhar com alimentos rajásicos ou tamásicos porque eles não podem ser oferecidos à Divindade.
Alimentos rajásicos e tamásicos também não são usados porque são prejudiciais para a meditação e atividades devocionais. “Alho e cebola são rajas e tamas e são proibidos aos yogis porque enraízam a consciência mais firmemente no corpo”, diz Dr. Robert E. Svoboda, famosa autoridade no ayurveda.
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Kurma Dasa, autor deste artigo e o mais famoso chef do Movimento Hare Krishna.
Alguns ramos da medicina ocidental dizem que os alliums têm benefícios específicos à saúde; o alho é respeitado, pelo menos nos círculos médicos alopatas, como um antibiótico natural. Nos últimos anos, embora as implicações dos resultados cardiovasculares do allium vegetal tenham sido estudadas com algum detalhe, as implicações clínicas do consumo da cebola e do alho a partir deste ponto de vista ainda não são bem compreendidas.
No entanto, ainda há muitas coisas negativas a se dizer sobre o alho e a cebola. Pouco conhecido é o fato de que o alho no estado bruto pode carregar nocivas (potencialmente fatais) bactérias do botulismo. Talvez tenha sido com consciência disso que o poeta romano Horácio descreveu o alho como “mais prejudicial do que cicuta”.
Deve ser salientado que o alho e a cebola são evitados pelos espiritualistas porque estimulam o sistema nervoso central e podem perturbar votos de celibato. O alho é um afrodisíaco natural. O ayurveda sugere que é um tônico para a perda de potência sexual por qualquer motivo, debilidade sexual, impotência por excesso de vida sexual e esgotamento nervoso decorrente de hábitos sexuais dissipativos. Afirma-se que é especialmente útil para os idosos com tensão nervosa e diminuição da potência sexual.
Os taoístas perceberam há milhares de anos que as plantas da família aliácea eram prejudiciais para os seres humanos em seu estado saudável. Em seus escritos, o sábio Tsang-tsé descreveu os alliums como “os cinco vegetais perfumados ou picantes” e disse que cada um tem um efeito negativo sobre um dos seguintes cinco órgãos – fígado, baço, pulmões, rins e coração. Respectivamente, as cebolas são prejudiciais para os pulmões, o alho para o coração, alho-poró para o baço, cebolinha-capim para o fígado e cebolinha comum para os rins.
Tsang-tsé disse que esses vegetais pungentes contêm cinco tipos diferentes de enzimas que causam “hálito repugnante, odor extremamente desagradável no suor e movimentos do intestino, e levam a ocupações lascivas, aumentam a agitação, ansiedade e agressividade”, especialmente quando consumidos crus.
Coisas semelhantes são descritas no ayurveda. “Além de produzir hálito e odor corporal, essas plantas (aliáceas) induzem irritação, agitação, ansiedade e agressividade. Assim, são prejudiciais física, emocional, mental e espiritualmente”.
De volta à década de 1980, em sua pesquisa sobre o funcionamento do cérebro humano, o Dr. Robert [Bob] C. Beck descobriu que o alho tem um efeito negativo sobre o cérebro. Ele constatou que o alho de fato é tóxico para o homem porque seus íons de hidroxila sulfona penetram a barreira hemato-encefálica e são tóxicos para as células do cérebro.
Beck explicou que, desde os anos 50, sabia-se que o alho reduz o tempo de reação de duas a três vezes quando consumidos por pilotos em testes de voo. Isso ocorre porque os efeitos tóxicos do alho “dessincronizam” as ondas do cérebro.
Precisamente pela mesma razão, a família de plantas do alho tem sido amplamente reconhecida como sendo prejudicial aos cães.
Mesmo quando o alho é usado como alimento na cultura chinesa, é considerado nocivo para o estômago, o fígado e os olhos, bem como causa de tontura e de energia dispersada quando consumidos em quantidades imoderadas.
Nem sempre o alho é visto como tendo propriedades totalmente benéficas na culinária e na medicina ocidental. É amplamente aceito entre os profissionais de saúde que, além de matar bactérias nocivas, o alho também destrói as bactérias benéficas, que são essenciais para o bom funcionamento do sistema digestivo.
Praticantes de Reiki explicam que alhos e cebolas estão entre as primeiras substâncias a serem expulsas do sistema de uma pessoa – juntamente com o tabaco, álcool e medicamentos farmacêuticos. Isso torna evidente que aliáceos têm um efeito negativo sobre o corpo humano e devem ser evitados por razões de saúde.
A medicina homeopática chega à mesma conclusão quando se reconhece que a cebola vermelha produz uma tosse seca, olhos lacrimejantes, espirros, corrimento nasal e outros sintomas familiares relacionados com o frio quando consumidos.
Estas são apenas algumas das razões para eu evitar alho-poró, cebolinha, alho e cebola.
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-e-cebola.html


Por que não comer alho e cebola?

A seguinte história foi contada por Sripad Madhava Maharaja:

    Na Satya-yuga, os sábios executavam sacrifícios gomedha (vaca) e asvamedha (cavalo) para o bem-estar de todo o universo. Uma vaca e um cavalo velhos eram sacrificados sendo cortados em pedaços e colocados no fogo. Posteriormente, os rsis (sábios) proferiam mantras e o mesmo animal voltava à vida em um belo e jovem corpo.
   Certa vez, a esposa grávida de um sábio que estava prestes a executar o sacrifício gomedha teve um forte desejo de comer. Ela ouviu que se durante a gravidez a pessoa tivesse desejo de comer e tal desejo não fosse atendido, o bebê recém-nascido teria saliva saindo de sua boca constantemente. Isso seria desagradável para a mãe e para a criança.
   A esposa do sábio teve um forte anseio por comer carne, e secretamente pegou um pedaço de carne do corpo da vaca oferecida em sacrifício. Ela escondeu esse pedaço e planejava comer rapidamente. Mais tarde, quando o sábio estava terminando o sacrifício e proferindo os mantras para que a vaca voltasse à vida, notou que faltava um pequeno pedaço no lado esquerdo. Ele ficou surpreso porque isso nunca havia acontecido. Em meditação, o sábio realizou que sua esposa havia pegado um pedaço de carne durante o sacrifício.
   Devido ao efeito dos mantras proferidos pelo sábio, havia vida no pequeno pedaço de carne. A esposa entendeu o que aconteceu e rapidamente o jogou para longe. Logo em seguida brotaram lentilhas vermelhas do sangue da carne, alhos brotaram dos ossos e cebolas e cenouras brotaram da carne. Por isso, esses alimentos nunca são consumidos por um Vaisnava. Eles são alimentos no modo da ignorância.

[Um devoto pode perguntar, “Por que nosso Prabhupada, Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja, permitiu que cenouras fossem consumidas se elas são tão ruins?". A resposta foi gentilmente dada por ele mesmo, em 1969, em Boston. Ele disse:” Se eu contasse a vocês todas as regras e regulações agora, vocês desmaiariam. Então por agora, sigam as regras que eu dei e façam um balanço cantando Hare Krsna”. Ele também frequentemente dizia que estava seguindo a linha de direção dada por seu Guru Maharaja; ou seja, induziu os Ocidentais a primeiro cantar Hare Krsna, e à medida em que eles se tornassem mais e mais estabelecidos nessa prática, as regras e regulações viriam gradualmente.]

[Os cientistas americanos descobriram em seus laboratórios que há 21 tipos diferentes de venenos na cebola e no alho; então esses não são alimentos inofensivos.]

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Pronunciamento do Padre Paulo Ricardo a respeito das polêmicas envolvend...




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