sexta-feira, 25 de julho de 2008

É preciso ouvir a voz do professorado.


É preciso ouvir a voz do professorado.

Sérgio Haddad

A imagem do professorado da escola pública está desgastada. A cobertura da educação na mídia é o espelho desse desgaste. Uma vez ao ano, no Dia do Professor, os meios de comunicação esforçam-se para mostrar profissionais travestidos de heróis – sempre um exemplo individual de uma pessoa boa e comprometida que não exerce uma profissão, mas sim um sacerdócio.

No coletivo, como categoria profissional, o professorado de escola pública só aparece na mídia de forma negativa. Quase sempre a ele é imputada a responsabilidade por todos os males do ensino: ou é mal formado, ou sem interesse, ou falta muito às aulas, ou é incompetente, ou é corporativo – só pensa no salário e na carreira e não nos alunos –, ou, ainda, é um coitado, vítima da violência dos próprios alunos.

Quase sempre a voz que aparece nos meios de comunicação é a voz dos dirigentes ou dos chamados especialistas; nunca do professorado. Entre os “especialistas”, ultimamente, quem mais tem falado são os empresários. Falam do sentido de uma educação para o desenvolvimento e para a economia, criticam o modelo de gestão, falam em produtividade do sistema e em como obter melhores respostas com menores custos. Se pudessem, substituiriam os professores por máquinas, pois estas podem ser domadas.

As soluções apresentadas para a melhoria da qualidade sempre são definidas independentemente dos professores, por cima deles, considerando que eles são pacientes das reformas – e não agentes. Afinal, se são culpados por todos os males, por que então tomá-los em consideração?

O silêncio dos professores e das professoras da escola pública é um reflexo de dois fenômenos complementares: de um lado, a desvalorização do trabalho do docente; por outro, a existência de mecanismos repressivos que impedem o seu livre expressar.

Já de há muito o trabalho docente vem deixando de ser considerado fundamental. Seu lugar social e seu papel foram sendo desprestigiados pelas contínuas reformas educativas que, em seu nome, são implementadas. Inicialmente, pela constante desvalorização do seu salário – o que torna o trabalho docente desprestigiado frente às demais categorias profissionais, além de evasão de quadros e da superexploração daqueles que têm que estar em muitos lugares ao mesmo tempo para poder pagar as suas contas. O excesso de trabalho, além de prejudicar sua saúde, não permite que o professor prepare bem as suas aulas, que se atualize, que mantenha condições de ter um acompanhamento mais próximo dos seus alunos. Dessa forma, o professor é levado a se desumanizar e passa a ser um “dador” de aulas, que entra na sala quase sempre de forma mecânica para cumprir suas muitas jornadas de trabalho. Sua voz tende a ser a da repetição – e não a da criação, da discussão, da produção de conhecimentos.

Mas as reformas também pouco se preocupam com a prática do professor, com sua experiência de trabalho; afinal, dizem os dirigentes, é preciso instrumentalizá-lo para que exerça sua profissão com qualidade. Não é necessário pensar, basta um currículo centralizado, um material didático descritivo nas suas mãos e orientações de como transmitir o conteúdo. As avaliações de massa servem para que os alunos se comparem quanto a seu desempenho no jogo do mercado educacional e assim busquem, por vontade própria, aprender o não aprendido ou mudar de escola ou de professor. E assim vamos seguindo de reforma em reforma, de cima para baixo, tentando fazer da profissão docente uma peça na engrenagem constituída de fora para dentro das salas de aulas.

Então por que os professores não se expressam sobre suas condições de trabalho, sobre as mudanças que julgam necessárias, sobre o ofício de docente? Em conversas com jornalistas sobre a ausência da voz do professorado nas reportagens e matérias sobre políticas educacionais, foi identificado o tolhimento da sua expressão livre, baseado em mecanismos repressivos explícitos ou não.

Uma das formas de tolhimento da voz do professor é o Estatuto dos Funcionários Públicos. Conforme levantamento realizado pelo Observatório da Educação da Ação Educativa em 25 estados do País, em 18 deles professores e outros servidores têm sua liberdade de expressão cerceada. O texto varia entre os estados, mas, de modo geral, “tem o mesmo sentido: proíbe que funcionários públicos emitam publicamente opinião a respeito de atos da administração. Na prática, o estatuto permite que a crítica a uma política pública de educação, por exemplo, seja punida como referência depreciativa”. Dos 18 estados identificados, em 10 os estatutos foram produzidos durante a ditadura militar e até o momento não houve revogação; nos outros 8 estados, as leis já nasceram inconstitucionais, pois foram elaboradas na década de 1990.

Aplicado ou não o estatuto nos dias de hoje, a grande verdade é que ele permanece como uma espada sobre a voz pública do professor, condicionando-o a pedir permissão a seus superiores para poder expressar sua opinião, em particular em relação às políticas de seus governos.

A escola pública tem sido muito criticada, mas não há condições de resgate da sua qualidade sem a participação ativa dos seus professores e professoras. Participação ativa significa uma participação humanizadora, respeitadora da sua condição de profissional, que é ao mesmo tempo transmissor de conhecimentos, mas fundamentalmente produtor de conhecimentos.

Isso significa que respeitar sua dignidade é respeitar sua capacidade de analisar sua prática e construir os instrumentos e conhecimentos necessários a seu aprimoramento como profissional. Só há aprendizagem quando ocorre de dentro para fora, quando o docente se identifica em sua prática cotidiana como profissional e faz dela seu vínculo com seus alunos, com seus colegas, com a comunidade onde a escola está inserida.

O professor é o principal elo entre o aluno, sua vida e o conhecimento. Só ele é capaz de impor qualidade; isso significa que seu papel e sua voz são fundamentais. Reformas educativas que não consideram isso tendem a violentar a profissão docente e estão fadadas ao fracasso. Leis que amordaçam o professorado ou criam ambientes de tolhimento da liberdade de expressão tendem a calar a participação docente com sua experiência e conhecimentos como o principal instrumento para a melhoria da escola pública. A voz do professorado é essencial na construção da educação pública, universal e de qualidade; por isso...

Fala, mestra! Fala, mestre!

Publicado no jornal Brasil de Fato em 18/06/2008

Publicado em 22 de julho de 2008

fonte: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0192.html:

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Um comentário:

Natania A S Nogueira disse...

Fico contente que tenha gostado do texto!!
:-)

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