quinta-feira, 9 de outubro de 2008

DOMINGO É DIA DE CIÊNCIA: História de um Suplemento dos Anos de Pós-Guerra. Resenha.


RESENHA

BERNARDO ESTEVES

DOMINGO É DIA DE CIÊNCIA: História de um
Suplemento dos Anos de Pós-Guerra
Rio de Janeiro: Azougue, 2006. 200p.

MARINA ASSIS FONSECA
Mestre em Educação
Programa de Pós-Graduação em História da Ciência
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Ciência para Todos foi um suplemento mensal de divulgação científica que circulou no período de
1948 a 1953 encartado no jornal carioca A Manhã. O suplemento tratava de temas ligados à ciência e à tecnologia visando à promoção da ciência brasileira. Tal iniciativa se contextualiza no período de fortalecimento da pesquisa nas universidades brasileiras e de surgimento de instituições tais como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951. Seções intituladas “Cinema Educativo”, “Ciência Pitoresca”, “Prata da Casa”, “O Lado Humano dos Cientistas”, “No Mundo da Aviação”, “No Laboratório e na Aula”, entre muitas outras, compuseram esse suplemento, especialmente voltado aos jovens, aos educadores e demais pessoas interessadas em ciência.
Ler Domingo é Dia de Ciência é ser guiado pelo autor – Bernardo Esteves – em uma excursão à
ciência brasileira do período pós-guerra. A passagem pelas páginas apropriadamente amareladas do livro é interessante e curiosa, tanto pelo texto, como pela rica ilustração. Partes do suplemento de divulgação científica, mesmo que sem cores, dão o tom e a alegria de transitar pela ciência na passagem para os anos de 1950.
Bernardo Esteves apresenta, em linguagem leve e palatável, sua dissertação, na qual, a partir da
análise de 60 dos 62 suplementos publicados e de entrevistas com membros da equipe editorial,
verdadeiramente destrincha a coleção completa de Ciência para Todos e dá “de bandeja”, no mínimo,
inspiração, e até mesmo substrato, para outros pesquisadores em história da ciência.
As entrevistas de Fernando de Souza Reis a Bernardo Esteves, para alinhavar a história de Ciências para Todos, devem ter sido uma breve e prazerosa viagem no tempo para ambos. Mesmo que não tenham conversado em um dia de domingo, consegue-se imaginar uma respeitosa conversa entre amigos – o que certamente se tornaram –, a julgar pelo prefácio assinado por Souza Reis. O que teriam em comum? Editarem jornais de divulgação científica, um hoje, o outro há 58 anos. Souza Reis foi o editor do suplemento Ciência para Todos de 1948 a 1950, período em que era o único jornalista em meio
REVISTA DA SBHC, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 170-172, jul | dez 2006 a diversos professores e cientistas, ligados a instituições de ensino e pesquisa, que assinaram artigos de Ciência para Todos. Bernardo Esteves edita, atualmente, a versão eletrônica da revista Ciência Hoje On-line. Certamente, esses jornalistas também têm em comum o interesse e o entusiasmo por temas
científicos e o fato de serem responsáveis por parte da percepção pública da ciência e da tecnologia, obviamente circunscritas a seus respectivos contextos.
Conhecer a vida e o “nicho” de Ciência para Todos pode ser um interessante ponto de partida para pensarmos sobre veículos e processos de divulgação científica na atualidade. Qual o papel e a influência dos veículos de divulgação científica e do jornalismo científico e, obviamente, das pessoas que os produzem, na produção da ciência e em sua apreciação pública? Como se dá a relação entre a produção do conhecimento científico e tecnológico e sua divulgação? Como o público interage e valoriza diferentes veículos de divulgação científica? Como diferentes setores da educação formal se apropriam e são determinados por conhecimentos divulgados pela imprensa?
O livro traz uma contribuição interessante também sobre a relação entre o jornalismo científico e
a educação formal. Parte importante da história do suplemento Ciência para Todos se relaciona com o ensino de ciências naturais nas escolas, uma vez que vários autores de seções e colaboradores empenharam-se em levar informações e sugestões que pudessem renovar o ensino de ciências, tornando-o mais interessante, envolvente e atualizado. Ocorreram, inclusive, estratégias que geraram uma forte interação com leitores, como a promoção de concursos e distribuição de prêmios. Portanto, para além de uma análise mais imediata do suplemento como veículo pedagógico, é possível pensar na articulação de pessoas com motivações relacionadas à difusão e ao compartilhamento do saber científico, professores e pesquisadores construindo, juntos, um veículo de divulgação e, principalmente, de valorização da ciência. Esse episódio se insere na discussão a respeito da valorização de cientistas, jornalistas e educadores como pessoas responsáveis pela comunicação pública da ciência e de atributos tais como idoneidade, credibilidade, capacidade de argumentação e de comunicação na alfabetização científica da população. Entre a comunidade científica e de educação em ciências, há um consenso sobre a necessidade de melhorar a alfabetização científica dos estudantes e do público em geral. Apesar
de ter muito de slogan educacional, mais do que consenso, existe a concordância de que os aspectos mais importantes na alfabetização científica são aqueles relacionados à vida cotidiana, especialmente os que desenvolvem conhecimentos e habilidades necessárias à tomada de decisões e resolução de problemas em ciências, tecnologia e interface social. A alfabetização científica é apresentada como uma competência cívica necessária para um pensamento racional sobre ciência em relação a aspectos sociais, políticos, problemas econômicos e temas com os quais uma pessoa poderá se deparar durante a vida. Entretanto, tais pressupostos pragmáticos e democráticos da alfabetização científica são atualmente questionados por alguns autores da área de ensino de ciências.
O autor de Domingo é Dia de Ciência parece ter estado bem à vontade ao construir o trabalho,
trazendo também sua perspectiva de jornalista e editor, além do olhar de pesquisador. Usa, portanto, como dados para “leitura” do suplemento, seu projeto gráfico, padrões de ilustração, parte da história dos autores e colaboradores, e o público-alvo do jornal. O privilegiado acesso a 804 das 830 páginas publicadas permitiu a Bernardo Esteves categorizar e quantificar os temas e as seções do suplemento, além de caracterizar suas fases. Por meio desse movimento detalhado, o livro nos dá uma visão privilegiada desse episódio da história da divulgação científica no Brasil e permite-nos vislumbrar aspectos políticos, culturais, econômicos e educacionais que envolviam a ciência brasileira à época. O autor faz esse movimento de análise do episódio ao longo do livro de forma gradativa e organizada e, REVISTA DA SBHC, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 171-172, jul | dez 2006 após contextualizar Ciência para Todos e apresentar o detalhado estudo do suplemento, sintetiza e situa essa experiência no contexto do desenvolvimento da ciência e do jornalismo no Brasil.
O livro é o retrato de uma paisagem inusitada e, principalmente, um guia de nomes, temas, fatos
e abordagens de um veículo de divulgação científica brasileiro que pode inspirar interessantes perguntas a serem elaboradas e investigadas por historiadores, professores, jornalistas e demais pessoas interessadas em ciência. Bernardo Esteves não poderia aprofundar em todos os temas presentes na diversidade que o jornal proporcionou durante aqueles cinco anos de publicação, mas certamente compôs um interessante painel de suas opções.

Fonte: http://www.mast.br/arquivos_sbhc/316.pdf

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