segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A farsa do vegetarianismo como discurso político Ou: sobre animais, plantas e mendigos.


A farsa do vegetarianismo como discurso político

Ou: sobre animais, plantas e mendigos.

É necessário que se esclareçam dois pontos antes de comungarmos deste indigesto Cafezinho Bomba. É sabido que este blog é uma espécie de confraria de malfeitores, profetas do apocalipse e inimigos públicos, portanto se você veio buscar palavras de alento face à sua escolha alimentar vegetariana, ou ainda um discurso ponderado, embasado em fatos comprovados, eu sinto muito. Vamos aos pontos:
  1. Eu sou vegetariano há muitos anos; sinto empatia enorme pelos animais e prezo todos os benefícios de uma alimentação que não inclua carne de espécie alguma.
  2. Eu odeio a democracia. A democracia tem muito em comum com a comunicação de massa: é necessário nivelar as ideias e os atos por baixo, para que todos, incluindo os estúpidos, possam de certa forma entender e usufruir de seus teóricos benefícios. Na prática, porém, isto não funciona. O exemplo brasileiro é ótimo – supostamente vivemos num estado laico com direitos iguais a todos. Entretanto, vivemos em um estado cristão, niilista, histérico e cheio de ódio, onde claramente não há igualdade de direitos. E por dar voz e poder a tantos cristãos niilistas e outros tipos de odiadores, ficamos emperrados em assuntos sérios e reais – como o aborto, a legalização de algumas drogas, a eutanásia, células tronco etc. Sempre serei pelo anarquismo, pois este não me obriga a necessariamente aceitar a estupidez alheia. Tudo isso será levado em conta na moderação dos comentários.
Estes pontos sendo esclarecidos, podemos prosseguir com o nosso singelo artigo. Outro dia mesmo publicamos um texto de relativo sucesso, o Polêmico manual do ciclista do inferno urbano (mas que porra de título), onde apontávamos o cicloativismo como uma das facetas do Homem Underground de Bem, o jovem grisalho que termina todas suas frases com “mas nem tanto”. Este é mais um libelo contra um dos artifícios lançados pelo H.U.B. em seus confortável protesto contra o stablishment: o vegetarianismo. Gostaria de elencar algumas características da Farsa do Vegetarianismo como Discurso Político.
vegetarianismo
Substitua “animais” por “casamento” ou “seres humanos”, dá certo

1. Uma escolha elitista

Você já frequentou um restaurante vegetariano em uma cidade como São Paulo, ou ainda, nossa querida São José dos Campos? Eu os frequento constantemente. Sabe que tipo de pessoas estou acostumado a ver? Pessoas bem vestidas, de olhar altivo e sereno, vestindo roupas de teores neo-hippies com alguma chumbreguice oriental. O preço da comida costuma ser bastante elevado. Ah, mas você não come em restaurantes, e sempre é possível comprar uma boa comida por preços razoáveis e comer em casa, certo? Claro que sim, mas se você não quiser ficar rapidamente desnutrido comendo arroz branco e alface como sempre, vai ter que ir atrás de alimentos integrais e outras coisas saudáveis. E aí você vai se deparar com um estranho fato: é muito mais barato se alimentar das porcarias embutidas e sintéticas do que de alimentos ditos orgânicos e integrais. Existe todo um mercado de produtos voltados para vegetarianos e pessoas com hábitos alimentares nobres e elevados e adivinhe só, todos esses produtos custam caro (já escrevi sobre isso em outro texto – O Advento da Salsicha). Aliás o tal do alimento orgânico – que é muito mais caro do que aquela cenoura mutante com a qual você poderia matar alguém na paulada – nada mais é do que o que nossos avós plantavam no quintal de suas casas. Novos nomes e rótulos vão sendo gerados, prefixos bonitos como acti, nutri, bio vão sendo acrescentados. A inversão foi feita genialmente. Se não tiver dinheiro, você vai comer o pior que a indústria de alimentos pode oferecer. As descobertas sobre os alimentos que vem sendo usados em nossos alimentos industriais, por sinal, não são nada animadoras. Outro tópico que pega um gancho neste é o seguinte:

2. Um discurso restrito

Faça uma viagem a alguma cidade encravada no interior de nosso país e seja recebido por uma família do lugar. Na hora em que servirem o almoço, diga que você não come carne e contemple a expressão de seus anfitriões. Aquilo lhes parecerá simplesmente alienígena. Se você quiser piorar muito as coisas, comece a explicar seus motivos ideológicos a eles – o sistema industrial de matança, os prejuízos à agricultura, a tortura aos animais… Porque isso acontece? Porque o vegetarianismo enquanto discurso político não tem muito alcance, por estar restrito aos lugares onde há dinheiro e homens (e mulheres, ok?) underground de bem. Para muitas famílias soará até ofensivo que se retire a já escassa carne de suas dietas. Existe algum problema com essas pessoas? Elas caminham sozinhas nas sombras da ignorância? É necessário um messias vegetariano para espalhar a boa nova nessa terra arrasada…? Não creio em nenhuma dessas respostas. Pelo contrário. O vegetarianismo é só uma escolha como qualquer outra – é estúpido pensar que é uma escolha adequada para todas as pessoas ou mais correta e nobre. Porém, muitas vezes, é pra isso mesmo que se presta esse discurso:

3. Um jeito de canalizar seu ódio

Existe uma legião de pessoas assim: enquanto, em seu interior, nutrem um desprezo e um ódio rançoso pela humanidade, abraçam causas como a proteção dos animais e o vegetarianismo para destilar sua pretensa superioridade sobre seus pares. Essas pessoas cuspiriam num mendigo pedindo comida na rua, e na sequência abrigariam um cão abandonado em seus lares, publicando fotos dele no Facebook e procurando pessoas para adotar enquanto recebem cumprimentos de outros amigos politicamente corretos. Entre alguns vegetarianos há um comportamento similar: há pessoas que vão agarrar a primeira oportunidade para despejar sobre os outros o seu discurso politicamente correto e cheio de ódio sobre como o ser humano é um câncer para o planeta, e de como estamos escravizando os animais em nosso benefício em uma indústria mortífera e lucrativa. Evidente que em algum ponto esse discurso realmente toca os fatos – mas não é disso que se trata o discurso do vegetariano raivoso. Trata-se apenas de se afirmar sobre os outros fazendo uso de sua opção alimentar – o que, francamente, é fácil de mudar se houver o real desejo – para destilar seu ódio de si mesmo e dos outros. Esse discurso trata o ser humano como um alienígena que, em algum ponto da história do planeta, se impôs sobre as outras espécies num plano maldoso de dominação do planeta. Se esquecem de que nós, macaquinhos humanos, também somos frutos da seleção natural e que nosso cérebro foi fundamental para nossa sobrevivência. É fato que encontramos meios bem cruéis de garantir isso, porém bondade e maldade são conceitos humanos – respeitar a natureza não é nenhuma garantia de ser “respeitado” por ela.  É aí onde entram suas opções. Mas ser vegetariano não necessariamente é uma “boa” opção…

4. Novas comidas, velhos hábitos

Ser vegetariano não é nenhum salvo-conduto de pureza pessoal – até que se prove o contrário a única diferença de você para os outros é que você não come carne. Aliás, as vezes você nem deixa de ter essa vontade – razão pelo sucesso de produtos como carne de soja, hamburguer de soja, presunto de soja, leite de soja… A soja é um ótimo exemplo de como a farsa vegetariana opera, em vários níveis, e não tem a pretensa nobreza que se quer transmitir:
  1. você ainda quer algo que se pareça carne, que tenha os mesmos supostos benefícios da carne (o desespero pelas proteínas tão facilmente alcançada de outros meios);
  2. você ainda está disposto a comer produtos transgênicos, processados industrialmente, desfigurados e moldados de maneira a assumirem diversas formas;
  3. você ainda está contribuindo para um sistema agroindustrial escroto, o esquemão da soja.
Outra coisa. Doces, bebidas alcoólicas e todo tipo de traquitanas alimentares podem continuar sendo consumidos sem culpa nenhuma. Eu acho muito engraçado – existe o caso mais específico ainda dos veganos. Conheço gente que não come nada de origem animal mas comemora quando descobre um salgadinho ou guloseima que não tenha traços animais. Consumir leite ou carne é terrível, mas glutamato de sódio e outras substâncias com nomes terríveis estão ideologicamente livres para serem absorvidos.

5. Você não está salvando o mundo

Sinto lhe informar, pessoa de bem, que você apenas escolheu outra indústria pra servir – no máximo deixou de alimentar uma. Você está, possivelmente, fazendo um bem enorme a si mesmo – qualquer vegetariano de médio-longo prazo sabe de todos os benefícios e do bem estar que acomete o organismo. Mas as coisas param por aí. Talvez, na minha opinião provavelmente, a relação entre vegetarianos/onívoros continuará estável com o passar dos anos. Se esse assunto está em voga hoje é meramente porque estão sendo criados mercados em torno disso e a fase ainda é boa para inovar. Existe também o momento de inserção de diversos elementos de culturas orientais na nossa sociedade ocidental. Práticas e filosofias como o Budismo, Yoga e Meditação tem encontrado muito mais espaço em nosso meio. E é claro que a mensagem oriental de auto-aceitação e auto-realização foi distorcida a nosso bel prazer, permitindo todo o tipo de comportamentos indolentes e preguiçosos – o que gera essa bizarrice enfadonha que são as pessoas extremamente chatas, recalcadas e mal-humoradas usando roupas indianas e frequentando cursos, aulas de meditação e SPAs de autoconhecimento.

Concluindo

Eu entendo perfeitamente as pessoas que escarnecem dos vegetarianos e afins, tirando sarro de seus hábitos, perguntando se vão comer alface no jantar. Eu até me junto a eles em alguns momentos. Em minha humilde concepção do mundo, nós humanos também somos animais e merecemos tanto amor e cuidado quanto os gatinhos e cãezinhos abandonados que infestam o Facebook. A farsa do vegetarianismo como discurso político é uma postura confortável para expressar um suposto descontentamento com os fatos e mascarar o desprezo de muitos pelos seres humanos – uma forma de manifestar exteriormente a falta de intimidade consigo mesmo, o que gera falta de empatia e sensibilidade para com o outro.  No fim das contas, sob a frieza dos fatos, você está esperneando enquanto enche a pança, um privilégio para muito poucos. Parabéns.

Texto escrito por Rafael (dedos) – http://dedos.info

http://diariofnord.wordpress.com/2012/10/02/a-farsa-do-vegetarianismo-como-discurso-politico/

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