Ana Lúcia Hennemann[1]
Várias pessoas durante o dia e hora compram smartphones, tendo acesso as mesmas funções, programas e possibilidades; entretanto, bastam alguns momentos de uso e novas configurações e/ou novos aplicativos são inseridos tornando cada aparelho mais diferenciado quanto a sua funcionalidade.
Podemos dizer que o ambiente tem interferência até mesmo na vida funcional de um smartphone, pois cada proprietário ao inserir novos recursos, modifica a configuração original e o uso constante de determinadas ferramentas faz com que seus ícones estejam em local de maior visibilidade, facilitando desse modo o acesso aos mesmos.
O fato mencionado pode servir de analogia ao funcionamento de nosso sistema nervoso, entretanto que fique bem claro que não se trata de instalar e desinstalar programas, mas de entender que desde a mais precoce idade possuímos bilhões de neurônios que nos possibilitam inúmeras conexões que tanto podem ser reforçadas através de uso intensificado tanto podem ser eliminadas devido à falta de uso. Assim como o smartphone viemos com algumas “configurações de fábrica”, nosso sistema neurológico, mas este envolve modificações anatômicas e funcionais que precisam da experiência do sujeito no meio para se completar (Riesgo, 2007). Não nascemos prontos!
Por exemplo, todo ser humano nasce com uma estrutura cerebral que apresenta regiões especificas da linguagem, possibilitando assim a fala e o entendimento de qualquer língua do planeta, entretanto se ninguém interagir com esse ser, negligenciá-lo de comunicação, esta fala apesar de ter todos os pressupostos para que aconteça de modo eficiente, poderá apresentar inúmeras defasagens.
O desenvolvimento do ser humano está vinculado a maturação cerebral, que se inicia dentro do ventre materno e vai até a fase adulta. A neurociência ainda não tem definida uma idade cronológica em que a estrutura e função do cérebro estão completamente amadurecidas, mas a estimativa é para além dos 30 anos (Houzel, 2013), contudo esta maturação está relacionada com aprendizagens e as bases destas são alicerçadas nos primeiros anos de vida e são essenciais para o desenvolvimento humano apresentando períodos sensíveis, ou seja, períodos em que a aprendizagem de habilidades ou desenvolvimento de aptidões e competências se faz de modo mais facilitado, são as famosas janelas de oportunidades. Ou seja, quando expostos a determinados estímulos temos muito mais facilidade de desenvolvê-los na sua totalidade.
Bartoszeck (2009) ressalta que o termo janelas de oportunidades em muitas mídias tem aparecido de maneira inadequada, sendo consideradas janelas que poderiam se fechar caso não fossem tomadas medidas urgentes nestes períodos ou que não haveria mais possibilidade de ocorrer o aprendizado. A terminologia adotada inicialmente referia-se a períodos críticos, que na interpretação de alguns autores, mostrava-se períodos que se fecham e não voltavam mais, dessa forma, para maior entendimento do público esta nomenclatura aparece como períodos sensíveis ou janelas de oportunidades.
Um exemplo a ser citado é a visão, a menos que tenhamos uma má formação genética ou uma lesão pré-natal, todos indivíduos possuem a capacidade básica de ver, entretanto após o nascimento, a visão ainda se encontra em processo de maturação, necessitando de estímulos para fortalecer as conexões neurais associadas as áreas visuais.
Nossos cérebros são flexíveis e adaptáveis, sendo que podemos desenvolver muitas habilidades durante toda a vida, entretanto se não desenvolvermos determinadas habilidades, nas denominadas janelas de oportunidades, não quer dizer que não tenhamos capacidades de desenvolve-las, mas sim que estas necessitarão de muito mais empenho e intervenção para que sejam adquiridas ou amenizadas. Nesse sentido Bartoszeck (2007), pautado nos estudos de Doherty (1997), apresenta as seguintes funções que podem ser estimuladas em determinadas faixas etárias:
JANELAS DE OPORTUNIDADES - Períodos mais propícios ao desenvolvimento de habilidades | |
Funções | Faixa ótima de desenvolvimento |
Visão | 0-6 anos |
Controle emocional | 9 meses-6anos |
Formas comuns de reação | 6 meses-6 anos |
Símbolos | 18 meses-6anos |
Linguagem | 9 meses-8 anos |
Habilidades sociais | 4 anos-8 anos |
Quantidades relativas | 5 anos-8 anos |
Música | 4 anos-11 anos |
Segundo idioma | 18 meses-11anos |
Fonte: Doherty (1997 apud Bartoszeck 2007) |
A maturação cerebral ocorre em diferentes regiões ao longo dos anos, sendo que o entendimento destas janelas de oportunidades retrata a importância de estímulos adequados para o melhor desenvolvimento da criança, entretanto há de se ter coerência para não submete-la a estímulos inapropriados ou intensos, estimulação em demasia é tão prejudicial quanto não se ter estimulação nenhuma. Em demasia corre-se o risco de forçar a criança para algo que ela ainda não consegue responder, causando frustrações e por outro lado crianças que recebem pouca estimulação, apresentam menor quantidade de sinapses e automaticamente menos conexões em seu cérebro resultando num desenvolvimento mais lento, portanto não se trata da quantidade de estímulos, mas sim da qualidade.
Crianças são diferentes de smartphones, não há como inserir aplicativos e pensar que já estão aptas para determinadas habilidades, por exemplo desde cedo podemos estimular a criança para um segundo idioma e ela conseguirá pronunciá-lo sem sotaque, mas existem habilidades motoras que nesta mesma fase ainda não podem ser realizadas: recortar, atar cadarços, abotoar casacos. É preciso investimento a longo prazo, otimizar ações que privilegiem as janelas de oportunidades, mas entender que estas estão pautadas num somatório de ações que vão desde a qualidade da alimentação, do sono, do ambiente social ou seja, cada dia é importante, todo dia novas janelas se abrem e estímulos bem direcionados podem mudar toda uma predisposição genética.
REFERENCIAS
BARTOSZECK, A.B. Neurociência dos seis primeiros anos: implicações educacionais. EDUCERE. Revista da Educação, 9(1):7-32., 2007.
BARTOSZECK, A. B.; BARTOSZECK, F. K. Percepção do professor
sobre neurociência aplicada à educação. EDUCERE - Revista da
Educação, Umuarama, v. 9, n. 1, p. 7-32, jan./jun. 2009.
HOUZEL, Suzana Herculano. O cérebro adolescente: a neurociência da transformação da criança em adulto. São Paulo: Amazon, 2013.
ROTTA, Newra. OHLWEILLER, Lygia. RIESGO, Rudimar. Transtornos de Aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2007.
Como fazer a citação deste artigo: HENNEMANN, Ana L. Janelas de Oportunidades. Novo Hamburgo, 19 nov/ 2015. Disponível online em: http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2015/11/janelas-de-oportunidades.html |
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