Resenha do livro: Como ler livros, do autor Mortimer Adler
Um livro que ensina como ler livros. A proposta do autor, um dos maiores tomistas das últimas décadas, era necessária na época e, ainda mais, se faz necessária hoje. Uma rápida reflexão sobre o tema e pode-se concluir que há muito tempo as pessoas leem mal, quando leem.
A leitura do livro, do começo ao fim, é agradável. O autor tem uma escrita suave, direta e simples. No decorrer dos capítulos pode-se encontrar um ou outro termo ou palavra que não esteja presente no vocabulário popular, mas o uso de um dicionário é praticamente dispensável.
O livro divide-se em quatro partes. A primeira parte tem como foco a discussão sobre a leitura em si e os dois primeiros níveis de leitura. A segunda parte é basicamente sobre o terceiro nível de leitura: o analítico. Na terceira parte o autor aborda como ler diversos assuntos. A ultima parte traz uma discussão avançada a respeito dos fins últimos da leitura.
De início, o autor começa a dissertar a respeito da leitura em si. Mostra que a leitura é algo ativo, diferente do que comumente pensamos. Depois, Adler fala sobre os diferentes objetivos que temos ao ler: ler para se informar e ler para entender. Nesse ponto, percebe-se que para cada objetivo, a leitura traz um nível de dificuldade diferente. Ler um jornal é, trivialmente, mais fácil e rápido do que ler um livro de filosofia.
Em seguida, o autor fala sobre o primeiro nível de leitura: a leitura elementar. Nesse ponto, o autor traz uma argumentação muito profunda a respeito dos problemas educacionais que ele verificou no sistema norte-americano, que podemos verificar com clareza presentes ainda hoje lá e cá, no Brasil. A leitura elementar, como o autor define, é o estágio onde está a alfabetização. Claramente, é a introdução do indivíduo na leitura e, como o próprio autor ressalta, é uma das potencialidades humanas mais impressionantes: encontrar significado em símbolos (letras). Adler finaliza esse tópico rapidamente argumentando sobre o fato de que, como os níveis posteriores englobam os níveis anteriores, torna-se difícil avançar para os segundo e terceiro níveis sem dominar o primeiro.
O segundo nível de leitura, o inspecional, é comentado logo em seguida. O autor divide esse nível em dois tópicos: a pré-leitura e a leitura superficial. O primeiro tópico tem como escopo basicamente folhear o livro, observando atentamente o sumário, se tem índice remissivo, como o autor dividiu os capítulos, entre outros fatores. O segundo tópico diz para lermos trechos do livro; pegar pedaços dos capítulos e lê-los. O autor argumenta que esse nível de leitura é muito importante e necessário por diversos motivos: primeiro, ele ajuda na estruturação do livro em sua mente; quando lê-lo analiticamente, saberá com mais facilidade onde encontrar capítulos-chave, se há um índice remissivo para ajudar a intercalar o raciocínio que se espalha por centenas de páginas. Segundo, quando você ler o livro novamente, já saberá com certa precisão onde estão alguns tópicos importantes, pois já terá lido trechos dos capítulos. Adler finaliza a primeira parte ditando as perguntas que irão direcionar o restante do livro e também qualquer leitura que tenhamos: “O livro fala sobre o que?”, “O que exatamente está sendo dito, e como?”, “O livro é verdadeiro, em todo ou em parte?” e “E daí?”.
A segunda parte do livro começa com o autor argumentando sobre a classificação de livros e a importância desta. Ainda detido nessa argumentação, Adler explica a diferença entre um livro teórico (que, resumidamente, fala sobre como as coisas são) e um livro prático (que, também resumidamente, fala sobre como as coisas deveriam ser). Em seguida, o autor fala como radiografar um livro: enxergar sua “estrutura óssea”, conseguir delinear suas organelas e o funcionamento destas em conjunto. Adler ressalta a importância dessa radiografia, pois uma vez que a tenha feito, o leitor encontrará menos dificuldades em absorver o que o autor tenha tido a intenção de passar.
Na sequência, a importância de se chegar a um acordo com o autor do livro é abordada. Adler nos lembra que, excetuando livros científicos, os livros de filosofia em geral possuem termos que podem variar. Como termos são palavras, o significado de uma palavra pode mudar de acordo com a intenção do autor. Ainda temos autores que criam significados próprios para as palavras (Kant, Hegel, et cetera), forçando o leitor que adentre suas obras a buscar ajuda em dicionários de filosofia, por exemplo.
Em decorrência da argumentação sobre termos e palavras, o autor traz uma série de dicas sobre como encontrar frases-chave, proposições, argumentos, dentre outros objetos textuais que ajudem na leitura analítica. A discussão sobre o que é uma frase e o que é uma proposição é essencial, uma vez que uma proposição sempre carregará um significado que tem alguma importância no esqueleto que o leitor está radiografando.
Neste ponto do livro, um leitor que absorveu as dicas, técnicas e argumentos de Adler já está apto a ler analiticamente um livro. Assim, o próximo ponto é a respeito de como criticar um livro. O autor salienta para que não se critique um livro antes de ter a certeza de que entendeu realmente o que o livro quis dizer; também mostra que a retórica tem que ser bem desenvolvida, para que a arte de criticar não se reduza à falácias.
Essa parte do livro termina com dois tópicos importantes. Primeiro, Adler explica como criticar o autor sem partir de seus preconceitos pessoais. Segundo, como utilizar materiais de apoio como dicionários, resumos, comentários, enciclopédias, dentre outros. Essas dicas são importantes para que o leitor crie um senso de prudência; não critique um autor embasando-se em meras opiniões pessoais e que também não recorra a resumos de internet a cada dificuldade que encontrar na leitura de um livro mais denso.
A terceira parte é composta de dicas e argumentos a respeito de como ler diversos assuntos. Adler explica como ler livros práticos e como lidar com o poder de persuasão; como ler literatura imaginativa; como ler narrativas, peças, poemas;como ler livros de história; ler sobre matemática, filosofia e a literatura das ciências sociais.
O autor é bem incisivo sobre como ler cada uma dessas classes literárias. Explica como devemos ter a prudência de ler mais de um livro de história que trate de um mesmo ponto, para não cairmos num viés ideológico do autor; como devemos estar atentos à linguagem científica da matemática ou dos dialetos próprios de filósofos.
A última parte do livro disseca o nível de leitura sintópica. Adler traz uma argumentação de como devemos ler dois ou mais livros ao mesmo tempo, sobre o mesmo tema. O autor traz exemplos de como a leitura sintópica é a mais difícil de ser feita. Por exemplo, a ideia de progresso: há autores que acreditam que estamos em constante progresso; outros, que o progresso não está necessariamente embutido em toda a história da humanidade, mas em alguns pontos somente; e há, ainda, autores que acreditam que há progressos e regressos, ou que não há necessariamente progresso. Entender essas ideias forçará o leitor a entrar em um acordo com todos esses autores sobre a ideia de progresso, sobre os termos utilizados, et cetera; em seguida, o leitor terá que radiografar cada livro, ver cada argumento, entender cada estrutura; por fim, dirá se concorda ou não com cada um.
A leitura sintópica, como Adler reforça, envolve todos os níveis anteriores e exige ainda mais do leitor. O leitor que consegue executar com clareza uma leitura sintópica pode-se considerar um bom leitor. Mas, como o próprio leitor salienta, ler é como esquiar: no começo, é difícil e você vai apanhar muito. Só depois de muita prática é que se encontra a graça e a leveza da atividade.
O livro termina com dois apêndices: o primeiro, com uma lista enorme de sugestões de leituras de livros que perpassa dos gregos aos pós modernos. O segundo, com uma série de atividades e exercícios para praticar os níveis de leitura.
Após ler esse livro, algumas conclusões e indagações surgem. O primeiro ponto, já citado no primeiro parágrafo, é que as pessoas leem muito mal. Ainda mais nos dias de hoje, onde a leitura precisa ser algo rápido. O segundo ponto é como a escola, nos moldes atuais, atrofia ainda mais a nossa habilidade prévia de ler, o que implica anos mais tarde em universitários analfabetos funcionais. Adler, como um tomista renomado, traz a proposta de se resgatar a tradição de ler bem. Embasado em uma filosofia vilmente esquecida, o tomismo, ele traz uma estrutura de reflexão sobre a ação que não vemos hoje em dia. Dificilmente alguém lerá esse livro e não refletirá sobre seus próprios hábitos de leitura da próxima ver que tatear um livro.
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