terça-feira, 9 de maio de 2023

A obsolescência programada, o negócio sustentável e a vacina dos ovos de ouro, escreve Paula Schmitt | Poder360


‘Lâmpada eterna’ atrapalharia vendas

Curar nem sempre é o mais lucrativo

Consensos podem ser terraplanistas

Slogans importam mais do que fatos

Omar Sonido/Unsplash

Existe uma lâmpada que está acesa há mais de 115 anos. Raramente desligada, a “lâmpada centenária” está no Guinness World Records. O que é mais interessante, contudo, é que a durabilidade dessa lâmpada não é resultado de uma anomalia, ou um golpe de sorte –ela foi projetada exatamente para durar por décadas.

Quem a inventou foi Adolphe Chaillet, e quem a fabricou foi a empresa Shelby Electric, de Ohio. Até que um belo dia os grandes produtores de lâmpadas decidiram que a durabilidade daquele produto ia contra seus interesses comerciais. Seria muito mais lucrativo, eles concluíram, se a lâmpada durasse pouco, e precisasse ser substituída com frequência. Então a empresa Shelby foi comprada pela General Electric, que se uniu a outras empresas “concorrentes”, como a Philips e a Osram, e em 1924 esse grupo de supostos inimigos comerciais criou o cartel Phoebus, na Suíça. Uma das primeiras decisões do cartel foi impor um limite para a durabilidade da lâmpada incandescente. Segundo essa reportagem da New Yorker, Phoebus foi o “primeiro cartel de alcance mundial”, e criou um dos primeiros exemplos do que hoje se conhece como obsolescência programada –a maneira como produtos são projetados para não durar.

“O objetivo explícito do cartel era reduzir o tempo de vida das lâmpadas para aumentar as vendas”, disse à New Yorker Markus Krajewski, professor de estudos da mídia na Universidade de Basel, na Suíça. O motivo foi essencialmente “econômico, não físico”. Hoje, a lâmpada elétrica é uma máquina de fazer dinheiro, um produto com alcance impensável, usado em praticamente todos os ambientes de todas as casas e apartamentos de todas as cidades de todos os países em todo o mundo minimamente industrializado. Não obstante essa onipresença, os fabricantes não estão satisfeitos em vender seu produto apenas uma vez a esses bilhões de consumidores potenciais. Para que pensar pequeno? A intenção é vender para bilhões de pessoas, bilhões de vezes. Segundo estimativa da mesma New Yorker, se você acender uma lâmpada incandescente no dia primeiro 1º de janeiro e não desligar, ela “provavelmente vai se apagar por volta do dia 12 de fevereiro”. Faça como a Renata Sorrah no meme da álgebra e tente entender a enormidade disso.

Faço esse preâmbulo para falar de um culto assustador que está tomando conta do mundo e destruindo mentes outrora bastante inteligentes. Esse culto é muito mais perigoso do que o Q-Anon –um grupo de conspiracionistas que eu conheço bem, e sobre o qual já escrevi ao menos 6 artigos para o Poder360 (aquiaquiaquiaquiaqui e aqui).

Recomendo a leitura desses artigos porque até mesmo eu que os escrevi acho que são bons, e ajudam na identificação de truques de lógica que fazem pessoas aparentemente inteligentes serem enganadas com bastante facilidade. Mas o culto do qual vou falar agora tem uma teoria conspiratória muito mais perigosa, muito mais alastrada, e muito mais difícil de refutar, porque esse culto conta com o apoio de pessoas socialmente aceitas que se beneficiam dele diretamente.

O dogma principal dessa seita é a teoria conspiratória mais terraplanista que eu já encontrei na vida –a de que a indústria farmacêutica prefere curar do que tratar. Pessoas que compartilham dessa fé acreditam numa série de outras ideias sem nenhuma comprovação científica, nem qualquer estudo revisado por pares. Para ajudar o leitor a identificar esses negacionistas e evitar o contágio, vai aqui uma lista dessas crendices:

  1. A crença de que o sistema de peer-review é imprescindível, definitivo, e infalível contra todo tipo de corrupção, coleguismo, vício lógico e troca de favores. Eles acreditam também que é pura invenção que exista o conhecido “trem da alegria” (a prática de incluir em trabalhos acadêmicos o nome de colegas que nunca participaram do projeto);
  2. Seguidores dessa seita acreditam nos itens anteriores mesmo hoje sabendo que:
    • o governo norte-americano pagou com dinheiro público trilhões de dólares para salvar bancos no crash de 2008, crash esse causado por esses mesmos bancos;
    • parte desse dinheiro alocado para “salvar a economia” foi usado para pagar bônus (premiações acima do salário milionário) dos CEOs responsáveis pela crise, e até para aumentar o bônus acima do que já era pago antes de milhões de americanos perderem suas casas para hipotecas revendidas várias vezes, num dos esquemas mais sórdidos já perpetrados numa população inteira;
    • a Bayer distribuiu sangue contaminado com HIV por anos, mesmo sabendo que o sangue estava contaminado (deixa eu repetir: mesmo sabendo que o sangue estava contaminado), e com o conhecimento de oficiais do governo americano, que esconderam o fato do congresso, e mesmo sabendo que esse fato escondido por tantas pessoas levou décadas para ser revelado ao público. (Pausa para um lamento pessoal que às vezes me pega desprevenida e me joga na sarjeta da tristeza: Imagina se a gente soubesse desse absurdo inominável na época em que ele estava acontecendo? Será que teríamos perdido o Betinho, hemofílico, que pegou e morreu de AIDS numa transfusão de sangue?) Eu conto aqui um pouco dessa história da Bayer, e a reportagem fenomenal –e atrasada em décadas– do New York Times).

Até agora não conhecemos a origem do SARS-Cov2, o vírus da covid. E é natural que empresas se aproveitem dessa situação, e sejam remuneradas pelos seus esforços. Mas é crucial, acima de tudo, que saibamos que tipo de solução nos favorece, e que tipo de solução nos escraviza.

Cabe aqui um exemplo ilustrativo dessa linha tênue, cortesia de um vazamento de uma reunião entre um dos maiores bancos de investimentos do mundo e seus clientes. O relatório vazado, publicado em abril de 2018 pela CNBC, foi produzido por analistas financeiros do Goldman Sachs. Assinado por Salveen Richter, o documento é entitulado “A Revolução Genômica”, e se dirige a clientes nas empresas farmacêuticas do setor de biogenética –a mesma área, aliás, da qual fazem parte as terapias para covid conhecidas como mRNA, ou RNA mensageiros. Eu traduzo alguns trechos“Curar pacientes é um modelo sustentável de negócios?”, pergunta o título do relatório.

“O potencial para entregar curas com apenas uma injeção é um dos aspectos mais atraentes da terapia genética, da terapia celular de engenharia genética e da edição de genes. Contudo, tais tratamentos oferecem um cenário bastante diferente quando se considera arrecadação recorrente verso terapias crônicas [regulares], disse Salvenn Richter. “Enquanto essa proposição [da cura com uma injeção, ou “one-shot cure”] traz valor enorme para os pacientes e para a sociedade, ela pode representar um desafio para os desenvolvedores de medicina genômica que procuram um rendimento sustentado”. Como fica claro aqui, a cura é menos interessante como modelo de negócios do que o tratamento regular.

Agora pense nas vacinas que não imunizam (que não garantem a prevenção do contágio), e precisam de duas doses para temporariamente reduzir o risco de morte. Pensem no fato de que alguns fabricantes vão além, e sugerem que as vacinas da covid terão que ser dadas mais de duas vezes, talvez anualmente, como a vacina da gripe.

Enquanto você pensa nisso, note algo ainda mais interessante acontecendo em Israel. Lá, a Pfizer está testando o que eles chamam de “booster” (dose extra) com função auxiliadora da vacina da covid. O que está sendo verificado é a possibilidade desta 3ª vacina ser administrada junto com outro imunizante, este contra a pneumonia pneumocócica.

Por falar em pneumonia pneumocócica, você sabia que foi ela a grande causadora de milhões de mortes na pandemia de 1918, conhecida como a pandemia da Gripe Espanhola? Quem diz isso é um estudo publicado na New Scientist. Eu traduzo um trecho: “Especialistas médicos e científicos agora concordam que foi uma bactéria, e não o vírus da influenza, a grande causa de morte durante a pandemia de gripe em 1918. Esforços governamentais para combater a próxima pandemia de influenza ­–gripe aviária ou outra– têm que tomar nota e estocar antibióticos, diz John Brundage, um microbiologista médico no Centro de Monitoramento de Saúde das Forças Armadas em Silver Spring, Maryland. […] Apesar de uma cepa nociva do vírus da gripe ter varrido o mundo, foi a pneumonia bacterial que acompanhou casos majoritariamente leves da gripe que matou a maioria dos 20 a 100 milhões de vítimas da chamada Gripe Espanhola”.

Enquanto isso, um estudo recém publicado conduzido pela Universidade de Cleveland com a participação de 52238 funcionários concluiu que pessoas já contaminadas pela covid não teriam benefício em ser vacinadas. Eu traduzo aqui 2 trechos do estudo:

“Conclusões: Indivíduos que tiveram infecção por SARS-CoV-2 possivelmente não vão se beneficiar com a vacinação da covid-19, e as vacinas podem ser seguramente priorizadas para aqueles que nunca se infectaram antes.” 

“Resumo cumulativo: A incidência da covid-19 foi examinada entre 52.238 funcionários em um sistema de saúde americano. A covid-19 não ocorreu pelos 5 meses do estudo em nenhum dos 2.579 indivíduos previamente infectados com covid-19, incluindo aqueles que não tomaram a vacina.” 

O clichê que diz que devemos conhecer a história para que a história não se repita só vem servindo para uma coisa: para pessoas chatas repetirem esse clichê. Porque a verdade é que a história vem se repetindo bastante, mas as pessoas ficam menos inteligentes a cada dia. Fatos não importam. Slogans sim. Basta dizer “cloroquiner”, “negacionista”, “teoria da conspiração”, e a maioria dos papagaios reconhecem o som e repetem a palavra, bonitinho, esperando alguém dizer “dá o pé, loro”. Não digo que essas pessoas sejam de todo imbecilizadas –elas certamente têm lampejos de inteligência, mas infelizmente eles duram bem menos do que a nova lâmpada incandescente.

CORREÇÃO

Correção (10.dez.2021) – versão anterior deste artigo afirmava que a empresa Pfizer estaria fazendo testes em Israel para o uso de uma vacina contra a pneumonia pneumocócica como 3ª dose na vacinação contra a covid. Na verdade, os testes eram para a aplicação simultânea dos 2 imunizantes —3ª dose contra a  covid-19 e contra a pneumonia pneumocócica. A informação foi corrigida.

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