Os tridoshas desempenham um papel muito importante na manutenção da saúde celular e longevidade. Cada dosha desempenha uma parte vital para preservar o funcionamento de cada uma dos bilhões de células que constituem o corpo humano. Kapha mantém a longevidade no nível celular. Pitta governa a digestão e a nutrição. Vata, que está estreitamente relacionado à energia prânica da vida, governa todas as fun¬ções da vida.
Em um nível mais profundo, para combater o envelhe¬cimento é necessário equilibrar as três essências sutis exis¬tentes dentro do corpo: prana, ojas e tejas. O funcionamento de prana, ojas e tejas corresponde, em um nível mais sutil, ao funcionamento de vata, kapha e pitta, respectivamente. Dieta apropriada, exercício e estilo de vida podem criar um equi-librio entre essas três essências sutis, assegurando uma vida longa.
Prana é a energia da vida ligada a respiração, oxigena¬ção e circulação. Governa também todas as funções motoras e sensoriais. A força vital prânica inflama o fogo central cor¬poral (agni). A inteligência natural do corpo é manifestada espontaneamente através de prana. Por exemplo, se uma criança tem deficiência de ferro ou cálcio, a inteligência na¬tural do corpo governada por prana levará a criança a comer lama, que é uma fonte daqueles minerais.
A sede de prana é a cabeça e prana governa todas as atividades cerebrais superiores. As funções da mente, da memória, do pensamento e das emoções estão todas sob o controle do prana. O funcionamento fisiológico do coração também é governado pelo prana, e do coração prana penetra no sangue e então controla a oxigenação em todos os dhatus e órgãos vitais.
Prana governa as funções biológicas das outras duas essências ojas e tejas. Durante a gravidez, o umbigo do feto éa principal porta por onde prima entra no útero e no corpo do feto. Prana governa também a circulação de ojas no feto. Assim, em todos os humanos, mesmo naqueles que ainda não nasceram, um distúrbio do prana pode criar um desequilíbrio de ojas e tejas, e vice-versa.
Ojas é a essência dos sete dhatus ou tecidos corpóreos. E a energia vital que governa o equilíbrio hormonal. O elemen¬to por excelência de shukralartav, que é a essência de todos os dhatus, está localizado no coração. Ojas é a energia vital que controla as funções da vida com a ajuda do prana. Ojas con¬tém os cinco elementos básicos e todas as substâncias dos tecidos corpóreos. É responsável pelo sistema auto-imune e pela inteligência mental.
Porque ojas está relacionada a kapha, o agravamento de kapha desaloja ojas e vice-versa. Ojas, quando desalojada, cria as desordens kapha como diabetes, lassidão dos ossos e juntas, entorpecimento dos membros. Ojas, quando reduzida, irá criar reações-vata, como medo, fraqueza geral, incapacidade da per¬cepção dos sentidos, perda de consciência e morte. Ojas equi¬librada é necessária para a energia e imunidade biológicas.
Ghee ajuda a intensificar ojas. O leite materno promove ojas no corpo da criança, portanto é essencial que a criança receba o leite materno para desenvolver o vigor biológico. Durante o oitavo mês de gravidez, ojas proveniente do corpo da mãe vai para dentro do feto. Assim, se o nascimen¬to for prematuro, antes dessa transferência de ojas, a criança encontrará dificuldade para sobreviver. Esse fenômeno de¬monstra a importância de ojas na manutenção das funções da vida. Assim como ojas é fundamental no início da vida, énecessária também para a longevidade.
No nível psicológico, ojas é responsável pela compaixão, pela paz, pela criatividade e pelo amor. Através de pranayama, disciplina espiritual e técnicas tântricas, a pessoa pode transformar ojas em força espiritual. Essa poderosa energia espiritual cria uma aura ou auréola ao redor da coroa chakra. Uma pessoa que tem ojas fortalecida possui atrativos, olhos brilhantes, sorriso espontâneo e calmo. É plena de energia e poder espirituais. Práticas espirituais e celibato realçam essas qualidades. Aqueles que procuram excessiva satisfação em sexo e masturbação dissipam a energia ojas no momento do orgasmo. O resultado é ojas enfraquecida que afeta diretamente o sistema imunológico. Tal pessoa torna-se vulnerável a males psicossomáticos.
Tejas é a essência de um fogo muito sutil que governa o metabolismo através do sistema de enzimas. Agni, o fogo central no corpo, estimula a digestão, absorção e assimilação do alimento. A transformação posterior dos ingredientes da nutrição nos tecidos sutis é administrada por um nível sutil de energia, pertencente a agni é tejas. Tejas é necessária para a nutrição e transformação de cada dhatu. Cada dhatu tem sua própria tejas, ou dhatu-agni. Essa essência é responsável pelo funcionamento fisiológico dos tecidos sutis.
Quando tejas é agravada, ela consome ojas lentamente reduzindo a imunidade e superestimulando a atividade prânica. Prana agravado produz desordens degenerativas no dhatus. A falta de ojas resulta na superprodução de tecido insalubre, que cria o desenvolvimento de tumores e obstrui o fluxo da energia prânica.
Dieta inadequada, maus hábitos de vida e uso excessivo de drogas causarão um desequilíbrio em tejas. Substâncias que são picantes, acres e penetrantes intensificam tejas dire¬tamente.
Da mesma forma que é essencial para a saúde assegurar o equilíbrio entre o tridosha, os dhatus e os três malas, ou re¬síduos corporais, para a longevidade é importante que prana, ojas e tejas permaneçam equilibrados. Para criar tal equilí¬brio, o processo de rejuvenescimento ensinado pela Ayur¬veda é o mais eficaz.
Os Seis Sabores – Os 6 Rasas
“O elemento Água é a base para a experiência sensorial do paladar;
a língua precisa estar molhada para sentir o sabor de uma substância.”
Dr. Vasant Lad
Sabor em sânscrito significa rasa, que por sua vez tem muitos significados. Todos eles nos ajudam a entender a importância de sabor em Ayurveda. Rasa quer dizer “essência”; o sabor indica a essência de um alimento ou planta, e é talvez o fator principal para compreender suas qualidades. Rasa quer dizer “seiva” de forma que o sabor de um alimento ou planta reflete as propriedades da seiva que os alimenta. Rasa quer dizer “apreciação”; visto desse modo, o sabor reflete sentimento que novamente é a essência das substâncias. Através do sabor podem ser percebidos a beleza e poder dos alimentos ou das plantas medicinais. Rasa quer dizer “circulação” o que reflete o poder energizante dos sabores.
Existem seis sabores ou rasas: doce, ácido, amargo, salgado, picante e adstringente. Aqui os elementos fundamentais combinam-se dois a dois para produzir cada um deles. O sabor doce contém os elementos Terra e Água; o ácido, Terra e Fogo; o salgado, Água e Fogo. O sabor picante contém Fogo e Ar; o amargo, Ar e Éter e o adstringente, Ar e Terra.
DOCE Terra e Água
ÁCIDO Terra e Fogo
PICANTE Fogo e Ar
AMARGO Ar e Éter
SALGADO Água e Fogo
ADSTRINGENTE Ar e Terra
A fisiologia moderna não aceita os sabores adstringente e picante como sabores separados; eles são considerados apenas como efeitos produzidos por certos componentes presentes nos alimentos (ou medicamentos) sobre a pele e membranas mucosas. Porém , em Ayurveda eles são tratados como sabores específicos.
O sabor é uma qualidade de toda substância. Cada substância pode ter um ou mais sabores, que se tornam conhecidos quando a substância é colocada na língua. O primeiro sabor claramente identificado é conhecido como sabor primário e os restantes, reconhecidos mais tarde, são secundários, em geral mais suaves. Doce, ácido e salgado são sabores que diminuem vata e aumentam kapha. Picante, amargo e adstringente diminuem kapha e aumentam vata. Ácido, salgado e picante aumentam pitta. Doce, amargo e adstringente diminuem pitta.
Com o sentido do gosto nós interagimos com os alimentos que comemos. Cada gosto ou sabor afeta o corpo e a mente de formas diferentes. Cada um deles tem seus benefícios e até malefícios, se utilizados em excesso. O sabor doce, por exemplo, é muito nutritivo, constrói os tecidos, aumenta a força, mas quando em excesso leva ao ganho excessivo de peso, à preguiça mental, ao diabetes e outras complicações.
Em Ayurveda nós não contamos calorias, gramas de gordura ou índice de colesterol do alimento. Numa perspectiva ayurvédica devemos aprender quais sabores são bons pra nós, assim poderemos comer alimentos que estejam em harmonia com nossa constituição e o corpo responderá com saúde. Alguns se beneficiam do alimento quente e condimentado, enquanto outros se sentem melhor com uma alimentação mas leve e fria. Há pessoas que beneficiam-se da carne, enquanto outras produzem melhor sendo vegetarianas. O mais importante de tudo é saber identificar, de acordo com nossa natureza básica, que tipo de alimento devemos comer e quais devemos evitar, para manter o equilíbrio em nossa saúde.
Potência (virya)
Potência é o aspecto ou fator da substância que é responsável pelas ações desta no corpo humano. As qualidades de força ou potência das substâncias são duas: calor e frio. De uma forma geral, podemos afirmar que os sabores ácido, salgado e picante têm potência quente; já doce, amargo e adstringente apresentam potência fria. Existem exceções, como o mel, que tem sabor doce e potência quente.
Efeito pós-digestivo (vipaka)
Durante o curso da digestão, ingredientes do alimento ou medicamento passam por diferentes estágios de transformação por causa da ação enzimática no trato digestivo. Dessas tranformações emergem “novos sabores” que podem ser doce, ácido ou picante.
De um modo geral, o doce e o salgado apresentam vipaka doce; o sabor ácido tem vipaka ácido e o picante, o amargo e o adstringente têm vipaka picante.
Ação específica (prabhava)
Algumas drogas agem com base em seus sabores, algumas com base em sua potência e outras com base em seu vipaka. Algumas substâncias entretanto exercem uma ação específica, inexplicável no organismo e não levam em consideração nenhum destes conceitos acima. Para reconhecer esta ação, Caraka usou o termo prabhava, que significa “ação específica”: duas susbtâncias podem ser parecidas em sabor, potência e vipaka mas suas ações poderão ser diferentes uma da outra.
O tipo Vata (ar + éter)
A constituição tipo Vata
As pessoas com constituição Vata são magras, têm pouca musculatura e dificuldade para ganhar peso; são mais friorentas e têm a pele fria e seca. Alguns sintomas de desequilíbrio de Vata seriam: boca e olhos secos, tendência à constipação (prisão de ventre), insônia, nervosismo e ansiedade.
Para as pessoas com Vata aumentado recomenda-se aumentar a quantidade e a qualidade dos alimentos, ou seja o tipo Vata (ar) deve comer mais alimentos e com mais frequência. Neste caso é importante evitar ficar muitas horas sem comer e fazer pequenos lanches entre as principais refeições. Os alimentos podem ser
pesados, nutritivos, condimentados. Os sabores recomendados são: doce, ácido e salgado. Deve-se evitar o picante, o amargo e o adstringente. Os alimentos devem ser preferencialmente cozidos e está recomendado o uso dos condimentos.
O tipo Pitta (fogo + água)
A constituição tipo Pitta
Os indivíduos do tipo Pitta (fogo) são de tamanho mediano, com musculatura moderada. Possuem o elemento fogo predominante, logo têm muita sede e bom apetite. O corpo é quente, a face vermelha. Preferem bebidas geladas, têm um bom sono e suam muito. Psicologicamente são compreensivos, inteligentes e têm emoções fortes, como a raiva e o ciúme; são pessoas ambiciosas e tendem a ser líderes. Para este indivíduo, em quem o elemento fogo é predominante, é necessária uma alimentação refrescante, um pouco seca e pesada. Os sabores que diminuem Pitta são: doce, amargo e adstringente; já o ácido, o salgado e o picante devem ser evitados porque aumentam o fogo. Neste caso estão indicados os alimentos crus (saladas), que são refrescantes. Excesso de condimentos e óleos devem ser evitados.
Leia na seção de Alimentação as orientações alimentares
para equilibrar Pitta em excesso
Introdução à Medicina Indiana
Etmologicamente, Ayurveda é formada por duas palavras sânscritas: “ayus, significando vida, e “veda”, significando conhecimento, sabedoria ou ciência. Ayurveda é a ciência do dia-a-dia, literalmente significando “conhecimento da vida”.
O Ayurveda propõe a integração não só entre corpo e espírito, mas também entre o meio e os sentidos, seguindo sua filosofia de que o homem possui um universo dentro de si mesmo(microcosmo) e está inserido dentro do macrocosmo, interagindo com este a todo momento.
O que é saúde para a medicina ayurvédica? É saudável a pessoa que possui equilíbrio entre mente, corpo e espírito, equilíbrio entre os doshas (vata, pitta e kapha), princípios universais responsáveis pelo bom e pelo mal funcionamento dos diferentes órgãos do corpo, que tem uma boa digestão, bons elementos estruturais do corpo e uma regular excreção dos produtos (toxinas) de seu metabolismo.
A abordagem ayurvédica objetiva, em primeiro lugar, preservar e promover a saúde das pessoas através da adoção de uma rotina diária, respeitando a constituição individual de cada um. Como veremos mais adiante, esta rotina implica na incorporação de novos hábitos, de maneira consciente, em diversos âmbitos de nossa vida, como a alimentação, o sono, a sexualidade, considerados os três pilares da boa saúde. Para tanto, se utiliza de uma gama de recursos como dietas, ioga, meditação, massagens com óleos medicinais e aromaterapia. Quando necessário, o Ayurveda também busca curar doenças, mas sempre trabalhando em conjunto com a promoção da saúde: a medicina indiana lida com a pessoa doente e não com a doença. Essa aproximação com a pessoa doente pode ser feita através dos oito ramos principais:
1. Medicina Interna (Clínica Geral)
2. Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia
3. Psiquiatria e Psicologia
4. Doenças da Cabeça e Pescoço
5. Cirurgia Geral
6. Toxicologia
7. Ciência do Rejuvenescimento
8. Ciência dos Afrodisíacos
As ciências do rejuvenescimento e dos afrodisíacos lidam com pessoas saudáveis, enquanto os outros seis ramos lidam com a pessoa doente. Pessoas desejosas de vida longa deveriam seguir os ensinamentos do Ayurveda, o que levaria à realização de quatro importantes objetivos de vida: riqueza, prazer, auto-realização e evolução espiritual.
Mais do que preservar a saúde e curar todo tipo de males, o Ayurveda propõe a transformação das pessoas porque estimula uma nova atitude mental em relação à vida: elas aprendem a meditar, a comer e a dormir melhor, a treinar a mente para extravasar emoções tóxicas e a ter consciência de seu corpo, do espaço que ele ocupa e do propósito de sua existência neste momento. Esta transformação é possível através conhecimento prático da auto-cura, que pode ser adquirido por qualquer pessoa.
Charaka Samhita
O Characa Samhita é considerado o mais importante texto do Ayurveda que chegou aos nossos dias. Nas palavras de Sharma e Dash tiradas da introdução da sua tradução para o inglês :
“ Alguns dos antigos textos do Ayurveda não estão disponíveis. Entre os textos existentes, O Characa-Sanhita de Agnivesa,o Susruta-Samhita de Susruta e o Ashtanga-Hrdrayam de Vagbhata são reconhecidos como o “Grande Trio”. Destes três Characa é considerado a maior autoridade, desde que representa um tesouro autentico dos vários aspectos desta ciência, com especial referente aos princípios fundamentais da medicina.” (Sharma e Dash, 1995:xxi)
O Charaka_Samhita é considerado o mais importante texto do Ayruveda, e também um dos mais antigos. Está dividido em 120 capítulos assim como os outros clássicos de Vagbhata, Bhela e Susruta. Parace que este número tem alguma importância entre os autores antigos.
Como nós vimos o Ayurveda foi incorporado a tradição védica e quando esta “hindunização” do Ayurveda ocorreu a mitologia hindu foi naturalmente agregada a obra então no Characa afirma-se que este sistema médico veio diretamente de Brahma, o criador, deste o conhecimento passou para os deuses ate chegar a Indra, rei dos deuses, que teve a missão de transmitir esta sabedoria a Bharadvaja que foi o primeiro médico-sábio da tradição do Charaka-Sanhita. Nesta tradição este sábio foi escolhido para receber o
conhecimento do deus Indra e foi o mestre de Atreya,quem dissertou o Charaka-Sanhita para seu discípulo Agnivesa. Sobre esta relação mestre-discipulo, Ramachandra Rao afirma:
“ O Atreya da tradição médica é dito ser um estudante de um outro sábio Bharadvaja, que aprendeu a medicina de Indra…O Bhava-prakasa relata que, ambos, Bharadvaja e Atreya aprenderam medicina de Indra em ocasiões diferentes. Há também uma referencia que Bharadvaja é um discípulo de Atreya, Chakrapani-Datta afirma que algumas pessoas erradamente identificam Atreya com Bharadvaja e refere-se a uma antiga autoridade, Harita, que coloca que Bharadvaj era o professor de Atreya….Na tradição médica de Kayachikitsa, ( medicina interna) a seqüência das autoridades médicas na Índia é a seguinte: Brahma , Asvins, Indra, Bharadvaja, Atreya ( purnavasu) e os seus seis discípulos: Agnive-sa, Jatukarna, Bhela, Harita, Khsarapani e Parasara. Cada um destes discípulos escreveu um tratado médico com os ensinamentos de Atreya. No decorrer do tempo, Apenas o tratado de Agnivesa sobreviveu, sendo o mais compreensível, Charaka segue esta linha e seu Samhita é a redação do trabalho original de Agnivesa, e é por isto que Charaka sempre menciona o nome de Atreya com o res-peitável adjetivo de “bhagavan”.” ( Rao, 1985: 27)
Com esta afirmação de Ramachandra Rao baseado no Charaka Samhita observamos o sincretismo do Ayurveda, inicialmente fora do cânone védico, com os deuses do hinduismo, ou seja, dentro da tradição brâmane. Brahma, o criador, segundo Charaka foi quem criou, ele mesmo o Ayurveda, a ciência da vida, e passou para os médicos dos deuses, os gêmeos Asvins que teriam transmitido o conhecimento ao rei dos deuses Indra, este sim ensinou a medicina ao sábio Bharadvaja. Bharadvaja, escolhido como o sábio melhor preparado foi ate Indra e recebeu a ciência da vida, Ayurveda, que transmitiu a Atreya. Cada capítulo do Charaka Samhita inicia-se com a frase: “ Aquilo que segue é o que o reverenciado Atreya falou”, na verdade todo o texto é uma discussão entre Atreya e seu discípulo Agnivesa. Este texto foi recompilado por Charaka. Sharma e Dash tradutores do Charaka Samhita colocam:
“O sábio Atri é referido no Rig Veda e Atharva Veda, como o vidente dos hinos védicos. Por conseguinte o Agnivesa Samhita foi talvez escrito sob a guia de Atreya em algum momento em torno de 1000 A C” (Sharma e Dash,1995:xxxvi)
Esta colocação é um exemplo típico dos autores indianos, que fazem afirmações que não podem ser referendadas pela literatura. Existem vários personagens na literatura de origem indiana com nome de Atreya. O médico de Buda, Jivaka, estudou em Taxila com um mestre chamado Atreya, provavelmente no século VI ou V A C. Mas provavelmemte não foi ele que ditou o Charaka Samhita pois não existe referencia a Agnivesa, seu discípulo na literatura budista primitiva. Se o Atreya do Rig Veda e do Atherva Veda é o mesmo do Ayurveda, então por que não existem referencias ao Ayurveda naqueles textos?
A reposta é muito simples: os textos do Ayurveda são posteriores, inclusive na literatura do período védico tardio, ou seja antes da época de Buda, século VI A C, não há referencias ao Ayurveda. Não há como precisar uma data para Atreya e seu discípulo Agnivesa que tenha respaldo na literatura de origem indiana. Com relação a isto Filliozat coloca:
“ Pode-se admitir que um ou mais Atreyas, tradicionalmente conhecidos como médicos eminentes, existiram, mas não se pode admitir que Atreya Purnavasu que é dito ter recebido a ciência da medicina do mítico Bharadvaja foi o Atreya que nas fontes budistas é o contemporâneo de Buda. As lendas das origens do Ayurveda, como encontrados nos dois Samhitas, Charaka e Susruta, não pare-cem estar embasados em nenhum fato histórico. Elas parecem ter sido criados a partir de conjecturas, baseadas em datas da tradição védica relacionadas aos deuses médicos, e aos mestres bramanicos.” ( Filliozat, 1964: 11)
É provável, como colocou Filliozat, que a tradição ayurvedica durante o processo de “hindunização” tenha se mesclado a mitologia e a religião védica formando um sincretismo entre as tradições não brâmanicas, fora de castas, e a tradição dos Vedas. Porem autores hindus, sem levar em conta esta possibilidade, colocam datas do Rig e Atharva Vedas para os autores clássicos da Medicina Indiana, sem fatos ou referencias históricas ratificando as suas afirmações.
Charaka vem da raiz car que significa mover-se, provavelmente Charaka era um médico errante, que propagava o seu conhecimento e dava alivio aos seus pacientes.Havia também um médico da corte do rei Kaniska, século II da nossa era, que se chamava Charaka. Provavelmente este não era o mesmo médico que escreveu o famoso tratado. Com relação a identidade de Charaka Ramachandra Rao afirma:
“ A identidade de Charaka é inteiramente incerta. Nós não estamos certos se este era o nome pessoal de um autor que foi o principal responsável pela atual versão do Charaka Samhita. Foi sugerido (em Brhajjaka) que o médico especialista, que viajava de aldeia em aldeia, não apenas administrando remédios mas também ensinando a ciência médica era chamado de Charaka ( médico errante) pelas pessoas, assim como o cirurgião era conhecido como “Dhanvantari”. (Rao, 1985: 44)
Esta colocação de Ramachandra Rao nos faz lembrar a tradição dos Sramanas que, como médicos, ascetas errantes e filósofos levavam os seus conhecimentos de aldeia em aldeia aliviando o sofrimento das pessoas. Porem Ramachandra Rao vai mais longe fazendo uma ponte entre o termo Charaka e a antiga tradição budista:
“ Na tradição budista primitiva haviam referencias aos “eruditos errantes” sendo admitidos nas instituições educacionais, como Taxila, como “estudantes casuais” ( charikam charantã ). Taxila na parte noroeste do país tinha também uma faculdade médica que era chefiada por um Atreya, e foi onde o famoso contempora-neo de Buda, Jivaka, o pediatra, foi estudante. Charaka, mesmo, durante os séculos antes de Cristo era um termo significando médico errante e professor médico” ( Rao, 1985: 44)
Com esta colocação de Ramachendra Rao podemos fazer uma possível ligação entre a tradição de Charaka, do clássico Ayurveda, a escola budista antiga e os médicos errantes Sramanas todos fora de castas ou não védicos, a partir do momento que os textos védicos colocavam o médico como impuro e a profissão médica como inadequada ao Brâmane pois exigia o contato com todos os tipos de pessoas inclusive os das castas inferiores e os sem castas. Podemos lançar a hipótese que esta exclusão, da religião hegemônica, tenha aproximado estas tradições heterodoxas e propiciado a troca de conhecimentos e experiências que resultou em uma escola empírico-racional que posteriormente ficou conhecida como Ayurveda. Apesar da base do Ayurveda ser empirico-racional, este nunca abandonou completamente a medicina mágico-religiosa caracterizada pelo Atharva-Veda. Podemos confirmar isto na tradução de Sharma e Dash do Charaka Samhita:
“ O Ayurveda tem oito ramos:
1-Medicina Interna
2-Ciência das doenças especificas da região supra-clavicular: olhos, nariz, ouvido, boca e garganta.
3-Cirurgia
4-Toxicologia
5-Ciência do ataque demoníaco ( psicologia)
6-Pediatria
7-Ciência do rejuvenescimento
8-Ciência dos afrodisíacos”
(Sharma e Dash, 1995:603)
A “ciência do ataque demoníaco” faz parte da medicina mágico-religiosa dos Vedas, talvez este seja o ramo do Ayurveda que tenha suas raízes naquilo que o Iogue Ramacharaca chamou de “magia branca e magia negra”do Atharva Veda.
O Charaka Samhita introduziu o conceito de Dosha, literalmente defeito, é interpretado como desequilíbrio ou disfunção : Segundo Charaka os doshas do corpo são Vata, Pitta e Kapha e os da mente Rajas e Tamas. Vata é áspero, frio, sutil, móvel, não gorduroso e leve. Pitta é oleoso, quente, agudo, liquido, ácido, e picante e Kapha tem as seguintes qualidades: pesado, frio, macio, oleoso e doce são melhorados por medicamentos que tem qualidades opostas.
O Ayurveda faz uma relação entre os cinco elementos chamados de Panchamahabhutas e os Doshas. Então Vata é formado pelos elementos ar e espaço e Pitta por fogo e água, já Kapha possui água e terra. O corpo humano possui os três Doshas e os cinco elementos e é o aumento ou diminuição destes que levam ao desequilíbrio e as doenças.
Astanga Hrdayam
O Astanga Hrdayam junto com o Charaka Samhita e o Susruta Samhita formam o chamado “grande trio” do Ayurveda, ou seja, os tratados clássicos mais importantes que todo estudante de Ayurveda na Índia deve ler durante a sua formação na Medicina Indiana clássica. Estes tratados foram escritos na língua tradicional dos antigos textos hindus, ou seja, o sânscrito, que é inacessível para a grande maioria dos ocidentais, nós que não dominamos esta língua muito antiga temos que aguardar as traduções para o inglês que é uma das línguas oficiais da Índia.
O Astanga Hrdayam é um texto baseado nos tratados anteriores de Charaka e Susruta e foi o compendio de Ayurveda que recebeu o maior numero de comentários devido a sua grande importância. Sobre isto Ramachandra Rao afirma:
“ O objetivo do tratado parece ser a união dos conhecimentos médicos relevantes contidos no Charaka Samhita e no Susruta Samhita pois já existia uma divisão entre as duas tradições medicas: terapêutica e cirúrgica. Há uma imposição explicita que nem o Charaka Samhita nem o Susruta Samhita devem ser estudados exclusivamente; os dois devem ser judiciosamente combinados pelo médico praticante.” ( Rao, 1985: 21)
O compendio é um trabalho preparado a partir dos oito ramos da Medicina Ayurvedica e foi escrito por um médico chamado Vagbhata que era filho de Simhagupta e recebeu o mesmo nome de seu avô, segundo o autor, um grande médico. Vagbhata estudou medicina com seu pai e mais tarde com um monge budista chamado Avalokita. A maoria dos autores colocam Vagbhata em torno do século V e VI da nossa era. Além do Astanga Hrdayam(A H) , o medico escreveu um outro trabalho chamado Astanga Samgraha ( A S ) que é semelhante ao primeiro porem maior. Enquanto o A S possui 150 capítulos o A H possui 120 capítulos. Com relação aos trabalhos de Vagbhata, Ramachandra Rao afirma:
“ O primeiro trabalho( A S) não apenas é volumoso mas é uma mistura de prosa e verso, como o Charaka e o Susruta Samhita, enquanto o segundo ( A H ) é menor, versificado e poético assim os estudantes poderiam memorizar mais facilmente. O conteúdo e o estilo literário não deixam duvidas que o autor dos dois trabalhos é o mesmo…” (Rao, 1985: 101)
Nestes dois tratados clássicos, Astanga Sangraha e Astanga Hrdayam, existem várias referencias ao budismo, além disto o seu professor, Avalokita, era um monge budista, estas evidencias fazem com que Vagbhata fosse considerado um médico que foi seguidor dos ensinamentos de Buda. O que nos parece bem razoável, pois, nós já vimos a estreita relação entre a tradição budista e a Medicina Indiana.
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