CAPA
Profissão: diretor
Diretores buscam formação para reduzir deficiências dos cursos de graduação e enfrentar os novos desafios da escola pública, que vão da violência às faltas constantes de professores
Paulo de Camargo
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No Rio de Janeiro (RJ), Ocimar Nascimento passou por formação em gestão durante o precesso de seleção para o cargo de diretor |
As dificuldades em mediar as relações entre professores e alunos e em separar casos de indisciplina e violência escolar, comuns na rotina dos diretores de escola, levaram José Geraldo Moreira a buscar formação para responder a esses dilemas. Diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Roberto Plínio Colassiopo, na periferia de São Paulo (SP), ele chamou a atenção de uma centena de especialistas brasileiros no tema ética e moral, que participavam do seminário O que fazer com as mentes rebeldes?, promovido pela Universidade Tuiuti (PR). Moreira levantou a mão repetidas vezes, em busca de respostas para as questões que enfrenta em seu cotidiano - coisas que não aprendeu na faculdade de pedagogia, nem nos cursos de formação continuada a que teve acesso.
Moreira não é exceção. Os estudos disponíveis e as experiências empíricas de especialistas mostram que os diretores das escolas brasileiras não apenas são profissionais que querem melhorar, mas persistentemente buscam oportunidades de formação - que infelizmente são raras e pouco específicas para os problemas reais que enfrentam.
Basta ver os dados da Prova Brasil 2011: nada menos que 91% dos quase 50 mil diretores que responderam ao questionário de avaliação enviado para as escolas participaram de atividades de formação continuada nos últimos dois anos, metade deles em cursos com mais de 80 horas de duração. Além disso, quase 70% dos diretores possuem algum tipo de especialização, cursada em pelo menos 360 horas.
No entanto, muitos especialistas ainda defendem a necessidade de um choque de gestão na educação brasileira. Os diretores das escolas públicas continuam carecendo de competências fundamentais de liderança, precisam aprender a formar boas equipes e a administrar conflitos, a manejar melhor recursos financeiros, devem conhecer os princípios do planejamento estratégico e saber utilizar os recursos tecnológicos na gestão. "O diretor escolar deve dominar um grande leque de competências relacionadas a diferentes áreas, como fundamentos da gestão e seus desdobramentos, como a gestão pedagógica, administrativa, de pessoas, do tempo, da cultura e do clima organizacional da escola, planejamento de ensino e estratégico, monitoramento e avaliação, entre outros. Não é pouco", explica Heloísa Lück, diretora do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap). Ela lembra que em muitos países os diretores de escolas devem ter, no mínimo, formação em nível de mestrado em gestão educacional.
No Brasil, o acesso ao posto varia de acordo com as regras definidas por municípios e estados - os mecanismos incluem a eleição direta, a indicação política ou concursos públicos. Mas, segundo os dados do Ministério da Educação, em comum há a grande predominância dos que se formaram em pedagogia (41%), seguidos por aqueles que concluíram cursos de licenciaturas (36%).
Começo difícilAs lacunas da formação do futuro diretor começam na graduação, seja em pedagogia ou nos cursos de licenciatura. Seguindo as diretrizes nacionais estabelecidas pelo MEC, os cursos formam um pedagogo generalista e a carga horária em administração escolar perdeu força. "Antigamente, as aulas eram divididas na proporção 3+1, ou seja, três quartos dedicados à formação genérica do educador e um quarto voltado à administração. Hoje se estuda tudo junto", explica a socióloga Gisela Wajskop, diretora do Instituto Singularidades, que oferece formação em educação.
Em grande parte, a crítica aos cursos de pedagogia deve-se ao seu distanciamento excessivo da realidade vivida nas escolas. "Nossos cursos não atendem nem quem quer dar aula, muito menos quem quer ser gestor. Há muita teoria desatualizada, carregada de ideologia e anti-hierárquica", critica Ilona Becskeházy, consultora e mestranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Para ela, o foco no que se chama gestão democrática tornou vazio o discurso das graduações em pedagogia. "Os cursos esquecem que uma gestão realmente democrática pressupõe pessoas bem formadas, equipes completas, tempo de trabalho, alinhamento em torno de objetivos, responsabilidade pelos resultados obtidos", diz.
"Os cursos dessa área, comumente, dão mais ênfase a questões gerais da sociedade, da educação e do ensino, deixando de tratar dos desafios do cotidiano escolar. Tal como acontece nos demais cursos de educação, pouca atenção é dada à compreensão dos desafios da escola e do ensino, e os métodos e estratégias para o seu enfrentamento. Os cursos focam o conhecimento abstrato construído, descolado de realidades concretas", completa Heloísa Lück.
Muitos especialistas concordam, no entanto, que a graduação em pedagogia deve ser mesmo focada em aspectos básicos, já que poucos alunos alimentam, nesse momento, a aspiração à gestão escolar. "O interesse profissional em cargos de direção é residual entre os graduandos, ser diretor não é projeto de vida. Ao contrário, nos cursos há entre os alunos um ambiente de muitas críticas ao trabalho do diretor", diz Inge Suhr, coordenadora pedagógica do Centro Universitário Uninter, no Paraná. A instituição possui 300 alunos de pedagogia em cursos presenciais e 7.000 alunos na graduação a distância, modalidade que cresce de forma exponencial no país, sobretudo nessa área.
Para Inge, a formação do gestor deve mesmo acontecer prioritariamente nos ambientes de pós-graduação, com caráter de formação em serviço, quando o diretor começa a viver os desafios de seu trabalho. "O locus adequado não é o curso de pedagogia, pois há conteúdo demais para quatro anos e todos precisam ter uma formação geral", defende.
Para a secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro (RJ), Claudia Costin, a opção de uma formação inicial única tem razão de ser. "Um diretor tem de ser professor. Isso traz vantagens, pois ele entende a natureza do trabalho. A questão é que a formação universitária é frágil, com ênfase exagerada em fundamentos em detrimento da prática."
Pós-graduaçãoÉ no âmbito das especializações, MBAs e mestrados que se vê o grande interesse dos diretores por formação específica em gestão. Há grande procura por especializações e aperfeiçoamentos, seja na oferta da rede particular, das organizações sociais ou do poder público.
"O problema é justamente que tudo o que não se faz direito na primeira vez acaba sendo feito de maneira pior e mais cara na segunda - como perder peso, cuidar da saúde", exemplifica Ilona. Para ela, o cuidado com a formação inicial levaria a propostas mais sofisticadas na formação continuada, o que não ocorre hoje. "Poderíamos ter um curso mais geral na graduação e mais específico em um segundo momento, mas sempre com perspectiva no exercício, na prática, como acontece nas outras profissões", argumenta. A inexistência de graduações mais completas leva, a seu ver, a uma insuficiência que persiste na formação continuada. "Nas pós-graduações, com qualquer discurso, qualquer consultor vende algum blá-blá-blá. O diretor aceita porque sai um pouco da rotina da escola e recebe seus adicionais. Mas é um combinado que tem tudo de ruim", critica.
Cursos de gestãoAs oportunidades de formação continuada para os diretores hoje podem ser divididas em diferentes segmentos: os públicos, da iniciativa privada ou de organizações do terceiro setor.
No âmbito da administração federal, as opções estão concentradas no programa Escola de Gestores, do MEC. O programa começou em 2005, como um curso piloto de educação a distância para 400 gestores. No ano seguinte, passou a ser coordenado pela Secretaria de Educação Básica, já com caráter de pós-graduação lato sensu, com carga de 400 horas. Em 2010, os diretores e vice-diretores passaram a contar também com a opção de um novo curso de Aperfeiçoamento em Gestão Escolar. Hoje os cursos são operados por 31 instituições federais de ensino superior, em todos os estados brasileiros.
Os gestores da Educação Básica contam ainda com as possibilidades abertas pelo Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares (Progestão), criado pelo Conselho dos Secretários de Estado da Educação (Consed), a partir de 2001. Tendo formado perto de 200 mil educadores em uma década, o Progestão é dividido em 10 módulos, com um caráter bem mais prático do que o do MEC. O Módulo VI, por exemplo, ensina os diretores a gerenciar recursos financeiros, enquanto o módulo VII aborda a gestão dos funcionários e o IX fala da avaliação institucional. No ano passado, ainda em caráter piloto, o programa lançou sua versão a distância, o Progestão on-line. Recentemente, os dois programas vêm procurando articular parcerias, como forma de viabilizar a sustentação da oferta e integrar seus objetivos.
Mas as principais novidades no campo da oferta de oportunidades de formação continuada vêm do terceiro setor e de organizações empresariais. No Rio de Janeiro, por exemplo, é cada vez mais procurado o MBA em Gestão Escolar criado pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) carioca e pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Segundo a gerente de Educação Básica do Sesi, Hozana Cavalcante Meirelles, trata-se de um curso de especialização em gestão empreendedora, com foco na educação. Ele foi criado em 2006, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), a partir do diagnóstico da necessidade de capacitar gestores de educação para a visão estratégica e aquisição de competências gerenciais. "O principal objetivo desse curso é contribuir para a melhoria da qualidade da educação, com especial ênfase no desenvolvimento de competências de gestão e empreendedorismo dos profissionais de educação", diz Hozana. Desde então, foram formados 280 gestores e outros 200 educadores se formarão em 2013 - ano em que serão admitidos mais 320 alunos, em sua maioria gestores das redes públicas estadual e municipal de ensino. As inscrições devem ser feitas pelas redes de ensino interessadas - estaduais, municipais e também as escolas do Sesi.
Com carga de 360 horas, o MBA acontece na modalidade semipresencial (parte fisicamente, parte a distância), com 14 disciplinas, entre elas gestão de processos, estratégica e financeira, ambientação a novas tecnologias, liderança e empreendedorismo, negociação e mediação de conflitos e gestão de pessoas. Para se formar, os alunos desenvolvem um plano de empreendimento, ou seja, um projeto teórico-prático que contemple propostas a serem implantadas nas escolas para melhorar a qualidade do processo educacional.
O curso do Sesi/Firjan foi um dos recursos do qual Claudia Costin, secretária do Rio de Janeiro (RJ), lançou mão para preparar sua equipe.
SeleçãoAo assumir a rede carioca, Claudia resolveu manter o sistema de escolha dos diretores, que são eleitos pelos professores. Ao invés de mudar, definiu critérios para certificar a inscrição dos candidatos. Como eram 5 mil candidatos para 1,4 mil posições, foi possível estabelecer a realização de uma prova exigente e a preparação de um plano de melhoria para a escola, que teria de ser referendado para uma banca.
Mas a principal mudança foi a introdução de um curso sobre competências de gestão em duas etapas: a primeira para todos os candidatos e a segunda apenas para os eleitos. O curso foi desenvolvido com apoio externo, mas houve grande participação da rede.
O diretor do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) 1o de Maio, Ocimar Nascimento, passou por todas essas etapas. Seu curso durou oito meses, na modalidade on-line. Depois de uma primeira etapa mais geral, a segunda foi específica sobre o trabalho realizado pelo diretor, inclusive em aspectos como a mediação de conflitos. "Respondeu a questões que nos colocamos diariamente", conta.
Formado em ciências biológicas, Nascimento faz parte da rede carioca há 15 anos. Há um ano, resolveu enfrentar o desafio de dirigir uma escola. Sua estratégia foi montar uma equipe afinada, que estivesse também começando na gestão, para evitar eventuais vícios da burocracia. "Nosso projeto chama-se Ser Humano em Primeiro Lugar. Aqui todos são alunos de todos. De repente, um de nós pode entrar em qualquer sala de aula para ler, fazer projetos com os alunos. Às vezes o professor esgota seus recursos e tem seus colegas que podem abraçar o aluno e ajudá-lo", diz. Esse foi o caso do Matheus, que mobilizou toda a escola. Ele não alcançou os objetivos do 1o e do 2o ano, mas no 3o ano conseguiu se alfabetizar e foi aprovado. "Isso só foi conseguido porque ele é aluno de toda a escola, e não do professor A, B, C. Emocionou muita gente", conta Nascimento "O Ciep 1o de Maio é prova de que uma boa direção faz toda a diferença", afirma Claudia Costin. Localizada em uma região muito violenta da cidade, no bairro de Santa Cruz, a escola funciona em tempo integral e é considerada a melhor escola municipal da cidade.
EquipeDesenvolver formação específica para os diretores é uma tendência em municípios de diversos portes. Em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, a qualificação dos diretores das escolas da rede municipal é uma das metas da Secretaria de Educação, que encara a necessidade de capacitação e atualização do gestor como um dos passos fundamentais no processo de melhoria da educação.
O curso da rede, com carga de 200 horas e aulas quinzenais, acontece desde 2010 e, no ano passado, atendeu 120 gestores. "Todas as orientações técnicas são articuladas com a prática e os conteúdos trabalhados buscam atender às demandas que os gestores encontram em suas escolas", diz Vanessa Malhone, do Programa de Qualificação de Gestores da Planeta Educação, que desenvolve a formação.
Em São Paulo, o novo secretário municipal, César Callegari, pretende apostar na formação dos diretores, mas acredita que é preciso fazer mais pelos gestores, especialmente em um contexto de tantas transformações sociais.
"Os desafios da gestão escolar exigem um profissional com muitas outras competências, que antes não eram requeridas. As regras da sociedade, os costumes, o comportamento dos alunos e até a separação das atividades educativas das de natureza assistencial, muita coisa começou a entrar na escola. O fato de o país ter uma sociedade democrática, participativa, requer competências muito maiores que, certamente, os cursos de pedagogia não asseguram", diz Callegari, que até dezembro foi secretário nacional da Educação Básica do MEC.
Para ele, embora seja preciso mudar a formação inicial, o desafio é trabalhar com os educadores existentes. "É uma tolice pensar que se fará educação de qualidade idealizando, como se pudéssemos dispensar os educadores de hoje. Temos de trabalhar com eles e nas condições que eles têm - de formação, de trabalho, remuneração, etc.", argumenta.
Por isso, no seu entender, todas as políticas de formação complementar devem ser contínuas e dinâmicas. "Não pode ser mais um curso de teoria, mas algo ligado à construção permanente, em uma escola que hoje nós sabemos obrigatoriamente articulada com a própria comunidade e com a sociedade", diz.
Na visão de Callegari, os diretores precisam mais do que apoio; necessitam da ajuda concreta de uma equipe com quem dividir responsabilidades. "Os sistemas e as redes de ensino devem se preocupar em oferecer assistência gerencial e administrativa para que o diretor possa realizar um bom trabalho. As ferramentas para isso precisam estar ao seu alcance." Por isso, entre seus planos para a Educação de São Paulo está a formação de equipes técnicas com a missão de apoiar o diretor.
http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/31/profissao-diretor-279166-1.asp
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