quarta-feira, 20 de agosto de 2008

ÉMILE DURKIIEIM E OS FATOS SOCIAIS.


ÉMILE DURKIIEIM E OS FATOS SOCIAIS

Esse intelectual viveu entre 1858 e 1917, período que compreendeu o ápice e a primeira grande crise interna do capitalismo monopolista europeu. De seus 59 anos vividos, em mais da metade presenciou a opulência burguesa francesa, enquanto a fase final assistiu à tensão pela disputa de mercados entre as potências européias ser levada às últimas conseqüências. Em seu país, a França, preocupou-se com o que ele chamou de ''vazio moral da IIIª República", com os conflitos entre o capital e o trabalho decorrentes da Segunda Revolução Industrial, com o impulso do ideário socialista e com os rumos ali tomados pelo capitalismo. No plano internacional, sua vida abrangeu do desenvolvimento do neocolonialismo eclosão da Primeira Guerra Mundial, com seu término e o início da primeira grande revolução socialista, a Revolução Russa de 1917.

Durkheim compreendia o quadro perturbador colocado pela emergência da questão social, mas discordava essencialmente do conteúdo de soluções que começava a ser proposto pelo pensamento socialista. Suas convicções defendiam que os problemas sociais vividos pela sociedade européia eram de natureza moral e não de fundo econômico, e que estes sobrevinham devido à fragilidade decorrente de uma longa época de transição. A dialética da chamada Belle Époque é instigante: este é visto pela historiografia como o momento do apogeu do capitalismo imperialista europeu. Entretanto, no interior da sociedade européia - no âmbito das relações entre a burguesia e a classe trabalhadora -, o desenrolar do processo social levava à radicalização dos conflitos que redundariam na saída socialista russa e no" advento posterior do Welfare State.

No tocante ao problema da relação indivíduo-sociedade, Durkheim tomou posição a favor desta. Ele entendia que a sociedade predominaria sobre o indivíduo, uma vez que ela é que imporia a ele o conjunto das normas de conduta social. Seu esforço foi voltado para a emancipação da sociologia em relação às filosofias sociais, tentando constituí-la como disciplina científica rigorosa, dotada de método investigativo sistematizado, preocupando-se em definir com clareza o objeto e as aplicações dessa nova ciência, partindo dos paradigmas e modelos teóricos das ciências naturais.

Ao desenvolver a sistematização de seu pensamento sociológico, Durkheim diferenciou-se de Saint-Simon e Comte, uma vez que seu aparato conceitual foi além da reflexão filosófica, constituindo um corpo elaborado e metódico de pressupostos teóricos sobre a problemática das relações sociais. Em função desses aspectos teóricos originais, os estudos de Durkheim ganharam relevância para as ciências da sociedade, tomando-se parâmetros para vários ramos de pesquisa sociológica até nossos dias. .

Para ele, a Sociologia deveria ser um instrumento científico da busca de soluções para os desvios da vida social, tendo, portanto, uma finalidade dupla: além de explicar os códigos de funcionamento da sociedade, teria como missão intervir nesse funcionamento por meio da aplicação de antídotos que pudessem mitigar os males da vida social. Em sua compreensão, a sociedade, como qualquer outro organismo vivo, passaria por ciclos vitais com manifestação de estados normais e patológicos, ou seja, saudáveis e mórbidos. O estado saudável seria o de convivência harmônica da sociedade consigo mesma e com as demais sociedades, harmonia essa a ser obtida pelo exercício imperativo do consenso social. O estado mórbido, doentio, seria caracterizado por fatos que colocassem em risco essa harmonia, os acordos de convivência, o consenso e, portanto, a adaptação e a evolução histórica natural da sociedade.

Ora, se a Sociologia devia, nessa concepção, ser uma espécie de medicina social, ela carecia de ocupar-se de um objeto que lhe permitisse fornecer a chave explicativa dos códigos de funcionamento da sociedade: os fatos sociais. Esses fatos foram elevados por Durkheim à categoria de objeto de estudo, e sua busca de compreensão deles direcionada para o favorecimento da normalidade do curso da vida social, transformando-se, dessa maneira, em um tipo de técnica de controle social voltada para a manutenção da ordem estabelecida pelo sistema social vigente.

Em sua definição de fato social, Durkheim exprime-se da seguinte forma: é

"toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter" (1972:11).

Segundo Rodrigues (1995:52),

"este parentesco estreito entre a vida e a estrutura, entre o órgão e a função, pode ser facilmente estabelecido em Sociologia porque, entre os dois termos extremos, existe toda uma série de intermediários imediatamente observáveis".

Deve-se entender que, na sociologia durkheimiana, a perspectiva é holística, ou seja, o todo (sociedade), apesar de ser composto por suas inúmeras partes (indivíduos), prevalece sobre elas. Desse modo, o fato social teria a faculdade de constranger, de vir de fora e de ter validade para todos os membros da sociedade.

Delimitando e dando especificidade é ao conceito, os fatos sociais possuiriam três características fundamentais: a coerção social seria o influxo exercido pelos fatos sobre os indivíduos, induzindo-os à aceitação das regras vigentes na sociedade, a despeito de seus anseios e opções pessoais. A subordinação de todos aos estatutos das leis é o melhor exemplo dessa situação. Aqui, a medida da coerção seria estabelecida pela sanções a que os indivíduos estariam sujeitos a partir do momento em que não se conformassem com as regras sociais. A exterioridade se definiria em função de os fatos existirem antes e fora das pessoas, atuando de modo autônomo em relação a seus desejos ou apoio consciente. Durkheim elucida essa característica citando os sistemas de moedas, os instrumentos de crédito, as práticas profissionais, que funcionariam independentemente do uso que delas os indivíduos fizessem. Por fim, a generalidade existiria devido ao fato repetir-se, pela imposição, na maioria ou em todos os membros da sociedade. As formas comuns de habitação, de comunicação, ou o que esse autor denominou de ''vida mais ou menos cristalizada" constituiriam os exemplos dessa derradeira característica dos fatos sociais.

Durkheim defendeu uma postura de absoluto rigor e não-envolvimento frente ao objeto de estudo da Sociologia. Para ele, o comportamento do cientista social deveria ser de distanciamento e sua posição, de neutralidade frente aos fatos sociais. Apenas essa atitude é que garantiria a objetividade de sua análise e, portanto, suas bases científicas. Esses fatos deveriam ser encarados como coisas, objetos exteriores ao pesquisador. Cabia-lhe apenas a observação, a medição e a comparação dos fenômenos sociais, não importando o que o próprio pesquisador ou os indivíduos cogitassem ou afirmassem sobre sua natureza. Isso significa que tais fenômenos necessitavam ser levados em conta no tocante a suas manifestações coletivas, distinguindo-se dos eventos individuais ou acidentais. O interesse científico durkheimiano era inteiramente voltado para a compreensão do funcionamento das chamadas formas padronizadas de conduta e pensamento, definidas por ele como consciência coletiva, que configurariam a moral adotada pela sociedade. Nesse sentido, ele pode ser visto como o primeiro dos sociólogos funcionalistas.


Fonte. http://docs.google.com/#all

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