quinta-feira, 22 de maio de 2008

Didática e Avaliação



FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO




Mudanças:
Didática e Avaliação


Cintia Barreto


Rio de Janeiro, 2001.

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre a postura do professor brasileiro diante da crítica e da autocrítica nos processos de avaliação e ensino-aprendizagem, bem como sobre a resistência à mudança pedagógica, tendo como base o livro Ironias da Educação - mudança e contos sobre mudança de Pedro Demo (2000).
Para isso, foi dividido em dois capítulos; o primeiro, Ironias da Educação, tem como base os Contos-do-vigário, contos relatados no primeiro capítulo do livro onde o autor narra sua experiência em cursos para professores ministrados por ele; o segundo, A Avaliação, tem em vista um diálogo entre Demo e Romão sobre o processo avaliativo em sala-de-aula.
Dessa forma, o seguinte trabalho pretende, de forma concisa, e tendo como alicerce o sociólogo Pedro Demo, discutir as ironias que ocorrem na nossa educação.

AS IRONIAS DA EDUCAÇÃO
No mundo pós-moderno, o neoliberalismo gerou a globalização da tecnologia e da educação. Assim, tudo deve ser padronizado, globalizado. Por que não globalizarmos a conduta dos professores diante a avaliação, por exemplo? Por que se fala tanto em mudança, transformação pedagógica, quando o que se vê é a repetição de antigos modelos de aula e avaliação?
É simples, nossos professores temem a mudança, pois temem não estar preparados para tal. Os mestres acostumaram-se a repetir os manuais aprendidos por eles, que os repassa sem o menor pudor a seus alunos. Por outro lado, não estarão, dessa forma, formando sujeitos pensantes, autônomos como prioriza a nova pedagogia.
Na primeira parte de seu livro, Demo narra cinco contos sobre sua experiência com professores e revela-nos muito sobre a postura do professor, quando este fica na posição de aluno. No Conto 1, Demo trabalhou com professores da Escola Normal que não estavam acostumados a pesquisar, a aprender e, muito menos, a serem avaliados como podemos perceber nesta inferência feita pelo autor:


Desconhecem o que é aprender - é estranho que, em contexto de Escola Normal, ocorra este tipo de problema; como diz o provérbio: "em casa de ferreiro, espeto de pau"; reside aí, talvez, a contradição mais comprometedora, porque se trata de consumado conto-do-vigário: os professores são o que os alunos jamais deveriam ser; desconhecem o esforço reconstrutivo que a aprendizagem supõe, com base em pesquisa e elaboração própria, individual e/ou coletiva, prendendo-se em amenidades e futilidades, que já fazem parte do folclore pedagógico. (p. 16)

No Conto 2, continua o autor a perceber o paradoxo vivido pelo sistema educacional, uma vez que os professores não estão acostumados a receber críticas e sim a fazê-las, como podemos conferir em:

Pouco vale criticar sem propor; quando se exige proposta e percebe-se que não se tem, experimenta-se o desespero de quem se sente nu. A pedagogia se habituou a falar alto, sobretudo a prometer a transformação histórica, mas, quando colocada contra a parede, tudo que sai é crítica desconexa, exacerbação mental, gritaria desorganizada; todos defendem o projeto pedagógico, mas poucos - quase ninguém - o tem elaborado, resultando sempre em discussões alongadas e inúteis, tendo como passo final e certeiro jamais chegar a beneficiar o aluno, até porque não se chega a lugar nenhum.. (p. 26)

É importante esclarecer que esses contos servem de espelho do sistema educacional vigente em muitas partes do país, pois poucos são os que ousam mudar, ousam transformar o que se tem em algo melhor, algo que beneficie o aluno e não ao próprio sistema. Poucos são os professores que vivenciam o que falam, que transformam teoria em prática e, depois, sua prática em teoria. No Conto 3, Demo demonstra nesta passagem o desfecho desta experiência:

Mais que tudo, ficou claro que a preocupação central de nossas escolas e faculdades é o mero ensino ministrado por professor que só sabe ensinar. Não por sua culpa, porque culpa não é critério explicativo, mas por deficiência de formação, ao lado do desprestígio do profissional flagrante. Como sempre, os professores tentaram lançar a "culpa" sobre os alunos, que não teriam qualquer condição de pesquisar - não iam além da cópia. Estavam apenas "tapando o sol com a peneira". A questão era que eles mesmos não sabiam pesquisar, nunca tinham pesquisado, não possuíam elaboração própria, só davam aulas reprodutivas, e assim por diante. (p. 32)

Assim, o professor não pode fazer o aluno aprender se ele não sabe aprender. Outros questionamentos foram levantados neste conto como a incapacidade de autocrítica e de inovação dos professores.
No Conto 4, ocorrido em uma instituição confessional dotada de educação básica e três cursos superiores, com grande tradição na cidade surgiu um grupo interdisciplinar, produtivo, mas que levou um susto, quando descobriu que teria que pesquisar, elaborar e ser avaliado todos os dias. Logo surgiu o medo de mudar. Todo o entusiasmo do início "caiu por terra", já que se havia cogitado a hipótese de uma nova pedagogia, acrescentando nova área em nível superior à instituição e atendendo tanto à educação básica, quanto à superior. O medo de mudanças foi o tema central deste conto:

Em meio a tamanhos conflitos, o recuo foi crescendo, até que, em certo momento, "sobrei". Fomos do céu ao inferno, no prazo de um ano. A convicção de que é preciso mudar foi menos forte do que o medo de mudar. Os professores, por sua vez, foram mostrando as resistências clássicas. (p. 44)

É certo que a Pedagogia transformadora incomoda aqueles que estão na estabilidade medíocre de um sistema educativo defasado, mas eficaz. Em contrapartida, interessa ao neoliberalismo que os cidadãos continuem sem formação adequada, sem questionamentos. Interessa, sim, ao neoliberalismo que as pessoas tenham poder de consumo de tecnologia, não de conhecimento, não de autonomia.
Não podemos esquecer do Conto 5, que mostra o medo do êxito:

Trata-se de notável experiência em escola básica confessional, onde encontrei algumas condições muito favoráveis à mudança: direção com coragem, responsável pedagógica muito esclarecida, e "dupla dinâmica" que conduzia as séries iniciais do ensino fundamental. Somadas estas energias, surgiu uma experiência deslumbrante, ao lado - como sempre - das resistências, que acabaram por se impor. Foi organizado um grupo-base, com quem trabalhei meses, para montar a idéia da aprendizagem reconstrutiva e desenhar o primeiro curso, dentro da expectativa de se disponibilizar para os professores, todo semestre, este tipo de oferta. O grupo era muito interessante. (p. 46-47)

Para este projeto, foram feitas algumas transformações para garantir seu objetivo. A metodologia da aprendizagem reconstrutiva foi aplicada, mudando as carteiras para mesinhas redondas; os professores foram devidamente preparados, pois precisavam estar aptos para as inovações; o professor tornou-se o facilitador, acompanhando de perto o andamento de cada um; a preocupação que os alunos avancem no currículo previsto foi latente, mas sem afobação ou rigidez e os livros didáticos tornaram-se, apenas material de pesquisa, não mais como elemento central da aula, como deve ser. Assim, a experiência começou a ser vista com êxito e, é claro, começou a ser questionada entre os colegas. Resolveu-se então fazer uma avaliação, a fim de testar as deficiências do projeto, entretanto, para o espanto de todos, o aproveitamento dos alunos foi muito acima do esperado. Pareceu claro: sem aula aprende-se melhor, desde que exista professor que saiba aprender e fazer o aluno aprender.
É importante ressaltar que o medo da mudança, superado, dá lugar ao medo do êxito, do sucesso e, consequentemente, ao medo de romper de vez com a pedagogia tradicional. É o que podemos observar a seguir:
...uma experiência exitosa nas primeiras séries não garante o mesmo sucesso em outros níveis. Afinal, nas primeiras séries, existe um professor para cada turma, enquanto mais para frente, há um professor para cada disciplina, tornando as coisas bem mais complicadas. Esta experiência estava ainda por se fazer. Não sei se teve continuidade, porque, como sempre acontece, sobrevieram abalos, no fundo tolos, mas que tornaram as condições bastante adversas.

Dado o exposto, percebemos que desde o medo de ser avaliado dia-a-dia, de pesquisar e elaborar projetos, até o medo do êxito, o que falta é trabalhar esses medos que a educação insiste em manter, para que tenhamos profissionais capazes de aprender e ensinar os alunos a aprender a ter autonomia, a ser dono do seu ato político, de se engajar numa sociedade neoliberal, sabendo questionar determinadas atitudes, e não apenas aceitá-las passivamente, por não ter o que argumentar.

A AVALIAÇÃO
Não muito distante de todos esses questionamentos, trazidos à luz por Demo (2000), da Pedagogia transformadora, estão os questionamentos feitos por Romão (1998).
Romão revela-nos os mitos da educação como: (a) Escola boa é aquela que exige muito e que "puxa" pela disciplina; (b) o bom professor é aquele que reprova muito; (c) a maior parte das deficiências dos alunos é decorrente das carências que eles trazem de casa; (d) a democracia exige respeito aos códigos socioculturais e às diferenças individuais; (e) avaliar é muito fácil e qualquer um pode fazê-lo; (f) por outro lado, avaliar é tão complicado que se torna, praticamente impossível fazê-lo de forma correta; (g) é preciso eliminar os aspectos quantitativos da avaliação e (h) na escola, avalia-se, apenas, o conhecimento adquirido pelo aluno, desprezando-se os aspectos de seu amadurecimento físico e emocional. Essa situação deve ser invertida, diz o autor.


Esses mitos da educação fazem-nos avaliar nossa condição como profissionais do ensino diretamente ligados ao processo de ensino-aprendizagem de milhares de cidadãos que não têm, em determinado momento, consciência de estar sendo feito o melhor ou o pior por eles e para eles na escola.

O autor, Romão (1998), demonstra também as concepções de avaliação como a avaliação na concepção Construtivista e na Positivista. Na concepção Contrutivista, a avaliação ocorre subjetivamente através da auto-avaliação, a avaliação é vista de forma qualitativa, preocupando-se tanto com o processo que acabam por desconhecer ou desqualificar os resultados. Em contrapartida, a avaliação, na concepção Positivista, ocorre objetivamente através da avaliação final do alunos, a avaliação se dá assim de forma quantitativa, apresentando função classificatória, baseada em padrões - científicos ou culturais - preocupam-se tanto com o fim que desqualificam o meio, o processo.
Além de apresentar as duas concepções metodológicas, Romão, sugere um equilíbrio entre estas concepções, propondo uma avaliação em três estágios, igualmente, importantes. A avaliação, dessa forma, tem uma função prognóstica, que avalia os pré-requisitos dos alunos, considerada a avaliação de entrada, avaliação de input; uma função diagnóstica, do dia-a-dia, onde são apresentadas as estratégias e os procedimentos, a fim de verificar quem absorveu todos os conhecimentos e incorporou as habilidades previstas nos objetivos inicialmente estabelecido; Romão, apresenta, ainda, uma função classificatória, avaliação final, que funciona como comprovação do nível alcançado pelos alunos, avaliação de output.
Assim como Romão, Demo também não separa a avaliação quantitativa da qualitativa, mas as vê como parte de uma mesma realidade.

É equívoco pretender confronto dicotômico entre qualidade e quantidade, pela simples razão de que ambas as dimensões fazem parte da realidade da vida. Não são coisas estanques, mas facetas do mesmo todo. Por mais que possamos admitir qualidade como algo "mais" e mesmo "melhor" que quantidade, no fundo, uma jamais substitui a outra, embora seja sempre possível preferir uma à outra" . (Demo, 1994, citado por Romão, 1998)

É certo que o modelo de avaliação utilizado pela maioria das escolas continua por valorizar a função classificatória, desconhecendo as funções prognóstica e diagnóstica, que tendem a demonstrar tanto a situação do aluno como a do professor, entretanto uma avaliação para considerar os aspectos qualitativos e quantitativos deve fazer uso das três funções avaliativas, apresentadas por Romão e a educação, para tanto, precisa inovar, como propõe Demo (2000):

Demonstrou-se que, cuidando bem da aprendizagem do aluno, de um lado, e, investindo no professor, de outro, é possível colher resultados significativos. Não é difícil melhorar a aprendizagem do aluno - temos teorias e experiências de sobra que apontam nessa direção. O problema é a mudança que isso acarreta. O grupo foi colocado sob severa vigilância, marcada pela mediocridade consumada, até que se considerou mais coerente suspender as atividades. (p.28)

Mediante os fatos expostos, avaliar requer acompanhamento por parte do professor, ele deve ter autocrítica e saber inovar como sugere Demo e utilizar as funções prognóstica, diagnóstica e classificatória como sugere Romão, a fim de garantir uma educação com qualidade total ao alunado, preparando-o para o mercado de trabalho e, mais do que isso, para enfrentar o que a vida tem a oferecer-lhe, uma vez que este é um ser político.

CONCLUSÃO
A partir do leitura do livro de Demo, percebe-se que a educação propõe mudanças, mas não as aceita, na maioria dos casos, acomodando-se à pedagogia tradicional, rejeitando a pedagogia transformadora, reconstrutiva, sugerida pelo autor.
Também não devemos esquecer que o autor constatou que os alunos não aprendem porque o professor não aprende e que "professor" é tudo que o aluno não deve ser nesse caso. O professor tem ainda muito medo de ser avaliado, por sentir-se exposto, pois ao ser avaliado, tem-se as veias abertas e isso, para alguém que se julga acima de qualquer julgamento, é, no mínimo, desconfortável.
É bom acrescentar ainda que tudo o que o neoliberalismo espera é que a escola mantenha-se neste estágio acrítico, sem transformação, de, apenas, aceitação dos fatos políticos, sociais e, principalmente, econômicos que circundam todos os brasileiros, pois, como disse muito bem Demo, o sistema não teme pobre que tem fome; teme pobre que sabe pensar. (p. 27)
Por tudo isso, é preciso reformular o sistema de ensino, começando pelos professores. Precisamos desconstruir o que existe para reconstrui-lo mais forte e coerente com o que se pretende de um sistema educativo de qualidade, valorizando o aluno, mas também o professor assim como todo o processo de reconstrução de ensino-aprendizagem no Brasil.

REFERÊNCIAS
DEMO, Pedro. Ironias da Educação: mudanças e contos sobre mudança. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

ROMÃO, J. E. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1998.





Para referência desta página:
BARRETO, Cintia. Mudanças: Didática e Avaliação. In.: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001.
Disponível em: . Acesso em: dia mes ano.



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