1080
REFACÇÃO TEXTUAL E GÊNEROS DISCURSIVOS:
UMA ABORDAGEM PRÁTICA
Idelma Maria Nunes PORTO
(Universidade Estadual de Londrina)
ABSTRACT: The present article integrates the studies of the research Project in applied Linguistics - of
ethnographic stamp - "Writing and grammatical teaching: a new look for an old problem" that focalizes
Portuguese teacher’s formation through diagnosis, intervention and reflection theoretical-practice, the
refinement of process teaching-learning of mother language, above what it refers to the linguistic analysis. In
that context, the discussions have been considering the discursive genre as a teaching object - articulation axis
and curricular progression - and the text, as a unit of meaning and teaching - integration element of reading
practices, linguistic analysis and textual production. The aim in this paper is to analyze a didactic sequence, of
narrating order, starting from linguistics-enunciation marks in relation to the production conditions (supports,
speakers, purpose and circulation place), the theme and the compositional construction, in the process of
possible sense effects, and pointing work suggestions, in a didactic sequence, in order to contribute in a
theoretical-practical way with the studies related to the process of teaching-learning of mother language.
KEYWORDS: linguistic analysis, narrative, didactic sequence.
1. Contextualização
A visão interativa da linguagem no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa tem
sido discutida desde os anos 80, sendo entendida como a integração, sem artificialidade, via
texto, das atividades básicas de ensino: leitura, análise lingüística e produção textual,
estabelecida entre professores e alunos no trabalho em sala de aula.
Mais recentemente, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997;
1998) apontam que o ensino seja pautado nos gêneros textuais, visando uma mudança no
ensino de língua portuguesa, fundamentado, até então, na gramática normativa.
Tal documento tem como princípio a concepção enunciativa de Bakhtin (2000, p.52),
em que a linguagem é vista como ação social: "A comunicação verbal na vida cotidiana não
deixa de dispor de gêneros criativos. Esses gêneros do discurso nos são dados quase como nos
é dada a língua materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe estudemos a
gramática".
Essa abordagem é adotada pelos PCNs (BRASIL, 1997; 1998) sob dois enfoques: o
uso da língua e a reflexão sobre a língua. Como instrumento prescritivo, o documento indica
alguns gêneros para a prática de leitura e produção de textos orais e escritos que, de certa
forma, abrem perspectivas para instrumentalizar os alunos para os usos efetivos de linguagem
no meio social.
Assim, na escola, aos alunos deveria ser propiciado o aprendizado de gêneros
discursivos existentes na sociedade, para poderem exercer plenamente a cidadania. No
entanto, há, ainda, um fosso entre a teoria e a prática docente.
Nesse sentido, com fundamentação da Lingüística Aplicada (Moita Lopes, 2000;
Celani, 2000; entre outros), sobre a formação continuada de professores, e com estudos
teóricos, sobretudo, de Bakhtin (1992), Rojo (2000), Rojo e Cordeiro (2004) e Dolz e
Schneuwly (1996; 2004), no projeto “Gramática e Ensino Gramatical”, que visa a
diagnosticar e intervir na abordagem do ensino gramatical, em séries do nível fundamental,
Perfeito (2005, p. 61) elabora uma proposta, partindo de idéias de Barbosa (2003), a ser
utilizada na análise de textos de variados gêneros, no espaço escolar:
1081
Contexto de produção e relação autor/leitor/texto - observação de aspectos relativos
ao/à: autor/enunciador, destinatário, provável objetivo, local e época de publicação e
de circulação; exploração das inferências, das críticas, das emoções suscitadas;
criação de situações-problema e de transformações, veiculadas a efeitos de sentido
do texto etc.
Conteúdo temático - temas que são tratados em textos pertencentes ao gênero em
questão.
Organização geral (construção composicional) - a estrutura, o arranjo textual.
Marcas lingüísticas e enunciativas - características do gênero (lingüísticas) e do
autor (enunciativas), o qual veicula seu texto, fundamentalmente, em determinado
gênero (recursos lingüístico-expressivos mobilizados).
O projeto, em andamento desde 2003, envolve alunos de graduação, especialização e
mestrado/doutorado e professores da rede pública e particular de Londrina e de outras cidades
do Paraná, com vistas ao diagnóstico e intervenção, em salas de aulas de 4ª e 8ª séries.
O presente recorte representa um processo de diagnóstico feito, pela autora, em uma
escola pública do sul da cidade de Londrina, no final de 2003, com gravação e transcrição das
aulas cuja análise teve como resultado uma monografia de conclusão de Especialização, em
2004. No ano de 2005, os membros do grupo continuavam o diagnóstico e faziam a
transcrição e a discussão dos resultados em outras escolas. Em 2006, a autora ingressou no
mestrado, dando prosseguimento à fase de intervenção.
Na escola em que desenvolvemos o trabalho, a professora com quem havia sido feito o
diagnóstico, em uma 4ª série, aposentou-se no início de 2005, mas deu abertura para que suas
aulas, gravadas e transcritas, fossem lidas e analisadas pelo grupo de professoras de ensino
fundamental (1ª a 4ª série).
Nosso foco, nas discussões, inicialmente, foi a percepção de como estão situados os
gêneros discursivos na visão interacionista da linguagem e, sobretudo, de como planejar, via
gêneros, as atividades de análise lingüística, com a abordagem prática de variados gêneros de
diferentes ordens. Após essa discussão, o grupo de professoras decidiu trabalhar no sentido de
elaborar um currículo cujo eixo seriam os gêneros discursivos.
Para atingir tal objetivo, no entanto, estamos acompanhando o planejamento e o
desenvolvimento do trabalho prático para dirimir dúvidas sobre a abordagem do gênero como
eixo de progressão e articulação curricular, integrando as atividades de leitura, de análise
lingüística e de produção/refacção textual. E, nesse sentido, propiciamos maiores discussões
sobre o ensino gramatical contextualizado.
As professoras decidiram que a primeira unidade a ser abordada seria a fábula. Dessa
forma, estamos acompanhando-as, desde a escolha, a “dosagem” e as atividades propostas nos
dois primeiros ciclos do ensino fundamental, sobretudo, em relação à análise lingüística, uma
das maiores dificuldades evidenciadas por elas no trabalho.
No artigo em pauta, então, apresentamos algumas reflexões sobre a abordagem levada
a efeito por uma professora do grupo, desde a leitura à refacção textual, antes do processo de
intervenção, e apontamos algumas possibilidades de encaminhamento.
Paralelamente, na escola, estamos discutindo com as professoras, tais atividades e
propondo abordagens (com as devidas reformulações/adequações e aprofundamentos),
relativas ao conteúdo temático e às suas condições de produção, juntamente ao arranjo textual
e às marcas lingüísticas, no processo de exploração de aspectos pertinentes à fábula.
2. Gêneros discursivos e refacção
O trabalho do professor de língua portuguesa constitui-se em multiplicar, aumentar e
acrescentar os recursos expressivos de que a criança não dispunha. O aluno deve, a
longo prazo, estar em contato com as formas que coloquialmente não usa, e saber
usá-las em situações formais. (MURRIE, 1994, p.20)
1082
A apropriação da escrita pelo aluno acontece em vários momentos, todos eles
mediados pelo professor: o da motivação para a produção do texto; o da reflexão, que deve
preceder e acompanhar todo o processo de produção; e, finalmente, o da revisão,
reestruturação e reescrita do texto, que acaba se constituindo, também, em um produtivo
momento de reflexão.
Segundo os PCNs (BRASIL, 1997), as atividades de análise lingüística são aquelas
que consideram determinadas características da linguagem como objeto de reflexão. Essas
atividades apóiam-se na capacidade humana de refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os
fenômenos da linguagem (atividades epilingüísticas); e na propriedade que a linguagem tem
de poder referir-se a si mesma, de falar sobre a própria linguagem (atividades
metalingüísticas).
Nesse sentido, é possível organizar um trabalho didático cujo objetivo principal é
melhorar a capacidade de compreensão e expressão dos alunos, em situações de comunicação
tanto escrita como oral.
Em relação à escrita de textos, a prática de análise e reflexão sobre a língua permite
que se explicitem saberes implícitos dos alunos, abrindo espaço para sua
reelaboração. Ela implica uma atividade permanente de formulação e verificação de
hipóteses sobre o funcionamento da linguagem que se realiza por meio da
comparação de expressões, da experimentação de novos modos de escrever, da
atribuição de novos sentidos a formas lingüísticas já utilizadas, da observação de
regularidades (no que se refere tanto ao sistema de escrita quanto aos aspectos
ortográficos ou gramaticais) e da exploração de diferentes possibilidades de
transformação dos textos (supressões, ampliações, substituições, alterações de
ordem, etc.). (BRASIL, 1997, p. 53)
E quanto às atividades de leitura, o trabalho de reflexão sobre a língua é importante
por possibilitar a discussão sobre diferentes sentidos atribuídos aos textos de acordo com os
elementos mobilizados. O trabalho didático de análise lingüística a partir dessas
considerações se organiza tendo como ponto de partida a exploração ativa e a observação de
regularidades no funcionamento da linguagem.
Desse modo, os objetivos de Língua Portuguesa para o segundo ciclo, estabelecidos
pelos PCNs são: produzir textos escritos, coesos e coerentes, dentro dos gêneros previstos
para o ciclo, ajustados a objetivos e leitores determinados; escrever textos com domínio da
separação em palavras, estabilidade de palavras de ortografia regular e de irregulares mais
freqüentes na escrita e utilização de recursos do sistema de pontuação para dividir o texto em
frases; e revisar seus próprios textos a partir de uma primeira versão e, com ajuda do
professor, redigir as versões necessárias até considerá-lo suficientemente bem escrito para o
momento.
Se o objetivo é que os alunos utilizem os conhecimentos adquiridos por meio da
prática de reflexão sobre a língua para melhorar a capacidade de compreensão e expressão,
tanto em situações de comunicação escrita quanto oral, é preciso organizar o trabalho
educativo nessa perspectiva.
Sob esse enfoque, os PCNs relativos ao 3º e 4º ciclos (1998, p.60) sugerem
encaminhamentos (possíveis) para a tarefa: discussão e encaminhamento de soluções para um
texto de uma aluno selecionado por ser representativo das dificuldades coletivas; análise e
discussão de problemas selecionados, propondo questões que orientem o trabalho; registro das
respostas apresentadas pelos alunos às questões propostas e discussão das diferentes
possibilidades em função de critérios de legitimidade e de eficácia comunicativa; reelaboração
do texto, incorporando as alterações propostas; selecionar um conjunto de trechos de vários
alunos para desenvolver com mais profundidade questões morfossintáticas; e quando os
1083
alunos já tiverem um domínio de práticas de refacção coletiva, ampliar o grau de
complexidade da tarefa, propondo sua realização em duplas, em pequenos grupos,
encaminhando-se para a autocorreção.
Os PCNs relacionam os gêneros previstos para a prática da produção de textos.
Atribuem, no entanto, ao professor, a tarefa de planejar e desenvolver atividades que levem os
alunos a refletir sobre seu próprio texto – tais como atividades de revisão, de reestruturação
ou refacção do texto, de análise coletiva de um texto selecionado – e sobre outros textos, de
diversos gêneros, que circulam no contexto escolar e extra-escolar.
Depreende-se, portanto, que a reescrita insere-se no processo de produção textual, com
a intervenção do professor no texto discente, apontando problemas ortográficos, de
concordância, de acentuação, coerência, de paragrafação, de pontuação, sempre referentes ao
contexto de uso e ao gênero para que, gradativamente, os alunos possam avaliar a adequação
do uso de uma forma ou de outra, de acordo com as condições de produção.
A tarefa de ensinar o aluno a identificar os problemas do texto, usando para isso o
conhecimento que possui sobre a língua, exige do professor a prática constante de leitura de
textos, o estudo das características dos gêneros, a competência como escritor.
O hábito de ler muito, e ler gêneros variados, favorece a atuação do professor como
parceiro experiente dos alunos. Quanto mais o professor souber sobre os textos que ensina,
melhor será a qualidade de sua intervenção.
3. Abordagem em sala de aula
Na fase de intervenção, como a professora cujas aulas foram analisadas havia se
aposentado, decidiu-se observar as aulas da atual professora da 4ª série, para se ter parâmetros
de comparação das atividades desenvolvidas antes com as a ser levadas a efeito após as
discussões de análise lingüística, sobretudo, na refacção.
O corpus constitui-se da observação/diagnóstico de 9 horas-aula, gravadas em áudio e
transcritas, em novembro de 2006, após ter sido iniciado o processo de estudo em grupo com
as professoras de 1ª a 4ª série (junho de 2006). Nas conversas iniciais, as docentes afirmaram
não conhecer o que seriam gêneros e nem como poderia ser organizado o currículo sem ter
como base o conteúdo gramatical. A abordagem foi feita, então, com a leitura do texto de
Perfeito (2005) sobre concepções de linguagem.
As discussões partiram de um resgate histórico do ensino de gramática à proposta
contemporânea de abordá-la de forma contextualizada, chegando-se aos conceitos de gênero e
de como ensiná-la nessa perspectiva. Primeiramente na leitura e depois na refacção.
Dessa forma, no trabalho em questão, nosso foco, embora tenhamos trabalhado com
seqüenciais didáticas, é a refacção textual.
Descrição da seqüência didática
Leitura
A Raposa e a Cegonha
Certa vez, uma Raposa que era amiga de uma cegonha resolveu pregar-lhe uma peça
e convidou-a para jantar na toca. Quando a cegonha chegou, a anfitriã serviu uma
deliciosa sopa num prato raso.
– Hum que delícia?! – disse a raposa, lambendo o prato. O que você acha, amiga
cegonha? Por mais que se esforçasse, só conseguia bicar a comida.
– Ai amiga raposa... – murmurou a cegonha. – Esse prato é muito raso. Não dá para
comer nada.
Mesmo assim a raposa contendo risadas insistia para que a cegonha comesse, mas
como não conseguia acabou desistindo.
1084
Quando foi embora a cegonha agradeceu muito a gentileza e disse que fazia questão
de retribuir o jantar no dia seguinte.
Assim que chegou a casa da cegonha a raposa lambendo os beiços mal podia esperar
o jantar, Para o seu desapontamento ele foi servido em jarras altas de gargalho
estreito onde a cegonha podia tomar sopa sem nenhum problema.
– Hum, como está gostosa! O que você acha amiga raposa?
– O que posso dizer? – resmungou a raposa tentando em vão enfiar a cabeça na boca
do jarro.
– Que pena! – disse a cegonha com toda a calma.
Amoladíssima e com fome a raposa foi para a casa. O feitiço virava contra o
feiticeiro.
Moral: Não faça aos outros o que não deseja que os outros lhe façam.
Fábula de Esopo, recontada pelas autoras
Com a fábula “A raposa e a cegonha”, a professora inicia o trabalho de leitura
(silenciosa, com leitura representativa pelos alunos e oral pela professora). Na seqüência, faz
a abordagem do texto, com as seguintes questões:
1) O que é uma fábula?
2) O que o autor quer discutir com a fábula “A raposa e a cegonha”?
3) Qual o problema vivido pela cegonha?
4) E que sentimento da raposa foi evidenciado na fábula?
5) Qual a lição a fábula tem intenção de ensinar ao leitor?
6) Que pontuação foi usada na fábula para indicar a fala dos personagens?
7) Quantos parágrafos têm esse texto?
8) Nessa fábula, o autor se preocupou em descrever os personagens da história?
9) Retire do texto:
a) substantivos próprios
b) procure no dicionário o significado de anfitriã
As questões são trabalhadas oralmente pela professora. A questão 1, por exemplo, só
faz sentido nesse tipo intervenção adotado pela docente (ela responde e depois os alunos
escrevem), pois é ampla e não são dados parâmetros para que eles tenham um conhecimento
em que se apoiar para respondê-la. Uma estratégia seria trabalhar, antes de iniciar a leitura,
com três fábulas diferentes, transcritas no quadro para que os alunos pudessem compará-las e
identificar semelhanças de arranjo textual e de marcas lingüísticas. Com base nessas
informações, poderiam chegar a uma conclusão/definição de como são denominados os textos
que apresentam tais “características”.
.. fábulas são histórias que foram contadas por um adulto no sentido de que... de
aconselhar... de alertar sobre algo... né que poderia acontecer na vida real das
pessoas... e uma fábula nem sempre nós sabemos quem criou [...] no caso aqui tem a
fábula do Esopo recontada pelas autoras... nós vamos o que é essa fábula do Esopo...
numa fábula... ela põe os animais para falar sobre certos comportamentos humanos...
[...]
... fábula de Esopo... quer dizer são contadas e readaptadas por seus continuadores...
são curtas e bem humoradas... são recontadas.... e essa fábula do Esopo... o mais
famoso contador de fábulas do mundo foi o Esopo... era um escravo que viveu na
Grécia há mais de 2500 anos...
Como o trabalho do professor em sala de aula é, muitas vezes, intuitivo, verificamos
uma percepção de marcas lingüísticas do gênero, mas falta um conhecimento maior delas. Na
questão 2, por exemplo, há um direcionamento para que o aluno perceba o tema, que é bem
caracterizado nas fábulas: o conteúdo da história apresenta algo que acontece entre dois, no
1085
máximo, três animais e que tem a ver com as características deles (por exemplo: gatos e ratos
– tema: os fortes vencem os fracos).
A questão (2) é ampla e, pela maneira como foi elaborada, permite uma proximidade
com a questão 5, que aborda a moral da história: frase que é colocada no final no texto,
geralmente destacada, sendo uma espécie de crítica ou conselho do fabulista para o leitor.
Nesse texto, especificamente, a moral vem identificada, em outros, porém, pode não vir
expressa, exigindo inferências. Poderia ser trabalhado o sentido da palavra moral, com uma
questão do tipo: “o texto termina com uma lição. A palavra lição pode ser substituída por uma
outra expressão encontrada no último parágrafo do texto. Qual é esta outra palavra?”
A questão 3, por sua vez, assinala apenas um conflito (o vivido pela cegonha) e não
contempla o segundo conflito (o vivido pela raposa). Momento em que poderiam ser
exploradas as características antagônicas dos personagens das fábulas, que organizadas na
narrativa evidenciam o tema e a moral. A não percepção desse aspecto interferirá no trabalho
de produção e refacção textual, como veremos adiante.
Quando aborda a pontuação para indicar a fala dos personagens (questão 6), não basta
apenas identificar mas também apontar para mudanças importantes que acontecem na
narrativa, com relação ao tempo verbal: do pretérito perfeito para o presente e o efeito de
sentido produzido.
Na questão 7, além de identificar a quantidade de parágrafos, poderia se verificar
como os elementos da estrutura tradicional dos gêneros da ordem do narrar são organizados
nesse arranjo. Percebemos, então, que o texto apresenta duas personagens em uma seqüência
narrativa composta de 11 parágrafos:
1º parágrafo: apresentação de uma personagem genérica e de suas atitudes.
2º parágrafo: introdução do conflito (Quando a cegonha chegou, a anfitriã serviu uma
deliciosa sopa num prato raso)
4º parágrafo: o clímax (Mesmo assim a raposa contendo risadas insistia para que a
cegonha comesse, mas como não conseguia acabou desistindo)
5º parágrafo: resolução da complicação (Quando foi embora a cegonha agradeceu
muito a gentileza e disse que fazia questão de retribuir o jantar no dia seguinte)
6º parágrafo: introdução de um novo conflito (Para o seu desapontamento ele foi
servido em jarras altas de gargalho estreito onde a cegonha podia tomar sopa sem nenhum
problema)
10º parágrafo: resolução desse conflito e comentário final (Amoladíssima e com fome
a raposa foi para a casa. O feitiço virava contra o feiticeiro)
11º parágrafo: a moral ou ensinamento (Não faça aos outros o que não deseja que os
outros lhe façam)
A questão 8 parece ser uma tentativa de evidenciar que nas fábulas, animais aparecem
como personagens, com atitudes que servem de comparação com o comportamento humano, e
por isso não há necessidade de descrevê-las com muitos detalhes, pois já são bastante
conhecidas. Para atingir tal objetivo, no entanto, poderia ser solicitado ao aluno explicar o
porquê da resposta.
Já na questão 9, retirar do texto os substantivos próprios não acrescenta conhecimentos
ao aluno e parece ter sido utilizada para aferir se os alunos sabem o que é substantivo e um
pretexto para que a professora explique essa classificação gramatical. Só saber o significado
de anfitriã também não contribui no processo de aprendizagem quando se pretende formar
leitores competentes. Poderia ser feita uma pergunta que explorasse os possíveis sentidos das
escolhas lexicais do autor (marca enunciativa), como: “A palavra anfitriã pode ter sentidos
diferentes: 1) o dono da casa; 2) quem dá ou dirige um banquete; ou 3) quem paga as despesas
de uma refeição. Identifique qual sentido é mais adequado ao texto. Justifique.”
1086
Após fazer a explanação oral, a atividade proposta é responder por escrito tais
questões1. Nesse momento, os alunos sentem dificuldades em relação às questões 1, 2 e 5, as
que abordam justamente aspectos inerentes ao gênero fábula.
Em suma: como havíamos iniciado o processo de intervenção, com uma discussão
sobre gêneros, percebemos que a professora incorpora alguns conceitos em sua aula:
P: vocês já me explicaram.. fábulas são histórias que foram contadas por um adulto
no sentido de que... de aconselhar... de alertar sobre algo... né que poderia acontecer
na vida real das pessoas... e uma fábula nem sempre nós sabemos quem criou [...] no
caso aqui tem a fábula do Esopo recontada pelas autoras ... nós vamos o que é
essa fábula do Esopo... numa fábula... ela põe os animais para falar sobre certos
comportamentos humanos... então há o que fala de... de.... de animais ali numa
fábula... quem mais sabe falar sobre fábula?... o que mais vocês poderiam falar?...
Os conceitos abordados dizem respeito, no entanto, ao contexto de produção e em
alguns momentos enfoca o arranjo textual (na proposta de produção textual). O trabalho com
as marcas lingüísticas (do gênero) e com as marcas enunciativas (do autor) ainda é pouco
perceptível.
A estrutura tradicional dos gêneros da ordem do narrar (apresentação/orientação;
conflito/complicação; resolução/desfecho, acrescidas da avaliação do narrador), juntamente à
marca lingüística de tempo verbal (pretérito perfeito, como fato acabado, findo) não se
menciona. Assim como não é explorada a utilização do presente (marca enunciativa, em toda
a complicação, com o uso do discurso direto, entremeado na voz do narrador), indicando,
possivelmente, a busca de proximidade com o leitor, no momento do conflito.
Produção de textos
Nas aulas seguintes, a professora retoma alguns pontos das aulas anteriores e pede
para os alunos produzirem uma fábula, primeiro em rascunho e depois na folha a ser entregue.
Orienta sobre a estrutura do gênero: personagens, ambiente, tempo, época, conflito,
complicação, desfecho e moral da história. Conforme foram terminando, ela corrigiu o
rascunho para, então, procederem a versão definitiva. Também fizeram um desenho de acordo
com a história produzida e algumas histórias foram lidas e comentadas.
Um aspecto positivo da produção é a opção por fazer um rascunho antes da versão
final. Esse recurso poderia ser mais valorizado/utilizado como processo de criação/produção,
quando o autor/aluno lê, modifica, apaga, rabisca, anota, faz modificações para melhorar o
texto.
A proposta: Escreva uma fábula que tenha duas personagens e seja narrada por
um narrador – observador, ou seja, que conte o acontecimento como se tivesse
visto o que aconteceu.
Nesse caso, a professora faz opção por texto de criação, conforme os PCNs (BRASIL,
1998), em que o aluno deve articular o que dizer ao como dizer. Exige-se, por conseguinte,
criatividade e originalidade, com surpresa, interesse e suspense, nos movimentos do arranjo
textual e nas marcas lingüístico-enunciativas.
Observações importantes são apontadas para orientar o trabalho dos alunos: o narrador
não participa da história, é observador, e há duas personagens. Essas orientações parecem
1 Procedimento adotado por essa professora e também pela observada anteriormente, assim como pelo grupo de
professoras de 1ª a 4ª série, por considerarem que esse recurso facilita o trabalho dos alunos para compreender e
responder as questões.
1087
insuficientes para alguns. Outros, aparentemente, já com alguma experiência com o gênero,
atingiram o objetivo.
A proposta vinculou-se à leitura e análise do gênero realizada anteriormente, mas
ainda assim, há pouca familiaridade de alguns alunos com a organização textual e as marcas
lingüísticas da fábula, como podemos verificar no texto produzido por um aluno, analisado a
seguir:
Fig. 1 – produção de um aluno
No texto, há dois personagens pouco caracterizados, não sabemos se são animais ou
pessoas, apenas que são dois irmãos. Isso contraria uma das marcas da fábula que é apresentar
um fato desenrolado por animais de características diferentes das quais pode se identificar o
tema. O título não é adequado já que não justifica porque tatu e bolinha são preguiçosos.
Podemos, no máximo, fazer uma inferência pelo fato de os dois não lavarem a louça para a
mãe.
A narrativa começa com o pretérito perfeito (foram, falou) e quando o personagem
fala, usa o discurso direto, no tempo presente (lava), embora não use a pontuação para
sinalizar. E flexiona adequadamente verbos (foram, vamos, subiram).
O aluno não utiliza ponto final ou vírgula e sim conjunção coordenada e para ligar as
frases. Ainda apresenta incorreções ortográficas por pronunciar igualmente fonemas distintos
(ceguinte – s/inicial) representados por letras diferentes e as chamadas “dificuldades” (quaiu –
c/qu, sobir – o/u). Esses aspectos, caso não sejam recorrentes na turma, devem ser trabalhados
na refacção individual, com os assinalamentos da professora, e serão discutidos com o grupo
de professoras, com maior profundidade, em um segundo momento da intervenção.
Sob o ponto de vista da adequação à proposta da professora e ao gênero, da inclusão
dos elementos da narrativa, do arranjo textual e dos problemas formais, faltou a escolha da
temática, o tipo de problema e o final, ou seja, a moral.
Em síntese, podemos constatar que o aluno:
1088
· dá saltos no tempo, criando lacunas narrativas (um dia no parque Artur Tomas, no
outro brincam perto de casa)
· introduz mal os personagens (quem são tatu e bolinha? Um tatu e um cachorro? Ou
trata-se de um tatu-bola?)
· não cria conflito, trama narrativa (o tatu desmaiou e o que aconteceu com o
bolinha? Desmaiou também?)
· não há um tema (seria a preguiça mencionada no título a tentativa de apresentar
um tema?)
A leitura de outros textos do mesmo gênero, a discussão do arranjo textual, dos temas,
da composição dos personagens, seria uma fase importante para a elaboração desse trabalho,
já que alguns alunos tiveram dificuldades. Como uma primeira produção, poderiam ser
propostos vários temas com os respectivos personagens para que os alunos desenvolvessem a
narrativa e apresentassem uma moral.
A refacção
Para a refacção textual, a professora escolheu dois textos para ser analisados,
de forma coletiva, tendo como critério o fato de não atender a proposta inicial:
P:... porque que eu escolhi... eu não sei de quem que é... eu não vi o nome... a
maioria que eu... que nós vimos... faltou o que... um conflito... agora... de todos
textos que nós trabalhamos... que nós vimos... eu vou ler alguns para estar
analisando... que nós vamos fazer a refacção textual... por que?... porque dentre
todos os textos... eu escolhi os que precisam ser analisados... que nós precisamos
verificar... o que precisa mudar... então dentro desses textos que eu vou retornar pra
vocês tá... que nós vimos... que que nós vamos estar analisando?... o que nós vamos
estar olhando?... será que está dentro do conteúdo que nós trabalhamos?... o que nós
trabalhamos? Qual tipo de texto... gênero de texto que nós trabalhamos?
A: fábula
Analisaremos aqui, o texto “Os dois preguiçosos: Tatu e Bolinha”. A professora faz a
leitura oral e, após prossegue fazendo análise e discussões com os alunos, enquanto uma aluna
faz a transcrição com as alterações sugeridas pelo grupo, no quadro. Seu foco é
principalmente o arranjo textual:
P: é... então olha... o que nós analisamos ontem... hoje... nós estamos retornando o
que que deve ser revisto no texto... o que precisa melhorar... o que que eu passei
ontem lá... que um fábula precisa ter o que? personagens... que mais?...
personagens... qual que é a estrutura do texto?
A: tem que te... te um conflito
P: é... tem que ter um conflito... que mais?
A: tem que te... moral
P: uma moral... que mais?
[...]
P: olha aqui... tem parágrafo?... não tem... só tem um parágrafo... cada idéia você vai
colocar num parágrafo... o texto está falando de dois animais não é?... dois
preguiçosos... tatu e bolinha... esse bolinha tá explicitando que animal é?... não... o
que que nós vamos ter que fazer com esse texto?... esse texto tem um conflito.. tem
uma moral... tem uma complicação... tem? Nesse texto?... não... no caso como
ficaria esse texto... vamos estar retomando esse texto rapidinho... vamo retomar...
A professora faz também observações quanto a aspectos gramaticais:
P: como é que ficaria aqui... um dia ensolarado tatu e bolinha foram no parque artur
tomas mas tatu não queria entrar... isso aqui nós vamos ter que reestruturar de que
forma?... colocando uma seqüência... pontuação... verificando os erros ortográficos
1089
que temos aqui... reestruturando de uma forma que quem lê esse texto entende
corretamente... como é que nós colocaríamos... um dia emsolarado... nós usamos m
antes de p e b... aqui tem p e b?...
A: não
Após várias tentativas e sugestões, chegam à reestruturação do texto, com
mudanças significativas na versão anterior:
Os dois preguiçosos: Tatu e o cachorro
Um dia ensolarado Tatu e o Cachorro foram no
parque Artur Tomas.
Chegando lá o guarda florestal não deixou o
Tatu e o Cachorro entrar no parque.
O Tatu de repente teve uma idéia. Entrar na hora
que o guarda estava distraído.
Eles conseguiram entrar, mas se perderam um do
outro.
Os guardas florestais encontraram eles e levaram
para uma sala. Lá, ficaram presos até anoitecer.
MORAL: Não devemos desobedecer aos outros
Fig. 2 – reestruturação coletiva
Na segunda versão, com intervenção da professora, permanece no título a
caracterização dos personagens como preguiçosos, sem que se justifique no decorrer do texto.
O aluno visivelmente faz a opção por um tema em sua primeira versão (preguiça) e aqui fica
descontextualizado. Apesar de apresentar uma moral, a história não se caracteriza como uma
fábula.
Dessa forma, a professora poderia trabalhar com o tema (preguiça) sugerido pelo
aluno, e levantar uma discussão sobre os animais que apresentam tal característica e os que
apresentam características opostas (antagonistas) para, então, dentro das opções, escolherem
os possíveis personagens da fábula. E, na seqüência, desenvolver a narrativa, com o conflito e
o desfecho de acordo com o ensinamento que se quer apresentar.
As marcas lingüísticas da fábula ainda não estão suficientemente claras para a docente
e, consequentemente, para os alunos. Por isso, seria interessante no trabalho de refacção
coletiva trabalhar com o tema das fábulas, em atividades como as exemplificadas a seguir:
1) Relacione os animais às suas características:
(a) Raposa () Medroso(a)
(b) A lebre () Trabalhador(a)
(c) Cigarra () Forte
(d) Leão () Preguiçoso(a)
(e) Formiga () Esperto(a)/trapaceiro(a)
2) Associe os temas às histórias:
1090
a) a cigarra que sonhava em ser cantora, e
passou todo o verão cantando com suas
amigas. O inverno chegou e ela se deu
conta de que não trabalhou e por isso não
tinha comida. Com frio e com fome,
resolve ir à sua vizinha, a formiga para
pedir ajuda.
b) O corvo que adora saborear seu delicioso
almoço. Mas seu colega, a raposa começa
a paparicá-lo com muitos elogios. Ele
acredita e fica contente. Parece que a
raposa quer alguma coisa em troca de
tanta bajulação.
c) Uma rã bem pequenina, vê um boi
imenso, numa festa e sonha. Queria ser
daquele tamanho.
d) Um cordeiro, que almoçava
tranqüilamente com seus amigos, é
acusado pelo lobo, de coisas que não fez.
e) Um leão um dia ajuda um ratinho. Um dia
o poderoso leão recebe algo em troca de
sua ajuda. A vida prega peças, e a
coragem do rato salva a vida do leão,
recompensando seu gesto.
() a solidariedade
() nem sempre se deve acreditar nas
palavras só por serem belas
() aquele que se esforça se dá bem
() sonho de mudar de vida
() injustiça
() a importância do trabalho
Após atividades como essas, poderia, então, ser resgatado o texto “Os dois
preguiçosos: tatu e bolinha”, para com os alunos desenvolver o tema, os personagens, e
reestruturá-lo.
4. Considerações finais
O professor, como mediador entre o sujeito e o objeto de ensino, deve pensar em
atividades seqüenciadas de leitura, análise lingüística e produção, a ser abordadas sempre em
relação ao gênero. A professora em questão tem essa visão, mas ainda falta fundamentação
para desenvolver atividades de análise lingüística, tanto na leitura como na refacção textual.
O trabalho ora apresentado é resultado do processo de intervenção em uma escola e ao
se caracterizar como tal, está em constante discussão. Apresentamos algumas abordagens de
refacção textual, levadas a efeito em sala de aula, com um gênero e em nível coletivo, antes
do processo de intervenção, com análise de sua adequação e de possíveis encaminhamentos.
O próximo passo é a discussão da refacção individual em que se pretende, com o grupo de
professoras, adotar estratégias com variação do grau de complexidade das atividades, da 1ª a
4ª série, tendo o gênero como eixo de progressão curricular (outros gêneros estão previstos
para ser trabalhados).
Após essas discussões, procederemos novo diagnóstico para verificar o
encaminhamento pedagógico efetivado pela professora depois do processo de intervenção.
Referências
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
1091
BARBOSA, J.P. Receita. São Paulo: FTD, 2003. (Coleção Trabalhando com gêneros do
discurso).
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: primeiro e segundo ciclos.
Brasília: MEC/SEF, 1997.
____. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: terceiro e quarto ciclos.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um
interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.
CELANI, Maria Antonieta Alba. A relevância da lingüística aplicada na formulação de uma
política educacional brasileira. In: FORTKAMP, M. B. M.; TOMITCH, L.M.B. (Org.)
Aspectos de lingüística aplicada. Estudos em homenagem ao professor Hilário Inácio Bohn.
Florianópolis: Insular, 2000.
DOLZ, B.; SCHNEWLY, D. Genres et progression en expression orale et écrite: eléments de
réflexion à propos d'une expérience romande. Genebra, Suíça: Enjeux, 1996. p. 31-39. Trad.
de Roxane Rojo (mimeo.).
DOLZ, B.; SCHNEWLY, D. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita: elementos
para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). Gêneros do oral e do escrito na
escola. Trad. e org.de Rojo, R. e Cordeiro, G. L.. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
MOITA LOPES, L.P. Oficina de Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional dos
processos de ensino-aprendizagem de língua. Campinas: Mercado de Letras, 2000.
MURRIE, Zuleika de Felice (org.) O ensino de português: do primeiro grau à universidade).
São Paulo: Contexto, 1994. (Coleção repensando o ensino).
PERFEITO, Alba M. Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de língua
portuguesa. IN: Concepções de linguagem e ensino de língua Portuguesa (Formação de
professores EAD 18). v.1. ed1. Maringá: EDUEM, 2005. p 27-79.
ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de
aula: progressão curricular e projetos. In: ____(Org.) A prática de linguagem em sala de aula:
praticando os PCNs. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado de Letras, 2000, p. 27-38. (As
faces da lingüística aplicada).
ROJO, R.; CORDEIRO, G.S. Apresentação: gêneros orais e escritos como objetos de ensino:
modo de pensar, modo de fazer. In: Gêneros orais e escritos na escola. Bernard S., Joaquim
D. et al.. Trad. e org. de Rojo, R. e Cordeiro, S. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 7-18.
Obrigado por sua visita, volte sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário