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sábado, 5 de abril de 2008
RELAÇÃO SABER - PODER PRESENTE NAS INSTITUIÇÕES DISCIPLINARES/ SOCIEDADE.
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA-3º PERÍODO
DEPARTAMENTO DE FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS
EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROFESSORA: MARIA DE FÁTIMA COSTA DA PAULA
ALUNA: ELIETE MARCELINO DIAS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO:
RELAÇÃO SABER - PODER
PRESENTE NAS
INSTITUIÇÕES DISCIPLINARES/ SOCIEDADE.
08/2002
A Relação Saber-Poder presente nas Instituições Disciplinares / Sociedade.
SABER: Soma de conhecimentos; erudição; cultura; experiência; prudência, sensatez; (filos.) Conjunto coerente de conhecimentos adquiridos em contato com a realidade ou pelo estudo. (Opõe-se à ignorância, à opinião e à fé). (LAROUSSE. 1998; Vol.21; p. 5172).
PODER: (vi) Ter possibilidade. Possuir força física ou moral; ter influência valimento; Dispor de autoridade ou força; Poder com, agüentar com, exercer autoridade ou força física sobre.
______: Faculdade, capacidade de produzir determinados efeitos, Direito de deliberar, agir e mandar. Vigor, potência. Domínio, influência, força. (...) Autoridade, soberania, poderio. (LAROUSSE. 1998; Vol.19; p.4661; 1998).
INSTITUIÇÃO: Conjunto de regras e normas estabelecidas para a satisfação de interesses coletivos. Organização, estabelecimento, sociedade de caráter social, educacional, religioso, etc. (LAROUSSE. 1998; Vol.13 p.3181)
DISCIPLINAR: Concernente à disciplina, regulamento disciplinar. (vt.) Submeter à disciplina; Ensinar metodicamente; fazer obedecer ou ceder; sujeitar; castigar com disciplina. (LAROUSSE. 1998 Vol. 8 p.1929).
SOCIEDADE: Conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo; corpo social. (FERREIRA, A.B.H. 1986; p.1602).
INTRODUÇÃO:
Foram sugeridos, pela Prof. Maria de Fátima, os seguintes temas para o trabalho final:
Desencantamento e Reencantamento do mundo;
Vocação Política e Vocação Científica da Universidade;
Neutralidade, Objetividade e Subjetividade nas Ciências;
Relação Saber-Poder / Instituições Disciplinares;
Campo Científico e Poder e
Estatuto Epistemológico da Pedagogia.
A princípio, dois temas chamaram minha atenção: a Relação Saber/Poder e o Estatuto Epistemológico da Pedagogia. Este último, por ser um tema abordado no XXII ENEPe do qual participei em julho. O primeiro, porque conseguiu tocar-me mais profundamente.
No momento em que ouvi a explicação do que seria essa relação e como ela está presente em todos os momentos de nossa vida, não resisti. Imediatamente veio em minha memória um trecho da música “A carta” que Djavan escreve “a quatro mãos” com Gabriel Pensador e que virá, adiante, na reflexão sobre o tema escolhido.
Não pretendo, neste trabalho, usar a mega teoria ou conceitos acadêmicos muito formais. Meu objetivo, adianto, é refletir sobre a Relação Saber-Poder na Instituição Sociedade, tomando alguns exemplos das Instituições Disciplinares tradicionais, como a Escola, a Família, a Igreja e outros.
Tentarei ser breve em minhas considerações, expondo ao longo do texto falas e comentários dos filmes que assisti, com o objetivo de iluminar melhor minhas idéias. Alguns deles indicados em sala de aula, como CHOCOLATE, direção de Lasse Halligtröm e BICHO DE SETE CABEÇAS, de Lais Bauanzky. Dentre outros, como PINK FLOYD -THE WALL, de Alan Parker e ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO, de Peter Coher.
Busquei o significado de cada palavra que compõe o tema deste trabalho a fim de facilitar a minha compreensão e o desenvolvimento do mesmo. Consciente do “meu inacabamento humano”, deixo claro que este é um assunto muito complexo e que, para ser um trabalho completo, exigiria de mim uma dedicação maior e, até uma observação mais detalhada, tanto das fontes que utilizei quanto de um campo específico (o que não condiz com o meu objetivo).
Escrever sobre a Relação Saber-Poder me fez voltar no tempo e entender a crueldade inconsciente que eu, enquanto professora, exercia sobre meus alunos. Percebi também a força que alguns pais usam torturando seus filhos. Podando-os, não os deixando crescerem autônomos, talvez até por um complexo edipiano. As imposições incabíveis que religiões adotam, privando as pessoas de serem felizes, de serem elas mesmas. A falta de respeito à pessoa humana nos hospitais, manicômios e prisões. Nesses lugares, o homem é tratado pior que bicho. É menos que um objeto. Com esse intuito, espero conseguir realizar um trabalho de reflexão produtivo e coerente.
DESENVOLVIMENTO
INSTITUIÇÃO DISCIPLINAR: FAMÍLIA
Reflexão sobre a arte como instrumento que denuncia a repressão, ou como diz Foucault, o princípio do adestramento.
Numa visão bem centralizada sobre a letra da música A CARTA, podemos destacar algumas frases chave e, mais adiante, a própria carta "que o Biel" escreve a fim de fazer uma ligação com o filme BICHO DE SETE CABEÇAS.
A CARTA (Djavan e Gabriel Pensador)
Não vá levar tudo tão a sério
Sentindo que dá deixa correr
Se souber confiar no seu critério
Nada a temer.
Não vá levar tudo tão na boa
Brigue para obter o melhor
Se errar por amor Deus abençoa
Seja você.
No que sua crença vacilou
A fruta dúvida se abriu,
Vou ler a carta que o Biel mandou
Pra você lá do Brasil:
Eles me disseram tanta asneira, disseram só besteira feito o que todo mundo diz
Eles me disseram que a coleira e um prato de ração era tudo que o cão sempre quis
Eles me trouxeram a ratoeira com um queijo de primeira que me pegou pelo nariz
Me deram uma gaiola como casa, amarraram minhas asas e disseram para eu ser feliz.
Mas como eu posso ser feliz num puleiro? Como eu posso ser feliz sem pular?
Mas como eu posso ser feliz num viveiro? Se ninguém pode ser feliz sem voar?
Ah! Segurei o meu pranto e para transformar em canto e para o meu espanto
Minha voz desfez em nós que me apertavam tanto. E já sem a corda no pescoço e a grade na janela e sem o peso das algemas nas mãos, eu encontrei a chave dessa cela, devorei o meu problema e engoli a solução.
Ah! Se todo mundo pudesse saber como é fácil viver fora dessa prisão. E descobrisse que a tristeza tem um fim, e que a felicidade pode ser simples como um aperto de mão. Entendeu?
É esse o vírus que eu sugiro que você contraia,
Na procura pela cura da loucura
Quem tiver cabeça dura vai morrer na praia.
Logo nas primeiras frases da poesia pode-se perceber uma ligação com a cena em que o velho mais respeitado do manicômio chama o Neto e lhe diz que é preciso "fingir que é louco sendo louco, fingir que é poeta sendo poeta". Não levar tudo muito a sério, nesse sentido de brigar para provar que não é louco, pois aí, sim, Neto seria considerado um louco. No entanto, o compositor convida à luta para obter o melhor: "Seja você". Creio que o personagem compreendeu a mensagem do amigo. Tentou ser feliz, agora no segundo hospital, sendo ele mesmo. E mesmo assim, ele foi podado, como a carta revela poeticamente.
Nesse caso, encontramos a poesia, a música e o cinema como reveladores desse Poder Disciplinar exercido sobre os corpos de quem não anda na norma da sociedade. Quando Gabriel termina a carta dizendo "como é fácil viver fora dessa prisão", aplicando automaticamente à situação do personagem Neto, dá para perceber que a solução seria o diálogo mais aberto na família. Um jovem de aproximadamente 17 anos, com uma mãe fumante, deprimida, cheia de problemas de saúde, uma irmã alienada e um pai super autoritário, detentor do saber e do poder, só poderia procurar e encontrar apoio na rodinha de amigos. Sejam eles como forem. "Quem tiver cabeça dura vai morrer na praia" o pai desse jovem acabou caindo e morrendo na praia no momento em que destruiu a vida do filho sem sequer buscar antes, a solução, mais complicada, porém mais acertada, que seria uma conversa mais aberta, com respeito de ambas as partes, como a que tentaram ter quando ele saiu do manicômio, gritou com a mãe e, em seguida, ouvindo o pai, foi pedir perdão.
"Não preciso de braços em volta de mim.
Não preciso de drogas para me acalmar.
Vi escrito no muro
Acho que não preciso de nada
E nada mais do que um tijolo no muro" 1
Foucault assinala que o direito sobre a vida e a morte (poder soberano) derivava formalmente da velha “pátria potetas” que concedia ao pai da família o direito de “dispor” da vida de seus filhos e escravos. (FOUCAULT, M. 1993; p.127)
Certa vez, li num livro (que infelizmente não lembro a referência) um capítulo que só tratava da questão afetiva entre mães e filhos. O poder que algumas mães exercem sobre aqueles pequenos, que por elas jamais cresceriam. Elas chegam a repreender os atos, os movimentos da criança com uma violência física escandalosa ou com um simples olhar mais severo.
Quando atuava no magistério, numa turma de jardim de infância, tinha uma aluna que todos os dias apanhava da mãe, por ser levada demais, por mentir, por brincar até tarde, por tudo, menos por uma necessidade real e 'educativa'. Essa mãe jamais chamou a atenção dessa criança para algo que fosse realmente construtivo. Aliás, ela não era um exemplo bom de mãe. Ela queria exigir da filha de seis anos, uma responsabilidade que não podia ser encontrada nela própria. Ela exercia um poder de tortura muito forte sobre a criança.
Há também aquelas mães / pais super protetores que não querem ver seus filhos crescerem e tomarem conta do próprio nariz. Que olham de rabo de olho para os filhos reprovando qualquer atitude anormal, qualquer movimento alheio ao que lhe é permitido. Um excesso de 'amor' capaz de sufocar a criatura e fazê-la crescer com um sentimento de culpa, de incapacidade, impotência por estarem sempre protegidos debaixo das asas da mãe / pai. Essa possessividade pode gerar um abuso de poder tamanho a ponto de um pai usar da autoridade sobre a filha e impedi-la de crescer, namorar, e até se casar. Isso é um caso verídico. E é o que Foucault chama de determinação do comportamento humano, produzindo um ser adestrado o bastante para realizar o que o poderoso pai quer que a filha faça. Por esse motivo e por outros, é que podemos encontrar tantos jovens, e crianças, que fogem de casa, que buscam nos amigos um consolo, uma forma de desabafar e de respirarem sem a presença dos pais.
Acredito que a família, como estrutura básica na construção da personalidade do indivíduo, deve ser a primeira de todas as instituições disciplinares a se auto-avaliar e buscar soluções mais eficazes para a resolução dos problemas encontrados em seus membros. Sei que é difícil, uma vez que as famílias da contemporaneidade estão super desestruturadas. Mas sei também que nunca é tarde para consertar um erro.
“Não vá levar tudo tão na boa. Brigue para obter o melhor...”
O filme ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO mostra bem nitidamente o uso da arte como poder de manipulação. Nele, Hitler, com sua equipe, prepara filmes a serem exibidos nos melhores cinemas, apresentando para a burguesia a importância da higienização da Alemanha. Prega a beleza como princípio de saúde. Uma saúde concedida apenas aos arianos, aos alemães de “raça pura”. Àqueles que gozam de uma perfeição divina inspirada nos deuses gregos.
Foucault fala do Poder da norma, Hitler usa essa concepção de norma, de média perfeita –os arianos- para excluir, exterminar, a priori, todas as obras de artes de expressão modernista. Até faz comparação entre os retratos desse tipo de arte e as fotografias de pessoas portadoras de doenças mentais. Nesse momento, ele chega a mandar usar a eutanásia nos hospitais, em pacientes nessas condições. O tempo vai passando e a “vontade de poder” toma conta desse arquiteto da destruição, que compara judeus, e todos os diferentes dos arianos, com ratos doentes e transmissores de doenças, de sujeira, verdadeiros anormais, responsáveis pela desigualdade social que permitia que doentes mentais, deficientes físicos (os imperfeitos) vivessem em verdadeiros palacetes, enquanto os cidadãos alemães viviam em condições precárias, em guetos, periferias, na feiura, na sujeira.
Mesmo vivendo na modernidade, Hitler usava o poder soberano, mais comum na época medieval, para satisfazer um desejo íntimo de purificar a raça, de embelezar a cidade de Berlim, a Alemanha.
“... julgam-se também as paixões, os instintos, as anomalias, as inaptidões, os efeitos de meio ambiente ou de hereditariedade, os impulsos e desejos.”( FOUCAULT,M. 1977, p.21)
INSTITUIÇÃO DISCIPLINAR: ESCOLA.
Andei perguntando a algumas pessoas como seria a sociedade sem o poder do Estado. Se elas acreditam numa disciplina sem imposição, autoritarismo.2 Todas elas responderam que seria impossível manter a ordem sem um poder maior manipulando os menores, macropoder3 x micropoder. E, é claro, a maioria afirmou que um pouco de imposição é necessário para obter disciplina.
Ao longo da História da Educação no Brasil, podemos perceber que o ensino, a princípio, era individualizado, logo, a “desordem” era total. A partir do século XIX, busca-se um poder sobre a turma, onde os alunos precisavam se adequar ao regulamento da escola. Introduz-se o método “lassaile”, do qual seus criadores são adeptos do silêncio e da ordem, de onde vem o hábito de levantar o dedo para pedir a palavra ao professor. Com isso, começa-se o controle sobre os corpos, pensamentos e atitudes dos alunos na sala de aula. Como ALMEIDA (1997, p.45) nos apresenta:
“As vozes dos meninos, juntas ao canto dos passarinhos, faziam uma algazarra de doer os ouvidos; o mestre, acostumado àquilo, escutava impassível, com uma enorme palmatória na mão e o menor erro que algum dos discípulos cometia não lhe escapava no meio de todo o barulho; fazia parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido, e cascava-lhe pelo menos seis bolos. Era o regente da orquestra ensinando a marcar o compasso.”4
É mister lembrar que, o que ALMEIDA escreveu sobre/no início do século XIX ainda é visto hoje nas escolas. Porém, de uma forma mais maquiada. Da mesma forma que o Poder Soberano, de instinto violento e que buscava a tortura, a punição violenta, a perda da vida, é lentamente substituído pelo Poder Disciplinar, mais sutil, que implica numa violência mais simbólica do que física. O poder exercido na escola sobre seus alunos, segue o mesmo caminho. “Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Mably formulou o princípio decisivo: Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo.”5
De acordo com o depoimento que ouvi de uma formanda do curso de Pedagogia, professora do Estado numa turma de primeiro ciclo, podemos ilustrar bem o que Foucault afirma acima.
Nesta turma, os alunos relutaram em fazer a atividade imposta pela professora. Após a atividade, todos teriam aula de Educação Física. A professora entrou na sala e vendo que nenhuma criança estava escrevendo e sim em completa desordem, decidiu - autoritariamente- que só iria para a aula de Educação Física quem terminasse o dever. Dito isso, minutos depois foi verificar os cadernos. De uma turma com aproximadamente 30 alunos, apenas uns cinco haviam feito. Então, energicamente, falou que todos estariam sem a Educação Física, de castigo, e saiu para avisar ao professor seguinte da ausência de sua turma.
“Sem dúvida, a pena não mais se centralizava no suplício como técnica de sofrimento; Tomou como objeto à perda de um bem ou de um direito. Porém, castigos como prisão – privação pura e simples da liberdade – nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra.” (FOUCAULT,M., 1977, p.20)
Como será que ficaram aqueles que foram injustiçados? Será que essa foi a melhor atitude a ser tomada pela professora? Será que isso não foi um tipo de violência simbólica sofrida pelas crianças que, pelo menos, tentaram fazer o seu dever? Não pense que a história termina aqui. Vamos refletir antes de saber o final.
De fato, quando Foucault fala do poder disciplinar, ele define como objetivo básico o adestramento. Adestrar os indivíduos para se apropriar mais e melhor. Para isso, o poder disciplinar exerce um controle específico sobre os corpos, com objetivo de torná-los dóceis, submissos. Exatamente o que a professora fez: exerceu um poder tal sobre seus alunos com o intuito de obter uma resposta satisfatória aos seus olhos, aos seus ouvidos. Só que Foucault também fala que de acordo com a intensidade do poder, existe uma força de resistência equivalente.
Paulo Freire nos diz em sua Pedagogia do Oprimido (2001, p.52)6 que “somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, é que começam a crer em si mesmos, superando, assim sua convivência com o opressor”. Assim foi feito naquela turma de crianças, eu diria, super organizada.
(Terminando a história...) Juntas, fecharam a porta da sala, prenderam a professora do lado de fora e não deixaram que ela entrasse enquanto não garantisse a ida de TODOS para a aula de Educação Física. E conseguiram!
“Não precisamos de educação, nem que controlem nossos pensamentos nem de sarcasmo na sala de aula. Professora deixe essas crianças em paz! Elas não são mais do que um outro tijolo num muro”,7
O filme PINK FLOYD -THE WALL ilustra muito bem vários momentos em que o poder disciplinar é imposto sobre o indivíduo, trazendo-lhe sofrimento/morte ou a resistência. O trecho da música THE WALL (descrito acima) é mostrado num momento parecido com o relato daquela professora. No filme, crianças vão marchando, bestializadas, com “seu[s] disfarce[s] perfeito[s] com seus lábios de botão e seus olhos cegos. Seu sorriso vazio e seu coração faminto” para uma máquina, onde são despejados e saem homogêneas, iguais, como carne moída ou simplesmente como mais um verme na sociedade. Em seguida, se rebelam, arrancam suas máscaras e quebram a parede que os prendia na escola. Quebram-na toda e ‘acabam’ com a autoridade do professor.
Será que as crianças da turma daquela professora assistiram esse filme?
Acredito que se essa professora tivesse pelo menos respeitado o que combinou com a turma, de só liberar quem concluísse as atividades, não havia acontecido tamanha confusão (super produtiva!).
A minha proposta iria ao encontro da proposta de Paulo Freire, por uma relação mais dialógica e menos hierárquica. Onde professores e alunos possam construir juntos suas regras através do diálogo, do respeito mútuo. Uma atividade inspirada na experiência de Madalena Freire em sua obra, em conjunto da turma, A paixão de conhecer o mundo. Uma construção coletiva visando o bem de todos. Tenho certeza de que isso daria certo nessa turma (politicamente organizada). Uma vez que apresentam desde já sinais de autonomia.
INSTITUIÇÃO DISCIPLINAR: SOCIEDADE
Para Foucault, o poder é algo que circula pelo social, não permanece em lugar único na sociedade. É relacional, ou seja, está numa relação de forças constante, com diferença de potencial. É dinâmico, pode ser invertido a qualquer momento. Se é uma relação, é preciso haver uma cumplicidade. Onde há poder, há Resistências – um contra poder, da mesma intensidade – não havendo um único lugar de recusa. Há tanto a grande resistência (concentrada), quanto resistências (minorias).
A prisão – castração maior da liberdade humana – é um lugar de concentração absoluta do poder disciplinar – a concentração da punição. Ela é mais uma fábrica de delinqüência que um lugar de humanização, correção de desvios. Segundo Foucault, ela não cumpre o seu papel social de re-humanizar. E essas idéias podem ser transportadas para as demais instituições disciplinares. Onde o poder aos poucos vai se tornando mais sutil, mais eficiente. Nas sociedades Medievais, como já refletimos, o que prevalecia era o poder soberano (tortura, morte). Nas sociedades Modernas, industrializadas, surge o poder disciplinar, mais eficaz. Exercendo um controle sobre o espaço, o tempo, a sexualidade dos indivíduos, a raça, a ideologia. O objetivo era aumentar o número de pessoas produtivas na sociedade, para assim elevar a quantidade de riqueza para o Estado, através da exploração do trabalhador. Logo, o problema da pobreza estava, portanto, articulado com o emprego, daí que o pobre ocupava uma posição estratégica na lógica da política econômica e social.8 Quanto maior a população, maior a mão de obra e a quantidade de corpos dóceis produzindo em grande escala nas fábricas e indústrias.
“O desenvolvimento do capitalismo só pode ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos da economia liberal. Foi, portanto, necessário tanto o crescimento de seu reforço (a população) quanto também de sua utilidade e sua docilidade.”(FOUCAULT,M., 1993, p.31)
Nas fábricas, indústrias e locais de trabalho, na relação entre patrão e empregado, sobretudo nesse universo neoliberal o qual nos rodeia, o dominante usa e abusa do poder que tem sobre o dominado. Sobretudo no que diz respeito a uma vaga numa empresa X. O empregador vai escolher aquele profissional que cobra mais barato pela sua mão de obra, ou aquele infeliz que prefere receber metade do verdadeiro salário inerente à sua categoria a fim de não ficar desempregado. Daí vale fazer o que o mestre mandar, como na brincadeira de criança.
Só existem os dominantes porque existem os dominados. Numa relação familiar, entre pais e filhos, marido e mulher, ou entre irmãos, se um deixar, o outro assume o poder e obviamente o exercerá sobre o indivíduo, até mesmo sem que se perceba a ação. Há pessoas que gostam de ser submissas, ou que são acomodadas por natureza. Parecem ter vocação para serem dominadas.
No capítulo III do livro Vigiar e Punir, Foucault relata uma passagem do século XVII, quando se declarava a peste numa cidade. Havia o policiamento espacial estrito com o fechamento da cidade inteira, proibição de sair de casa sob pena de morte. Um vigia, síndico para tomar conta dos quarteirões, também proibidos de saírem, sob pena de morte. Os soldados e policiais responsáveis (oprimidos e opressores) também viviam o mesmo terror, as mesmas proibições. Tudo por causa da peste que atacava os moradores da cidade, matando alguns, fazendo sofrer outros.9
Galileu Galilei passou por isso, como podemos verificar no livro Vida de Galileu, de BRECHT, (1977) e muitas famílias enfrentam um terror parecido com esse numa versão mais contemporânea. Aqui no Brasil, Rio de Janeiro, nas favelas, nas periferias, o panoptismo existe com muita intensidade. Nas lojas, nos shoppings, nos ônibus, nos estabelecimentos de ensino, onde nos deparamos com inúmeras câmeras de vídeo vigiando todos os passos dos indivíduos.
Nas favelas e periferias, encontramos bandidos e chefes de boca de fumo que estabelecem leis internas que todos devem cumprir. E o não cumprimento destas, implica em pena de morte. Algumas dessas leis são horário para entrada e saída de casa, controle no horário de permanecer nas ruas, controle das cores usadas nas roupas das pessoas (a cor vermelha, por exemplo). Há um verdadeiro controle da vida da pessoa. E a escola? Também se fecha sob o comando do chefe da boca. Eis aí um micropoder que pode ser comparado nitidamente com o poder soberano: a violência, as trevas, a tortura e a morte.
O novo panoptismo se refere às câmeras de vídeo encontradas em vários estabelecimentos já citados acima. Lembro-me de um professor que revelou sua ira pelos aparelhos vigilantes que servem para observar mais nitidamente e controlar os movimentos dos indivíduos da sociedade. Ele dizia sentir vontade de arrancar com unhas e dentes aqueles recados “SORRIA! VOCÊ PODE ESTAR SENDO FILMADO!”. Por mais que seja um instrumento eficaz de segurança, não deixa também de mexer com a privacidade das pessoas. Já existem lugares no Brasil em que a prefeitura mandou instalar câmeras por toda cidade. Mas será que essa medida acabaria com a violência? Ou nós estamos mesmo é caminhando para um verdadeiro BIG BROTHER BRASIL? Só faltam colocar em todas as emissoras de TV o que acontece nos elevadores das empresas, nos corredores das escolas, nas portarias dos edifícios de luxo. Lembro-me do filme Invasão de Privacidade, onde um psicopata registra e vê tudo o que acontece com todos os moradores do prédio. Onde será que esta nossa sociedade chegará com isso?
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INSTITUIÇÃO DISCIPLINAR: IGREJA
Durante muito tempo, a igreja exerceu uma força, um poder simbólico muito intenso sobre a sociedade.
Assistindo o filme CHOCOLATE, entendi melhor a presença do poder do Estado como manipulador do povo utilizando a igreja, como ainda hoje alguns indivíduos usam a fé das pessoas para benefício próprio, seja político, financeiro ou social.
Na História da Educação, encontramos o casal Abelardo, um professor de filosofia numa Universidade na França e Heloisa, uma mulher que deixa o convento por não se enquadrar nos requisitos exigidos pelas madres superiores – Igreja – e por ela não ter vocação. A Igreja Católica, nesse período da Idade Média, conseguiu usar seu poder soberano para eliminar quem q1uer que fosse contra suas idéias. Tanto que destruiu o romance do jovem casal, quase levou Galileu à fogueira e queimou inúmeros corpos na “santa inquisição”.
Não só a igreja Católica, mas todas as instituições religiosas têm suas regras para manter a disciplina de seus fiéis, até para que estes sejam identificados na rua como pertencentes desta ou daquela igreja, ou religião. Há aquelas que não permitem que se faça parte das “coisas do mundo”; há outras que exigem de seus freqüentadores uma vestimenta que esconda todo o corpo; há ainda a tradicional meio renovada que alega não proibir nada, mas no fundo discrimina quem não anda na linha exigida por ela, que exclui, que discrimina, que manipula as pessoas para que sejam “certinhas”do jeito que ela quer que seja.
O tempo foi passando e as instituições disciplinares religiosas também foram assumindo um caráter de tornar dócil os corpos dos seus fiéis.Treinar, adestrar para que esses fiéis sejam sempre parte de um rebanho de ovelhinhas obedientes, imaculadas, sem manchas, sem pecados; caso contrário, o fogo do inferno estará esperando cada um para serem queimados para todo o sempre.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Devemos temer a extensão do poder que temos”.
Escreveu Durkheim, 1978. E de fato, se cada indivíduo tivesse noção do poder que possui, poderia ser capaz de mudar muita coisa errada em nossa sociedade. Começando dele próprio, conhecendo o poder que tem em mãos e usando-o de forma responsável sem prejudicar ninguém.
Que cada pessoa possa fazer a sua parte, lutando contra todo tipo de poder opressor que destrói explícita ou sutilmente o corpo, a alma, os direitos, os sentimentos, o próprio indivíduo.
Infelizmente, os indivíduos da sociedade, o povo, melhor dizendo, não está acostumado a viver autonomamente e chega até ao sentimento de incapacidade de mudança. No entanto, há sempre um vento forte ou uma brisa leve (como no filme CHOCOLATE) que sopra em nossos ouvidos o seguinte pedido: É PRECISO MUDAR!
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. 27* ed. São Paulo: ed. Ática, 1997.
ALTHUSSER, Lauis. Aparelhos Ideológicos do Estado. Nota sobre os aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: ed. Graal; 1983.
BALEN, Age D. J. Disciplina da sociedade. Análise do Discurso e da prática cotidiana. São Paulo: ed. Cortez, 1983.
BRECHT, B. Vida de Galileu. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1977
DURKHEIM, E. Educação e sociologia. Rio de Janeiro: ed. Melhoramentos, 1978
FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2*ed. Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira, 1986.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: ed. Vozes; 1977.
______________ A vontade de Saber: história da sexualidade I. 11* ed. Rio de Janeiro: ed. Graal, 1993.
______________ Microfísica do poder. 11*ed. Rio de Janeiro: ed. Graal, 1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 31* ed. Rio de Janeiro: ed. Paz e Terra, 2001.
GOFFMAN, Erving. MANICÔMIOS, PRISÕES E CONVENTOS. São Paulo: ed. Perspectiva, 1974.
LAROUSSE. Grande Enciclopédia cultural. Ed. Nova Cultural; 1998.
PAULA, Maria de Fátima C. O poder disciplinar da escola sobre o corpo. Niterói: UFF; ESSE; 1991. (dissertação de mestrado)
FILMES:
PARKER, Alan. Pink Floyd – The Wall, 1983
LASSE HALLIGTROM. Chocolate
PETER COHER. Arquitetura da Destruição
LAIS BAUANZKY. Bicho de sete cabeças
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