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quarta-feira, 30 de abril de 2008
O que é documento histórico? E seu uso em sala de aula.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Compreende-se como documento histórico todo o material produzido em um determinado período, que possa auxiliar o historiador em sua análise.
Pode se constituir desde documentos produzidos por governos ou entidades (públicas e privadas), até mesmo objetos como utensílios, indumentárias, imagens, textos de qualquer natureza, pinturas, esculturas, músicas, etc.
Documento histórico
Existe, ainda, a possibilidade de trabalho com a coleta de relatos de pessoas que tenham presenciado determinadas ocorrências. Neste caso, é aplicada a História Oral.
O USO DE DOCUMENTOS HISTÓRICOS EM SALA DE AULA
Maria Rocha Rodrigues
Hoje, não é nada incomum encontrarmos, nos planejamentos dos cursos de
História de Ensino Fundamental II e Médio, o uso de documentos históricos como
recurso didático. No presente trabalho, pretendo discutir o papel desse tipo de
material, mais especificamente a fonte primária escrita, no processo de ensinoaprendizagem
da disciplina, remetendo-me a algumas reflexões teóricas e a
questionamentos que advém da minha prática como professora.
O que costumamos chamar de documento histórico são reproduções de
fontes primárias utilizadas pelo pesquisador. Essas últimas são evidências do
passado produzidas/utilizadas no momento em que o fato histórico que se está
pesquisando ocorria. Hoje, há consenso entre os historiadores de que essas fontes
podem ser escritas ou não escritas, das mais diversas naturezas: cartas,
documentos registrados em cartórios, diários, objetos, edificações, testemunhos
orais etc.
A prática de utilizar documentos históricos como um dos recursos didáticos
para ensinar e aprender está ligada a determinadas concepções em relação ao
ensino de História. No Brasil, passou a ser discutida em meio aos debates sobre
programas e currículos ocorridos a partir de meados da década de 1980, que
mobilizaram a academia e os profissionais de ensino.
Esses debates desembocaram em novas propostas curriculares em vários
estados, publicadas em número significativo nas décadas de 1980 e 1990. Apesar
de diferentes entre si, e com referenciais teóricos também diferentes, as novas
propostas buscavam alternativas ao ensino de História excessivamente calcado nos
fatos, na vida dos heróis, numa história dos vencedores e europocêntrica e numa
perspectiva temporal exclusivamente linear. Além disso, buscava-se incorporar
idéias, pressupostos e conceitos ligados à historiografia mais recente de então,
como a Nova História francesa ou a Historiografia Social inglesa, que predominavam
nas reflexões acadêmicas. Muitas dessas propostas curriculares, inclusive os
Parâmetros Nacionais Curriculares, recomendavam os documentos históricos como
um recurso didático desejável e possível. E qual seria o objetivo desse recurso, em
relação à aprendizagem?
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História de 5ª a 8ª séries, enfocase
a compreensão do documento e do seu estatuto de fonte histórica. Não há uma
preocupação específica com o sentido didático do documento: por que ele é bom
para se ensinar? Alerta-se para os cuidados necessários ao utilizá-los (não
considerá-lo como verdade absoluta, compará-lo a outros documentos, atentar para
a questão da representação da realidade etc.), mas não se responde quais suas
virtudes enquanto recurso didático. Afirma-se apenas que o objetivo do trabalho
com documentos seria “propiciar reflexões sobre a relação presente-passado e criar
situações didáticas para que [o aluno] conheça e domine procedimentos de como
interrogar obras humanas do seu tempo e de outras épocas”.i
Certamente, o documento pode “propiciar reflexões sobre a relação
presente-passado”. Cabe perguntar qual a maneira adequada de explorá-lo para
que esse objetivo seja cumprido. Contudo, ao se falar em “criar situações didáticas
para que [o aluno] conheça e domine procedimentos de como interrogar obras
humanas do seu tempo e de outras épocas”, o que exatamente estar-se-ia
pretendendo? Interrogar obras humanas é, sem dúvida, importante. Interrogar
obras humanas de outras épocas certamente é uma aprendizagem possível em
História. Mas cabe questionar de que procedimentos se está falando.
Durante algum tempo, esses procedimentos foram vistos como os
procedimentos do próprio historiador. Para muitos professores, a aprendizagem do
método do historiador seria um caminho para a aprendizagem de História. Em
contraposição ao ensino tradicional, em que o conhecimento era simplesmente
“transmitido” ao aluno, sob forma de datas e fatos a serem decorados, propunha-se
que os alunos deveriam construir seus conhecimentos sobre história a partir de
investigação. Reproduziriam os passos do historiador, chegando aos conteúdos com
seu próprio trabalho. Nesse sentido, aprender a decifrar um documento significaria
aprender com o documento.
Vários estudiosos questionaram essa idéia. Um deles, Henri Moniot, alerta
para o fato de que o trabalho feito pelo aluno com o documento de modo algum
corresponde a uma reprodução daquilo que o historiador faz. O documento, quando
o aluno o usa, não tem o estatuto de fonte. É fonte para o historiador, porque este
busca um documento na medida em que ele pode auxiliá-lo a resolver determinada
questão formulada anteriormente, no contexto de seu tema de estudo. Este é então
relacionado a uma série de outros conhecimentos e documentos e, além disso, o
estudioso conhece e trabalha com seu suporte original.
Já o aluno recebe, em geral, um fragmento de documento, escolhido por
outra pessoa, sem que haja uma questão formulada previamente por ele, sem uma
referência de conjunto, e muito longe de seu suporte original (até porque seria
impossível oferecê-lo dessa forma).
Para o aluno, então, o documento não é fonte, como para o historiador.
Mas é material do historiador, e como tal objeto de aprendizagem – é aí que reside
sua importância.
O trabalho com esse material configura-se em um exercício de aproximação
do aluno com uma realidade distante. Por meio dos documentos, ele entra em
contato com determinadas linguagens e formas de pensar de outras épocas. Dessa
maneira, o documento ajuda a dar maior concretude para um outro tempo. Ao
analisar uma carta, um diário, um relato, surgem pessoas de carne e osso em meio
à grande quantidade de informações e conceitos com os quais eles convivem.
Na reflexão sobre o que essas pessoas disseram, é possível também
trabalhar com os alunos algumas noções fundamentais para a construção do
conceito de História:
Ao observar que certos modos de comunicar ou pensar lhe são familiares e
outros não, o aluno está observando continuidades e mudanças ao longo
do tempo.
A análise de um texto produzido por uma determinada pessoa torna mais
evidente o caráter subjetivo das fontes primárias, e a necessidade de
relativizar suas informações, compará-las a outras fontes e colocá-las em
contexto. Desse modo, fica mais fácil para o aluno compreender que não
há verdades absolutas em história, ainda que haja um compromisso do
historiador com a veracidade.
Ainda se considerando o caráter subjetivo das fontes primárias, pode-se
evidenciar a questão da representação: o passado só chega ao presente na
forma de representações. Assim, um documento histórico, qualquer que
seja ele, não pode ser visto como emissor de uma verdade absoluta. Por
outro lado, pode-se questionar as razões da conservação (ou da
recuperação) daquele determinado documento.
Há ainda outra face interessante do trabalho com documento: ele pode ser
um exercício de pesquisa de informações e de prática com instrumentos
bibliográficos. Nesse sentido, desvendar sua linguagem significa trabalhar com os
alunos no sentido de discernirem o que é enunciado de fato, o que é opinião, o que
é inferência, quais são as informações diretas e aquelas de segunda mão. E também
diferenciarem as formas: há documentos que são narrativos, há os que são
descritivos, há os argumentativos.
Em sala de aula
Ao planejar o uso de documentos históricos escritos em minhas aulas
durante esse ano, procurei levar em consideração esses pressupostos teóricos, e
pude refletir um pouco sobre as dificuldades e vantagens possíveis em relação ao
trabalho com os 8os anos.
Nas seqüências didáticas realizadas durante o ano, os documentos foram
utilizados como uma das fontes de informação. Assim, por exemplo, houve uma
seqüência em que se discutiram as mudanças provocadas na colônia pela atividade
mineradora, ao longo do século XVIII. Em textos de diferentes naturezas, os alunos
deviam buscar respostas a essa questão. Um dos textos era um documento
histórico – um pequeno fragmento do livro Cultura e opulência do Brasil, de Antonil.
Esse fragmento trata do estabelecimento de um mercado interno na colônia a partir
das necessidades surgidas na região das minas. O objetivo era extrair tanto
informações concretas como perceber a visão que o autor tinha dos dados descritos.
A análise de documento (sempre um fragmento curto) começa com sua
identificação, anterior à leitura do texto em si. O objetivo é mostrar que o
documento histórico só tem inteligibilidade a partir de informações básicas, como
quando e por quem foi escrito, onde, quando e por quem foi publicado. Como não
trabalhamos com os suporte original dos documentos, mas sim com fragmentos
reproduzidos nas “fichas” da escola, essa atividade é importante, também, para
diferenciar o tipo de texto que o aluno está recebendo. Ele precisa perceber que o
texto daquela “ficha” não traz informações sintetizadas sobre algum assunto, e sim
que é um documento de época, escrito por alguém em uma determinada data. Por
outro lado, aquele documento foi recolhido por alguém, que o publicou. Nas
referências bibliográficas, é importante que o aluno saiba diferenciar uma coisa da
outra.
Há ainda informações que nem sempre podem ser inferidas a partir do
próprio documento, como a finalidade com que o texto foi produzido (é um
relatório? Uma carta? Um decreto?) e a quem é dirigido. Nesse caso, eu mesma as
dou antes da leitura do documento.
O passo seguinte é a leitura do texto. O que mais tem me chamado atenção,
ainda que não haja surpresa em relação a isso, é como para os alunos os textos de
época são “difíceis”. Não apenas pelo vocabulário, mas principalmente pelas formas
de estruturação. Em alguns casos, não é possível perguntar a eles que informações
ou visões o texto traz antes de um trabalho detalhado em relação ao significado
mais direto do texto. Mostrou-se importante, portanto, em alguns casos, uma
espécie de tarefa intermediária entre a identificação e a interpretação do
documento, para a qual demos o apelido de “tradução”: os alunos reescrevem o
texto em suas próprias palavras. Essa atividade, só possível porque os fragmentos
são curtos, deixa evidente para os alunos o que compreenderam e não
compreenderam de fato. As dúvidas de compreensão podem ser, assim,
esclarecidas, antes da análise do texto em si.
A análise em si do documento consiste em diferenciar o que é enunciado de
fato e o que é opinião do autor. Após identificar os enunciados de fato, os alunos
devem relacioná-los ao conhecimento que já têm sobre o conteúdo. Mais
concretamente, a pergunta é: “que informações sobre o tema que estamos
estudando esse documento traz?” Em seguida, deve identificar as expressões de
valor presentes no texto: “que visão o autor do texto tem sobre...?”.
Como se pode perceber, optei por não incluir no trabalho a discussão sobre
a subjetividade ou veracidade do registro, escolhendo documentos que traziam
dados com os quais eu de fato queria trabalhar (e não contestar). Essa opção foi
feita tanto em função da limitação do tempo disponível para a seqüência didática
como porque acredito que nessa faixa escolar não é possível relativizar tudo o
tempo todo. Isso não quer dizer que o documento seja apresentado como verdade
absoluta, mas como um veículo que, mesmo contendo uma determinada visão dos
acontecimentos, traz alguns dados concretos em que eles podem acreditar.
É justamente essa opção que me traz algumas questões. É impossível dar a
eles instrumentos para que avaliem se um determinado documento traz ou não,
junto com a visão do autor, informações confiáveis. Portanto, esse dado é sempre
trazido pelo professor. Será que não há o risco de que eles esqueçam desse “filtro”
e tomem qualquer documento como portador de tais informações? Como controlar
esse risco?
Tenho convicção de que nessa faixa etária/escolar a concretude trazida pelo
documento é um contrabalanço importante para as abstrações inerentes ao estudo
de História. Além disso, ele coloca o aluno em contato com impressões pessoais
múltiplas, difíceis de serem recriadas pelos textos produzidos por historiadores.
Contudo, é necessária muita atenção para que os alunos não tomem aquela
determinada representação da realidade como verdade absoluta e para garantir que
percebam a diferença nas informações obtidas a partir de um documento de época
e a partir de textos historiográficos ou resumos didáticos, que buscam a síntese.
Referências bibliográficas
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3ª ed. Belo
Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp,1982.
BITTENCOURT, Circe. Propostas curriculares de história: continuidades e
transformações. In: BARRETTO, Elba S. S. Os currículos do Ensino Fundamental
para as escolas brasileiras. Campinas, Autores Associados, 1998.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: História e Geografia. Brasília, MEC/SEF, 1997.
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. Campinas, SP,
Papirus, 1993.
______________________. Ensino de História: Diversificação de
Abordagens. Revista Brasileira de história, 14 (28). São Paulo, ANPUH/Marco Zero,
1994. Pp. 180-193
MONIOT, Henri. Didactique de l’Histoire. Paris, Nathan, 1993
i BRASIL, 1997. p.86
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