sexta-feira, 2 de maio de 2008

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Maria Aparecida Quadros Borges

Professora do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais

Jezulino Lúcio Mendes Braga

Professor do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais

INTRODUÇÃO

Ensinar História para crianças não é tarefa das mais fáceis. Principalmente por ser esta a disciplina que encontra maior resistência entre os alunos do ensino fundamental. As questões mais freqüentes são: porque devo estudar o que já passou? para que guardar todas estas datas? o que tem a ver com minha vida estes fatos? Existe uma comunidade de sentidos no que se refere à disciplina História.

Este mal estar é fruto dos rumos tomados pelo ensino de História desde sua implantação como disciplina autônoma em 1837. Deste momento em diante, o ensino de História passou a servir a determinados objetivos políticos e seu método era baseado na memorização de datas e na repetição oral de textos escritos.

O presente texto procura refletir acerca do ensino de História. Inicia-se com um breve histórico da disciplina nos currículos escolares. Posteriormente tenta-se expor as principais mudanças sofridas nos anos 80. Na seqüência reflete-se sobre algumas questões que devem nortear o ensino de História nas séries iniciais.

O ensino de história no Brasil

Foi em 1837, durante o período regencial[1], que a História é implantada como disciplina escolar da escola secundária, na fundação do colégio Pedro II. Neste mesmo ano nascia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), responsável por construir a genealogia nacional, buscando uma identidade para a nação recentemente formada.[2] O IHGB era o local de produção da História que seria difundido nas escolas secundárias através dos manuais didáticos. Neste momento, a nacionalidade era a grande questão posta à sociedade, e a elite se atribuía o direito de escolha do passado, visto como um caminho percorrido pela humanidade em direção ao progresso.[3]

Foi do IHGB que surge um modelo de História nacional feita através da hierarquização de alguns fatos que deveriam ser os centros explicadores, em torno dos quais todo um conjunto de acontecimentos passava a ser referido. O descobrimento do Brasil, a sua independência, entre outros fatos são vistos como os marcos fundadores da História do Brasil, contada a partir de 1500 ano da chegada dos europeus.

Segundo Kátia Abud, estas concepções nortearam os programas e currículos escolares até período bastante recente.[4] A História linear, cronológica e eurocêntrica passou a ser ensinada nas escolas secundárias como um conhecimento pronto e acabado.

Em 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a reforma do ministro Francisco Campos, acentuou-se o poder central do Estado e do controle sobre o ensino. Constituiu-se a partir de então um modelo para o ensino de História para todo o país, dando ênfase ao estudo de História Geral, sendo o Brasil e a América apêndices da civilização ocidental. Para o ensino elementar (séries iniciais do ensino fundamental) discutia-se, neste momento, a implantação dos chamados Estudos Sociais no currículo escolar em substituição a História e Geografia.

O processo de industrialização e urbanização no país trouxe novas questões para o debate acadêmico na História. Alguns historiadores procuravam identificar as causas de nosso atraso econômico, enquanto outros apontavam para a necessidade de se buscar conhecer a identidade nacional, integrando as três raças formadoras do país. A História ensinada incorporou estas discussões através dos programas e currículos, e manuais didáticos. Difundia-se nas salas de aula a tese da democracia racial, entendida como ausência de preconceitos raciais e étnicos.

“Nessa perspectiva, o povo brasileiro era formado por brancos descendentes de portugueses, índios e negros, e, a partir dessa tríade, por mestiços, compondo conjuntos harmônicos de convivência dentro de uma sociedade multirracial e sem conflitos, cada qual colaborando com seu trabalho para a grandeza e riqueza do País.” [5]

Ensinava-se nas escolas a idéia de um Brasil sem preconceito racial, no qual cada um colabora com aquilo que tem para a felicidade geral. A História não era o espaço para discussões dos problemas brasileiros.

Durante o regime militar, a História é definitivamente substituída pelos chamados Estudos Sociais, a partir da lei n. 5692/71. Os Estudos Sociais constituíram-se ao lado da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos mesclados por temas da Geografia. Os temas da História e Geografia foram diluídos, ganhando contornos ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no País a partir de 1964.

A proposta metodológica tinha como pressuposto que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados aos estágios de desenvolvimento psicológico do aluno, devendo pois, partir do concreto ao abstrato em etapas sucessivas. Neste sentido, iniciava-se o estudo do mais próximo, a comunidade ou o bairro, indo sucessivamente ao mais distante, o município, o estado, o país e o mundo.

Neste momento assiste-se a uma divulgação da história de reis, heróis e batalhas, redutoras do homem a categoria de objeto ínfimo no universo de monstros grandiosos que decidem o caminho da humanidade e o papel de cada um de nós. Do passado só se recordava dos fatos heróicos, a versão que engrandece. Da escravidão lembra-se apenas da lei áurea, os seus quase 400 anos devem ser esquecidos. O desaparecimento da população indígena fica sem explicação, mas comemora-se o dia do índio. E assim não tendo compromisso em buscar na história as diversas vertentes explicativas, nada se discutia do presente, do vivido. Como se este fosse obra de um destino, de uma predestinação.

Este modo de ver a História predominou nos currículos escolares até bem pouco tempo. Foi somente com o processo de democratização no país acontecido em meados dos anos 80 é que verificamos algumas mudanças em relação à disciplina.

O Ensino de História nos anos 80

Acompanhando o processo de democratização acontecido em meados dos anos 80, os conhecimentos escolares foram duramente questionados e redefinidos por reformas curriculares. A clientela escolar vinha se modificando desde a década de 40, período no qual as classes populares começam a ter acesso a escola. Esta nova geração de alunos vai, ainda, ter um maior acesso as novas tecnologias de comunicação, principalmente o rádio e a televisão. A nova realidade não podia mais ser ignorada pela escola. As mudanças curriculares se tornaram urgentes.

Neste contexto inicia-se a discussão sobre o retorno da História e da Geografia como disciplinas autônomas nos currículos das séries iniciais. O que de certa maneira impulsiona esta discussão é a formação de associações como a ANPUH e AGB.[6] Ao mesmo tempo a profissionalização do Historiador se tornou crescente com a criação de cursos de pós-graduação no país. Cresceu o diálogo entre pesquisadores e profissionais do ensino, expresso nas publicações sobre ensino de História no período.

A produção historiográfica crescia a passos largos, influenciando as propostas curriculares. “Os historiadores voltaram-se para a abordagem de novas problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizados por questões ligadas a história social, cultural e do cotidiano, sugerindo possibilidades de rever no ensino fundamental o formalismo da abordagem histórica tradicional.”[7]

Contestava-se a história tradicional, dos grandes fatos, dos heróis. A visão da história como um processo linear, evolutivo, em direção ao progresso, foi denunciada como redutora da capacidade do aluno de se sentir parte integrante e agente de uma história que desconsiderava sua vivencia e era apresentada como um produto pronto e acabado.

Ao mesmo tempo em que este modelo de História era questionado abria-se espaço dentro das ciências pedagógicas, especialmente no campo da psicologia cognitiva e social, para as discussões sobre o processo de ensino e aprendizagem nos quais os alunos eram considerados como participantes ativos do processo de construção do conhecimento. No caso da disciplina História, significava então admitir um sujeito construtor de sua história.

Os professores percebiam a impossibilidade de transmitir nas aulas o conhecimento de toda a História da humanidade. Neste momento, passam a buscar novas formas de se ensinar história rompendo com as visões reducionistas e simplificadoras da história oficial. Duas propostas para o ensino de História surgem neste momento: a História temática e a História integrada. Na primeira proposta trabalha-se com eixos temáticos, revendo a dimensão cronológica do tempo histórico, as concepções de linearidade e progressividade. Na segunda, intercala-se os conteúdos de história do Brasil com os de História geral.

Os métodos tradicionais de ensino foram questionados, buscando alternativas que levassem o aluno a construção do conhecimento histórico na sala de aula. Rompia-se com métodos de ensino baseado na leitura de livros didáticos. O cinema, a música, a literatura foram trazidos para o ensino de História como linguagens alternativas para se construir o conhecimento histórico.

Todavia, esta mudança de perspectiva não atingiu de forma generalizada o ensino de História. Nas séries iniciais a História tem permanecido distante do interesse dos alunos, presa as fórmulas prontas do discurso dos livros didáticos ou relegada a práticas esporádicas determinadas pelo calendário cívico. É necessário que se reafirme a importância da História no currículo escolar e, acima de tudo, que se entenda que esta disciplina pode desenvolver os alunos como sujeitos conscientes na pratica da cidadania.

O que se pretende no ensino de História

O ensino de história não pode reduzir-se a memorização de fatos, a informação detalhada dos eventos, ao acúmulo de dados sobre as circunstâncias nas quais ocorreram. A história não é simplesmente um relato de fatos periféricos, não é o elogio de figuras ilustres. Ela não é um campo neutro, é um lugar de debate, as vezes de conflitos. É um campo de pesquisa e produção do saber que está longe de apontar para o consenso.

No ensino de história o principal objetivo é compreender e interpretar as várias versões do fato, e não apenas memoriza-lo. Sem que se identifique, preserve, compreenda, sem que se indique onde se encontram outros fatos e qual o seu valor, não pode haver continuidade consciente no tempo, mas somente a eterna mudança do mundo e do ciclo biológico das criaturas que nele vivem. O conhecimento da história da civilização é importante porque nos fornece as bases para o nosso futuro, permite-nos o conhecimento de como aqueles que viveram antes de nós equacionaram as grandes questões humanas.

O importante não é só o acervo de conhecimentos que se deve selecionar para instruir o ensino, igualmente importante é a maneira como se deve realizar este ensino, o modo como o ensino é trabalhado. Ou seja, a metodologia de trabalho na escola. Alfabetizar, por exemplo, pode ser feito por diversos métodos: alfabetizar a partir da vivência, da realidade dos alfabetizados, fazendo com que eles ampliem o conhecimento de sua realidade e incorporem outros conhecimentos, exige um determinado método, não qualquer método.

Se vamos ensinar história do Brasil, sob qualquer método estudaremos o Descobrimento, Capitanias Hereditárias, Colonização, Império e República. O modo como vamos tratar estas questões é que pode alterar o significado do conteúdo. Podemos estar ensinando para que a criança saiba responder a uma série de perguntas, mas podemos ensiná-la a compreender a história e a importância das relações históricas deste país. As histórias individuais são parte das histórias coletivas. Os fatos históricos não se explicam por si só, eles se tornam compreensíveis, deixam de ser mudos, quando colocados em relação a outros fatos dentro de um conjunto maior. Explicando, vamos utilizar fatos da história do Brasil para entender melhor esta resposta: Chegada de Cabral ao Brasil em 1500. Se quisermos podemos narrar somente o fato, descrevendo as condições da viajem, a data de chegada, quantos homens faziam parte da tripulação de Cabral, a impressão que tiveram da nova terra e seus habitantes. Narraríamos apenas estes eventos que fizeram parte do fato histórico. Mas, quais os interesses políticos e econômicos desta viajem? O que esperavam encontrar além do Atlântico? Alguma sociedade já habitava as terras brasileiras? Desta forma passamos das simples narração para a problematização do fato histórico.

Podemos ensinar a Inconfidência Mineira focalizando-a simplesmente como produto da ação de grandes homens, sujeitos autônomos na construção da História. Nesta perspectiva, passamos ao aluno a noção de que ele precisa sempre esperar o grande homem que salvará o país, e nunca que as mudanças ocorrem pela vontade e determinação de homens comuns.

Se compreendemos que a Inconfidência Mineira é resultado de um longo período de luta durante os quais se formou a consciência nacional, retiramos do ensino a característica exaltação dos grandes homens, heróis nacionais. O aluno passará a compreender que não são as grandes personalidades que produzem a História e sim é esta que produz as grandes personalidades. É o fato histórico que produz as pessoas necessárias para conduzir o destino do país. Não foi um líder isolado que produziu o movimento das diretas, este sim foi um movimento que produziu novas lideranças, na luta do povo contra o regime militar.

São essas as grandes questões que devemos nos ocupar no ensino de História. Que homem se quer formar? Agente transformador na construção de um novo mundo, posicionando de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais?

Sob essa perspectiva, os estudos de história contribuiriam para formar no aluno a idéia de que a realidade como está foram produzida por uma determinada razão, e mais importante, podem ser alteradas ou conservadas. Para isso é importante que a História seja entendida como o resultado da ação de diferentes grupos, setores ou classes de toda a sociedade. É importante que o aluno conheça a história da humanidade como a história da produção de todos os homens e não como resultado da ação ou das idéias de alguns poucos.

Nessa medida a História seria entendida como um processo social em que todos os homens estariam nele engajados como seres sociais. De outra parte, é fundamental que se estabeleça a relação do passado e do presente, isto é, que os estudos não se restrinjam apenas ao passado, mas sim que este seja entendido como chave para a compreensão do presente, que por sua vez melhor esclarece e ajuda a entender o passado. Aqui duas funções se evidenciam como básicas nos estudos da história: capacitar o individuo a entender a sociedade do passado e a aumentar o seu domínio da sociedade do presente.

Sob esse enfoque, não tem sentido um ensino de História que se restrinja a fatos e acontecimentos do passado sem estabelecer sua vinculação com a situação presente; como não têm sentido analisar os acontecimentos atuais sem buscar sua gênese e sem estabelecer sua relação com outros acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais ocorridos na sociedade como um todo. Não é possível, portanto, analisar fatos isolados. Para entender seu verdadeiro sentido é imprescindível remete-los á situação socioeconômica, política e cultural da época em que foram produzidas, reconstituídas suas evoluções na totalidade mais amplas do social até a situação presente.

Somente desta forma a escola pode oferecer ao aluno um ensino que lhe possibilite o conhecimento e a compreensão das relações de tempo e espaço; ou seja, pelo conhecimento da “temporalidade das relações sociais, das relações políticas, das formas de produção econômica, das formas de produção da cultura das idéias e dos valores.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABUD, Kátia. Currículos de História e políticas públicas: os programas de História do Brasil na escola Secundaria. In: BITTENCOURT, Circe (Org). O Saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2001.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História e Geografia. Secretaria de Educação Fundamental. –Brasília: MEC, 1997.

PINSKY, Jaime. Nação e ensino de história no Brasil. In:O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 1988.

SILVA, Marcos Antonio da. (org). Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco zero, 1984.


[1] O período Regencial se inicia logo após a abdicação de D Pedro I, com a impossibilidade de seu filho Pedro de Alcântara ,então com 05 anos, assumir o trono.

[2] O Brasil se torna independente em 1822.

[3] Esta concepção científica é denominada Iluminismo, que grosso modo refere se a crença no progresso através da ciência

[4] ABUD, Kátia. Currículos de História e políticas públicas: os programas de História do Brasil na Escola Secundária.

[5] BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia. Secretaria de Educação fundamental. Brasília: MEC. SEF, 1997. p.24

[6] ANPUH, Associação Nacional de História. AGB, Associação de Geógrafos.

[7] BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia. Secretaria de Educação fundamental. Brasília: MEC. SEF, 1997. p.28

http://www.unilestemg.br/revistaonline/volumes/01/downloads/artigo_09.doc


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