sexta-feira, 30 de agosto de 2024

O mundo está nas mãos de psicopatas | Seminário de Filosofia



Psicopatia e histeria




Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 15 de dezembro de 2014
A saúde mental de uma comunidade pode ser aferida pela dos indivíduos que ela eleva aos mais altos postos e incumbe de representá-la. O mais breve exame do Brasil sob esse aspecto leva a conclusões que já ultrapassam a escala do alarmante e se revelam francamente aterrorizantes.
Já tivemos um presidente que achava lindo fazer sexo com cabritas, se gabava de haver tentado estuprar um companheiro de cela – prova de macheza, segundo ele – e confessava entre risos as mais cínicas mentiras de campanha. É claro que a tropa dos seus guarda-costas e marqueteiros corria, nessas ocasiões, para dar a essas declarações o sentido de meras brincadeiras, mas, supondo que o fossem, é igualmente evidente que pessoas adultas normais não se divertem com gracejos tão torpes.
Qualquer que fosse o caso, no entanto, a conduta desse cidadão não sugeria nenhuma doença mental e sim propriamente uma psicopatia – a deformidade moral profunda que sufoca a voz da consciência e autoriza o indivíduo a viver de manipulações, trapaças e crimes sem nunca enxergar nisso nada de anormal.
Já mencionei, em outros artigos, o livro do psiquiatra Andrew Lobaczewski, Ponerologia: Psicopatas no Poder (Vide Editorial, 2014), em que uma equipe de médicos poloneses condensa os resultados de décadas de observação da elite comunista que dominava o país, e descreve tecnicamente o fenômeno da “patocracia”, o governo dos psicopatas.
Mas, como explica o próprio dr. Lobaczewski, quando uma elite de psicopatas sobe ao poder, ela se cerca de adeptos e militantes que não são psicopatas, mas que, no afã de enxergar as coisas como seus chefes mandam em vez de aceitar os dados da realidade, acabam desenvolvendo todos os sintomas da histeria. A histeria é um comportamento fingido e imitativo, no qual o doente nega o que percebe e sabe, criando com palavras um mundo fictício cuja credibilidade depende inteiramente da reiteração de atitudes emocionais exageradas e teatrais.
Um exemplo, já antigo, esclarecerá isso melhor.
Todo mundo conhece o deprimente episódio da discussão feia na qual a deputada Maria do Rosário xingou seu colega Jair Bolsonaro de “estuprador”. Incrédulo, o deputado perguntou:
— Agora sou eu o estuprador?
A deputada, fria e pausadamente, confirmou:
— É sim.
O deputado, que não é lá muito famoso pelas boas maneiras, deu-lhe uma resposta brutalmente sarcástica (“não vou estuprar você porque você não merece”) e a adversária ameaçou dar-lhe uns tapas, deixando de cumprir o intuito ante a promessa de um revide, sendo então chamada de “vagabunda” e tendo um dos mais célebres chiliques da história política nacional.
Está tudo gravado.

As circunstâncias que precederam o acontecimento são muito reveladoras. Bolsonaro tinha apresentado um projeto de lei que previa penas mais severas para os estupradores, inclusive antecipando o prazo de maioridade penal para que a punição pudesse alcançar tipos como Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, um dos estupradores e assassinos mais cruéis que este país já conheceu.
Maria do Rosário era contra a antecipação da maioridade e defendia penas mais brandas para estupradores e assassinos de menos de dezoito anos.
O projeto do deputado Bolsonaro era aprovado por mais de 90% da população.
Defensora de uma causa impopular, e cunhada, ela própria, de um estuprador de menores, Maria do Rosário tinha todos os motivos para ficar com os nervos à flor da pele quando se discutia estupro e menoridade. Chamar de estuprador o algoz maior dos estupradores não fazia o menor sentido, evidentemente, exceto como inversão histérica da situação real.
Do ponto de vista penal, admitindo-se que ambos os parlamentares tenham cometido delitos, o da deputada foi bem mais grave. Nosso Código Penal pune com seis meses a dois anos de detenção o crime de calúnia (imputação falsa de ato delituoso) e com apenas um a seis meses de detenção o de injúria (ofender a dignidade e o decoro de alguém). Pior: a lei concede atenuante ao delito de injúria se é cometido em revide a insulto anterior, e um segundo e maior atenuante se o revide foi imediato. Os dois atenuantes aplicavam-se à conduta do deputado Bolsonaro. Em comparação com Maria do Rosário, ele estava praticamente inocente no episódio.
Bem, esses são os dados objetivos da situação, mas a reação da esquerda nacional quase inteira, seguida de perto por toda a grande mídia, foi levantar um escarcéu dos diabos contra o deputado, chegando a pedir a cassação do seu mandato e apresentando Maria do Rosário como vítima inocente de uma violência verbal intolerável.
Por mais intenso que seja o ódio político que se vota a um inimigo, simplesmente não é normal inverter de maneira tão flagrante a lógica dos fatos e o seu sentido jurídico para fazer do agredido o agressor e do revide injurioso, por mais grosseiro que fosse, um crime mais grave que o de calúnia.
Pior: todos os que incorreram nessa loucura faziam-no em tom de tão profunda indignação – alguns chegando até às lágrimas –, que não pareciam, de maneira alguma, estar mentindo deliberadamente. Ao contrário: a coisa era uma inversão histérica genuína, característica, indisfarçável. E coletiva.
A passagem do tempo não parece tê-la curado, mas agravado. Ainda esta semana, como o deputado Bolsonaro relembrasse o episódio, mostrando não arrepender-se do que tinha dito a Maria do Rosário, a deputada Jandira Feghali viu nisso, não, como seria normal, uma prova de falta de educação, mas – pasmem – uma confissão de estupro. E, aos berros, exigia a cassação do mandato de Bolsonaro, alegando que “não podemos admitir a presença de um estuprador nesta Casa”. Não deixa de ser significativo que, nessa mesma semana, uma pesquisa da Universidade da Califórnia revelasse que a incapacidade de perceber o sarcasmo pode ser um sintoma de demência.
Porém ainda mais significativo é que, também na mesma semana, a deputada, lendo uma frase minha segundo a qual todos deveríamos “atirar à cara dos comunistas, em público, todo o mal que fizeram”, lançou o alarma: Olavo de Carvalho prega assassinato de comunistas!
O histérico não enxerga o que está diante dos seus olhos, mas o que é projetado na tela da sua imaginação pelo medo e pelo ódio.

Transtorno da personalidade antissocial pode atingir entre 1% e 2% da população mundial

O transtorno, associado a psicopatas, é mais comum do que se imagina e de difícil diagnóstico e tratamento, segundo especialista

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 25/05/2021 - Publicado há 3 anos

Normalmente associada, pelo imaginário coletivo, à agressividade e à falta de empatia, a complexidade da psicopatia transcende esses estereótipos. O Transtorno da Personalidade Antissocial (TPAS), como é conhecida a psicopatia, é uma desordem neuropsiquiátrica muito mais comum do que se imagina, atingindo cerca de 1% a 2% da população mundial, ou seja, uma a cada cem pessoas, de acordo com estudos acadêmicos. Considerando esta estatística, só no Brasil, seriam de 2 a 4 milhões de pessoas.

Isabela Scotton, psicóloga e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (Lapicc), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP explica que o TPAS pode ser compreendido dentro dos grupos de transtornos de personalidade, que correspondem a “um padrão persistente de pensamentos, emoções e comportamentos que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo”. 

Agressividade e manipulação são algumas das características da psicopatia – Foto: Pixabay

Isabela completa dizendo que é um desvio tanto de cognição, afeto e funcionamento interpessoal, como de comportamentos e controle de impulsos, “que estão dentro do grupo dos transtornos disruptivos, que envolvem problemas de autocontrole das emoções e comportamentos que violam os direitos dos outros”.

A psicóloga informa que os aspectos centrais do TPAS são “falsidade e manipulação, e envolvem padrões repetitivos e persistentes de um comportamento no qual os direitos básicos dos outros ou as principais regras sociais são violados”. Outros comportamentos específicos “podem envolver agressão a pessoas, ou animais, destruição de propriedade, fraude, roubo ou violações graves a regras”. 

Segundo artigo da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, aproximadamente 80% das pessoas que desenvolvem o TPAS apresentam os primeiros sintomas a partir dos 11 anos de idade, podendo ser mais perceptíveis a partir dos 15 anos, e continuam na vida adulta. “Essa prevalência pode diminuir com a idade, conforme o indivíduo aprenda a lidar com seus comportamentos”, explica a psicóloga. 

Causas

As causas não são simples de explicar, diz a psicóloga, pois são resultado de uma complexa interação entre fatores biológicos, genéticos, sociais e ambientais que podem gerar uma predisposição para que o indivíduo desenvolva o transtorno. “Existe um correlato neural genético característico das pessoas que tendem a desenvolver o transtorno de personalidade antissocial.” E acrescenta que a falha na relação entre áreas do cérebro, como, por exemplo, o córtex pré-frontal, o córtex ventromedial, a amígdala e o sistema límbico, “pode causar um prejuízo no desenvolvimento de comportamentos pró-sociais”.

Um outro fator de risco apontado pela pesquisadora está relacionado aos aspectos biológicos, que não são de natureza genética, mas interferem no desenvolvimento da personalidade e são parte de um substrato inato ao indivíduo. Como exemplo ela cita que pacientes diagnosticados com TPAS podem apresentar tendência a ter um comportamento mais agressivo, níveis mais elevados de testosterona, baixos níveis de serotonina, características temperamentais como extroversão e impulsividade. “Essas características que podem influenciar a pessoa a desenvolver ou não esse transtorno comporiam o que a gente chama de predisposição para a pessoa desenvolver.” 

Para a pesquisadora é importante destacar também a influência de fatores ambientais e sociais, que podem estar relacionados à predisposição das pessoas a desenvolverem esse transtorno, principalmente as experiências primitivas que ela teve na infância. Experiências de violência experimentadas pela criança no início da vida, de muita negligência, pouco afeto, “têm apresentado uma correlação importante nas pessoas que desenvolveram esse transtorno”, de acordo com Isabela. Contudo, no TPAS se trata de uma relação de causa e efeito, ressalta a psicóloga, “a gente tem sempre que levar em consideração que é essa interação complexa, mas tem essas características que podem ser associadas ao desenvolvimento do transtorno”.

Não há cura para o TPAS, mas o tratamento pode ajudar o paciente a conviver com os sintomas. “Em geral, os tratamentos seguem a mesma linha de raciocínio de qualquer condição crônica. Ou seja, as condições básicas não podem ser mudadas, muito dificilmente essa pessoa vai se tornar uma pessoa afetiva, empática. Mas busca-se um alívio da sintomatologia, com o tratamento do comportamento agressivo, instabilidade de humor, irritabilidade e impulsividade, por exemplo, por meio de alguns recursos psiquiátricos, algumas medicações psiquiátricas, e tratamentos terapêuticos.”

Associação com atividades criminosas

Embora seja difícil realizar o diagnóstico do TPAS, sendo possível apenas após o indivíduo alcançar os 18 anos de idade, os personagens retratados pelo cinema influenciaram a associação de psicopatas com atividades criminosas. No Brasil, a estimativa é de que os psicopatas ocupem 20% das vagas nas prisões brasileiras, considerando as estatísticas de 1% a 2% da população mundial.

Jack Torrance, personagem principal do longa O Iluminado (1980), é um dos psicopatas mais memoráveis da sétima arte – Foto: Divulgação

Entretanto, “existem pessoas que são psicopatas e não são criminosas, mas todo criminoso que é psicopata tem transtorno de personalidade antissocial”, explica a psicóloga Isabela. O contrário também é possível, “existem pessoas na sociedade que são psicopatas e não necessariamente estão no sistema penal”. 

A associação pode ser explicada “pelas características do transtorno, justamente por ser um padrão de não reconhecer, não sentir empatia pelo sofrimento das outras pessoas, e de ser um padrão persistente de violação dos direitos das outras pessoas. Dá para a gente entender, então, que muitas vezes vai culminar nessas pessoas se engajarem em atividades criminosas”. No entanto, a pesquisadora destaca que “é importante a gente diferenciar que nem todo criminoso é uma pessoa que tem o transtorno de personalidade antissocial”, visto que há pessoas que não têm esse transtorno e também cometem crimes.

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