A FORMAÇÃO MATEMÁTICA NA EJA: UMA ANÁLISE DAS PROPOSTAS CURRICULARES
Políticas Públicas para a formação de Pessoas Jovens e Adultas
Méri Bello Kooro[1]
Celi Espasandin Lopes[2]
Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL
Introdução
Esse trabalho refere-se a um projeto de pesquisa que se encontra em desenvolvimento no Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática na Universidade Cruzeiro do Sul em São Paulo.
As discussões sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) alertam para que esta se configure como um campo próprio nas políticas públicas, com suas especificidades, sendo que o grande desafio da área está em construir uma educação pautada na dimensão humana.
A nossa experiência como professora de matemática em EJA desde 1993 têm nos colocado uma série de questionamentos a respeito de como trabalhar com esse público com características tão diferenciadas.
Diversas variáveis intervêm no ensino de Matemática para jovens e adultos: um público especial, um curso com limitação de tempo, a falta de materiais didáticos específicos para esse público, um professor geralmente sem formação específica para essa atuação.
Muitos jovens e adultos dominam noções matemáticas que foram aprendidas de maneira informal ou intuitiva. No entanto esse conhecimento que o aluno traz não é considerado como ponto de partida para a aprendizagem das representações simbólicas convencionais.
Em função da freqüente redução de tempo dos cursos da EJA, as instituições e os professores se vêem, muitas vezes, obrigados a fazer uma redução de conteúdos entre os já selecionados nos currículos da escola “regular”.
A carência de material apropriado para esse segmento faz com que o professor “adapte” o material destinado ao Ensino Fundamental, tratando os alunos como crianças ao não se considerar todo conhecimento construído fora da escola.
Não podemos nos esquecer que é de fundamental importância o resgate e/ou despertar da auto-estima do aluno da EJA, valorizando os conteúdos atitudinais e procedimentais tanto quanto, ou até mais que os conceituais, uma vez que, através desses conteúdos, o fluir dos conhecimentos conceituais se processará de forma cada vez mais intensa.
A educação de jovens e adultos se apresenta como um campo de práticas educativas que, embora tendo em comum um segmento da população como objeto de sua atenção, abriga uma diversidade de concepções. A síntese desses elementos é objeto de preocupação e o campo curricular apresenta-se como um lugar privilegiado para se analisar como tais concepções se acomodam ou se sobrepõem nas tentativas de se elaborar um projeto educativo coerente onde se expressem as várias identidades da educação de jovens e adultos.
Naturalmente, alunos e alunas da EJA percebem-se pressionados pelas demandas do mercado de trabalho e pelos critérios de uma sociedade onde o saber letrado é altamente valorizado. Mas trazem em seu discurso não apenas as referências à necessidade: reafirmam o investimento na realização de um desejo e a consciência (em formação) da conquista de um direito. Diante de nós, educadores da EJA, e conosco, estarão, pois mulheres e homens que precisam, que querem e que reivindicam a Escola. (FONSECA, 2002, p.49)
Tendo em vista as considerações anteriores, conscientes de que as estruturas e conteúdos que vêm sendo utilizadas na EJA não são adequados para as especificidades desse segmento, definimos como problema: Que estruturas e conteúdos privilegiar no ensino de matemática na EJA do ensino fundamental, que sejam adequados às especificidades desse segmento?
Metodologia
Com o auxílio e as considerações da minha orientadora decidimos optar por uma pesquisa bibliográfica na qual se irá analisar como é organizado o currículo para o ensino de matemática no segundo segmento do ensino fundamental da EJA, usando como fonte dessa análise os referenciais curriculares elaborados pelo MEC, e as propostas curriculares municipais e estaduais. Os critérios de análise estão sendo definidos a partir da leitura dos documentos, na medida que emergirem idéias coincidentes e conflitantes. Tomamos como parâmetro a reflexão sobre Educação Matemática numa perspectiva cultural e buscamos discutir de que maneira as propostas oficiais atendem às especificidades desse segmento.
Concepção do Currículo de Matemática com um Enfoque Cultural
Currículos com um enfoque cultural ressaltam a necessidade de se explicitarem os valores da cultura matemática. Priorizam o aspecto individualizador e personalizador do ensino e buscam relacionar significativamente as pessoas e sua cultura matemática (Bishop,1991).
Caracterizam-se por três componentes: simbólico, social e cultural. Os componentes simbólico e social transmitem mensagens importantes sobre o poder das idéias matemáticas em um contexto social. O componente cultural se ocupa mais de critérios internos da matemática. O autor enfatiza a necessidade de um equilíbrio entre esses três componentes do currículo. Para ele, compreender a matemática apenas como uma tecnologia simbólica concreta é compreender uma pequena parte dela, talvez a menos importante para a educação e para nosso futuro.
Concepção da Proposta Curricular Nacional da Educação de Jovens e Adultos MEC
A linha mestra da proposta curricular nacional para a EJA é a formação para o exercício da cidadania. Considera fundamental a atuação do próprio aluno na tarefa de construir significados sobre os conteúdos de aprendizagem. Dá ênfase à relação de confiança e respeito mútuo entre professor e aluno numa pratica cooperativa e solidária e reconhece os saberes gerados pelo individuo dentro do seu grupo cultural, como ponto de partida para gerar novos conhecimentos. Propõe o compartilhamento de responsabilidade sobre a aprendizagem, na busca de alternativas que auxiliem o aluno a aprender a aprender. Ressalta a importância de contemplar as diferentes naturezas do conteúdo escolares (conceituais, procedimentais e atitudinais) de maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem, visando o desenvolvimento amplo e equilibrado dos alunos, tendo em vista sua vinculação à função social da escola.
Relação entre a concepção do currículo de Matemática com um enfoque cultural e a concepção da proposta curricular nacional para a EJA
Julgamos que há aspectos fundamentais que são comuns às duas propostas. Ambas criticam o conhecimento concebido como algo que possa ser transmitido de uma pessoa para outra. Segundo Bishop (1991) este ensino está relacionado com o método “de cima para baixo”. Na proposta curricular da EJA, este enfoque é dado ao referir-se a educação bancaria nomeada por Paulo Freire e ao mito da concepção cartesiana e linear do conhecimento.
Ao ressaltar a necessidade de conhecer os valores da matemática, Bishop (1991) elucida que a educação é um processo social e, sendo a matemática um fenômeno cultural, transcende os limites sociais. Sendo assim, cada cultura desenvolve sua própria tecnologia simbólica da matemática como resposta às demandas do entorno, experimentadas através das seis atividades universais. A proposta curricular da EJA aponta para o mito existente no tocante à concepção de conhecimento, no qual os saberes gerados por diferentes grupos culturais, como por exemplo, a etnomatemática, não é tratada como conhecimentos.
Um outro aspecto citado por Bishop (1991) diz respeito à importância que deve ser dada à individualidade do aluno e ao contexto social e cultural do ensino visando promover conexões e significados pessoais no processo de aprendizagem. Julgamos que este aspecto é contemplado na proposta quando enfatiza a importância do respeito à experiência e à identidade cultural dos alunos e aos saberes construídos pelos seus fazeres, de acordo com as idéias freireanas.
Nesta perspectiva a aprendizagem cultural é um processo criativo e interativo em que interacionam os que vivem a cultura com os que nascem dentro dela, e que se dá como resultado idéias, normas e valores que são similares de uma geração a seguinte. Assim sendo, a aprendizagem cultural é um ato de re-criação por parte de cada pessoa. Parece-nos que a proposta da EJA contempla esse aspecto fundamentando-se na teoria de Vygotsky que estabelece uma forte ligação entre o processo de desenvolvimento e de aprendizagem com o ambiente sociocultural, onde ressalta a importância de considerar o que denomina zona de desenvolvimento proximal, situada entre aquilo que o individuo já sabe e consegue realizar sozinho e o que pode ser desenvolvido com a ajuda e intervenção de outros.
Face ao exposto, consideramos que ambas as concepções enfatizam os valores culturais, o respeito à individualidade, o reconhecimento dos saberes dos alunos e seus distintos interesses e, concebem a aprendizagem como um processo pessoal, proporcionado pelas interações sociais.
Considerações Finais
Um dos princípios ordenadores que deve estar presente em um currículo da EJA refere-se ao problema da identidade própria. Definida essa identidade as intenções serão apresentadas através de objetivos, conteúdos, orientações didáticas e formas de avaliação.
Muito embora não se tenha ainda concluído esta pesquisa, alguns aspectos se destacam no que se refere às estruturas e conteúdos a serem privilegiados no ensino de Matemática na EJA.
Para tanto definimos como critérios de análise dos documentos curriculares da EJA que se referem à Matemática, os eixos que orientam a organização curricular, o que cada eixo privilegia em relação ao conhecimento matemático a ser adquirido na EJA e quais recomendações metodológicas são apresentadas para o trabalho do conteúdo matemático.
Referências Bibliográficas
BISHOP, Alan J. Enculturación matemática: la educación matemática desde una perspectiva cultural. Barcelona / ES: Paidós, 1991.
FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis. Educação Matemática de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais Curriculares para a educação de jovens e adultos: segundo segmento do ensino fundamental, 2002.
[1] Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática na UNICSUL/SP.
[2] Profa. Titular do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática na UNICSUL/SP.
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