quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ginástica para seu cérebro.


07/03/2008 - 23:26 | Edição nº 512

Ginástica para seu cérebro

Novos jogos eletrônicos fazem sucesso prometendo aumentar a inteligência de jovens e idosos. Será que eles funcionam?

Graham Lawton e Peter Moon, com luciana silveira


Você está muito concentrado. Não tira o olho de um pequeno quadrado branco bem no meio da tela do computador. A qualquer momento, uma letra vai piscar dentro da caixinha. No mesmo instante, um passarinho vai aparecer em algum canto da tela. Sua tarefa é clicar na ave com o mouse para em seguida digitar a letra no quadrado. Você está jogando um game chamado Birdwatching (Observando Pássaros) e, se seu chefe o flagrar fazendo isso no meio do expediente, você terá uma boa explicação para fornecer: está exercitando sua mente. Quanto mais praticar, melhor e mais rápido seu cérebro ficará – pelo menos é o que lhe garantiram.

O Birdwatching é o orgulho da Lumos Labs, uma produtora de software de São Francisco, na Califórnia. Ela é apenas uma das dúzias de empresas que começaram a pipocar nos últimos meses nos Estados Unidos, sequiosas de uma fatia do nascente mercado de softwares para o que eles chamam de “treinamento cerebral”. A teoria é simples: seu cérebro funciona como um músculo. Quanto mais usá-lo, mais forte ele ficará.

Para quem acredita nessa afirmação, existem nos EUA e na Europa centenas de games para acelerar o cérebro. No Brasil, os produtos mais conhecidos e os únicos distribuídos são os games Brain Age 1 e 2 e o Big Brain Academy, disponíveis para os consoles DS e Wii, da Nintendo. Eles foram desenvolvidos pelo neurocientista japonês Ryuta Kawashima, do Instituto do Desenvolvimento, Envelhecimento e Câncer da Universidade Tohoku, em Sendai, ao norte de Tóquio.

Todos os fabricantes de games de exercícios mentais defendem a eficácia de seus produtos. Os argumentos são basicamente dois. Eles oferecem “melhoria do funcionamento cerebral” – como atenção, memória e velocidade de processamento – ou “retardamento do declínio inevitável decorrente do envelhecimento”. As empresas dizem que seus programas são baseados nas mais recentes evidências científicas.

Diante dessa afirmação, vale a pena investir no treinamento cerebral? Você corre o risco de ser passado para trás por alguém que se tornou mais esperto porque aderiu à nova mania? Infelizmente para os candidatos a gênio, não existem respostas simples. Por um lado, sobram estudos sugerindo que algumas funções cognitivas podem ser exercitadas. Em compensação, poucos jogos oferecem evidências de que são capazes de melhorar o desempenho cerebral. “Só existe um jeito de saber se um produto funciona”, afirma o sueco Torkel Klingberg, professor de Neurociência Cognitiva do Instituto Karolinska, em Estocolmo. “É testando de forma controlada e científica, e divulgando os resultados numa publicação acadêmica. Não é suficiente dizer que tal produto é inspirado em pesquisas. É preciso testá-lo. Infelizmente, a imensa maioria dos produtos de treinamento nunca passou por isso, e portanto não são confiáveis.” Em 2001, Torkel fundou a Cogmed, que vende um programa para exercitar a memória e que – afirma a empresa – melhorou de forma significativa as capacidades de concentração e de solução de problemas de 80% dos usuários.

Os programas comerciais de treinamento cerebral surgiram há uma década, mas só começaram a chamar a atenção nos últimos anos. Entre 2005 e 2007, o mercado americano cresceu de US$ 2 milhões para US$ 80 milhões. O que proporcionou esse crescimento exponencial foi o lançamento do Brain Age em 2005. O sucesso foi tamanho que quase transformou Kawashima num milionário. Mas, em janeiro, o japonês criador do game se recusou a receber royalties no valor de 2,4 bilhões de ienes (US$ 22 milhões) pelo sucesso do produto, que já vendeu 17 milhões de unidades desde o lançamento no Japão. “Nem um único iene foi para o meu bolso. Meu hobby é trabalhar”, afirmou. Atualmente, Kawashima lidera uma equipe que desenvolve para a Toyota um carro para os motoristas na terceira idade. Através de sensores, o veículo vai manter os motoristas sempre alertas, prevenindo acidentes – algo importante num país que é o recordista mundial de expectativa de vida, com uma média de 82 anos.

O Brain Age é importado pelo Brasil desde 2006. Todo em inglês, ele roda no console portátil Nintendo DS. Com um investimento de R$ 99 (fora o preço do console, que não sai por menos de R$ 540) e alguns minutos diários de concentração, o produto promete ajudar qualquer pessoa a “extrair o máximo de seu córtex pré-frontal”, região do cérebro considerada como a sede da personalidade e da vida intelectual. O Brain Age é uma coleção de quebra-cabeças e videogames que usa habilidades cognitivas como a memória, a atenção e a velocidade de processamento. Além de poder jogar o popular sudoku, o usuário precisa, entre outras tarefas, ler em voz alta clássicos da literatura ou contar até 120, só que tudo isso o mais rápido possível. Também há jogos para memorizar palavras e cores que pipocam no monitor. Outros exigem que você desenhe linhas que conectam letras e números em ordem alfabética e numérica. “Usamos o jogo na seleção de pessoal para checar as habilidades dos candidatos”, afirma Rafael Gómez, da Latamel, a empresa responsável pela importação dos games e consoles da Nintendo no Brasil.

Em dois anos, o mercado de jogos cerebrais cresceu de US$ 2 milhões para US$ 80 milhões nos EUA

Outro sucesso da Nintendo é o Big Brain Academy, mais voltado para o mercado de entretenimento. O game apresenta uma bateria de testes divertidos e, no final, dependendo de sua pontuação, calcula o “peso” de seu cérebro, em gramas. Um produto concorrente é o Brain Challenge, da UbiSoft. “Através de testes, o jogo vai calculando a porcentagem do cérebro que você usa. O objetivo é chegar a 100% e usar toda a capacidade craniana”, diz Gómez.

Como acontece com qualquer videogame, quanto mais se joga, melhor o desempenho. A explicação para isso é a idéia de que o cérebro pode ser exercitado, como um músculo. Diversos estudos científicos sustentam essa hipótese, chamada de “use-o ou perca-o”. Nos últimos 15 anos, os neurocientistas reuniram evidências de que funções cognitivas podem ser melhoradas com o treinamento, não apenas entre os idosos, mas também entre jovens e adultos. Estudos mostram que desafiar uma parte específica do cérebro encoraja essa região a crescer e se desenvolver.

“A descoberta mais importante na moderna neurociência é que toda vez que estimulamos nosso cérebro ele responde de forma positiva”, afirma Gene Cohen, diretor do Centro de Gerontologia e Saúde da George Washington University, em Maryland, e autor de O Cérebro no Envelhecimento Humano (Editora Andrei). “Novas conexões entre os neurônios se formam, melhorando a comunicação entre as células.” Essa descoberta jogou por terra a antiga idéia de que os neurônios são as únicas células do corpo humano que não são repostas. “Hoje, sabemos que o cérebro continua criando novas células ao longo de toda a vida, e que o estímulo mental influencia esse processo”, diz Cohen. “Nunca é tarde para desafiar nosso cérebro e se beneficiar com a melhora de seu funcionamento. Independentemente da idade, qualquer um pode sacudir a poeira e ser mais criativo.”

“Qualquer forma de atividade de aprendizado é boa, pois ela desafia o cérebro, e o cérebro gosta de ser desafiado”, diz John Ratey, professor de Clínica Psiquiátrica da Universidade Harvard e autor de Síndromes Silenciosas e Cérebro: um Guia para o Usuário (ambos publicados pela Editora Objetiva). “Existem de 12 a 15 anos de bons trabalhos na área laboratorial que auxiliam a colocar o cérebro na direção correta”, afirma Mike Merzenich, neurocientista da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Ele também dirige a Posit Science, que desenvolve programas de boa forma cerebral. “Quase tudo pode ser melhorado. O cérebro é maciçamente moldável – se for trabalhado da maneira correta.”

O princípio de exercitar o cérebro tem respaldo científico, mas a maioria das empresas de software de treinamento cerebral não especifica de que forma seus produtos atuam fisicamente no cérebro. O Lumosity, da Lumos Labs, se baseia em dados pouco confiáveis. A Lumos afirma que seu programa acelera a velocidade de processamento e o controle cognitivo, mas ainda não existem evidências disso. Segundo Mike Scanlon, o cientista responsável pela companhia, seu programa de treinamento foi adaptado de experiências publicadas em artigos acadêmicos nas áreas de psicologia e neurociência cognitiva. Os testes da própria empresa mostram que 30 sessões de treinamento produziram melhora significativa numa bateria de exames que envolvem atenção visual e memorização. Só que as avaliações foram feitas com apenas 14 pessoas. E os resultados não foram publicados em nenhuma revista acadêmica.

É improvável que a situação mude. Não há incentivo para que as companhias realizem testes apropriados. Como Merzenich afirma, uma avaliação correta pode custar até US$ 2 milhões, e poucas empresas estão dispostas ou têm a capacidade de desembolsar esse dinheiro. “Eu quero continuar pesquisando”, diz Scanlon, da Lumos Labs. “Mas não vamos fazer estudos com mais gente.” Além disso, o mercado de treinamento cerebral não é regulado por nenhuma agência como a FDA (responsável pela qualidade dos alimentos e medicamentos nos Estados Unidos) ou a Anvisa (que regulamenta produtos de saúde no Brasil). Essas agências exigem a comprovação científica da eficácia de um produto antes de permitir sua venda. Mas não têm autoridade sobre os games. Da mesma forma, a ausência de avaliações clínicas parece não ser uma barreira para o sucesso comercial desses programas. Pelo menos é o que se conclui ao observar o crescimento desse mercado nos EUA.



“É diversão inteligente”

Uma das telas do console portátil Nintendo DS exibe 20 cálculos matemáticos. O jogador escreve os resultados com uma caneta especial. O objetivo é acertar no menor tempo possível. O desempenho do jogador é comparado a um meio de transporte – um trem, uma bicicleta, um avião, dependendo do tempo gasto. O analista de sistemas Marcus Soares, de 22 anos, diz completar as 20 operações em nove segundos – o suficiente para ser reconhecido como um foguete. Diz que seus amigos nem tentam competir com ele. “Nunca vi ninguém terminar nesse tempo.”

Com a correria do dia-a-dia, o game é acionado no ônibus, a caminho do serviço. “É uma diversão inteligente.” Apesar de não ter certeza sobre os efeitos do game em seu raciocínio, aponta o lado intelectual da brincadeira. “Talvez ajude, porque tem atividades de foco, concentração, memória. Nesses jogos, é preciso prever situações e tomar decisões.”

NO TRÂNSITO
Marcus Soares joga seu game portátil no ponto de ônibus. Ele diz que exercita a memória e a concentração




“Me ajuda na faculdade”

A estudante de Filosofia Cláudia Castilho conheceu o Wii, o console da Nintendo, em uma festa promovida por um amigo. Ela deixou a “Wii Party” com uma recomendação: Big Brain Academy. O game oferece atividades de raciocínio, divididas em cinco categorias: lógica, análise, matemática, memória e percepção visual. Depois que o jogador completa as tarefas, o Wii dá dicas para melhorar sua pontuação e avalia seu desempenho, dizendo qual o “peso” de seu cérebro.

Sua estréia no Big Brain Academy não foi das mais impressionantes: aos 37 anos, ela foi superada por um sobrinho de apenas 6. “Não fiquei contente com os gramas de meu cérebro”, diz. Mas, depois de três meses de treinamento, seu “cérebro virtual” já tem mais de 1 quilo, na medição do game. Cláudia diz que os efeitos podem ser sentidos na hora de estudar. “Me ajuda a recordar o que eu leio para a faculdade. Gosto de jogar antes de ler, porque me sinto mais preparada e também porque me ajuda a relaxar”, afirma.

ESTUDANTE DE FILOSOFIA
Cláudia com o Big Brain Academy, do console Wii. “Gosto de jogar antes de ler”
AINDA NESTA MATÉRIA
Página 1: Ginástica para seu cérebro

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG82252-6010-512,00-GINASTICA+PARA+SEU+CEREBRO.html

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