sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Tecnologia: programa desenvolvido na Unicamp se transforma em ferramenta de inclusão social em cidades do Interior.


Revista Metropole
Além dos muros da escola



Tecnologia: programa desenvolvido na Unicamp se transforma em ferramenta de inclusão social em cidades do Interior





Rogério Verzignasse
rogerio@rac.com.br

Um projeto desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprova de que forma a tecnologia facilita a prática pedagógica. Trata-se de uma sólida rede de comunicação que, interligando escolas, faz da informática ferramenta fundamental de aprendizagem. Escolas públicas de seis cidades do Interior já aderiram ao projeto, no qual atividades lúdicas ajudam a fixar o conteúdo das aulas.

Os idealizadores do Conexão do Saber desenvolveram centenas de módulos educacionais que, no computador, ajudam estudantes do Ensino Fundamental a aprimorar conhecimentos em matemática, português, geografia, história e ciências.

O programa é uma tecnologia social de diversas frentes. No laboratório de informática, os alunos se interessam pelas atividades lúdicas. Os professores sentem-se motivados pela chance de desenvolver os módulos de estudo, adequando-os ao currículo escolar e disponibilizando-os na web. Na prática, transformam-se em “co-autores” do software.

Em São José do Rio Preto, primeira cidade a integrar o programa de inclusão digital idealizado pela Unicamp, a Prefeitura investiu, em 2004, R$ 5 milhões na compra de equipamentos e na instalação em uma rede de fibras ópticas. A verba resulta da parceria entre Secretaria Municipal de Educação e a Empresa Municipal de Processamento de Dados (Empro). O que se limitava a um privilégio de estudantes da rede municipal acabou se tornando paixão coletiva. O público atendido vai desde jovens portadores de necessidades especiais a adultos praticamente analfabetos. Ou seja, o Conexão vai além dos muros da escola.

Quem acessa os módulos pedagógicos esquece as limitações físicas e os bloqueios emocionais. O saber está disponível a cidadãos de qualquer classe social ou nível intelectual. No laboratório de informática, até humildes usando chinelos de dedo orgulham-se de mover o mouse.

À procura de soluções

Na página de geografia, o estudante encontra os continentes, um separado do outro. Utilizando o mouse, a missão do aluno é “arrastar” cada continente para o devido espaço no mapa-múndi. Em outra página, cada país é ligado ao idioma falado. No final, a diversão ajuda o estudante a fixar o que foi ensinado na aula.

Para aprender português, o aluno encontra várias frutas desenhadas. Dentro de cada uma, as letras do nome estão embaralhadas. O usuário deduz, pela figura, de qual fruta se trata. Arrasta as letras, uma a uma, até que o nome preencha linhas tracejadas.

Os laboratórios virtuais encantam a garotada por exibir a órbita dos planetas em volta do sol. Outro permite uma viagem aos órgãos do corpo humano. Há links que mostram os animais da lagoa, a estrada do tempo, insetos do jardim, paisagens da Terra, sinais de trânsito. Mapas coloridos explicam como é o relevo e o clima de cada região e qual o produto mais cultivado em áreas específicas do Interior. A profusão de temas, elaborados e desenvolvidos a cada dia pelos professores, é imensa.

“O interesse pela atividade acabou com as faltas na rede pública. As crianças se divertem e não querem sair da sala”, diz Karina Perez Guimarães, coordenadora de Educação e Gestão Digital. “Além disso, motivamos o diálogo e desenvolvemos a capacidade de cooperação, já que grupos pequenos se reúnem ao redor da mesma telinha”, afirma.

Hoje, a Prefeitura gasta R$ 100 mil mensais para manter o Conexão do Saber. O dinheiro paga o salário de estagiários, que ajudam os estudantes nos 34 laboratórios virtuais, manutenção de equipamentos e acompanhamento técnico ocasional dos especialistas da universidade. Os benefícios do programa, contudo, são imensos.

A secretária Municipal de Educação, Maria do Rosário Ceravolo Laguna, explica que o envolvimento da comunidade no projeto é tão grande que o programa não corre o risco de acabar, qualquer que seja o prefeito ou o partido no poder. Isso porque todo o corpo docente da cidade se empenhou na preparação dos módulos. E os professores, aliás, ganham mais. Recebem remuneração extra: depois das aulas, reúnem-se para avaliar os temas e sugerir mudanças. “A Unicamp nos ajudou a valorizar a prestação do serviço público.”

A experiência deu tão certo que o governo municipal planeja expandir, ainda este ano, o projeto para as escolas infantis. O sistema audiovisual pode ensinar quem ainda nem aprendeu a ler.

Sem aborrecimentos

Do Jardim Gabriela, na periferia de São José do Rio Preto, avista-se ao longe a cidade rica, tomada de prédios, hospitais modernos e bares agitados. No bairro, fica a EMEF Professor Oldemar Stobbe. Os alunos fazem barulho e não conseguem conter o entusiasmo quando a professora Rosimeire de Araújo Petreca organiza a fila, na porta do laboratório.

Com 11 anos de carreira no Ensino Público, Rosimeire conta que o Conexão do Saber transformou as aulas. Os estudantes, diz, não se aborrecem mais. Antes, a matemática era acompanhada de semblantes enfadonhos. Agora não. A matéria torna-se diversão no computador, já que as operações básicas se convertem em gráficos coloridos.

Segundo a professora, a web é um instrumento fantástico para desenvolver conteúdos que, antes, ficavam limitados à lousa. “Para a criança, ela vem jogar e brincar. Na prática, sai do laboratório sabendo mais”, resume.

Do outro lado da cidade, no Jardim Fuscaldo, o laboratório do Centro de Ensino Municipal e Supletivo (Cemes) passou a receber adolescentes especiais. Há portadores de síndrome de Down e alunos com deficiências cognitivas. Há ainda jovens com problemas físicos, com déficit motor e usuários de cadeiras de rodas.

Todos freqüentam as aulas com a alegria de quem ganha presentes no Natal. “A procura pelo laboratório de informática cresceu a ponto de o Cemes formar oito turmas. São quatro professores à tarde e quatro pela manhã.

“É um espaço que recebe jovens de todas as classes sociais, que chegam de todos os bairros da cidade”, diz Jucélia Costa e Silva, professora com sete anos de carreira. “A ferramenta virtual devolve para a escola jovens que estavam apartados do sistema de ensino.”

E a escola volta a prestar um serviço social primordial. “Os jovens passam a conviver com as diferenças e respeitá-las. Valorizam a tolerância, a bondade, a benevolência, a compaixão”, explica Jucélia.

Da roça para o mundo infinito

Ao cair da noite, os corredores barulhentos do Cemes estão silenciosos. Aos poucos, no entanto, chegam os adultos, participantes das aulas de alfabetização. Vindos da roça à procura de emprego na cidade, não tiveram o prazer de freqüentar bibliotecas ou de ir ao teatro, mas conhecem o mundo todo ali, na tela do computador. Hoje, os alunos se sentem bem por voltar a fazer parte do mundo.

Adílson Luís Florentino nem chegou aos 30 anos. Na escola, não passou da 5ª série. Quando chegou a Rio Preto, começou a trabalhar como jardineiro. Acomodado, foi incentivado pelo patrão a estudar informática. Além de ser promovido (hoje ele vende plantas), Adílson voltou a namorar. “Tinha vergonha de me aproximar de uma moça. Agora não. Fiquei por dentro dos assuntos do dia”, diz.

Osmilton Donizete Alcântara deixou a lavoura em Jaciara (GO). Em Rio Preto, arranjou um emprego de motorista. Em um acidente, perdeu a visão do olho esquerdo. Aos 46 anos, afastou-se da estrada e usou o dinheiro guardado para comprar um computador para os filhos adolescentes, de 15 e 13 anos.

Mas Osmilton andava mergulhado na tristeza. Sofria por não conseguir conversar com os filhos. Não entendia o que os rapazes faziam na frente do computador. “Quando comecei a explorar os módulos do Conexão, aprendi muito. Comecei a sentir o prazer de ter o que dizer. Eu desperto agora a atenção dos meus meninos.”

Ambiente de troca

O Conexão do Saber vem sendo idealizado desde o final de 1990, quando um convênio firmado entre a Unicamp e a Universidade da Flórida (EUA) desenvolveu projetos de infovias. Na época, Leonardo Mendes, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação, direcionou a idéia à Educação. “Desenvolvemos um software que integrava as escolas em rede, um ambiente aberto para a troca de conteúdos educacionais preparados pelos próprios professores”, diz.

Como forma de aprimorar o sistema público de ensino, a idéia foi direcionada às prefeituras. A partir de São José do Rio Preto, o projeto foi implantado em outras cinco cidades: Penápolis, Guará, Santos, Salto e Pedreira. “Hoje, há 80 mil paulistas integrados em mais de 1.400 módulos pedagógicos”, comemora.

Os educadores do Interior que aderiram ao projeto o conheceram por meio da Inova, um escritório vinculado à reitoria da Unicamp, responsável pela transferência da tecnologia desenvolvida no campus. Fundada há cinco anos, a agência registra patentes e vende às empresas produtos desenvolvidos pelos pesquisadores.

Segundo Diógenes Feldhaus, diretor de desenvolvimento de parcerias da Inova, o Conexão do Saber é fruto de investimentos. Não só no software, mas em toda a rede física para a transmissão de dados. “O poder público monta um sistema complexo, que futuramente permite a inclusão digital de todos os moradores a preços irrisórios”, diz.

Saiba mais

http://www.conexaodosaber.com.br/
Em São José do Rio Preto, com a coordenadora Karina Guimarães:
kguimaraes@empro.com.br

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