O Pensamento Ocidental e o Taoísmo
“Se alguém sabe como cessar os pensamentos, então há concentração; concentrando-se se pode ‘chegar à tranqüilidade’; por meio da tranqüilidade, pode-se obter a paz; com a paz se alcança a sabedoria; e com a sabedoria pode-se ter o Tao”. Lao-Tsé
1. DEFINIÇÃO DE TAO
O Tao não pode ser definido. E se for definido não é o Tao. O que isto significa? Significa que o Tao está acima e além da compreensão humana comum. A linguagem não possui palavras nem símbolos que o definam. É mais ou menos o que acontece quando queremos definir Deus. Podemos dizer que Deus é isso, aquilo, mas sempre será uma definição incompleta, pois não temos condições de penetrar na intimidade do Criador. Ele também não é uma religião. Em realidade, Tao quer dizer como; como as coisas acontecem, como elas funcionam. É o princípio único que está subjacente a todos os acontecimentos.
2. ORIGEM DA PALAVRA
A palavra Tao vem do livro de Lao-Tsé, intitulado, o Tao Te Ching. Este livro, constituído de 81 versos ou lições, surgiu há 2.600. E tudo isto começou quando ele, funcionário em uma corte depravada e corrupta, resolveu abandonar o país em busca de lugares mais serenos, onde pudesse repousar sua cabeça cansada. Consta que Lao-Tsé, ao deixar o país com as roupas do corpo e montado no lombo de um boi, dirigiu-se à fronteira. Lá chegando, encontrou um guarda que o reconheceu e pediu que este lhe ensinasse tudo o que sabia. Lao-Tsé aceitou a tarefa e em uma só noite escreveu o pequeno livro. Diz-se que Lao-Tsé estava mais do que inspirado, ele estava iluminado.
3. O TAO É UMA ORDEM UNIVERSAL
Ordem aqui tem um sentido de Lei. Só que não é uma Lei comum. É uma Lei de cuja origem não se tem notícia, mas que vem funcionando antes que o mundo fosse mundo, ou que o Universo fosse Universo. Ela não é uma lei natural física como, por exemplo, a Lei da Gravidade, presente em todo o Universo. No entanto, a gravidade não se aplica a certas coisas mais sutis, como por exemplo, o pensamento. Não temos conhecimento de uma balança que marque o peso de uma idéia. Uma Ordem tem outra conotação: ela se aplica a tudo o que existe, gente, animais, pensamentos e estrelas. Ninguém a pode desconhecer, porque ela está acima de qualquer coisa. Ela não manda, nem os outros a obedecem. Uma Ordem não é uma Lei. Por ser universal, ela deve ser aplicada em qualquer lugar do Universo. Por isso, é também cósmica.
4. A ARTE OCIDENTAL E A ARTE CHINESA
A arte ocidental, como outros aspectos de nossa cultura, inclinou-se para os mecanismos do sistema econômico materialista, em que a eficácia e o funcionamento prevalecem sobre a beleza e a qualidade. Ela não pode desempenhar a função social que é tornar consciente o subconsciente, abrir as portas à percepção.
A arte chinesa inclinou-se para a sondagem dos mistérios da mente. Quase toda a pintura chinesa é paisagista. Não há retratos, porque não se fomenta a personalidade. No ocidente, a arte, concentrando-se mais no homem, busca a sua personalidade, a sua individualidade.
5. CAUSALIDADE E SINCRONICIDADE
Para explicar os fenômenos da natureza, a cultura ocidental aceita o principio de causalidade; a cultura chinesa, o princípio da sincronicidade.
Sincronicidade significa que existe uma correspondência entre os estados simultâneos dos sistemas dos fenômenos. A conexão dos fenômenos não é de causa e efeito, mas de homologia entre os fenômenos que ocorrem ao mesmo tempo. Para eles não há dualidade.
A destruição é construção;
A construção é destruição.
Não há destruição e construção:
Ambas são só um e o mesmo.
6. DIALÉTICA HEGELIANA
Hegel conhecia o I Ching e o Tao Te Ching. Ele dava aula sobre as matérias contidas nesses livros. A dialética hegeliana é a tradução ocidental da concepção chinesa de evolução pela ação dos opostos. Ying-yang, masculino e feminino e bem e mal não são dualidades – coisas separadas – mas polaridades ou estados extremos de uma mesma coisa, como as pontas de um bastão.
7. PRESSUPOSTOS ACERCA DO HOMEM
No ocidente há o pressuposto de que o homem é mal. Por isso a frase: “Homo homini lupus”, que traduzido quer dizer: “O homem é lobo do próprio homem”. O confucionismo, por exemplo, parte da tese de que o homem é bom. Quando as relações humanas se constroem pensando que o homem é mal, o homem acaba o sendo. Ashley Montagu disse que na natureza são mais importantes e numerosas as relações de simbiose e cooperação do que as de depredação.
8. O MAR E A MONTANHA
O mar propicia uma atitude argumentativa; a montanha; uma atitude de contemplação.
Os filósofos gregos construíram as suas academias junto ao Mar Mediterrâneo; o taoísmo foi sempre situado nas montanhas.
9. BUSCA DA VERDADE
A filosofia ocidental pergunta o que é a verdade; o taoísmo, o modo de atuar.
Para buscar a verdade, a nossa filosofia observa, argumenta, analisa e deduz, quer dizer, atua para conhecer. O taoísmo conhece para atuar e não chega ao conhecimento por uma ação prévia, mas sim por uma não-ação. Se observar e argumentar são as ferramentas da filosofia ocidental, a naturalidade e a espontaneidade são os meios de atuar dos taoístas.
Esta atitude está contida nos dois conceitos básicos do taoísmo, que são: Wu-wei = nada fazer e Tzu-jan = nada conhecer. A não-ação criativa do wu-wei é a pura naturalidade. O não conhecer do tzu-jan é a pura espontaneidade.
Resumindo:
Wu-wei quer dizer: 1) seguir a linha da menor resistência; 2) esperar o momento do retorno.
Tzu-jan quer dizer: 1) a mente em branco ou não mente; 2) o reflexo.
10. A METÁFORA DA ÁGUA E O REPOUSO DO SÁBIO
O repouso do sábio não é o que o mundo chama de inação. Seu repouso é o resultado de sua atividade mental: toda a criação não poderia alterar seu equilíbrio; daí o seu repouso. Quando a água está quieta, é como um espelho, dá precisão ao nível e o filósofo a toma como modelo. E se água deriva a sua lucidez de sua quietude, quanto mais as faculdades da mente. A mente do sábio, por estar em repouso, deve espelhar o universo, espéculo de toda a criação. Repouso, tranqüilidade, quietude, naturalidade são os níveis do universo, a perfeição última do Tao.
“Se nada em seu interior está rígido
As coisas exteriores se abrirão por si mesmas
Em movimento, assim como a água;
Quando quieto, como um espelho.
Responde como um eco”.
OBSERVAÇÃO: Chuang-tzu está para Lao-Tsé como Paulo está para Cristo.
BIBLIOGRAFIA
RACIONERO, Luis. Textos de Estetica Taoista. Madrid: Alianza, 1983.
REFLEXÃO
O Tao é nome que se dá aos ensinamentos veiculados por Lao-Tsé, há 2.600 anos, na China, no livro o Tao-Te-Ching. De acordo com o seu autor, o Tao não pode ser definido, apenas conhecido, pela mesma razão com que não podemos definir Deus. O livro foi escrito numa única noite, como resposta ao homem da fronteira, que lhe pediu para ensinar tudo o que sabia da vida. Diz-se que quando Lao-Tsé escreveu o livro ele estava mais do que inspirado, ele estava iluminado. Ao longo de todo esse tempo, esse livro foi traduzido para várias línguas, servindo de subsídio para muitas filosofias e religiões.
Os ocidentais têm muita dificuldade de compreender o modo de atuar dos orientais. É que nossa cultura foi formada à beira do mar (Mar Mediterrâneo), em que imperava a racionalidade dos gregos, tais como Sócrates, Platão e Aristóteles. Assim, para os ocidentais a busca da verdade deve passar necessariamente pela argumentação, pela análise e pela dedução. Os chineses não têm essa preocupação; o conhecimento da verdade vem pela intuição, pelo não-atuar, por deixar a realidade se mostrar.
No que tange à arte, o mundo ocidental reteve as partes da eficácia e segue voltado para o valor monetário, ou seja, para a materialização dos arroubos do sentimento. Contudo a arte, na sua acepção mais acurada, é tornar consciente o que está no subconsciente. Nesse sentido, os chineses estão mais perto da verdadeira arte porque não evocam a personalidade e a individualidade como os ocidentais, mas radicalmente a paisagem, que é impessoal e mais próxima da natureza.
A metáfora da água é um dos símbolos mais ventilados no taoísmo. Enquanto nós, ocidentais, estamos à procura da erudição e da eficiência, os chineses se desenvolvem por meio do wu-wei (natureza) e do tzu-jan (espontaneidade). Eles não buscam o saber; isso é algo que emerge da situação, em virtude de uma não-ação, que não quer dizer inação. Por isso, o repouso do sábio assemelha-se à água. Quando a água está límpida e quieta, ela espelha melhor o seu conteúdo. Se estiver turva e agitada, não conseguimos ver mais nada. Do mesmo modo, o sábio precisa de repouso e tranqüilidade para espelhar toda a sua sabedoria.
Os chineses não confundem atividade com a agitação. O fato de uma pessoa ficar à beira do lago, sem nada fazer, não significa que esteja inativo. Ele pode simplesmente estar captando idéias, absorvendo forças e energias do cosmo, que lhes poderão ser úteis no momento aprazado. Para eles, basta que tomemos consciência do que se nos acontece aqui e agora, sem qualquer tipo de intervenção. As coisas simplesmente devem acontecer; o nosso trabalho consiste em observar, sem julgamento, e esperar a lei do retorno, pois a dualidade ou a separação não existe. As coisas formam um todo harmônico.
Em vista disso, não devemos nos preocupar com o fracasso e o sucesso. Eles não são dicotômicos; fazem parte da atividade humana. E, se assim pensarmos, iremos a qualquer lugar, sem medo do desconhecido.
São Paulo, janeiro de 2005
Fonte: http://www.ceismael.com.br/filosofia/filosofia007.htm
Entrevista com o Sacerdote Taoísta Wagner Canalonga sobre as práticas e conhecimento milenar do Taoísmo.
Sociedade Taoísta do Brasil - Taoísmo -
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