Se tem uma coisa que o Sr. Presidente da República sabe fazer com maestria é falar. Fala pelos cotovelos, como quem improvisa espontaneamente os discursos seguro de suas experiências e cãs, fazendo o tipo vovozinho ranzinza, bem-humorado e sábio. Redondo da cabeça aos pés e com duas orelhas de abano, Lula anda de um lado para o outro do palco alternando voz embargada com gritos de braveza para provocar, no público, as emoções mais contraditórias, recurso típico das lideranças autoritárias e carismáticas. A mim não engana, mas seduz muita gente neste país que cresceu sem pai, sem um patrão caridoso, sem um líder religioso que pastoreie seu rebanho.
Foi assim, com seu jeito bonachão de quem está sempre pronto para erguer uma alma desvalida, que Lula discursou na 4ª Conferência Nacional da Juventude, um evento promovido pela Secretaria Nacional de Juventude, ligada à Secretaria Geral da Presidência da República. Cercado de universitários petistas acima do peso, deslumbrados e, simultaneamente, apáticos, que em nada representam os jovens brasileiros dos campinhos de futebol e festivais sertanejos, Lula ativou ainda mais os gestos histriônicos, chegando a tremer as mãos e sendo acudido por Janja que, como boa assistente, lhe serviu uma garrafinha d’água.
E especificamente neste contexto de euforia queer foi que Lula bradou a frase da semana: “Vocês não sabem como eu estou feliz hoje. Pela primeira vez na história desse país, nós conseguimos colocar na Suprema Corte desse país um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino.”
Para a direita mais da linha de frente, a declaração de Lula soou como o anúncio de um novo regime, mas quem conhece o personagem não se assustou. Primeiro porque, de comunista, o judiciário já está infestado; segundo porque Lula muda o discurso como troca de roupa. É o seu estilo que permanece o mesmo, a forma exterior, enquanto o conteúdo se adapta conforme a plateia.
O objetivo deste tipo de performance é agradar a massa débil e confundir o inimigo. Dois coelhos mortos com uma só cajadada.
Dali os jovens saem com os corações palpitantes, crentes de que são a geração escolhida para empreender a última das revoluções. O próprio Lula fez a convocação: “…e vocês têm que aprender uma lição: não existe possibilidade de vocês desanimarem de lutar se vocês tiverem, dentro da cabeça de vocês, uma causa. E cada um de nós pode construir uma causa pessoalmente, mas nós temos que construir uma causa coletiva.” Viu como se faz?
Já os adversários são pegos de surpresa por um movimento ousado, que será desfeito no primeiro evento com banqueiros e empresários (mas até lá terão gasto umas boas horas analisando a jogada ou se gabando de ter cantado a pedra com antecedência. No caso de Dino, que ele é comunista, como se pudessem antever alguma coisa que já não fosse óbvia).
Esta é a tônica das disputas de poder nos tempos modernos: sustentar uma aparência dialeticamente paternal e patriarcal, um discurso flexível, uma agenda sempre aberta a rabiscos e novos planos, só restando, de estável, o interesse pessoal. Tudo que essa gente faz é para se manter no topo e ditar as regras do jogo. Se ainda há, por trás dos movimentos perceptíveis, o devaneio de uma economia planificada, do fim da propriedade privada, de uma nova ordem social coletivista e igualitária, ele emergirá dos pequenos focos de incêndio aqui e ali, nos campus universitários, nas escolas, nos eventos musicais e cênicos, nos cultos e missas. Não de cima do palanque.
Os conservadores mais afoitos deveriam tapar os ouvidos para este tipo de falatório. Neles só produz perturbação. A simulação de uma guerra declarada e justa serve para paralisar os últimos combatentes que resistem no verdadeiro campo de batalha da cultura, dos símbolos, dos mitos e costumes.
Se querem dar um passo adiante, larguem essa mania de Apóstolo João, anunciando o fim dos tempos com edições de vídeo derrotistas, nada animadoras. Aprendam um pouco com quem domina o estilo: ergam as frontes, aprumem os troncos, estendam os braços e depositem um tom a mais de emoção e mistério na impostação da voz.
Apresentem ao povo os afetos agregadores que permitirão, em um próximo estágio de abertura de consciência, anterior à própria mobilização, fazê-lo ver o que não está visível.
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