13 de janeiro de 2024
Essa semana, mais uma vez, a Rede Globo conseguiu pautar a polêmica que, obrigatoriamente, todos deveriam comentar. Um homem feito, barbado, 31 anos de idade, soltou em rede nacional a seguinte pérola: “Minha mãe faz tudo pra mim. Organiza minhas coisas, arruma minha cama, faz minha comida, coloca minha comida. Vou ter que dar meu jeito, arrumar uma mãezona lá para cuidar de mim”.
Pronto. Bastou essa molecagem de um candidato ao Big Brother Brasil para que os influencers conservadores escolhessem a sua nova pauta-escândalo. Foram dezenas de vídeos reagindo à cena, alertando os pais sobre as fragilidades da nova geração. E eles estão certos em avisar sua audiência: se não tirarmos nossos filhos da frente das telas, eles correm o sério risco de se tornarem abobados como o filhinho da mamãe selecionado por Boninho.
Mas a reiterada exposição às mediocridades alheias pode gerar um efeito nocivo à personalidade: no lugar de se dignificar pela elevação, ela se orgulha de não estar nas camadas inferiores. Um transtorno que batizei como orgulho-de-não-ser.
No centro da bolha neoconservadora de Instagram, vai emergindo uma altivez de quem sabe que não é assim tão idiota, fútil, perverso, promíscuo e tantas outras vulgaridades em moda hoje em dia. A classe média tradicionalista parece estar forjando, no próprio self, uma falsa unidade baseada na negação, no lugar da substância densa com a qual deveria construir a sua identidade. E isso não é nada bom.
Quanto mais são postos diante de subcelebridades como os participantes do BBB, de funkeiros, MC’s e blogueiros de YouTube, atores globais e jornalistas da Folha, coaches, marqueteiros e palpiteiros oportunistas, os pais e mães de família têm a certeza de que estão prontos e acabados, maduros, santificados e realizados em suas vocações, porque passam dias de noites trabalhando, cuidando dos filhos e frequentando as programações da igreja.
“Na minha casa não entra BBB!”, bradam eles, como se a ausência de ladrão fosse suficiente para deixar a sala bem decorada. Um ufanismo por pouca coisa muito bem explorado pelos tais influenciadores, homens católicos e evangélicos com bom gosto para ternos e inúmeros filhos na foto de Natal. É assim que eles vão erigindo, em torno de si, uma comunidade que dita as próprias regras morais e códigos de conduta, classificando todos os adeptos como os esclarecidos pela incorporação automática, via cursos e eventos de palco, das qualidades do seu mestre.
De tanto interpretarem a realidade a partir destes dualismos arquetípicos que distinguem o santo do profano, o justo do pecador, o nobre do popular por um simples gosto ou estilo melhorzinho, estas consciências ainda precoces perdem as sutilezas das mudanças culturais que, de fato, ameaçam seus lares.
O rapaz que, no lugar de uma namorada, queria uma empregada doméstica dentro da casa do BBB sequer entrou no programa. Foi rejeitado pelos participantes que já haviam sido selecionados em uma votação ao vivo. Quem está, de fato, dando o que falar é Wanessa Camargo. A cantora tem milhões de seguidores, dinheiro, fama e presença constante nos programas de maior audiência da Rede Globo, mas parece querer mais e, surpreendentemente, entrou para o elenco do Big Brother Brasil.
Logo de cara a filha de Zezé conquistou o público pela simples coragem de se expor no jogo de monitoramento 24 horas. Ganhou ainda mais pontinhos ao elogiar, já confinada, a atual namorada do ex-marido, Marcus Buaiz, de quem se separou, após 17 anos juntos, para retomar a antiga relação com o namorado de adolescência Dado Dolabella. “Mulher bem-resolvida é assim”, foi um dos comentários no trecho da conversa que rodou as páginas de fofocas.
O que Wanessa foi fazer no BBB? Obviamente botar seu nome na boca do povo e, quem sabe, agregar mais popularidade, ainda que com o risco de ser rejeitada pelo público ao expor sua personalidade não artística, como ocorreu com o ator Fiuk e a rapper Karol Conká. É uma jogada de marketing da Rede Globo para reforçar a sensação de que o telespectador está com o poder nas mãos, ditando o destino até mesmo de grandes artistas por meio da mobilização da opinião geral através das redes sociais.
Este sim é o verdadeiro pão e circo que aliena o cidadão brasileiro de sua circunstância. Um país em que avança, sem qualquer protesto, uma inédita aliança político-jurídica comprometida com a perda de liberdades, sem medo de impor a censura e criminalizar a oposição, agora oferece a cabeça de uma cantora pop em decadência para que o povão decida, por meio do voto, se ela será amada ou odiada. Se Wanessa Camargo os representa.
É este estratagema que os conservadores deveriam estar denunciando, no lugar de fazerem caras e bocas contra um jovem mimado com síndrome de Peter Pan. Estão mirando em Urias enquanto o rei come Bate-seba, derrubando os soldados da linha de frente de uma guerra cultural empreendida nas sutilezas, que pedem para serem decifradas.
Toda a atividade de denúncia da “direita” brasileira está reduzida à propaganda de um Brazilian Way of Life caipira, conservadorismo de interior, que caçoa do filho vagabundo da vizinha, das putarias e outras malandrices juvenis, porque é incapaz de elaborar e executar o desmascaramento do verdadeiro sistema de poder que a oprime.
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