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Há uma discussão a muito anos – envolvendo o professor e filósofo Olavo de Carvalho – se filósofos sem diplomas universitários são filósofos. Será que os filósofos são apenas universitários ou o professor de filosofia são pessoas que têm que ter diplomas?
Há uma diferença significativa entre ser professor e ser um filósofo, que muitas vezes, muitos acadêmicos confundem por acharem que só a academia tem o aval de determinar certos conhecimentos. Primeiro, para ser professor – no caso de filosofia – tem-se que fazer além do curso, a licenciatura.
Lógico, que é válido dentro dos profissionais que decorrem da vida do outrem, como médico (profissionais ligados à saúde), professores (que passam o conhecimento) e todos que tem como profissão. Mas, quem é escritor e filósofo? Há diferença?
O escritor Ariano Suassuna (1927 – 2014) – conhecido pelo romance Auto da Compadecida – era advogado e foi por muito tempo, professor de estética no departamento de Estética no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco. Segundo o pensamento geral e acadêmico, Suassuna não deveria ter licença para lecionar estética em uma universidade de Pernambuco e assim, ele deveria exercer a profissão dele dentro do curso que lhe cabe.
Podemos demonstrar, que o problema acadêmico tem conotações muito mais morais, do que conotações técnicas em algumas áreas. Como filosofia, que começa antes da academia – seu fundador foi o filósofo grego Platão (428/427 – 348/347 a.C) – tem o estigma de ciência, mas, a ciência tem um outro conceito hoje que não cabe mais para a filosofia.
1 – Conceito de academia
Todo filósofo gosta de trabalhar o conceito de algo para demonstrar sua tese daquilo que ele vê como um problema. Segundo a Wikipédia, o conceito vem do latim “conceptus” que vem ainda do verbo “concipere” que quer dizer, “conter completamente” ou “formar dentro de si”.
Na nossa língua – entrado na gramática portuguesa – é um termo substantivo masculino que demonstra aquilo que nossa mente concebe ou entende. Ora, é uma ideia ou noção, que representa algo abstrato de uma realidade, ou seja, ela é um entendimento dentro daquilo que vimos e aceitamos como realidade.
O conceito pode ser também definido como uma unidade semântica, ou pode ser um símbolo mental ou uma unidade dentro do conhecimento. Correspondendo, geralmente, a uma representação numa linguagem ou uma simbologia (sim, na filosofia há símbolos).
Se o conceito é uma representação de símbolos da linguagem – como um entendimento de uma certa realidade – deveríamos enxergar certas realidades como meros entendimentos dentro das perspectivas realistas de cada mente. Daí, o que o filósofo pode buscar dentro do conceito?
Na filosofia, o conceito consiste em uma representação mental e linguística de um objeto concreto ou abstrato, que tem o significado para a mente o próprio objeto da realidade no processo de identificação, classificação e descrição do objeto. Quando é contemplado como essência, um conceito é definido como a natureza de uma entidade. Mas, o que é a entidade que os filósofos tanto dizem?
Deleuze e Guatarri – no livro O que é a Filosofia? – dizem que o conceito não é tão simples. Todo conceito tem componentes, e se define como por eles. Ou seja, o conceito se define como modo de definição de um objeto e explicar isso não é fácil, não é algo simples e definido como único e definitivo.
Em um outro momento, no mesmo livro, os autores colocam o conceito de um agente que remete a um problema e há problemas sem os quais não teria sentido, e poderiam ser isolados ou compreendidos na medida de sua solução. Qual seria a solução de definição de academia e seus agentes que estudam e pesquisam (tem sua importância)?
Ora, se há um conceito de academia – a definição do que deveria ser o papel da academia e foi perdendo ou modificando com o tempo – há uma essência dentro do modo que se vê a academia na contemporaneidade. Será que essa visão é ou não radical de tolher a liberdade de alguém ser ou não um filósofo?
Daí temos uma visão em parte que a filosofia é uma ciência (conhecimento científico-filosófico herdado por Augusto Comte) e parte que a filosofia não tem que interpretar o mundo e sim, modificar o mundo (herdada pela filosofia de Karl Marx).
Mas, a filosofia tem um viés além disso e, particularmente, gosto da visão de Deleuze e Guattari, que viam a filosofia daquilo que não era: ela não era contemplativa, não era reflexão, não era comunicação. Ora, a filosofia não era só contemplação, porque ela não é desinteressada do mundo e dos objetos. Algo só é contemplativo, quando faz parte do desinteresse de algo. Se me interessa, não pode ser contemplação.
A filosofia faz refletir? Não. Um biólogo não precisa da filosofia para refletir sobre os animais, como um matemático não precisa de filósofos para refletir sobre números e suas operações. Nem comunica nada, pois, a filosofia não tem nenhum compromisso com o consenso, ela, aliás, é o caos sempre porque ela provoca. E essa provocação – até onde estudamos – não faz parte da academia e nem no conceito da academia.
2 – Origens acadêmicas
Como vimos acima, filósofos se importam com conceitos e até constroem esses conceitos. E assim, poderíamos dizer que, que há uma visão na antiguidade da academia, uma visão medieval da academia e existe uma visão moderna e pós-moderna da academia. Porque, sem um exame prévio do que é a academia em sua essência, não podemos ver a academia ao longo da história e o quanto ela mudou ao longo dos séculos históricos.
A Academia platônica – iniciada pelo filósofo Platão em 387 a, c. – em Atenas, se trata da primeira universidade da história, na qual seus alunos recebiam educação formal. E ela durou quase mil anos – até o século VI – quando o imperador romano Justiniano a fechou como uma política de abolição da cultura helenista pagã. Muitos historiadores veem essa atitude como um começo da idade média. O fato é que a Academia tinha uma importância muito grande no mundo helenista antigo.
Platão – por ter cidadania ateniense – pode comprar uma pequena propriedade no interior de uma área num dos mais belos subúrbios de Atenas. O local era considerado como um lugar público, esta era chamada Akademia ou Hekademia, e ali tinha um parque com várias alamedas e várias árvores, que eram adornadas com muitas estátuas, templos e sepulcros de figuras ilustres. Na sua origem, a Akademia era dedicada a um herói ático chamado Akademos ou Hekademos, que emprestou seu nome à área que está.
Platão colocou em prática seu projeto da Academia. Ora, em sua obra mais importante, A República (Politeia), Platão expõe sua ideia de como seria ter uma república ideal, onde não poderia ter propriedades e nem casamentos, as crianças seriam educadas comunitariamente pelo Estado e muito longe de onde nasceram. Isso para educá-las a serem filósofos-governantes e desses saírem um filósofo-rei. Não havia hierarquia e teve várias salas onde teria um responsável por cada uma delas.
O conceito de academia para a antiguidade era formar pessoas que fossem livres – menos crianças, escravos e mulheres, mesmo que, várias mulheres tenham estudado na academia e a própria mãe de Platão foi uma filósofa – e que eram conhecidos como pessoas que se importavam e a grande maioria, continuou a pesquisar as ideias de Platão (menos Aristóteles, no qual, não concordava com o mestre).
Depois apareceram as academias (universidades) medievais no século doze e treze, que tinha como base a fé cristã (e, talvez, baseadas no Liceu aristotélico e na Academia platônica). Onde, seu conceito, como era uma criação escolástica – que era uma iniciativa da Igreja Católica – as universidades se originaram como extensões dos colégios episcopais (seminários), onde os jovens aprendiam o domínio das sete artes liberais, que faziam parte da educação da era medieval.
Ora, nas eras antigas, a academia eram centros de estudo para formação de agentes políticos (sociais), onde havia uma pesquisa e comprovação de teses platônicas. Posteriormente, tanto Aristóteles (saiu da Academia) quanto outros, começaram a fundar escolas de suas filosofias. Na era medieval, há uma mudança e essa mudança tem a ver com a fé cristã, que retoma a ideia da academia com um ar universal.
As universidades modernas começaram graças a um livro do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) que são textos ao longo de anos ao qual tem o nome de Conflito das Faculdades. Esse texto foi o único que fez uma reflexão sobre a universidade moderna e foi o marco para a mudança na determinação de seu sentido de existir. Ele representa essa mudança por contrapor ao modelo que era as universidades medievais, que eram constituídas por três faculdades superiores (teologia, Direito e Medicina) e a faculdade inferior (a Filosofia).
A hierarquia dessa organização refletia uma ordem decorrente das necessidades empíricas percebidas pelo Estado, pois a universidade lhe servia para formar indivíduos que teriam como tarefa simplesmente cumprir seu papel do modo como foi aprendido.
Ora, não foi isso que se tornou as universidades brasileiras (talvez, por nossa herança medieval)? Aqui, a meu ver, há uma disposição de sempre jogar o curso de filosofia como um curso inferior e sem importância, enquanto, tirando teologia, os cursos de maior destaque, ainda está direito e medicina. Por outro lado, há hoje uma demanda de formar profissionais em informática e isso traz mais uma dúvida: será que não seria uma estratégia para baratear a mão de obra no setor?
Como vimos, a ideia da universidade era dar conhecimento a quem nela entrasse, com isso, criar pessoas que pudessem ter um conhecimento político maior. Mas, ao longo dos séculos – talvez, Platão tenha idealizado uma escola que pudesse levar a cabo o que seu mestre Sócrates na questão do conhecimento – foi perdendo a sua essência por inúmeros interesses ao longo dos tempos.
A questão sempre foi: qual o papel da academia para uma nação? Lógico, que em termos técnicos, seria um lugar de pesquisas científicas (de todas as áreas) e de formação de profissionais que vão trabalhar em prol do progresso de uma nação. Por outro lado, num modo prático, em alguns momentos, a universidade atende interesses políticos e ideológicos. Principalmente, no que se refere a humanas.
Porém, podemos seguir o raciocínio de Deleuze, um filósofo analisa os conceitos e esses conceitos devem ser além de uma visão binária e pobre. Afinal, o que é um filósofo do que um amigo do saber que procura a sabedoria e ao mesmo tempo a critica para achar um caminho. Ai que alguns erram em dizer que a “filosofia serve”, porque a filosofia não é servil e nem pode ser, pois, a filosofia é um modo de não ser subserviente no modo que as pessoas estão acostumadas.
Então, será mesmo, que só é filósofo se for acadêmico? Só se usa a filosofia de modo acadêmico?
Este artigo foi escrito por Amauri Nolasco Sanches Junior e publicado originalmente em Prensa.li.
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