A formação inicial e em serviço do professor/educador para uma Educação Infantil de qualidade.
O processo de construção de um projeto
educacional de qualidade para a criança de 0 a 6 anos tem de ser
contínuo. A formação inicial básica em nível superior, como proposto
pela nova LDB, ou o retorno dos educadores para escola através de
programas supletivos especiais, embora essenciais, não bastam. Uma
educação de qualidade exige formação em serviço dos profissionais
envolvidos, assegurando e instrumentando sua efetiva colaboração
enquanto agentes centrais do processo. Essa formação deve estar
relacionada ao saber, ao saber fazer e ao saber explicar e planejar o
fazer.
Para isso é preciso formar o
professor/educador através de observações, discussões e reflexões sobre
suas ações cotidianas no interior da creche ou pré-escola. Nesse
processo, é necessário dar especial atenção às concepções, crenças,
valores e projetos de vida desse profissional, a sua própria identidade
pessoal que, intimamente associada a sua identidade profissional,
influencia a qualidade geral de seu trabalho. O que ele pensa a respeito
da sociedade, da função social da creche, da escola e da educação?
Quais as suas idéias sobre o que é um bom ou mau professor? Não lhe
basta apenas obter conhecimentos e técnicas, dominar conteúdos e
metodologias de ensino. É necessário que ele construa uma visão ética e
política da sua prática profissional. Aliás, é enganosa a idéia de que
existe uma proposta psicopedagógica completamente pronta e organizada a
ser executada. Essa proposta muda conforme as possibilidades da
instituição, o momento histórico, a população atendida e a dinâmica das
relações que ali ocorrem.
Ela acontece através de planejamento –
ação – avaliação -replanejamento, em um processo em que devem estar
envolvidos todos os profissionais da equipe. Para isso, no entanto,
todos precisam ser respeitados enquanto profissionais, com direitos e
deveres. O que pressupõe condições adequadas de trabalho e remuneração.
Pressupõe também tempo disponível na
rotina para planejamento, registro e reflexões. Como prevê, agora, a
LDB. O apoio e parceria dos colegas e supervisores nessa tarefa é
fundamental para que haja um aprimoramento na qualidade do trabalho
realizado por todo o grupo. Favorece também a criação de um espírito de
equipe, onde cada um se percebe como peça fundamental na construção do
conhecimento pessoal e coletivo, do conhecimento das crianças, da
proposta pedagógica da instituição, de sua identidade profissional e da
qualidade do serviço prestado à comunidade como um todo. Só assim será
possível atender à necessidade de conquistar qualidade nas ações
educativas, para propiciar o melhor desenvolvimento possível às
crianças.
REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA EDUCAÇÃO INFANTIL
O Referencial Curricular Nacional para
Educação Infantil deve ser entendido como uma proposta aberta, flexível e
não obrigatória, que visa a estruturação de propostas educacionais
adequadas á especificidade de cada região do país. Sua primeira versão
foi analisada por mais de 500 especialistas em âmbito nacional. O
documento mostra as conquistas políticas documentais (Constituição,
LDB..) e denota a incorporação, pelo MEC, da “Educação Infantil no
sistema educacional regular.” O documento aponta a especificação legal
da Educação Infantil e sua importância ao ser reconhecida e apoiada na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o que por, si só, já é uma grande
vitória, mas a qualidade da ação é ainda um caminho muito difícil a
conquistar. Define uma perspectiva teórica norteadora, a qual é
apontada, pelos educadores, como psicologizante. Será este o problema do
documento ? A ênfase no modelo construtivista ?
Por que se outro fosse tudo se
enquadraria dentro de um único referencial teórico ou Existe aqui a
necessidade de flexibilizar tal orientação ? – será que em todo Brasil,
no trabalho com Educação Infantil, há condições de adotar ou mesmo o
desejo de adotar um único referencial teórico ?; – podemos impingir uma
única modalidade de pensamento e/ou aport discursivo à uma Nação tão
grande e com tantas especificidades regionais ?
Há que se pensar em tais questões porque no RCNEI é dito que ” estas
orientações devem subsidiar e instrumentalizar os diferentes
profissionais…de “função técnica até…os que trabalham diretamente com as
crianças; além de apresentar objetivos claros de – estabelecer
parâmetros…estaduais e municipais das políticas de E.I.; – subsidiar a
produção e a avaliação de material didático; – fornecer critérios de
qualidade. Acredito ser mais interessante manter o caráter de suporte à
ação pedagógica e não coordenação da mesma ação. Assim estava sendo
feito nos documentos produzidos de 1994 a 1996, pela Coordenação Geral
de Educação Infantil (COEDI), do Departamento de Políticas Educacionais,
do MEC, que refletiam o esforço de documentar a realidade enfrentada no
país Um outro problema a ser enfrentado é a coincidência de fala de uma
única região do país. Essa “fala” hegemônica regional pode ser
obstáculo a um dos objetivos centrais do documento: – o respeito e
valorização da pluralidade e multiculturalidade de nossa sociedade.
Referencial curricular nacional para a educação infantil:
Comentário
O texto em questão é analisado em termos de sua consistência com a
perspectiva socio-construtivista, com a concepção da criança como agente
ativo e auto-determinado de seu próprio desenvolvimento e com a
concepcão sobre o brincar como sistema autônomo e intrinsecamente
motivado. São contrastados os modelos mecanicista e organísmico em
Psicologia, e as teorias motivacionais decorrentes deles. Discutem-se as
implicações do conceito de motivação intrínseca termos cognitivos e
afetivos, em geral e sobre o comportamento lúdico em particular.
Comenta-se o texto de referência com relação à coerência e rigor de seus
fundamentos teóricos e a suas potencialidades como orientação para
profissionais envolvidos na prática da educação pré-escolar.
A Linguagem dos Números: Ingresso na Arte da Matemática
Renata Lefevre
Desde muito pequenas, as crianças participam de uma série de
situações que envolvem números, relações entre quantidades e noção de
espaço, devido as necessidades práticas da vida diária. O profissional
de educação infantil deve instrumentalizar seus alunos para que
descubram o que significam, como funcionam os números e possam operar
com eles, avançando cada vez mais em suas hipóteses sobre esse sistema
de representação.
Quais são os conteúdos a serem trabalhados na área da matemática ?
Acredito ser importante o educador conhecer a distinção estabelecida por
Piaget entre três tipos de conhecimento, considerando suas fontes
básicas e seu modo de estruturação: conhecimento físico, conhecimento
lógico-matemático e conhecimento social.
Conhecimento físico – é o conhecimento
dos objetos da realidade externa. A cor e o peso são exemplos de
propriedades físicas e podem ser conhecidas pela observação (a fonte do
conhecimento é parcialmente externa ao indivíduo).
Conhecimento lógico-matemático – coordenação de relações criada
mentalmente por cada indivíduo entre os objetos (fonte do conhecimento
lógico-matemático é interna).
Conhecimento social – possui natureza
amplamente arbitrária, ou seja, não existe uma relação lógica ou física
entre o objeto e o conhecimento deste objeto (fonte do conhecimento
parcialmente externa ao indivíduo). É construído no meio social que a
criança vive.
Tendo uma visão clara destes três tipos
de conhecimento, o educador pode perceber a qual deles pertence o
conteúdo que pretende trabalhar e estabelecer os objetivos,
encaminhamentos e ou intervenções coerentes com a fonte do mesmo. Para o
conhecimento social, deve propor atividades que promovam o contato com o
conteúdo ou a troca de informações sobre o mesmo, não pretendendo que o
aluno construa este conhecimento só pela lógica. Para os conhecimentos
físico e lógico-matemático deve criar situações que possibilitem a
descoberta das características dos objetos e a construção de relações
entre os mesmos.
Dificilmente um conteúdo pode ser
considerado como pertencente a somente um dos tipos de conhecimento.
Cito como exemplo a construção do número; as palavras um, dois, três,
são exemplos de conhecimento social, portanto ensináveis diretamente.
Contudo, a idéia subjacente de número pertence ao conhecimento
lógico-matemático que é construído internamente. Analisando o conteúdo
que pretende trabalhar e percebendo estas diferenças, o professor saberá
distinguir o momento de responder (dar uma devolução) ou instigar o
aluno a pensar mais sobre o conhecimento em questão e criar uma nova
resposta para ele mesmo (utilizar uma intervenção).
Como trabalhar estes conteúdos ?
Estes conteúdos podem ser organizados em três eixos:
1-Aprender resolvendo problemas
Entende-se como problema qualquer
situação para a qual os conhecimentos imediatos que a criança possui não
são suficientes e que a coloca diante de um desafio, que exigirá busca
de procedimentos e a construção de novos saberes.
Fazer matemática é expor idéias próprias,
escutar as dos outros, formular e comunicar procedimentos de resolução
de problemas, confrontar, argumentar e procurar validar o seu ponto de
vista, antecipar resultados de experiências não realizadas, aceitar
erros, buscar dados que faltam para resolver problemas. Nesta
perspectiva, a criança está sempre tomando decisões, sendo produtora de
conhecimento e não apenas executora de instruções. O ensino da
matemática tem um enorme potencial de iniciar a formação de cidadãos
autônomos, capazes de pensar por conta própria.
Reconhecer a adequação de uma dada
situação para a aprendizagem, tecer comentários, formular perguntas,
suscitar desafios, incentivar a verbalização pela criança, são atitudes
indispensáveis ao educador. Representam vias a partir das quais o
conhecimento matemático vai sendo elaborado por ela.
Situações problema do cotidiano,
espontâneas ou planejadas, servem para incentivar o raciocínio lógico
que não é diretamente ensinável (fonte interna). Estas situações tem
como principal objetivo encorajar constantemente a criança a estar
alerta e colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as
espécies de relações.
Situações espontâneas – momentos nos
quais as crianças sentem necessidade ou interesse de resolver um
problema que surgiu ao acaso, como: divisão do lanche, situações de
conflito, arrumação de objetos para uma brincadeira ou quando são
desordenados acidentalmente, organização da sala e outras.
Situações planejadas (inclusive a criança
ou grupo que irá executar a tarefa) – distribuição de materiais,
divisão de objetos, coleta, manutenção de quadros de registro, arrumação
da sala, votação e outros.
Problemas planejados pela professora e
colocados para as crianças resolverem (Roland Charnay) – a atividade de
resolução de problemas está intimamente ligada a ciência matemática.”
Fazer matemática é resolver problemas !”. O professor propõe e organiza
uma série de situações com diferentes obstáculos (variedades didáticas
dentro destas situações) e organiza as diferentes fases – investigação,
formulação, validação e institucionalização. Propõe o momento adequado
para cada uma destas fases e elementos convencionais do saber (notações,
terminologia). O aluno ensaia, busca, propõe soluções, confronta-as com
a de seus colegas, defende-as e as discute.
Os problemas devem ser vistos como
instrumento de elaboração do saber. É principalmente através da
resolução de uma série de problemas escolhidos pelo professor que o
aluno constrói seu saber, em interação com os outros alunos. O que dá
sentido aos conceitos ou teorias são os problemas que estes ou estas
permitem resolver.
As atividades de resolução de problemas
devem ser criteriosamente planejadas, a fim de que estejam
contextualizadas, remetam a conhecimentos prévios, exijam ampliação de
repertório e se mostrem como uma necessidade que justifique a busca de
novas informações.
Nestas ocasiões espontâneas ou
planejadas, o objetivo do professor não é ensinar a criança a raciocinar
acertadamente, e, sim, intervir de acordo com aquilo que parece estar
sucedendo na cabeça da criança. É através do pensamento que a criança
constrói as estruturas mentais que garantem o desenvolvimento do
conhecimento lógico-matemático.
As intervenções podem acontecer no ato da
resolução do problema ou através de novas atividades a serem definidas
no planejamento.
2-Aprender as informações sobre a linguagem matemática e sua utilização no meio social (fonte parcialmente externa).
O conhecimento social deve ser
transmitido, socializado. O educador deve garantir o contato com o
sistema de numeração nas suas diversas formas e funções sociais, através
da linguagem oral (ex:: contagem), do calendário, do número de sapato,
da residência, do uso de dinheiro, das medidas , gráficos e outros.
3-Aprender através do jogo – o jogo
proporciona um contexto excelente para o pensamento em geral e para
comparação de quantidades.
O jogo tem uma amplitude que vai para
além dos conteúdos de matemática ou qualquer outra área de conhecimento.
Cumpre uma dupla função: a lúdica e a educativa, aliando à finalidade
do divertimento e prazer outras, como desenvolvimento afetivo,
cognitivo, físico, social e moral, manifestadas em um grande número de
competências: tomada de decisões; representações mentais e simbólicas;
escolha de estratégias; ações sensório motoras; interações; observação e
respeito às regras.
O que é um jogo? Para Kamii o jogo é uma
atividade que implica uma interação entre os elementos do grupo de
acordo com uma regra estabelecida que especifique: um clímax
preestabelecido (objetivo) e o que cada jogador deve tentar fazer em
papéis que são interdependentes, opostos e cooperativos.
Ex: Esconde-esconde:
Clímax – achar/ser achado, não achar/ não ser achado.
Papéis – de quem esconde, quem procura.
São papéis interdependentes, porque um não existe sem o outro.
São papéis opostos, porque um impede que o outro alcance seu objetivo.
São papéis de colaboração, porque o jogo não pode acontecer sem que os
jogadores concordem mutuamente e cooperem seguindo às regras
estabelecidas e aceitando suas conseqüências.
O bom jogo não é aquele que
necessariamente a criança pode dominar “corretamente”. O importante é
que a criança possa jogar de maneira lógica e desafiadora, com condições
de confrontar pontos de vista, refletir sobre sua ação e pensar como
jogar de outras maneiras.
É uma prática que auxilia a construção ou
potencialização dos conhecimentos e oferece condições para a
aprendizagem matemática e outras áreas de conhecimento. Mas, a dimensão
lúdica do jogo jamais deve ser excluída ou posta em segundo plano, sendo
preservadas a disposição e intencionalidade da criança brincar.
Como o professor pode escolher um bom jogo para o seu grupo ?
Para responder a esta questão, resgato a
sugestão de Kamii. Para avaliar se o jogo é interessante e desafiador o
professor deve se colocar as seguintes questões:
1- Quais os conteúdos necessários para compreender a essência de um determinado jogo ?
2- Quais os conhecimentos prévios dos meus alunos em relação a estes conteúdos ?
3- O que já sabem está próximo do que precisam saber para disputar o jogo plenamente ?
4- Será o jogo suficientemente interessante e difícil para desafiá-los ?
5- Quais jogos os meus alunos já sabem ?
6- O jogo novo tem algo de parecido com os jogos que já conhecem para que possam estabelecer relações ?
Estas questões fazem com que o professor
tome a perspectiva da criança, podendo avaliar o grau de interesse que
cada jogo provavelmente terá para cada aluno ou grupo de alunos.
Numa segunda etapa, será preciso
apresentar o jogo escolhido para as crianças e observar, para constatar
se realmente é adequado ou não.
Após algum tempo de uso, as crianças
devem ser capazes de realizar as jogadas sozinhas, sem a intervenção
constante da professora.
Outro ponto a ser observado é se o jogo
permite que a própria criança possa avaliar seu desempenho. Quando a
criança tenta obter um resultado, está naturalmente interessada no
sucesso de sua ação. O resultado deve ser claro a ponto de possibilitar
que a criança avalie seu sucesso sem margem de dúvida. É preciso evitar
qualquer situação de ambivalência para que face a um resultado falho, a
criança possa julgar onde errou e exercitar sua inteligência para
superar suas faltas. A resposta correta não deve ser imposta pela
professora. Deve ser constatada pela própria criança, que busca esta
resposta de maneira ativa.
Finalmente, o último ponto implica
observar a participação ativa de todos os jogadores e perceber a
capacidade de envolvimento decorrente do nível de desenvolvimento de
cada um. Esta participação tem que ser contínua, agindo, observando ou
pensando.
A participação ativa está relacionada à
atividade mental e envolvimento do ponto de vista da criança. Para uma
criança pequena, a participação ativa geralmente significa atividade
física. Posteriormente, tendem a se preocupar apenas com o que elas
mesmas fazem, a sua jogada. Na fase seguinte, começam a observar e se
envolver na ação dos outros colegas e podem ficar na roda com interesse,
pois estão mentalmente envolvidas e criando estratégias para alcançar o
objetivo do jogo.
O objetivo final em relação ao trabalho
com o jogo é que a criança perceba a interdependência, oposição,
colaboração de papéis e que desenvolva sua capacidade de colaboração.
Como avaliar o desempenho das crianças em relação a matemática ?
Os instrumentos de avaliação na área da
matemática na educação infantil são o diálogo e a observação. As
respostas das crianças para explicar seus pontos de vista e as condutas
escolhidas por elas para resolverem seus problemas são indícios que
auxiliam a compreender como estão pensando, o que já sabem e que
significados atribuiriam aos conteúdos trabalhados pelo professor. As
informações colhidas durante esse processo contínuo de avaliação servem
para orientar o professor a planejar sua ação educativa de uma forma que
atenda às necessidades de um determinado grupo de alunos em um
determinado momento.
O educador deve manter o olhar atento ao
desenvolvimento individual e do grupo que está trabalhando no momento,
pois as crianças percorrem caminhos parecidos, mas em velocidades
diferentes, de acordo com o meio em que vivem e principalmente dos
estímulos que recebem dos adultos que as cercam. O desenvolvimento
infantil não é linear, as crianças avançam, aparentemente param ou
recuam, conforme seu estado emocional ou pela necessidade de rever uma
hipótese para aprimorá-la. É conhecendo bem o seu grupo que o professor
saberá se determinado conteúdo é adequado ou não.
REFERÊNCIAS:
KAMII, Constance. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria de Piaget. São Paulo: Trajetória Cultural.
KAMII, Constance. A criança e o número. Campinas: Papirus.
PARRA, Cecília. Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre:
Artes Médicas.
MACEDO, Lino de. A importância dos jogos
de regras para a construção do conhecimento na escola. Universidade de
São Paulo/Instituto de Psicologia/Laboratório de Psicopedagogia.
Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil – MATEMÁTICA.
CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
fonte:
http://www.pedagogiaaopedaletra.com.br/posts/rcnei-referencial-curricular-para-educacao-infantil/
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